Love Jokes escrita por Bojack


Capítulo 11
Capítulo X - Término


Notas iniciais do capítulo

Que capítulo intenso! Muitas resoluções interessantes. Estou feliz que chegamos até aqui.



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   Era cedo, e embora a noite passada houvesse sido dura, fora também imensamente esclarecedora, e agora ali estava, em sua última sessão com seu paciente psicótico e esquizofrênico que estava a um passo de uma possível regeneração de sua sanidade, há muito perdida, Logan Howard.

   O homem calvo com óculos de hastes grossas sorria alegremente para sua psiquiatra; sempre se alegrava ao vê-la, era a única parte de seu dia que importava. Para Howard, sua psiquiatra, a Doutora Harleen, era como uma divindade que vinha para recuperar sua sanidade e ajudá-lo a recomeçar a vida. Sua fonte de benevolência e amor.

     Harleen sabia que este término abrupto poderia desencadear alguma sequela a seu paciente, porém, por sua melhoria tamanha, imaginava que esta sequela também seria recuperável, e passaria para o próximo, ou a próxima psiquiatra, todas as informações e técnicas necessárias para tal.

— Adivinhe, Sr. Logan, O Dr. Arkham irá enviar o colchão novo para sua cela amanhã! – Harleen sorria. Tinha de trazer boas notícias e manter a imagem de calmaria e grande bem para aquele homem, assim o término seria, talvez, menos doloroso.

— Magnífico! Esplêndido! – Logan animava-se e batia palmas sorridente. – Tudo caminha bem ultimamente, não é mesmo, Doutora? Sinto que em breve não mais me conterei a estas paredes que me aprisionam!

— Talvez, talvez, Sr. Logan. Continue se esforçando. – Ela apontava com a palma aberta e virada para cima, enquanto inclinava a cabeça, sorria e o olhava por sobre os óculos.

   Os raios de sol atravessavam a janela e faziam brilhar os cabelos dourados da Dra. Quinzel, uma imagem tão bela quanto se podia imaginar tamanha beleza em uma única mulher. Logan acima de tudo, salivava por ela. Talvez, por toda sua vida, houvesse sido a única mulher pela qual se interessou verdadeiramente. Não era sexual, ao menos até onde sabia, era como admirar um santo.

   Os olhos verdes de Harleen observavam cuidadosamente, embora de forma ansiosa, seu paciente. Julgava quando seria o melhor momento para contar-lhe. Talvez ao final da sessão.  Pedira então para que Logan, seu paciente, lhe contasse sobre suas melhoras, e sobre o livro a qual pedira para ler “Contos felizes de um pai”.

   De cara, Howard mostrara-se um tanto incomodo com a temática do livro, porém, admitiu que esforçou-se para lê-lo.

— Você sabe... É difícil para mim, Doutora. A senhora me conhece melhor do que todos, provavelmente melhor do que eu mesmo até. Eu me esforcei e continuarei a me esforçar para ler. Não é tão ruim ou absurdo como eu pensei, sabe... Mas, é estranho.

— Eu imagino. Está em que capítulo, Sr. Howard? – Harleen imaginava que ele não houvesse lido muito.

— Dez. Não é muito, mas, eu estou tentando. – Howard expressava uma dor emocional em sua face.

— E o que contou até agora? – Harleen o testava.

— Até agora, Karst contara sobre o como Alda, sua mulher, como deve saber, engravidou em péssimo momento, e tiveram de abandonar a escola na época. Karst logo começou a trabalhar com seu pai... Acredito que o nome dele seja Anbovijish... num tipo de feira de frutas e vegetais. – Logan parecia bastante concentrado enquanto lembrava de tudo.

— Arbovosijish. – Corrigiu Harleen.

— Isto, certo. – Continuou Logan. – Seu filho nascera seis meses depois de começar a trabalhar na feira, e um mês depois de seu pai morrer em um acidente de carro. Karst conta como fora difícil perder seu pai e ganhar um filho, tendo tão pouco.  Seu primeiro filho se chamou Samin. A infância de Samin fora dura, como Karst e Alda não tinham muito, Samin sempre invejava outras crianças com melhores condições. Karst educou seu filho para que fosse gentil e compreendesse que a humildade na qual viviam deveria ser tomada não como desprivilegio, mas, como um dever de aprender a se importar com o que possuía e lutar para conquistar o que quisesse. No capítulo dez, Samin está numa festa de seu colégio e conta a seu pai que está apaixonado por uma menina de sua sala.

— Incrível, Sr. Howard, sua memória é ótima. O que está achando de tudo isto?

— Quando Karst perdeu seu pai, eu não me senti feliz. Talvez por quê ele, Karst, não tenha sentido um furor de liberdade, mas, uma dor imensa em seu ser. Fora uma cena bastante triste. E talvez ainda mais estranho... Bem, eu me senti estranho, quando Samin nascera e Karst chamou o acontecimento de “milagre que aqueceria seu coração e recuperaria sua alma”. Karst tratava seu pai como um porto seguro, e trata agora seu filho como uma fonte de amor.

— E como se sente sobre isto? – Indagou Harleen.

— Eu não sei ao certo, Doutora. Eu não sei se compreendo o que é amor, ao menos não um amor paternal. Eu não chorei, nem nada, mas, senti na minha garganta algo apertar. – Contou Howard.

— Um dia você saberá, Sr. Howard. Um dia com certeza, saberá. Você está a um passo da salvação.

— De qualquer forma, estes dois livros me fizeram escrever muitas coisas, Doutora. Veja. – Howard retirou de uma das páginas do livro que carregava, uma folha dobrada com diversas anotações, as quais vêm fazendo ao longo dos dias para o livro sobre sua vida, o qual têm escrito com a Doutora Harleen a cada sessão, trinta minutos antes de seus términos.

— Entendo. Deixe-me ver. – Harleen lera algumas anotações e percebera, que de passagens de lembranças, Logan passara a escrever narrações de seus pensamentos, onde agora refletia sobre os erros que seus pais cometeram em sua infância. Agora Logan não os descreviam como demônios, mas, como pessoas doentes e tristes. – Fico feliz com suas anotações, Sr. Howard.

    O tempo passara infelizmente devagar ao longo desta última sessão, porém, finalmente chegara o momento. Em seus últimos trinta minutos, como fora em muitas de suas sessões, utilizaram o tempo para escrever o livro sobre a vida de Logan Howard. A escrita fluía, ambos riam e se divertiam, Harleen podia ver a melhora de seu paciente e estava feliz por terminar desta forma, temia algo pior, talvez fosse a hora de contar-lhe sua decisão necessária.

   Quando a escrita terminara, e após lerem o capítulo que haviam fechado, Harleen avisou a seu paciente, Logan Howard, que teria de dar-lhe uma infeliz notícia, uma decisão que tomara com tamanho pesar. Avisou-lhe que sabia que o magoaria com isto, mas, era necessário para que ambos pudessem prosseguir e melhorar. Howard franzia as sobrancelhas e apertava as pálpebras sem muito entender.

— Esta foi nossa última sessão, Sr. Howard. Eu não posso mais tratá-lo. A partir de amanhã, o senhor terá uma nova psiquiatra. – Harleen fingia-se tristonha, quando na realidade era como retirar um peso de suas costas. Não que, talvez, não viesse a sentir falta de seu paciente, mas, sabia que era o necessário.

— O que? – Howard não compreendera.

— Eu conversei com o Diretor Arkham, e decidimos que para completar seu tratamento, deveríamos passá-lo para alguém novo. – Não fora isto o que havia conversado com o Diretor, mas, era melhor do que a verdade.

— Por quê? – Howard começara a ficar vermelho.

— Acalme-se, Howard. Eu sei que é triste, eu também não gosto. – Talvez a situação fosse um tanto pior do que Harleen esperava.

— Mentira! – Howard gritara de repente, o que dera um susto em Harleen. – Você está mentindo! Por que você está me deixando? – Seu tom era furioso e seus olhos brilhavam como um incêndio catastrófico.

