Love Jokes escrita por Bojack


Capítulo 10
Capítulo IX - Não mais enjaulada


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem deste capítulo. Temos o início de uma mudança importante para Harleen. Me digam o que acharam!



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Onde estava o seu profissionalismo? Como pudera se entregar de forma tamanha àquela triste história, àquele triste homem? Por que suas lágrimas escorriam sem o menor controle? Ela entendia agora, o motivo de tudo aquilo. Ele está perdido, sozinho. Ele é apenas uma vítima do infortúnio.

  Saber a verdade sobre aquele homem que estava a sua frente tornava tudo tão mais claro, ao mesmo tempo mais triste e apaixonante. “Ele é aquele que caiu em um abismo insuperável, e o superou!” Ela pensava. “Somos iguais!” Havia se convencido.

  Em prantos não podia deixar de olhar para aquele homem e desejar abraçá-lo, estava imersa em um conjunto de sentimentos amargos e doces. Aquele homem, como nenhum outro, havia sofrido até que não pudesse mais sofrer, ela sabia. “Ele sofreu até enlouquecer.” Ela o olhava com seus olhos azuis esverdeados e tentava conter suas lágrimas com as pontas dos dedos magros.

  Agora ela enxergava, ele estava tentando ajudá-la, e não ao contrário. Ela estava perdida, como um animal em meio a um habitat que não lhe pertencia, e ele podia ver isto, para ele, era claro como o dia.

  A Doutora Quinzel pôs-se para trás, encostando as costas na cabeceira da poltrona, sem reação, sem saber como se portar perante aquela revelação, de seu paciente e também de si mesma, ela apenas encontrava-se perdida, boquiaberta em pensamentos profundos e analíticos sobre sua própria vida e tudo o que se vinha prosseguindo desde sua própria tragédia.

  Seu paciente, ao perceber o quão inútil era tentar seguir o fluxo social e sobreviver naquela selva impiedosa, tornou-se ele mesmo a insanidade cruel da verdadeira liberdade. “Tome o que é seu por direito, viva da sua própria maneira, aterrorize aqueles que lhe aterrorizaram.” Ela entendera perfeitamente. “Esta tal liberdade verdadeira, fora das algemas da sociedade, da lei e da ordem, é a forma correta de se viver?” Sua mente questionava sua própria noção do correto, sua noção de sanidade.

  Ele a olhava com um sorriso sem mostrar os dentes, um olhar ganancioso, sabendo ter acertado onde deveria acertar com aquela história. Mudando completamente o foco, com um pensamento variante, ele aproveitou a deixa para cobrar um favor.

— Desde então, Doutora Quinzel, eu venho construindo exatamente o que eu sou, e não o que querem que eu seja. Entende? – Ele a pegou no queixo com as pontas dos dedos e olhou profundamente em seus olhos, como se estivessem conectados. – Existem marcos fundamentais em minha vida. Estes, eu guardo comigo, sabe? Tatuagens! Para nunca esquecer quem sou. E antes de chegar aqui, eu tive um grande marco.

— Tatuagens. – Ela repetiu, ainda um tanto perdida em pensamentos. – Oh, sim! – Ela se lembrou. – Eu prometi fazê-las! – Novamente, ele estava tão perto dela, que ela podia sentir sua respiração, seu hálito. Seu corpo esquentava e sentia novamente sua face corar. – Eu prometo, Sr. C, eu trarei na próxima sessão! – Ela dizia em meio a soluços nervosos.

— Sim, obrigado, Harley. – Ao chamá-la desta forma, ele testou o quão fundo havia entrado em sua cabeça com aquela história triste.

— Eu quem agradeço, Sr. C. – Ela nem mesmo cogitou questionar o apelido.

— Ótimo. – Ele agora se afastava da Doutora Quinzel.

  Ela não queria que ele se afastasse, pelo contrário, desejava que se aproximasse ainda mais, que tocasse em seu corpo, que a segurasse com força e não soltasse mais. Ela não conseguia mais negar, ela o desejava. Não apenas queria estar com ele, não apenas gostava de estar com ele, como sentia que precisava estar com ele, pois assim, não apenas poderia afagar suas tristezas e traumas, como poderia, ela mesma, entender mais sobre quem é, e o que deveria se tornar.

   Conteve-se o impulso inapropriado de seu desejo carnal sobre aquele homem. Não era mais apenas um paciente, o que tornava tudo aquilo tão perigoso. Não podia perder-se em impulsos irracionais e pensamentos confusos sobre sua existência e o significado da vida que vivia. Era o seu trabalho, tinha de manter a cabeça acima de tudo. Mas, a cada sessão, sentia que se tornava mais difícil. Estava a ponto de quebrar, sabia disso; ou, a ponto de ser consertada.

  Lembrou-se então que havia de entregar um relatório diário ao Diretor Arkham, e precisaria de tempo para reorganizar tudo o que havia aprendido e percebido naquela sessão. Tinha de repensar tudo!

  Levantou-se então, ainda um tanto perdida, e deixou sua prancheta sobre a mesa a sua frente. Acompanhada de seu paciente, ambos caminharam até a porta metálica de saída. Após passar o cartão, ambos os homens, seguranças, adentraram a sala rapidamente para um revistar rápido do paciente antes de levá-lo para a cela do “Corredor infame”.

  Ronn então notou o olhar triste e perdido da psiquiatra, e com um enorme estranhamento, não pôde conter-se em perguntar se algo havia ocorrido naquela sessão.

— Doutora, tudo bem? – Ele perguntava com um tom preocupado.

— O que? – A Doutora Quinzel retornou a si. – Ah, sim! Claro! Tudo certo, soldado.

— Soldado? – Ele estranhava a resposta entusiasmada e sem sentido, fora dos padrões da Doutora. – Certeza?

— Desculpe, Ronn, é que estou com muita coisa na cabeça. Nada demais. – Ela não mentira para o segurança, apenas dera uma desculpa que lhe faria se afastar.

— Entendo. – Ronn permanecia desconfiado, mas, tentara deixar de lado. Sabia que aquele palhaço havia dito algo que mexera com a Doutora Quinzel.

  Após observar aqueles homens levar o seu incomum e encantador paciente para fora daquela sala, e percorrer o caminho do corredor até o elevador, fechou a pesada porta de metal e caminhou até sua escrivaninha de madeira. Tinha muito trabalho para fazer. Um grandioso relatório para o Diretor Arkham.

  Sentando-se em frente ao computador, voltou a refletir sobre tudo o que havia escutado, sobre aquela história triste que seu paciente contara, sobre sua própria vida e o como ela havia se tornado tão ridícula, quanto lamentável nestes últimos dias.

  Mais do que nunca, sentia-se estranhamente perdida, embora agora, de uma forma diferente, uma forma talvez benigna para ela. Olhou aquela tela digital, com o “Microsoft Office Word” aberto em sua frente e sem escrever uma palavra, questionava-se sobre alguns fatos.

  Harleen Frances Quinzel estava prestes a casar com seu noivo, Robert. Por alguma estranheza, aquela ideia lhe parecia algo desconfortável. “Já vira um animal enjaulado, Doutora Quinzel?” Aquela lembrança lhe atingira repentinamente, com a voz familiar de seu paciente, quase que como se ele estivesse atrás dela. “Você, Doutora Quinzel, é agora, por algum motivo desprezível, um animal fraco e enjaulado!” era como um grito, um peso em sua consciência.

  Tentou livrar-se destes pensamentos que lhe consumiam palavra por palavra, quase que mudando sua existência. “Talvez não haja nada para tratar nele. Ele é uma vítima, sua insanidade talvez, seja na verdade, uma forma de super sanidade! Talvez esteja certo sobre mim.” Quinzel não conseguia fugir daquele raciocínio.

  A Doutora Quinzel precisava de ter mais tempo com aquele homem, precisava entender melhor quem é ele, para que assim, possa talvez, entender quem é ela mesma. No fim, era ele quem a tratava, e não o contrário, e isto se tornava cada vez mais claro. Decidiu então, que com aquele relatório diário, deveria pedir permissão para o Diretor Arkham, para tratar plenamente de forma integral o seu paciente mais precioso, o Coringa.

  Com palavras intensas deu início ao relatório, onde contaria cada detalhe do que havia ouvido da história contada pelo seu cada vez mais precioso paciente. O passado daquele homem lhe daria até mesmo um prêmio no meio psiquiátrico, mas, estranhamente, não estava interessada em prêmio algum, apenas queria saber mais, apenas queria mais tempo com ele.

—_________________________Coringa____________________________

  Aqueles dois homens pareciam impacientes, como comumente; ele sabia que era apenas cena, uma forma de amedrontar e passar a imagem de “seres de pedra, homens da lei”. Não funcionava, nem perto disso. Ele se questionava se eles pensavam que aquilo de alguma forma lhe amedrontava.