— Estou lhe passando para outra psiquiatra, pelo bem de seu tratamento, Howard. Agora se sente, não permitirei que fale assim comigo. – Ordenou Harleen.

— Ah, sua vadiazinha! – Ele gritava. – Tem outro, não é? É por ele que você está indo? Eu sabia! – A expressão facial de Howard demonstrava um ódio crescente.

— Sente-se, senhor Howard! – Harleen aumentara o tom.

— Você é como todas, no fim. Apenas mentiras. Você também fora corrompida! – Howard começara a avançar na direção de Harleen que se levantara para tentar fugir.

— Eu... – Howard começara a piscar de forma mais lenta e com mais força. Piscadelas de desconforto. Sua cabeça doía.

— Howard? Se acalme. Não perca tudo o que tratamos até agora. – Harleen estendia sua mão na direção de Howard pedindo para que se contivesse.

— Tratamos? Você só mentiu para mim! Me fez ler livros ridículos achando que iriam me ajudar, mas, na realidade, você queria me corromper e apenas isto! Jesus, como pude me entregar assim? – Howard olhara com sua esclera avermelhada e pupila dilatada, mirando furiosamente sua psiquiatra. – Eu tenho que purificar você! Você não vai me deixar! Eu vou purificar você e você vai me contar quem é que está te corrompendo. Eu vou devolvê-lo às terras profanas de onde veio!

   Howard repentinamente avançou para cima de Harleen, que com o susto não teve tempo de reação e acabara sendo arremessada no chão com um soco potente de seu paciente. Howard saltou em cima de Harleen e agarrou-lhe seu pescoço com força. Harleen estava tonta, e embora fraca pela queda, mesmo com a cabeça dolorida e sua visão turva, tentou afastar seu agressor empurrando sua face. De nada adiantava. Talvez fosse morrer ali. Sentia algo quente escorrer de sua boca, e sua cabeça parecia girar. Tudo começara a escurecer.

   O som da porta metálica se abrindo pôde ser escutado, e uma gritaria parecia vir de algum lugar longe. Antes que Howard fosse subitamente puxado de cima da Doutora Quinzel, mais um impacto em seu rosto pôde ser sentido dolorosamente.

    Frances agachou-se rapidamente ao lado de Harleen, examinou-a e com cuidado a pôs sentada. Olhou assustado para os ferimentos de Harleen em busca de qualquer indício de ossos fraturados, ou gravidade urgente; ao não encontrar, olhou furioso enfim para Logan Howard, cujo estava detido contra parede, imobilizado pelo grandalhão moreno, Roon, que o empurrava com mais força do que era necessário contra a parede.

— Seu merdinha! Por que você fez isso? – Gritou Frances para Howard que não conseguia se mexer e apenas continuava a olhar para Harleen com extrema fúria. – Leva esse babaca para a cela dele. Vou levar a Doutora para a enfermaria.

   Harleen estava começando a melhorar de sua tontura, quando Frances pôs seu braço por volta de seu ombro e ajudou-a a se levantar.

— Vamos Doutora, vou levá-la a enfermaria para olharmos esses machucados. – Disse Frances enquanto carregava Harleen apoiada em seu pescoço. Harleen não pôde negar.

    Dentro da enfermaria o ambiente era bem iluminado, nas paredes brancas havia janelas fechadas e pequenas, em um canto da enfermaria haviam camas com lençóis azuis e brancos, enquanto ao lado oposto do quarto haviam outras camas, porém, tampadas por uma cortina azul comprida que as circulava. Ao fundo da enfermaria havia uma mesa executiva com muitos papéis sobre ela, assim como uma luminária e alguns livros, frente a mesa, analisando uma prancheta, estava uma mulher de cabelos castanhos, íris avelã, sem maquiagem, por volta de quarenta anos e com óculos finos de hastes pretas.

    Ao ver Frances adentrar sua sala com uma mulher, ferida e apoiada em seu pescoço, largara sua prancheta imediatamente e correra para ajudar. Deitaram-na numa das camas de lençóis azuis e brancos; a mulher que agora pôde identificar ao ler o crachá como: “Dra. Harleen F. Quinzel” reclamava de dores ao se desprender do pescoço de Frances e deitar na cama.

— O que houve? – Perguntou a enfermeira.

— Um maldito paciente a atacou. – Respondeu Frances ainda demonstrando a raiva que sentia pela situação. Em seu âmago, não havia apenas raiva, mas, culpa também. “Não pude protegê-la... Não pude cumprir meu dever.” Pensava Frances.

— Tudo bem. Doutora Quinzel, farei um exame rápido para checar seu estado e descobrirmos se há algum osso quebrado, tudo bem? Mas, antes, preciso que me explique como ocorreu o ataque, quais áreas foram golpeadas, se houve queda... Pode fazer isto, Doutora? – Era costume que mesmo enquanto ainda anunciava sobre o “exame rápido” que viria a fazer, na realidade, o tal exame já havia começado.

— Tudo bem. Ele me acertou no rosto e pescoço. – Um dos lados do rosto de Harleen estava inchado realmente, e seu pescoço tinham marcas roxas de dedos. Howard realmente pretendia matá-la. – Eu também caí no chão e bati a cabeça.

— Entendi. Vamos fazer um Raio-X, é a melhor maneira. – A enfermeira andara até uma parte do quarto onde havia cadeiras de rodas penduradas. – Me ajuda, Frances?

— Que? –Frances na hora assustou-se pela enfermeira chamá-lo pelo nome, havia esquecido de seu crachá.  – Ah, sim, claro!

    Harleen não sentia nada quebrado, mas, concordava que talvez fosse melhor não arriscar, havia sido uma bela queda, Logan a havia pego desprevenida. No momento, Harleen apenas conseguia sentir-se furiosa pela agressão que sofrera de seu paciente, e talvez, ainda pior do que isto, Logan Howard que parecia estar tendo um imenso progresso, mostrou que ainda é imensamente instável e agressivo.

    Após sair da enfermaria, tendo feito os exames necessários, e sendo diagnosticada apenas com alguns hematomas leves e uma contusão não preocupante na parte posterior da cabeça, já sentindo-se melhor, embora a pequena dor de cabeça, Harleen agradecera seus dois seguranças e então começara a andar apressadamente para o corredor que a levaria até a passarela que ligava aquele prédio ao prédio principal.  

— Doutora. – Chamou a enfermeira.

— Sim, Lucia? – Era o nome da mulher de vestes azuis que a havia atendido alguns poucos minutos atrás.

— Aconselho, Doutora, ir para casa e descansar hoje. Mais estresse apenas lhe faria mal. – A enfermeira parecia preocupada. – Tenho certeza de que o Dr. Daniel poderia lhe conceder um atestado, ou mesmo falar com o Diretor sobre o evento e seus ferimentos.

— Não posso, felizmente, Lucia. Tenho um trabalho importante hoje. E antes, tenho de entregar este último relatório sobre o bastardo do Logan Howard, ao Diretor Arkham.

— Tome cuidado. Se sua dor de cabeça piorar, por favor, passe aqui e então vá para casa. – Pediu Lucia, a enfermeira.

— Pode deixar, meu amor. – Harleen se despedira, grata pelos cuidados de todos e então avançara para o prédio principal, onde ficava o escritório do Diretor Arkham.

   Já no elevador, sua mente não mais sentia-se tão estressada quanto antes, agora ansiava por seu encontro com seu único e superinteressante paciente, o Coringa. Havia tantas coisas que tinham de ser discutidas com este, tanto para ser descoberto, tanto para ser revelado. Só de lembrar de seus olhos verdes, Harleen sentia seus pelos da nuca eriçarem.

— Eu deveria negociar com o Diretor a possibilidade da máquina de tatuagem? – Harleen pensou por um segundo e então decidiu. – Não... Eu farei por minha conta. Espero que ele não fique bravo por eu não ter conseguido hoje. No estado em que estou, e com o tempo que perdi na enfermaria, seria impossível. – Harleen sentia-se mal por não cumprir sua promessa com o Coringa.

    Não demorou muito e o elevador apitou informando que o andar escolhido estava prestes a chegar. Não havia necessidade alguma de Harleen ver o Diretor antes de sua sessão com o Coringa, mas, decidira após o incidente de Logan Howard, uma hora atrás, que deveria fazer um relatório a respeito do caso e avisar o Diretor a respeito do decréscimo de sanidade do seu agora, ex-paciente.

       Após bater na porta, de forma anormal, poucos segundos depois a mesma fora aberta pelo próprio Diretor Arkham, que de forma ainda mais incomum, sorria para Harleen.

— Doutora! – Ele parecia animado.

— Boa tarde, Diretor. – Harleen o olhava com desconfiança.

— Sente-se, por favor. – Ele sorria.

       Harleen sentou-se e aguardou que o Diretor também tomasse seu lugar. Após se sentar, o Diretor ainda sorridente, olhava sobre os óculos aquela bela mulher a sua frente. A cena era tão incomum, que Harleen sentia-se assustada e pressionada.

— O que lhe traz a minha sala tão cedo? Pensei que viria apenas após a sessão de seu paciente. – Questionou o Diretor.

— Sim, senhor. Porém, decidi trazer-lhe um relatório oral a respeito de Logan Howard.

— Relatório oral? – O Diretor só então notou as marcas roxas e inchadas na face e pescoço de Harleen. – Deixe-me adivinhar, o seu santo paciente, próximo a cura, surtou e lhe agrediu furiosamente ao confessá-lo que seria sua última sessão.

      Harleen estava verdadeiramente surpresa, o Diretor havia acertado na mosca, exatamente o que havia ocorrido. Notou então que talvez, ele houvesse planejado isto, ou ao menos permitido. Harleen sentiu-se furiosa agora com aquele homem sorridente e arrogante sentado à sua frente. “Ele sabia! Com certeza está zombando de mim!”.

— O senhor... – Harleen estava prestes a acusá-lo, quando fora interrompida.

— Quando comparada a mim, Doutora, a senhora não sabe nada. É apenas uma criança. Era óbvio que Logan Howard não estava tão próximo da cura como a senhorita acreditava. Porém, permiti que acreditasse, pois no final, poderia ser que funcionasse. Eu sabia que ele se mostraria, mostraria sua verdadeira face quando você encerrasse abruptamente seu tratamento. Ele era obcecado por ti, você sabia, e julgou erroneamente que ser o centro de sua crença, seria benéfico e não maléfico. Eu apenas queria provar o meu ponto. Ou eu estaria errado, ou você. – Aquele sorriso, tornou-se uma expressão de escárnio e superioridade. Isto sim era típico do Diretor Arkham. – Eu estava certo. E não entenda errado, admiro você. Veja o que conseguiu com o Coringa! Só espero que ele não lhe derrube, como o Howard fez. Acredite, você não levantaria.

     Harleen estava boquiaberta. Furiosa. Havia sido manipulada, percebera. Aquele velho a sua frente era mesmo tão sagaz quanto seu currículo e fama lhe prediziam! Não podia avançar de forma alguma contra ele, afinal, era seu chefe; teria de engolir o sapo e calar-se.

— Estou voltando para minha sala. – Harleen anunciava enquanto se levantava da cadeira.

— Aguarde, criança. – Arkham continuava a zombar de Harleen, que estava a um ponto de explodir. – Tenho uma condição para nosso acordo.

— Condição? – Harleen fora pega de surpresa novamente. “Os chutes não param” ela pensou. – Que condição?

— Quero que faça com que o Coringa permita que seja aplicada a hipnose elétrica. – Harleen arregalara os olhos ao ouvir aquela condição. – Não havia condições ontem! O senhor não disse nada!

— Eu disse que faria alterações em seu contrato. Não disse? Você não tem escolha, Doutora Quinzel. – A expressão atual do Diretor era neutra e seca. – O Coringa deverá passar por uma sessão de hipnose elétrica, e eu estarei presente! – Não era mais uma condição, e sim uma ordem.

— Isso é um absurdo! Ele nunca aceitará isto! Ele não confia em você! Sabe como é difícil manter a confiança dele? – Harleen falava com um tom maior do que deveria.

— Ponha-se no seu maldito lugar, Harleen Frances Quinzel! – O Diretor a olhava com certa fúria, mas, sem levantar-se de sua cadeira. – Ponha-se no seu lugar, e aceite a proposta, ou saia de minha sala e volte a tratar pacientes de nível um.

— Está certo. – “Engolir sapos” pensou Harleen. – Eu farei isto, Diretor. Eu irei convencer o Coringa.

— Perfeito. Agora temos um acordo. – Ele sorria. Um maldito sorriso de pura superioridade. – Saia.

    Furiosa, Harleen saíra da sala do Diretor. Caminhara enquanto controlava com toda sua força, a fúria que sentia dentro de si, até adentrar o elevador que estava prestes a descer. Um grito que a deixara vermelha, mas que não podia ser ouvido graças à blindagem do elevador, fora necessário para diminuir a tensão que sentia explodir dentro de si.

    Chegando a sua sala, Harleen encontra seus dois seguranças a postos ao lado da porta metálica. Após o acontecimento daquela manhã, e o como eles haviam reagido e se preocupado, Harleen decidira ser, na medida do possível, menos antipática com os dois rapazes. Com um sorriso simpático, Harleen moveu-se até eles. Sua face esquerda ainda um pouco inchada e avermelhada, com o zigomático roxeado, era uma lembrança culposa da incompetência de Ronn e Frances, ao menos para os dois.

— Rapazes. – Ela acenou com a cabeça. – Busquem o Coringa, para mim. Sim? – Harleen já pretendia adentrar sua sala, quando após uma breve encarada mútua entre Frances e Ronn, que aparentavam não entender bem o “por que” de Harleen ainda está ali, e ainda mais pedindo para que viessem a buscar o Coringa, alguém pior do que seu último paciente, Logan Howard, Frances um tanto sem jeito, intrometeu-se.

— Desculpe Doutora, mas, a senhorita tem certeza? Não seria melhor descansar? – Frances realmente estava preocupado.

— Obrigada pela preocupação, Frances, mas, não. Eu estou bem. Verdade! – Ela sorria.

    Após Harleen fechar a porta pesada atrás dela, deixando ambos os seguranças para trás, Ronn e Frances adiantaram-se para descer até o “Corredor Infame” e buscar o Palhaço do Crime. Não compreendiam como Harleen ainda tinha disposição de lidar com um paciente tão ameaçador, após o que havia passado mais cedo.

— Ela realmente é uma mulher muito forte e ambiciosa. - Disse Ronn baixinho enquanto adentravam o elevador. 

— Inconsequente também. – Respondeu Frances, já dentro do elevador enquanto apertava o botão que o levaria ao andar do corredor onde eram abrigados os mais perigosos e insanos.

—___________________________Coringa____________________________

   Sentado ao chão, sem camisa e brincando com os próprios dedos como se fossem bonecos, o homem pálido de cabelos verdes e pele tatuada não notara a aproximação dos dois seguranças até que os mesmos batessem na parede de vidro.

— Levanta, palhaço. Vamos logo, a Doutora Quinzel o aguarda. – Ronn falava através do comunicador, o que fazia com que sua voz soasse um tanto metálica, ou mesmo robótica.

— Bip... Bop... Levante.... Bip... Bop... Minha Dona, o aguarda.... Bip... Bop... – O palhaço nem se quer os olhava enquanto zombava, continuava a brincar com seus dedos. – Bip... Bop... Eu só tenho músculos... Bip... Bop... Meu pau é pequeno... Bip...

— Cala a boca, Palhaço imbecil! – Era inevitável, Ronn já começara a se estressar. – Olha só, seu merdinha... – Ronn Respirou fundo. – Já tivemos muito estresse hoje, faça a porra do favor de levantar. Sabe os procedimentos.