  Em especial, um dos seguranças que lhe carregava parecia mais nervoso do que o comum. Seu semblante era como se fizesse naquele momento, toda a força do mundo para não agir de forma precipitada, para não cometer um erro. Aquele era Ronn, um homem alto, com a pele bronzeada e mais músculos do que cérebro.

— Palhaço. – Ronn chamava a atenção do paciente.

— Sabe, Ronzinho... – O Coringa o olhou com enorme e incomum fúria. Para ele, não era preciso fingir. – ... Se continuar me chamando assim, não vamos poder ser amigos.

— Amigos? Sério? – Ronn o olhava com não apenas um deboche no olhar, mas, uma ameaça clara. – Eu não quero ser seu amigo. Palhaço.

— Oh, Ronzinho... – Embora seu olhar alucinado transparecesse uma ameaça amedrontadora, seu sorriso parecia contar uma piada. – ... Você é como um homem cego prestes a ser assaltado... – Com um grunhido, como que se sentisse um prazer que há muito não sentia em ameaçar alguém, voltou seu rosto para a porta com um sorriso. – ... Nem pode imaginar o como está fodido.

— É mesmo? – Ronn estava prestes a dar uma resposta para o insulto daquele homem que parecia não ter a menor ideia da situação em que se encontrava, quando foi interrompido por seu parceiro, Frances.

— Cara, você está mesmo discutindo com ele? – Frances tentava lembrar ao seu parceiro o fato de que o homem com quem ele discutia, é completamente insano.

— É, Ronn, o que há? Só consegue falar? Não tem bolas? Cadê seus culhões? – Com um sorriso provocativo, em meio a risadas, o Coringa se virou como podia para Frances que tentava inutilmente não olhar de volta. – Você comeu os ovos dele? Estavam bons?

— Cale a boca, palhaço escroto! – Ordenou Ronn, prestes a perder a cabeça.

— Meus Deus. – Frances lamentava a impaciência e tolice de seu parceiro.

— O que foi? Aposto que a mãe dele tem bolas maiores que as suas. – Coringa os provocava com um sorriso de canto de boca.

— Ora, seu... – Inesperadamente, Frances, que até então ignorava o insano palhaço, e criticava a impaciência de seu colega, quase saltou para agarrar o pescoço do provocativo paciente que mal podia mover o corpo devido à segurança aplicada. Camisa de força. 

— Não, cara! Não! – Ronn segurou Frances antes que o mesmo cometesse um enorme erro. Era sabido, claro, que os seguranças somente teriam o direito de agredir um paciente, se o mesmo agisse com violência. Não fora o caso. – Relaxa, cara. É isso o que ele quer! – Ronn pressionava Frances contra a parede do elevador.

  Mandando um beijinho, o Coringa se divertia com toda aquela cena.

  O elevador apitou em meio a sua música ambiente, avisando que o próximo andar era o escolhido manualmente pelos seguranças. Ambos tentaram se acalmar e retomar a compostura. Seguraram com uma força além do necessário nos bíceps do palhaço, e aguardaram a abertura da porta.

  Enquanto desciam as escadas até o “Corredor Infame”, o palhaço insano de Gotham inspirou fundo e então soltou um ar gemido de desconforto. Aquela cela era o sinônimo do tedioso, e assim seria até a próxima sessão. Um ciclo repetitivo a qual já estava farto.

— Lar, doce lar. – Disse o Coringa, com um tom rangido. Uma raiva contida.

— Exatamente, palhaço. Aqui. Para. Sempre. – Ronn agora tinha um sorriso de escárnio e superioridade.

— Você mexe a boca, mas, eu só consigo pensar: “Onde estão as bolas desse cara?”. – Olhou então para Frances e continuou a piada. – Ah é.

— Babaca. – Disse Frances.

— O que você disse para a Doutora Quinzel? – Perguntou Ronn, finalmente exprimindo o que tentava não perguntar.

— Já ouviu falar em “sigilo médico e paciente”? – Ele continuava a debochar.

— Escute só, palhaço. – Um tom furioso, recheado de ameaças.

— Sou todo ouvidos. – O Coringa estava adorando provocar aquele homem.

— Se algo acontecer, qualquer coisa, e ela se machucar... – Ronn apontava o dedo indicador com uma forte ameaça para rosto do Coringa.

— Ronn, meu querido, devia pôr este dedo em algum lugar que lhe fosse mais útil. Antes que se machuque. – Agora o Coringa não ria, sua expressão era tão assustadora quanto à de Ronn. – Como na bunda de seu namorado! Ha Ha Ha Ha Ha Ha! – A gargalhada era humilhante, mas, Ronn e Frances se afastaram e o deixaram lá.