— Nossa, como é brabo... Ha Ha Ha Ha Ha! – Aos poucos e lentamente, se levantava. Sua diversão era provocar aqueles dois Neandertais

    Após de pé e com seus braços esticados, ambos os seguranças adentraram a cela e deram início ao protocolo de segurança. Após checar e confirmar que o maníaco com cara de palhaço não guardava nada que pudesse ser usado como arma, puseram sua camisa de força para transportá-lo.

— Vamos. – Disse Frances, pedindo para que Ronn levasse o paciente pelo braço.

— Hoje vai ser um longo dia. – Afirmou Ronn de forma pesarosa. Frances assentiu em concordância.

     Durante a subida à escada, antes do corredor que levava ao elevador, o Coringa somente então, parara para pensar no qual seria o “por quê” de toda aquela tensão no ar; já havia visto aqueles dois furiosos, mas, hoje era diferente, havia algo mais pesado no ar.

— O que foi? Derramaram a mamadeira? Urinaram aonde não deviam? – O palhaço gostava de provocar.

— Cale a boca. Não é da sua conta. – Frances o cortara.

— Ainda temos de aturar esse retardado. – Ronn o puxava com força até o final da escada.

— Calma, garoto! Eu sou delicado! Ha Ha Ha Ha Ha! – O Coringa ria alto e havia lagrimas em seus olhos, o que aumentava ainda mais o nível de estresse dos dois seguranças. – Entenderam? Delicado, peça rara!

   Alguns minutos depois, enfim, saíram do elevador e aproximavam-se da sala da Doutora Quinzel. Frances adiantou-se para bater à porta e aguardar que a Doutora abrisse para receber seu paciente.

— É aqui que me despeço, cavalier. – Disse o Coringa a Ronn, enquanto tentava olhar através do vidro da porta em busca de sua Psiquiatra.

    Não demorou até que a porta se abrisse, e aquela belíssima mulher se mostrasse do outro lado, ante a pequena escada de entrada. Não era como se a amasse, mas, havia uma admiração por aquela mulher de pele clara e cabelos loiros brilhantes, estava ansioso para transformá-la em seu mais novo brinquedinho.

— Ai está você! – O Coringa parecia feliz. – Minha querida, Harley Quinn!

— Olá, Sr. C! – Ela também sorria, um tanto sem jeito. Em seu ângulo, mostrava o lado da face boa, pretendia não causar um susto imediato ao seu querido paciente. – Garotos, desçam ele, e podem ir. Obrigada.

— Olha só você! – Ele havia percebido algo de diferente nela, mas, nada físico até então. – Há uma luz diferente agora, tenho certeza.

— Falemos disto em breve, Sr. C. – Harleen sentia-se feliz, pela primeira vez em seu dia. Era relaxante para ela estar com ele.

   Após Ronn e Frances retirarem a camisa de força e saírem da sala enquanto o Coringa dava pequenos “tchauzinhos” com a mão, à porta fora fechada e como um tigre prestes a emboscar sua presa, o Coringa virou-se lentamente.

— Vamos começar, meu bem? – O Coringa tinha um sorriso malicioso na face.

— Por favor, sente-se, Sr. C. – Harleen apontava para a poltrona Divã, com a palma da mão aberta e voltada para cima.

    Após deitar-se na poltrona Divã e aguardar que sua psiquiatra sentasse em seu devido lugar, não demorara muito para que notasse algo mais, algo que o fizera estalar a mente e queimar o estômago. Com um sentimento de inconformidade e fúria crescente, antes que Harleen pudesse dar início a sessão, o palhaço notara os hematomas na face e pescoço de Quinzel.

— Hei, hei, hei, hei, hei! O que é isto? O que houve? – O Coringa se levantara rapidamente, aproximando-se de Harleen. – Não me diga que seu noivinho sem bolas bateu em você.

— O Robert? Não... Isso foi... – Harleen se conteve. – ... É melhor não falarmos sobre isto, Sr. C. Não quero estragar sua sessão com coisas bobas.

— Nada! Está ouvindo? Nada, sobre você é besteira! – A raiva estava estampada na face do maior psicopata de Gotham, mas, aquelas palavras aqueciam o coração de Harleen de tal maneira, que ela não pôde ver o perigo que todo aquele súbito ódio do palhaço representava.

— Você acha mesmo? – Ela sem perceber, em menos de quinze minutos de sessão, já estava completamente enlaçada por seus sentimentos a respeito de seu paciente e suas palavras doces, porém radioativas.

— Faremos o seguinte: por que não se deita na poltrona, e me deixe ouvir você? Apenas por hoje, certo? – O Coringa a puxava pela mão, fazendo-a se levantar. E ela quase que completamente enfeitiçada, levantava-se de seu lugar.

— Não sei se seria bom, Sr. C. Eu sou a Psiquiatra aqui... – O Coringa a interrompera.

— Não seja boba, querida. Me conte tudo. Você não pode me ajudar neste estado, então, deixe-me ajudá-la, para que me ajude. Consideremos, parte do tratamento. Que tal? – Ele era esperto, um manipulador de primeira, mas, estava verdadeiramente furioso com o que haviam feito ao seu “brinquedo em construção”. “Ninguém mexe nas minhas coisas e sai por aí para se vangloriar!” ele pensava.

— Empatia, não é? Isto pode mesmo ser terapêutico para nós dois, Sr. C! O senhor tem razão. – Assim Harleen deitou-se na poltrona Divã e então trocaram de lugar, o paciente tornou-se o Psiquiatra, e a Psiquiatra tornou-se a paciente.

— Agora, conte-me tudo. – O Coringa pegou a prancheta que estava em uma mesa próxima e a caneta presa a ela.

    Já sentindo-se mais leve e contente, Harleen perdia-se em seus pensamentos e questionamentos fantasiosos sobre se, talvez, aquele homem não fosse o príncipe que sempre sonhara. “Graças a ele tenho um futuro brilhante. Ele me entende melhor do que qualquer um! Sou a única que lhe interessa de verdade, e ele ainda está tão preocupado comigo!” seu corpo parecia quente, enquanto sua mente girava.

— Logan Howard. – Harleen começara a contar sobre seu outro paciente, e o como havia encerrado seu trabalho com o mesmo naquela manhã, assim como a consequência desta escolha. Harleen contou-lhe sobre a noite anterior, e o como têm pensado em sua vida e os caminhos que escolhera. Contara-lhe que desde que dera início ao seu tratamento, o tratamento do Coringa, tudo mudara para ela, e percebia cada vez mais que não apenas ela o ajudava a melhorar, como a ação ambígua também era real, ele a mudava pouco a pouco. Ela amava aquilo. Contou sobre o como confiava que Logan embora aborrecido, pudesse compreender a necessidade de sua escolha, mas, magoou-se ao ver que ele estava tão pior do que imaginava. Mostrou seus ferimentos e contou o como Logan a jogara ao chão e enforcara. Tudo aquilo apenas fazia com que os olhos verdes e insanos do Coringa brilhassem cada vez mais de ódio. Era tão claro seu instinto destrutivo sendo alimentado com uma necessidade sanguinária e vingativa, que qualquer um, mesmo os não especializados poderiam perceber, porém, Harleen em toda sua experiência, estudo e capacidades, não enxergava desta forma; para ela, aquilo era paixão, compreensão, empatia e admiração. Enganava-se.

— Oh, ele fez? – O Coringa segurava com força, flexionando a prancheta a ponto de estar perto de quebrar.

— Sim! Um babaca! E para piorar o meu dia, quando fui fazer um maldito relatório sobre o caso para o Diretor, o filho da puta já sabia de tudo! Pior! Ele planejou tudo! – Harleen mostrava-se revoltada com aquela situação.

— Que cretino! – O Coringa fazia um bom papel de ouvinte.

— Sim, pois é! E agora, algo que você não vai gostar, Sr. C... – Harleen ficara rubra de vergonha. Sentia-se tensa e com medo da reação do Coringa.

— Eu? Conte, minha querida. – Ele parecia curioso. Em seus pensamentos repetia de forma doentia o nome de Logan Howard.