  Andando de costas para o vidro, até próximo a parede, com as mãos nas costas, a mente psicótica daquele homem de cabelos verdes e olhar insano, trabalhava arduamente. Mil e uma maneiras de esquartejar, amarrar, torturar e brincar com aquele homem que ousou ameaçá-lo.

— Você nem imagina o quanto será... – Estava ansioso para sair daquele lugar, sabia que sua chave de saída estava quase no ponto. Quando saísse, algumas pessoas daquele lugar iriam lhe conhecer um pouco melhor. – ...Divertido!

—_________________________Quinzel____________________________

  A Doutora Quinzel terminara o seu relatório e o colocara na familiar pasta bege para ser entregue ao Diretor Arkham. Sentia-se animada, feliz, renovada como há algumas boas semanas já não se sentia. Cantarolando uma música de Lana Del Ray, Serial Killer, a Doutora Quinzel saltitava com aquela pasta na mão. Rodopios, abraços e até mesmo pequenas danças.

  Havia decidido que após mostrar seus resultados para o Diretor, iria pedir-lhe para ser isenta dos cuidados de Logan Howard e concentrar-se apenas no Coringa. Em meio à transcrição do relatório, o qual irá entregar, a Doutora Quinzel percebeu que talvez haja uma forma de curar o Coringa. “Seus traumas afinal, são ligados à memória!” Ela acreditava que o caos fundamental em suas ações era ligado a seus traumas infantis e também de perda da esposa e filho.

  Não acreditava que o mesmo era insano de uma maneira inata, e sim, que a insanidade o havia consumido, acreditava que de alguma forma, ele havia sido capaz de perceber o mundo em que vive exatamente como ele é, porém, isto não deve justificar suas más ações, estas que seriam causadas por impulsos violentos criados pelos devidos traumas passados, os quais, segundo ele, são algumas das poucas lembranças que tem. “Um homem criado pelo ódio, apenas conhece o ódio. Talvez limpando a tela, possamos recomeçar.” Sentia-se eufórica com essa ideia “Seria um sonho! Talvez ele possa ser um bom homem, afinal!” ela pensava em um desejo utópico.

  Não podia mais fingir que não via seus sentimentos por aquele homem crescerem. Sabia também, porém, que havia uma história inteira com Robert, seu noivo. Planos, lembranças, sentimentos que ainda estavam lá, e não podia simplesmente esquecer. No fim, novamente, estava confusa.

  Havia parado de dançar e agora estava parada em frente à porta de metal, segurando o cartão de acesso, sua mente fervilhava em conflito. Havia esquecido por um segundo: é noiva. “É errado amar alguém como ele? Eu estou enlouquecendo?” Ela cogitara algo que sabia ser completamente possível “Estou sendo contaminada? Não! Ele não é louco! Ele gosta de você! Você é diferente para ele...” a Doutora Quinzel encaixou o cartão na máquina para destravar a porta “Um sociopata poderia fingir. Não, ele não pode ser classificado como um. Droga, Harley!” ela percebeu, havia chamado a si mesma de Harley, e não Harleen. “Harleen. Foi isso o que eu quis dizer. Melhor eu parar de pensar nisto por enquanto, vou me concentrar em entendê-lo um pouco mais.” Enfim abrira a porta e caminhara até o elevador.

  Pouco tempo depois, a Doutora Quinzel estava chegando à sala do Diretor Arkham, havia tentado parar de pensar em todo o conflito moral a qual estava se perdendo aos poucos, para concentrar-se meramente como uma psiquiatra completamente profissional frente aos olhos do seu chefe, o Jeremiah Arkham. Caminhou por aquele corredor até chegar à porta de madeira. Três batidas.

  Aguardou, sem som algum, sem resposta alguma, simplesmente esperou. Após alguns minutos, a porta fora aberta pelo próprio velho Arkham. Segurando a porta, estendeu o braço esquerdo pedindo para que a Doutora Quinzel adentrasse.  Ela o fez.

  Mesmo acostumada com aquela sala, sempre se surpreendia com seu tamanho e artefatos ali contidos. Algumas vezes, em meio à embriaguez da imaginação, sonhava em um dia ter algo como aquela sala, talvez até mesmo aquela sala. Futura Diretora? Caminhou até estar de frente para a cadeira aonde viria a sentar, aguardava a autorização de Jeremiah. O velho Arkham sempre fora um homem coberto de normas, um homem que prezava a educação e a subordinação a ele.