— O Diretor me impôs que para continuar o seu tratamento, e manter meu tempo concentrado apenas em você, eu deveria convencê-lo de fazer uma sessão de hipnose elétrica na presença daquele trapaceiro. – Harleen não sabia aonde enfiar a cara, tampando-a com as mãos brancas e magras, porém, delicadas; temia que o Coringa se recusasse a se submeter a tal procedimento.

— Entendo. – O Coringa pensara por alguns segundos, e então de forma assombrosa um sorriso lhe veio à face. – Diga ao velho Arkham que eu aceito a condição, porém, eu quero fazer um acordo.

— Um acordo? – Harleen não entendera.

— Desculpe meu bem, mas, a conversa terá de ser em particular. Eu e ele, apenas. Tudo bem? – O Coringa a olhava com um pequeno sorriso e um olhar perfurante.

— Bem, o senhor salvaria a minha pele e permitirá que pudéssemos continuar nos encontrando, então... – Harleen sorrira novamente para aquele que aos poucos tornava-se mais que seu paciente. - ...Tudo bem, quando quiser, eu lhe levarei até ele.

— Você me levaria agora? – O Coringa tinha um olhar intenso, queria resolver este assunto o mais rápido possível. Sentia que explodiria como um vulcão que destrói tudo ao seu redor, caso não eliminasse este ódio rapidamente.

— Agora? – Harleen se espantou. – Tudo bem. Vou pedir para os rapazes cumprirem os procedimentos e me ajudar a levar você até lá.

— Perfeito. – O Coringa observava Harleen passar por ele e ir até a porta metálica.

— Garotos, entrem aqui, por favor. – Chamou Harleen enquanto abria a porta para os dois.

— Algum problema, Doutora? – Ronn encarava o palhaço sentado na poltrona da Psiquiatra enquanto falava. Estranhou ele estar lá.

— Nenhum, Ronn. Preciso apenas que me ajudem a levá-lo até o Diretor. O Diretor quer vê-lo. – Harleen esclareceu.

— Tudo bem. – Ambos acataram.

— Vamos, Sr. C. Venha até aqui para todo aquele desnecessário procedimento. – Harleen acreditava que enquanto estivesse ao lado do Coringa, ele não faria nenhum mal.

— Estou indo. – O palhaço levantara-se e caminhara calmamente com os braços estendidos de forma angularmente opostos, como uma cruz, ou um abraço. – Olá garotos, eu sei que não têm mais que uma hora, mas, já estava com saudades!

— Calado. – Ronn não tinha paciência para o engraçadinho.

       Após embalado na camisa de força, os seguranças o levaram para fora, aguardando a Doutora Quinzel se juntar a eles.  Não demorara nada e já estavam a caminho do prédio principal.

     No caminho para o elevador do prédio principal, mesmo ao lado de Harleen, o palhaço não deixara de zombar dos dois brutamontes, na verdade, deleitava-se da presença de sua psiquiatra, afinal, com ela acompanhando, eles não poderiam agir de forma grosseira com ele. Era divertido ver o como eles se submetiam.

— Pegue leve, Sr. C. Eles não são do tipo brincalhões. – Harleen se divertia, mas, também percebia o como os dois se continham para não amassar o crânio de seu paciente.

— E eu não sei? Esses dois não dão nem uma gargalhada! – Era estranho, mas, mesmo Ronn e Frances percebiam que o palhaço não era um paciente comum para a Doutora Quinzel.

      Não demorou muito e haviam chegado a porta do Diretor Arkham. O Coringa podia perceber o aumento de tensão no ar. A face de Harleen estava claramente mais rubra e ela apertava o punho, contendo a raiva que retornara para si.

— Está tudo bem, docinho. Basta me pôr dentro, e eu direi tudo. De homem, para homem. Papo de macho. – O Coringa a olhava com um comum sorriso. Desde que chegara a Arkham, sua autoestima retornara aos poucos. Antes, via seu sorriso como um garrancho sobre a obra de arte que um dia fora, mas, agora, percebia que não era um garrancho, e sim uma nova pintura; mais moderna, com certeza. Talvez, como já havia se questionado anteriormente, seu brinquedinho, sua psiquiatra, Harley Quinn, houvesse mesmo lhe trago de volta do buraco onde estava.

— Sim, Sr. C. Eu só tenho de avisá-lo antes do senhor entrar. – Harleen batera na porta. Novamente, não demorara muito, e a mesma fora aberta.

    Com um olhar de espanto, o Diretor Arkham reconhecera imediatamente o homem preso em camisa de força e acompanhado dos dois seguranças, o Coringa. Embora a hilária expressão do velho Arkham, o palhaço contivera-se para não rir.

— Harleen... – O diretor Arkham de imediato não compreendera, e cumprimentara sua funcionária sem tirar os olhos dos olhos verdes psicóticos do maníaco a sua frente.

— Diretor, posso entrar? – Harleen pedira permissão.

— Por favor. – O Diretor cedeu-lhe passagem.

— Fiquem aqui. – Ordenou Harleen enquanto adentrava. Sem compreender, o Diretor fechava a porta, deixando os outros de fora.

— Pode me explicar o que está havendo? – Arkham a olhava com certa desconfiança.

— O senhor pedira para que o Coringa aceitasse, ou melhor, eu fizesse o Coringa aceitar ser hipnotizado em sua presença. – Uma pausa dramática enquanto olhavam-se, olho no olho. – Eu o fiz. Porém, sabe que ele não aceitaria ser invadido, sem antes poder invadir também. – Outra pausa.

— E? – O Diretor ainda não compreendia ao certo.

— Ele quer fazer um acordo com o senhor. Só os dois. Ele quer conversar e lhe propor algo, sem que eu, ou qualquer outro saiba. – Harleen também se mostrava um tanto quanto confusa.

— Eu vou ficar a sós com ele, aqui? – O Diretor achou interessante, porém, amedrontador.

— É nossa única oportunidade, senhor. – Harleen notara o medo de seu chefe, e achara curiosamente hilário.

— Está certo. Traga o paciente 4796, faremos isto rápido. – Era raro que os chamassem assim, mas, cada paciente possuía um número designado. Era a forma mais profissional de chamá-los, mas, também era pouco usado. O número era designado de acordo com o número da cela em que ficavam. Tal número era em geral, mais citado nos relatórios e cabeçalhos de documentos, do que em conversas ou chamados, porém, desta vez, para tentar suprimir o medo e a ansiedade, além de “mostrar” quem estava no controle, ao menos para si mesmo, o Diretor Arkham o chamara pelo número. – Você fez um bom trabalho, Harleen, não esperava menos de você. – Mesmo aquele elogio, trazia um amargo sentimento de fúria para Harleen.

— Abre-te, Sésamo! – Disse o palhaço, ao ver a porta a sua frente abrir.

— Garotos, tragam ele aqui para dentro, por favor. – Ronn e Frances carregaram o palhaço para dentro e o sentaram numa cadeira pré-escolhida por Arkham.

— Amarrem-no. – Ordenou o Diretor. Na cadeira haviam  algemas de couro para as mãos e pés, que serviam para segurar pacientes com surtos psicóticos.

— Ora, Ora... Não imaginava que você fosse tão safado, Arkham! – O palhaço zombava.

— Certo, agora saiam. – Ordenou o velho Arkham.

    Todos saíram sem questionar, não acreditavam que aquele homem pálido que estava sendo alimentado apenas com a comida do manicômio pudesse arrebentar as algemas de couro que prendia seus pés, ou mesmo desamarrar a camisa de força, e fazer qualquer ação contra o Diretor. Estava seguro, acreditavam.

— Diga, o que quer? – Arkham fora direto.

— Gosto de homens como você, velho. Vão direto ao ponto. – O Coringa tinha um de seus cantos da boca erguido, um sorriso assimétrico de superioridade.

— Fale logo, não tenho o dia todo. – O Diretor não gostava de ficar sozinho com aquele homem, tivera más experiências com ele no passado.