— Desculpe a demora. Estava lendo. Amor, Ódio e Separação. Melanie Klein. – Sentou-se então em sua cadeira e puxou-a para perto da escrivaninha. Ajeitou os óculos enquanto arrumava algumas papeladas e guardava o suposto livro. – Já lera?

— Sim, senhor. – Disse ela simplesmente.

— O que achou? – Agora ele a olhava sobre as lentes redondas.

— Esclarecedor. – Ela não sabia ao certo o que responder.

— Esclarecedor? Certo. – Ele tinha um sorriso de canto de boca.

— Eu trouxe o relatório, senhor. Por favor, leia. – Ela lhe entregava a pasta bege. Estava ansiosa para saber o que o ilustre Jeremiah Arkham pensaria sobre suas descobertas, e ainda mais ansiosa para propor a ele cuidados únicos e integrais ao seu paciente em questão.

— Deixe-me ver. – Disse Arkham, enquanto pegava a pasta das mãos da Doutora Quinzel.

  Passou alguns minutos lendo e relendo aquele arquivo, e mais alguns minutos, simplesmente olhando-o, inerte, impressionado. Era a primeira vez que Harleen via aquela expressão na face do Diretor Arkham.

— É impressionante, Doutora Quinzel. Muito impressionante, na verdade. – O Diretor Arkham estava real e plenamente impressionado, a ponto de não saber ao certo o que dizer. Harleen sentia seu coração disparar, estava extremamente orgulhosa de si.

— Senhor... – Harleen pensava se não seria a hora ideal para sua proposta. -... Eu preciso que o senhor me permita cuidar única e estritamente do Coringa.

  Jeremiah Arkham olhou para aquela jovem mulher de cabelos loiros por sobre seus óculos por alguns segundos. Para ele, o que lhe era proposto, o que lhe era pedido, era complexo. Logan Howard era um paciente ainda instável e extremamente dependente da Dra. Quinzel, seria uma decisão perigosa permitir que sua genial empregada abandonasse o caso deste paciente em especial, por outro lado, as descobertas e avanços constantes da Dra. Quinzel em relação ao paciente Coringa, eram evidentes, impressionantes e até mesmo revolucionárias.

— Questão interessante esta que me entregas... – Jeremiah olhava Harleen pensativo, e após alguns segundos, ao retornar a olhar o relatório em suas mãos, decidira. – Está certo, Dra. Quinzel, eu permitirei que trate apenas o Coringa. Porém, terá de haver uma última sessão com Logan Howard.

— Sim, senhor. Obrigada! – Harleen sorria animada, era como um peso que havia se soltado de seus ombros. Logan Howard era alguém que precisava de ajuda, e abandonar seu caso era puro egoísmo, sabia, mas, não sentia-se mais capaz de ajudá-lo, ao menos não enquanto sua mente estivesse completamente focada e obcecada pelo Coringa.

— Irei reescrever seu contrato, Dra. Quinzel. Logo mais, lhe convocarei a minha sala novamente. Pode ir.

— Boa noite, senhor. – Despediu-se Harleen, extremamente grata.

  Já fora de Arkham, perto de seu carro, notara a hora. Era tarde; ao menos mais tarde do que saia comumente. Manobrou com seu carro, um Citröen C3 de cor vermelha, cujo sob a luz da lua parecia assumir uma tonalidade mais escura. Acelerou e avançou embora para sua casa.

  Ao longo do caminho, a voz do Coringa era como um fantasma que lhe assombrava e consumia sua alma. “...Um animal fraco e enjaulado”. Harleen sentia como se estivesse prestes a perder sua sanidade. Contendo seus pensamentos, sabendo que aquilo poderia não ser benéfico para ela, pôs alguma música para tocar, com a esperança de que seus pensamentos se dissipassem, ao menos por hora. “Believer, de Imagine Dragons” fora a primeira música a sair daquela caixinha de som no painel do carro. Era inacreditável, mas, era real. Harleen sabia o que era aquilo, havia estudado aquilo. Quando temos medo, estamos ansiosos, ou algo consome nossos pensamentos, é muito comum que passemos a notar padrões em tudo o que vemos ou ouvimos, onde estes parecem indicar ou falar sobre justamente o assunto a qual tentamos esquecer. “Somos seres que buscam padrões, mesmo que estes não existam. É só sua cabeça Harleen.”

    Ao longo do trajeto, Harleen lembrara sobre seu passado com seu noivo, Robert. Dias felizes e dias tristes haviam passado desde que se conheceram na faculdade, foram felizes todos estes anos até então, e mesmo hoje não podia dizer que não eram. Ao menos é o que tentava se convencer.

  Aos poucos, Harleen externalizava sua insegurança a respeito de seu futuro com Robert. Pensava consigo mesma se era aquilo que queria, o futuro que procurava, o homem que realmente amava. “Ainda o amo?” A verdade é que há algum tempo já não sabia mais.

  Perguntava-se quando havia começado toda esta insegurança, e quando havia deixado de amar verdadeiramente o seu noivado, o seu noivo. “Tudo começara com ele? Com o Coringa? Ou talvez de antes? Qual o ponto de início de tudo isso? Como alguém como ele pode me deixar tão confusa? Vamos Harley, é só contar uma historinha triste e você fica assim?” Em meio a seus próprios questionamentos, Harleen notara: novamente havia chamado a si mesma de Harley. Balançou a cabeça e voltou a concentrar-se na estrada a sua frente. Estava quase lá, em casa.

— Por que eu tenho de ser tão ridícula? Tão estúpida? – Harley chorava. Socava o painel furiosa consigo mesma. – Qual é Harleen! Você não pode acabar com seu noivado, com seu futuro, só porque um homem de cabelos verdes disse que você parece um animal enjaulado! Mesmo que sua teoria sobre a verdadeira liberdade, a verdadeira sanidade, seja impressionantemente sedutora! – Agora Harleen já podia ver sua casa ao longe. – Quanto mais próxima do Sr. C, mais eu me sinto completa, mais minhas capacidades parecem aumentar e tudo parece estar tão nítido... – Começara a desacelerar o carro, estava perto. – E se eu estiver com o Robert apenas para me sentir segura? E se o que em mim ama o Robert, for aquela pequena Harleen, triste e perdida, que fazia de tudo para se sentir segura? – Harleen finalmente estacionou o carro próximo a sua calçada, em frente à sua casa. Todas as luzes estavam apagadas, provavelmente Robert já estaria dormindo, ou aguardava furioso. Harleen apenas permaneceu ali, parada.

    Olhando para sua casa através do vidro fechado de seu carro, parecia estranho, mas, não a enxergava como sua. Era aterrorizante, não sentia vontade de sair do carro, de entrar em sua casa, ou de ver, de deitar ao lado de seu noivo, ao lado de Robert. Voltou a acelerar.

   Após algumas ruas, decidira fazer algo que há muito tempo não fazia: beber sozinha. Após começar a namorar o Robert, parara de sair para beber com seus amigos, depois, não bebia nem mesmo sozinha, e por fim, não ia a lugar algum sozinha.

— Eu virei à porra de uma cadela? Santo Deus! Uma mulher pode beber sozinha! - Dizia para si mesma em busca de apaziguar a culpa que sentia em não ir para casa.

   Finalmente havia chegado, o estacionamento era simples e impressionantemente, mesmo sendo início de semana, àquela hora da noite, o bar ainda estava bastante cheio. “O lugar mais repleto de degenerados, fracassados e animais puramente sexuais que se pode encontrar.” Pensou consigo mesma. “I Can Kiss” Harleen lia com certo escárnio o nome cafôna do bar a sua frente. Por alguns segundos permaneceu parada, pensou uma dúzia de vezes em desistir e ir embora, mas, sabia que era apenas o medo de ficar só novamente, ou de algo dar errado. “Não é como se eu estivesse arriscando tudo. Só estou relaxando”.

   Finalmente dentro, pedira ao Barman uma mistura que costumava beber na faculdade. Uma bebida forte para esclarecer a mente. “Um pouco de álcool vai me deixar desinibida”. Não queria paquerar como fazia na faculdade, não era mais aquela menina, aquela Harleen que estava sempre em festas e bebendo para não pensar nas sombras dentro de si, queria pensar com mais segurança de suas emoções, acreditava que a bebida pudesse ajudar.

   Como um conjunto matemático que jamais falha, onde nesta equação encontramos: uma mulher bonita, um bar, bebidas e muitos homens, não demorara muito para que a soma resultasse em paqueras ridículas de homens cheios de testosterona e concepções machistas supervalorizadas de si mesmos.

— E aí, gatinha? O que você faz por aqui? – Harleen não acreditava que uma paquera lamentável como esta havia sido iniciada.

— Sério? “E aí, gatinha”? – Com uma expressão de puro deboche, Harleen continuou. – Não sei que parte disto foi pior... “E aí, gatinha?” ou “O que você faz por aqui?”. – Harleen ria debochadamente e engrossava a voz tentando imitar o homem a sua frente.