— O que eu quero... – O Coringa se mexia na cadeira, olhava para cima como se tentasse lembrar e passava a língua em suas cicatrizes. –... O que eu quero, velho... É que quando a noite chegar, as portas das celas se abram. Não precisam ser todas... Não, senhor. Isto causaria muita bagunça, e não é o que queremos, não é Arkhanzinho? – Ele parecia sério, como se enquanto sentia a cicatriz em sua boca, contivesse uma fúria imensa. Este era o motivo daquele homem ser tão assustador, há poucos segundos ele estava a rir, sorrir, e agora sua expressão parecia trazer uma fera pronta para destroçar qualquer um que estivesse à sua frente.

— Abrir as celas? Do corredor infame? Só pode ser brincadeira. – Arkham não acreditava que aquele era o acordo, estava prestes a desistir da ideia.

— Não. Não estou brincando. Eu quero que abra a minha porta, e a do paciente... Como era o nome dele? – Ele brincava, era claro que lembrava o nome. – Ah, sim... O filho da puta do Logan Howard!

— Isto é por causa da Doutora Quinzel? – Arkham começara a juntar as peças.

— Você já deveria saber, Arkhanzinho, eu não gosto que mexam nas minhas coisas! – O Coringa tinha sua voz furiosa.

— Suas coisas? – Aquilo era interessante.

— Temos um trato? – O Coringa investira.

— Abrir a cela, para que você mate um dos meus pacientes? – Embora tentado, o Diretor estava prestes a declinar o acordo.

— Matar? Eu falei algo sobre isto? Vamos, Arkham, apenas vou conversar um pouco com ele, ensinar-lhe uma lição. Sabe que não podemos deixar barato, não é? Você, quer me analisar ou qualquer outra merda, e ganhar um prêmio. Eu, só quero poder socar aquela maldita cara, para que aprenda a não brincar com o que é meu! – Era convincente.

— Devo admitir, 4796, que é tentador. Mas, até então, quem levará a culpa? Não sou idiota, sei que você vai perder o controle e encontraremos um corpo de manhã cedo. – O Diretor Arkham não era ingênuo.

— Dê aos canibais, jogue no lixo, queime, diga que foi viajar, não é problema meu, não é Arkhanzinho? – A expressão séria daquele homem era assustadora.

— Está certo. Eu aceito a sua proposta, meu caro. Amanhã com certeza estará bastante atribulado aqui em Arkham. – O Diretor sorria animado. – Nos veremos daqui há dois dias.

— Estarei aguardando, meu bem. – Fechara o acordo.

— Podem entrar! – Chamou em voz alta a Doutora e os seguranças que aguardavam do lado de fora.

      Harleen e os outros adentraram curiosos na sala, mas, ninguém ousou perguntar. Sabiam que era confidencial. Harleen não gostava nada, mas, respeitava a decisão de seu amado paciente, confiava nele.

— Vamos embora, querida. Os adultos já se entenderam. – Disse o Coringa.

— Sim, Sr. C. – Concordou Harleen acenando para que os seguranças tirassem as algemas do paciente e o levassem de volta.

    O Diretor havia percebido a nada profissional intimidade entre os dois, era algo interessante a se notar. Começara a se questionar quais seriam as consequências desta relação aparentemente tão pouco profissional; talvez houvesse a oportunidade de não só estudar o palhaço do crime, mas, sua psiquiatra também. Até aonde uma mente insana poderia afetar, senão até mesmo transformar uma mente sã?

     Quando a noite finalmente caiu, e todos haviam ido embora, uma vez que havia feito um acordo com o próprio diabo, haveria de cumprir. Sentia certa culpa, claro, mas, a visão de um futuro aonde seu rosto seria a imagem do próximo passo da psiquiatria e da psicologia, criava uma euforia tamanha que enublava quaisquer sentimentos de culpa. Apertou o botão. Através da câmera instalada angularmente no “Corredor Infame”, Arkham pôde ver as celas de vidro tendo suas portas abertas. Era hora do show de horrores, e não ficaria lá para presenciar.

     Quando o vidro que selava a cela se abriu, o homem pálido de cabelos verdes, antes deitado em sua cama, levantou. Era hora do show. Andou calma e vagarosamente até a porta, agora aberta, e por um segundo inspirou fundo. Não era uma liberdade real, mas, ao menos seria divertido.

    Sentado em sua cama ainda velha, enquanto esforçava-se para ler seu livro, tomou-se assustado e tão mais desconfiado ao ver a porta de sua cela abrir. Um mau pressentimento. Não mais conseguindo se concentrar no livro em suas mãos, agora com certo medo, levantava-se de sua cama, espreitando-se na parede em frente à porta, tomava coragem para olhar através dela. “Os monstros estão à solta?” Imaginava “Como irei expurgar cada um deles sozinho?”.

     Um assobio era audível, e vinha de não muito longe. Uma música nada familiar, mas, que lhe tomava a atenção; perguntava-se de onde vinha. Estava escuro, mas, seus olhos já estavam acostumados com todo aquele breu. As luzes da cela só acendiam quando um segurança ou psiquiatra se aproximava; talvez os sensores fossem desligados quando estes não estavam no recinto.

    O assobio tornou-se cada vez mais audível, mostrando-se mais próximo; agora passos lentos também podiam ser ouvidos. Logan começara a tremer, mas, estava pronto para atacar, se fosse necessário. Eram minutos de tensão.

     Finalmente alguém surgira do lado de fora. Um homem não muito alto, mas, também não muito baixo, com cabelos verdes bagunçados, passava sua mão no vidro da cela de Howard enquanto aproximava-se lentamente da porta, acompanhado de seu assobio. Quando parou em frente à porta, a imagem daquele homem, iluminado pela luz da lua que invadia o espaço pelas altas janelas, era como encarar um demônio, face a face. Seus olhos com entorno escuros como dois buracos, sua íris verde que parecia brilhar, as cicatrizes em sua face, e aquele sorriso excêntrico tornavam a imagem daquele homem pálido, uma assombração viva.

— Quem é você? – Howard largara o livro no chão sentindo todo seu corpo tensionar, preparando-se para um possível combate.

— Faz mesmo diferença, carequinha? Eu poderia lhe falar quem sou, poderia lhe falar o por que você vai morrer hoje, aqui nesta cela, poderíamos ficar conversando aqui como bons amigos antes de eu quebrar as suas mãos e enforcá-lo até ver seus olhos pularem fora, mas, este é o ponto... Não somos bons amigos. – O Coringa não tinha mais um sorriso na face.  – Além do mais, você vai morrer, então, qual a diferença? – Aí estava, o sorriso havia voltado.

— Você veio me matar? – Logan Howard se sentia um tanto perdido sem compreender o que diabos acontecia naquele momento.

— Agora eu sei o porquê ela ficou entediada. – Aquelas palavras foram suficientes para que Howard juntasse as peças.

— Você! Você é o outro cara! – Ele gritava furioso. Era como encontrar o seu maior inimigo, o demônio que dava vida a todos os outros.

— Plim! Plim! – O Coringa fingia bater em um prato de metal e depois agitava as mãos como se batesse rápida e repetidas vezes num tambor enquanto imitava seu som, como quando um resposta está prestes a ser revelada. – Tragam um prêmio para este idiota! – O Coringa avançou para dentro da cela de forma veloz, porém sutil, como um tigre.

— Foi por sua causa que minha amada Harleen Quinzel se corrompeu! – Howard avançara contra o Coringa, mas, fora surpreendido com um soco certeiro em seu queixo, o que lhe fez cair tonteante ao chão.

— Em primeiro Lugar... – O Coringa começara a se movimentar em direção a Howard em passos lentos. - ... É Harley Quinn.

— O que? – Logan Howard, caído no chão, tentava levantar-se, embora sua visão ainda girasse e seu cérebro parecesse dormente. – Harley?

— Quinn, sim. Segundo: Ela é minha. – O Coringa chutara com força a face de Howard com a palma do seu pé tirando ainda mais sangue e fazendo-o cair novamente.

   Howard tentou se arrastar até uma parede em busca de apoio para levantar, mas, o Coringa pôs seu pé direito sobre as costas do ferido fugitivo.

— É fácil quando é uma mulher, não é? – O palhaço agarra a cabeça de Howard e então se senta em suas costas.

— Sua? Seu filho da... – Howard tenta falar, mas, o Coringa lhe interrompe batendo com sua cabeça no chão.

— Oh! Desculpe Loganzinho, eu esqueci de uma das regras mais importantes da tortura! – O Coringa acertou-lhe um soco potente na coluna, um pouco abaixo da nuca, mas, Howard não teve grandes reações. – Viu só? Quando se bate primeiro na cabeça, você fica tonto, têm certa anestesia, seus sentidos ficam confusos e acaba não sentindo o que vêm depois... – O Coringa agarrou um dos braços de Howard e pressionando-o para trás, quebrou-o na articulação do cotovelo. Um grito alto como de um animal sendo destroçado. – É, parece que alguma coisa você pode sentir...

— Oh Deus! Obrigado por conceder a mim a missão de purificar o mau que aqui reside, estou pronto para encontrar-me enfim, com o senhor. – Howard fazia sua última oração antes de seu eminente fim.

— Faça-me o favor! Poupe o meu tempo, você está me entediando. Diga adeus, desligue o telefone e embarque rumo ao seja lá no que você acredita. – O Coringa começara a apertar a gola da camisa de Howard, o fazendo engasgar.

— Um dia... – Howard começara a ficar vermelho. -... Alguém vai punir você.

— Ah, acredite, este dia já chegou faz tempo! E eu ainda estou aqui! – O Coringa parou de enforcar aquele homem magro e calvo que engasgava em sua própria saliva como um tolo que tentava com todas as forças puxar algum ar, desesperado pela vida. – Não... Não... Pera, têm algo de errado.

— Obrigado, senhor! Eu sabia que tu nunca me abandonarias! – Logan Howard interpretou aquela pausa como um sinal de que Deus não permitiria sua morte. Estava errado.

— Já sei! Vou virar você de frente! Quero olhar seus olhos até o seu último suspiro. Espero que eles saltem para fora! – O Coringa então virou o corpo de sua vítima para que ficasse de frente para ele e com toda sua força começou a apertar o pescoço daquele homem. – Vamos, salte para fora! Salte para fora! Vamos! Vamos! – Para aquele maníaco de cabelos verdes, aquele momento era altamente excitante.

— Grrr... – O rosto de Howard tornava-se cada vez mais roxo, e ele não só, não desviava o olhar dos olhos do Coringa, como ainda tentava falar algo, suas últimas palavras, mas, acabava por engasgar e não conseguir proferir nada além de um gemido sem ar.

    Enfim encontravam-se um homem e um cadáver naquela cela, e todo o ódio que sentia há não muitos minutos atrás, agora tornara-se puro êxtase. Sentia o sangue quente em suas veias e sua respiração ofegante de prazer, havia algum tempo que não se sentia tão bem. Enquanto sobre aquele cadáver aos poucos menos quente, abaixo e iluminado pela luz do luar, decidira por fim: “Ninguém fará mal à minha Harley Quinn”.

—_______________________Harleen_______________________________

    Harleen estaciona o carro em frente à sua casa, desliga os faróis e o motor. Espera alguns segundos enquanto olha para o que não mais sentia como seu. Um outro mundo, distante do que deveria ser.

    Após retirar a chave da engrenagem, pegar sua bolsa e jaleco, Harleen sai do carro e tranca a porta. Comprimindo os lábios, Harleen fecha os olhos e engole em seco, sabia que o que lhe aguardava lá dentro seria, talvez, um dos momentos mais difíceis de sua vida havia anos.

    Como que tentando postergar o inevitável, Harleen avançava a passos lentos. Uma vez dentro, não podia fugir. Ele a esperava na sala, sentado numa das poltronas de visão privilegiada à entrada. Sua expressão era séria, mas, ao mesmo tempo um misto de tristeza e raiva. O nome daquilo era mágoa.

— Harleen. – Ele chamou. Sua voz era fria, mas, escondia algo.

— Robert. – Ela respondeu. – Vou me trocar, já volto.

— Harleen. Por favor, precisamos conversar. – Ele insistiu.

— Não pode esperar que eu me troque? – Harleen começara a se sentir irritada.

— Não, Harleen, não posso. – O tom de voz de Robert tornou-se mais grosseiro.

— Santo Deus. – Harleen revirava os olhos, entretanto, em sua impaciência escondia o medo. Tremia. Era isto o que queria, porém, também era o que temia.

— Onde esteve ontem? Onde passou a noite? – Perguntou Robert quando sua noiva se aproximou. Estava preocupado e impaciente, com medo de que algo trágico estivesse por vir.

— Não interessa onde estive, Robert. Este é o ponto, não é? Não importa onde estive, não estive aqui e não avisei. Certo? – Harleen era mais direta.

— Não brinque comigo, Harleen! Não sou um de seus pacientes! Sou o seu noivo! – Robert começara a falar alto, estava cada vez mais impaciente.

— Abaixe a porcaria do tom, Robert! Eu não sou uma criança, e nem um de seus oponentes do tribunal! – Harleen estava para explodir.

— Harleen, pelo amor de Deus! Eu só quero saber onde você esteve! O que está havendo? Você está estranha há dias!

— Não Robert, eu não estou estranha! Essa é quem eu sou de verdade! Estou cansada de fingir! – Harleen desabara. – Eu tentei, juro que tentei! Tentei ser melhor, tentei ser perfeita, por você, Robert! Como eu tentei!

— O que você está falando? – Robert não compreendia.

— A verdade é que eu nunca pude ser eu mesma contigo, Robert! Eu nunca pude ter uma conversa de verdade, nunca pude contar meus sonhos, minhas crenças, minhas filosofias ou fazer o que eu queria! Nunca! Eu sempre estive tentando ser como você queria que eu fosse!

— Nossa, Harleen... – Robert baixara o tom, estava chocado. – Eu não sabia que eu era tão ruim...

— Não me entenda mal, Robert... – Harleen começara a chorar. - ... Você é ótimo. De verdade. Um homem maravilhoso e amoroso. Mas, eu não sou ideal para você, não quem eu sou de verdade. Agora eu vejo...

— Agora você vê? Céus, Harleen! Desde que começou a tratar aquele merdinha retardado do Coringa, você têm se tornado completamente diferente! Ele está infectando você! – Robert voltara a ficar furioso, decidira dizer a verdade.

— Não fale dele! Você não faz ideia do que está dizendo! Ele me mostrou mais, me ensinou mais e fez mais por mim do que você seria capaz de fazer! – Aquelas palavras foram como um enorme peso esmagando o crânio e o coração de Robert. – Minha relação com o Coringa é intensamente produtiva! Eu posso e estou tornando ele um homem melhor, e ele me ensinando a ser quem realmente sou! Com ele, não preciso usar máscaras! – Gritava Harleen.

— Está de brincadeira? Harleen! Ele é o seu paciente! Santo... – Robert fora interrompido.

— Eu não estou transando com ele, Robert! É isto o que acha? Que eu vou trair você? Ou pior, que eu traí você? – Harleen percebera agora, estava sendo acusada de ser uma vadia de forma implícita. Suspeitas também são acusações.

— Eu não disse isso, Harleen! – Robert percebera o seu erro.

— Robert, não vejo como... – Harleen engolira o choro, mas, as lágrimas não paravam. As gotas que escorriam de seus olhos azuis, marcavam a face com a maquiagem negra de seu delineador, agora completamente borrada.

— Você está... – Robert não podia acreditar.

— Não vejo o como podemos continuar este noivado, Robert. Eu não sinto que te ame. Talvez... – Era duro, e embora não soubesse ao certo se era verdade, acreditava fortemente que o que teve por Robert, não fora amor. - ... Talvez nunca tenha amado.

— O que? Não, Harleen, você não sabe o que está dizendo... – Robert não fora capaz de segurar, lágrimas começaram a escorrer. - ... Amor, eu te amo. Harleen, eu...