   Naquele momento, um tanto quanto sem entender, o rosto branco daquele homem a sua frente, tornou-se vermelho de vergonha e raiva.

— Qual é a tua? – O homem em sua frente estava confuso e claramente irritadiço.

— Não, não! Desculpa! Pode continuar... – Harleen parecia conter um riso.

— Vadia louca... – O homem se afastara dando as costas.

— O que foi, docinho? Seu pênis de criança murchou? A testosterona vacilou? Não lhe vêm nada melhor que: “E ai, gatinha?”. – Harleen não aguentou, uma risada escapara.

— Olha aqui, sua vadia. Não sei qual é o seu problema, mas, é melhor cair fora. – Agora o homem parecia ameaçador.

— Sério? Um Neanderthalensis? Bonobos, talvez? – Harleen percebera que a expressão de incompreensão na face do homem metido a Chuck Norris em sua frente revelava uma coisa... – Ah, vamos lá! Bonobos! Primatas ninfomaníacos? - ...Idiota. – Você pensa com o seu pênis? Têm alguma massa cefálica aí dentro? Neurônios funcionais? – Harleen revirava os olhos impaciente com tamanha estupidez.

— O que? – O homem parecia ficar cada vez mais confuso, e agora olhava ao redor para checar se algum outro homem no local havia entendido o que ela dizia.

— Esquece. Estou indo, machão... Lembrei agora por que de eu parar de frequentar estes lugares... Muitos pênis, poucos cérebros. – Virou-se para o Barman que os fitava também sem muito entender, apenas com medo de que aquilo se tornasse algo problemático. – Me vê uma garrafa de Cîroc, por favor.

   Horas depois, o mundo parecia girar em seu eixo, e seus passos cada vez mais errantes. Não reconhecia exatamente aonde estava, e pouco lembrava de o como havia chegado, mas, nada parecia importar realmente. No início, após sair daquele bar, fora capaz de refletir sobre o rumo que tomaria a partir daquele dia, mas, conforme bebia, nada mais parecia fazer sentido, e na realidade, sentia que não deveria ligar para nada do que acontecia, ou que viria a acontecer. “Viver como um rio, sem medo de cair. Se eu cair, apenas continuarei meu trajeto” fora a última frase bem formada que dissera antes que seus pés começassem a tropeçar uns nos outros.

   Harleen estava agora em um antigo escoador de esgoto, um local enorme que parecia uma piscina gigante onde diversos bueiros se encontravam. Embora hoje em dia o local estivesse desativado e nenhum pútrido esgoto caísse naquele local, o cheiro infernal de merda ainda era massacrante a qualquer olfato que ali ousasse adentrar. Harleen naquele momento não ligava.

   Conforme andava, a cada gole que dava em sua garrafa que já se encontrava na metade, uma lembrança cruel lhe acertava o peito ao retornar a mente. Harleen havia feito muitas coisas as quais não se orgulhava e nem mesmo gostava de lembrar em sua adolescência. Sua infância e adolescência não haviam sido nada fáceis na realidade, um pai abusivo, uma mãe suicida, um diretor pedófilo. Havia afundado todo sofrimento dentro de si ao começar a namorar com Robert. Ele havia se tornado seu porto seguro, sua felicidade e sua sanidade.

   Cada vez que virava a garrafa, era como se estivesse sendo atropelada por quem é de verdade, e de quem tem fugido há anos. Chorava, gritava, bebia. Ninguém podia ouvi-la, não ali. Não queria ser ouvida, só queria gritar.

   Em certo momento, ao tropeçar em seus próprios pés, desequilibrou-se e então se apoiou numa parede de cimento que até então não havia notado estar ali. Ao olhar para o chão, em busca de reerguer-se, acabara por ver a si mesma em uma poça d’água. Sentira nojo de si mesma e de tudo o que escondia e conflitava dentro de si, dentro de sua mente e alma.

— Tudo parece estar errado, mesmo quando tudo parece estar certo. Que grande merda eu sou.

  Harleen taca a garrafa longe e a escuta quebrar, fecha os olhos por alguns segundos em busca de controlar seu próprio corpo completamente embriagado, mas, mesmo sua mente não raciocinava direito, não se concentrava.

— Está tudo bem, senhorita? – Perguntou uma voz rouca e grossa atrás de Harleen.

  Com um susto, Harleen virou-se rapidamente. Sentindo o coração bater forte, e a adrenalina aumentar, o efeito da bebida pareceu diminuir um tanto. Assustada pela aparição repentina, agora via o homem a sua frente. Cabelos sujos e duros, uma toca cinza velha, camisa comprida com alguns poucos buracos, também bastante velha, uma calça jeans surrada, uma meia em apenas um pé e um chinelo remendado.