— Vai embora, Robert. – Harleen o cortou, não era se quer mais capaz de olhar em seus olhos.  – Eu não sei como será, mas, eu sei que não posso mais continuar com essa mentira. Eu não sou um animal enjaulado.

— Animal enjaulado? O que isso significa? Céus Harleen! Foi ele quem te disse isso? – Robert estava assustado com o poder manipulativo daquele homem. – Eu vou ligar para o Arkham e falar sobre isso com ele. Não podem continuar a permitir que você seja destruída por aquele cara!

— Destruída? Você não está me ouvindo? É assim que eu sou, Robert! Eu estou livre agora! – Harleen ficara furiosa com a atitude de Robert.

— Meu Deus, Harleen. Eu não sei mais o que dizer. – Ambos se encararam por alguns segundos, Robert não conseguia acreditar, e Harleen apenas enchia-se cada vez mais de raiva do homem que um dia pensou amar. – Então é isto, eu vou embora. Se é o que quer. Eu poderia pedir para que você tenha um momento de lucidez e perceba que o Coringa é apenas um psicopata como qualquer outro, não se importa com você ou com ninguém, apenas busca a satisfação de seus desejos, mas, não acredito que você vá perceber isto; ao menos não até ser tarde demais.

— Vá embora. – Harleen mandou, de forma fria.

— Eu vou. Sabe, no fim, não é tão surpreendente. Você sempre gostou de dar para os caras maus. Nada mudou. – Disse Robert enquanto saia de casa pela porta da frente dando uma última olhada na mulher que agora não mais reconhecia.

    Harleen dera um grito furioso, lágrimas intermináveis caíram de sua face, e com força, batera a porta em sua frente. Aquela porta parecia separar em dois mundos diferentes, ela e Robert. Harleen desabara ao chão e de joelhos ali permanecera por horas, era o fim de anos de uma falsa felicidade. É duro quando a ilusão se quebra aos olhos.

    No dia seguinte, ao chegar em Arkham, Harleen se deparara com uma correria inesperada. Muitos seguranças corriam de um lado para o outro, havia fotógrafos e outros psiquiatras que se moviam em uma mesma direção. Harleen seguira o fluxo.

— O que está havendo? – Perguntara a um segurança.

— Bom dia, Doutora Quinzel. – Cumprimentara o segurança.

— Bom dia... – Harleen lera seu crachá. - ...David. O que está havendo?

— Um dos internos fora encontrado morto em sua cela. – Disse o segurança se mostrando espantado.

— Morto? Foi assassinado durante a noite? – Harleen ficara curiosa.

— Ao que parece, sim. – O segurança também não tinha tanta certeza do que estava havendo.

    Harleen adiantou-se a seguir o fluxo de pessoas e descobrira que a enorme fila acabava em frente aos portões do “Corredor Infame”. Aquela descoberta gelara o sangue de Harleen e embrulhara o seu estômago. “O Coringa!” Ela temera que algo houvesse ocorrido.  Disparada avançou, empurrando muitos dos psiquiatras e jornalistas que se metiam a frente.

    Ao chegar até a porta, vira o Diretor sair da escadaria de entrada ao corredor, junto a quatro enfermeiros e dois seguranças. Os enfermeiros carregavam um corpo no que parecia ser uma maca.

— Abram passagem, por favor. – Dizia de forma serena, o Diretor Arkham. – Temos de levar o corpo para ser embrulhado.

— Diretor! – Gritou Harleen enquanto se aproximava. Porém, antes que fosse respondida, ou que pudesse perguntar o que ocorrera, reconhecera imediatamente o corpo com a face bastante ferida. “Logan Howard!” Ela estava em estado de choque naquele momento.

— Harleen, minha querida. Vamos, vou te levar a sua sala, aqui não é lugar para você. – O Diretor a pegou pelo ombro enquanto a virava e avançou com ela de volta ao caminho do corredor por onde ela havia vindo, iriam pegar outro elevador, longe do corpo frio de Logan Howard.

— O que houve? – Harleen tremia. – Foi minha culpa?

— Não, não, não, não Harleen. Não mesmo! – O Diretor, de forma inédita, parecia alguém disposto a ajudar outra pessoa que não ele. – Não quero te ver assim. Lembre-se que hoje você têm uma sessão com o Coringa. – Aí estava, era com isto que ele estava preocupado.

— Sim, é verdade, senhor. – Harleen ainda tremia, mas, agora inspirava e expirava profundamente tentando acalmar-se.

— Assim que houverem novidades, eu lhe aviso. Agora, vá. Não procure o que não quer ver. – O Diretor despediu-se de Harleen com um aceno de cabeça.

   Ao longo do trajeto para sua sala, Harleen buscava compreender o que poderia ter ocorrido. “Ele se suicidou?” Ela lembrara das marcas roxas ao redor do pescoço de Logan. “Não... O seu rosto também estava ferido. Foi uma luta. Ele foi golpeado.” Ela começara a juntar as peças. “Golpeado, e depois enforcado. Mas, por quem? Quem teria acesso a sua cela e aguardaria todos irem embora?” sua mente maquinava uma resposta, mas, era um desafio complexo. “Arkham? Só Arkham e os faxineiros podem ficar sozinhos aqui após o horário de fim do expediente. Não... Arkham não teria força, está velho. Não acredito também que os faxineiros tenham motivos. Ao menos que o Diretor houvesse pago um deles para fazê-lo. De qualquer forma, também não acredito que seja este o caso, Arkham não ganharia nada com isto. Então quem?”.

    Aquela pergunta batucava em sua mente, mas, sabia que talvez não conseguisse a verdade apenas com as peças que possuía. Ainda assim, havia possibilidades e suspeitas. Uma, acima de todas, mas, que não poderia afirmar sem ter certeza. Nestes últimos três dias, sua vida vinha mudando de forma explosiva.

   Horas mais tarde, quando o Coringa entrara em sua sala, acompanhado de seus dois seguranças. Ela soube. Havia sido ele. Ele estava diferente, mais sereno, e até mesmo seu sorriso estava mais alegre, não apenas isto, como sua linguagem corporal estava mais repleta de orgulho, do que qualquer dia antes daquele.

— Bom dia, Harley. – Ele a cumprimentara enquanto os dois seguranças tiravam sua camisa de força.

— Sr. C. – Harleen sentia-se furiosa, mas, talvez aquela fúria não houvesse vindo apenas do ato impulsivo e psicótico do Coringa, mas, de toda a tensão que vinha vivenciando.

— O que houve, queridinha? Seu céu azul está trovejando? Quer um doce? – Ele brincava. Ronn e Frances que agora deixavam a sala, percebiam que havia algo de errado com a Doutora Quinzel.

— Você matou o Howard, não foi? – Como sempre, direta.

— Oh, você tinha de ter visto. – Ele passava a língua num dos cantos da boca enquanto lembrava e se inclinava na direção de Harleen. – Você tinha de ter visto, Harley. Ele era tão chato! – Coringa envergava o corpo para trás e abria os braços sem descolar o cotovelo do corpo.

— Por quê? Foi isto o que você combinou com o Diretor? Ele sabia? – Harleen começara a notar que havia toda uma armação já combinada.

— Eu quero que você entenda... – O Coringa agarrou Harleen pela cintura, aproximou-se o bastante para olhá-la nos olhos poucos centímetros de distância. -... Eu mataria qualquer um que tocasse nesse seu lindo rostinho.

    Era incrível o como mesmo estando furiosa até então, aquele homem a desmanchava, a desconstruía. Era o homem que ela admirava, e mesmo fazendo coisas tão horrendas, ele o fazia para o seu bem! Ao menos era o que acreditava. Naquele momento, Harleen percebia mais do que nunca, aquele homem era o seu porto-seguro. A insanidade vencia a sanidade. Harleen sentia que cada vez mais, por aquele homem, deixava de ser a falsa Harleen Frances Quinzel. De todo mau, ela acreditava que ele viveria de todo bem, por ela.


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