— O que você quer? – Harleen parecia raivosa sem motivo algum.

— Nada senhora, apenas fiquei preocupado. Vi a senhora de longe... Olha... – O homem parecia conter-se, mas, resolveu falar. - ...Eu me perdi da mesma forma. Entende? Álcool. Isso acaba com a vida de muitas pessoas. Olha como estou.

— Essa... – Harleen engoliu um refluxo. -... Essa é a diferença entre nós... Não é o Doutorado, ou o emprego... Nem mesmo o cheiro! Eu não estou perdida! Não mais...

— Sério, senhorita? Não é o que me parece... Quer que eu lhe ajude a ir para casa? – O homem parecia bondoso e preocupado, mas, Harleen não estava com cabeça para bondade, não estava com paciência para nada, na realidade, não raciocinava nada, apenas falava.

— Ajuda? Eu pareço precisar de ajuda? Eu vou te ajudar! Toma! – Harleen tira algumas notas da carteira e joga no homem a sua frente, completamente embriagada.

— Obrigado, senhorita! – O homem catou as notas que caíram no chão e saíra correndo com medo da louca mulher mudar de ideia, ele sabia melhor do que ninguém que quando o efeito do álcool passasse, ela se arrependeria.

  Com uma forte dor de cabeça, e um raio de sol impactando-se contra suas pálpebras seladas, Harleen acorda de um sono desconfortante. Uma enxaqueca lhe espancava a mente. Ainda estava em seu carro, notara! “Eu dormi aqui? Aonde estou?” Harleen forçava-se a olhar pela janela do carro para se encontrar. Estava no banco de trás do carro, a chave estava na ignição, mas, o carro desligado. Com os olhos apertados e doloridos, reconhecera sua própria casa, estava em frente a ela. Literalmente. Seu carro estava estacionado em cima da calçada, completamente torto.

— Que merda.... Quando eu cheguei aqui? Robert vai falar para cacete! – Reclamava consigo mesma enquanto limpava seus olhos.

   Ao procurar seu celular, o encontrara no bolso de seu jaleco, pendurado na poltrona do carona.  “06:50” Ela vira a hora, tinha de ir trabalhar. Vendo o símbolo de uma carta de mensagem no canto da tela do seu celular, abrira a caixa de mensagem. O que encontrara lhe trouxe um aperto à garganta: vinte e duas mensagens de seu noivo preocupado e quinze ligações perdidas.  Conteve uma lagrima, sugou os lábios. Respondeu. “Desculpe”.

   Harleen sai do carro, ainda cambaleando pela dor de cabeça e olhos doloridos, adentra sua casa, sobe as escadas, entra em seu quarto e encontra a cama ainda feita. “Ele não dormira, ao menos não em casa”. Tinha de tomar uma ducha antes de ir trabalhar, fedia a álcool, vômito e merda.

    Enquanto sentia a água morna tocar sua pele, tocava a testa na parede, pensava em tudo o que pensara na noite anterior e na conclusão que chegara. Estava decidida. E embora doloroso, tudo parecia mais leve, mais claro. Estava pronta.

     Vestiu-se, desceu as escadas, preparara um café, uma torrada, pensou se deveria deixar um bilhete para Robert. Não. Saíra, andara até o carro. Ligou o motor e o som. Respirou fundo, ajeitou o retrovisor, olhou-se olho no olho. Sorriu. Acelerou, era hora de trabalhar.

      Em sua sala, aguardara seu paciente. Era a sessão final. O momento de despedida. Um Adeus aguardado. Um novo dia. Ele chegara. Logan Howard, acompanhado dos dois seguranças, Ronn e Frances, adentrou a sala da Dra. Quinzel e logo passara pelos procedimentos finais de revista. Estava tudo certo; e ele com um sorriso na face. Logan não esperava que aquele pudesse vir a ser seu último encontro com sua amada Harleen F. Quinzel.

      Com um sorriso amável Harleen apontou-lhe o caminho já conhecido até a poltrona Divã. Em acompanhamento, após a passagem de seu paciente, ela mesma sentou-se em sua poltrona, frente a seu paciente. Era a hora, o momento final.


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Notas finais do capítulo

Pobre Robert... Fico com pena dele. Mas, ver a Harleen se quebrando aos poucos e se tornando Harley, também é algo interessante de acompanhar. O que acharam?