Quando a governanta entrou no quarto,Magali estava ofegante em sua cama.Os cabelos bagunçados cobriam um pouco o olhar assustado,enquanto uma de suas mãos permanecia em cima de seu estômago.

—Está tudo bem,Srta.Magali?-A funcionária se aproximou rapidamente de sua patroa.

—Eu estou morta?!-A garota não sabia o porquê de ter acordado naquele mundo se normalmente voltava ao mundo real depois de poucas horas.

—Não,senhora.Está mais viva do que nunca.

Magali não sabia no que acreditar depois do que viu naquele “sonho”.Cebola parecia tão assustado enquanto estava amarrado naquela cadeira.Enquanto Magali cravava aquela adaga em seu estômago.

Ela não sabia dizer se aquilo tinha sido apenas um pesadelo ou se era um fato.Independente de ter acontecido ou não,não era normal que ela estivesse mais horas no mundo paralelo do que no mundo real.

Agora em frente ao espelho do seu quarto,Magali verificava cada centímetro de sua barriga.A dor era inexistente e as cicatriz também.

—A Srta. gostaria de um copo d'água?-A governanta tentava seguir os passos inquietos da mulher,sem entender muito bem o tinha acontecido.

—Eu só quero saber o que está acontecendo!Por favor!- A ansiedade e o pânico tomavam conta de Magali,que procurava desesperadamente por respostas.Por mais que a realidade fosse cruel,ela preferiria voltar para o laboratório do que viver refém em mundo de ilusões.-Quando eu vou voltar?!EU NÃO DEVERIA ESTAR AQUI!

—Por favor se acalme,srta.Magali...Precisa estar bem para o seu show hoje.

—O show?- Magali respirou profundamente e sentiu uma pontada de alívio ao lembrar do plano que fez com Cebola.Tudo parecia ter ficado mais calmo.-...Ah claro...Me perdoe,eu só...Tive um pesadelo.

A governanta permaneceu a encarando com estranheza.Mas assentiu silenciosamente como se estivesse aceitando aquele pedido de desculpas um tanto inesperado.

—Acredito que deva estar muito nervosa para a sua performance,senhorita...Mas não há com que se preocupar,seus maquiadores vão estar aqui daqui a pouco.

— Está bem…- Magali respirou fundo mais uma vez tentando se recuperar daquela montanha russa de emoções que acabara de experienciar.-...Eu acho que só estou um pouco nervosa mesmo.- Assim que se sentou em frente a sua penteadeira,a garota se olhou mais uma vez no reflexo do espelho e questionou sua sanidade por um momento.

—Céus...Eu só espero que ele esteja bem.- Ela sussurrou ao pensar no amigo que poderia estar passando por poucas e boas dentro do laboratório naquele instante.

— Disse alguma coisa,senhorita?

—Não!Eu só...só estou…

—Está tudo bem,já já vou trazer um pouco de água pra você.- Magali agradeceu imensamente o fato que a governanta não fazer muitas perguntas.Nem ela conseguia explicar o que poderia explicar o que estava acontecendo.Talvez um copo de água bem cheio fosse a melhor solução.

A poucos quilômetros dali…==============

Assim que terminou de anotar numa folha de papel tudo o que sua secretária eletrônica gravou da conversa com Cascão,Cebola respirou fundo e guardou a folha dentro do seu paletó junto ao um pequeno alfinete.

Ainda faltavam poucas horas para o tão esperado show,mas ele sabia que teria de estar pronto muito antes do que o previsto.Tudo parecia estar correndo bem,mas não haviam garantias de que tudo ocorreria como o planejado.Por isso qualquer carta na manga seria usada.

Penha ainda estava dormindo quando Cebola acordou mais cedo naquela manhã.Ela mal tinha conseguido pregar os olhos no dia anterior ao ver o marido naquele estado.Ela nem poderia sonhar que não o encontraria assim que acordasse e ,talvez, nunca mais.

Cebola havia pensado muito em sua decisão e sabia que faltava muito pouco para que aquele pesadelo acabasse de uma vez por todas.O toque frio da adaga em um dos seus bolsos era um lembrete de que tudo poderia acontecer naquela noite.

Ao fechar a porta do quarto vagarosamente,o rapaz desceu as escadas enquanto terminava de dar o último nó em sua gravata cinza.Seus funcionários observaram a cena com estranhamento,era incomum ver Cebola saindo tão cedo de casa em dias que não tinha nenhuma reunião.Mal sabiam que aquela seria a última vez que o veriam.

O rapaz se despediu com um aceno cordial dos seus funcionários,sem dizer se quer uma palavra.

O motorista que sempre estava à disposição,agora se perguntava o porquê do seu chefe não lhe avisar pra qual lugar iria.Ele estava conversando com o jardineiro do lado de fora da mansão quando viu Cebola saindo rapidamente de sua casa e entrando em um dos seus carros no estacionamento. Aquilo era realmente estranho, seu patrão nunca pegava um carro sozinho,por segurança. Mas ele não parecia muito preocupado daquela vez.

Os faróis de um carro preto estacionado do outro lado da rua se acenderam quando o carro de Cebola saiu pelos portões da sua mansão. O veículo saiu lentamente de onde estava estacionado e seguiu na mesma direção em que o rapaz seguiu rumo a um destino imprevisível.

De volta ao mundo real-No laboratório...================

Já havia se passado algumas horas desde da tentativa fracassada do Dr.Jeremy de convencer o Chefe de encomendar mais equipamentos para o laboratório. E também se passaram algumas horas que Jeremy não havia cruzado com Anne pelos corredores do laboratório. O que não era normal.

Anne sempre estava correndo de um canto para o outro para fazer relatórios e vistorias em outras áreas e cobaias da instituição. Ele até poderia considerar que ela estivesse cuidando de algumas cobaias naquele instante,mas não haviam muitas no laboratório no momento.Depois da chegada das cobaias do experimento alfa,a instituição investiu muito mais neles e acabou “despedindo” o restante de experimentos menos lucrativos.

Jeremy entendia o cuidado extremo que seu superior tinha com aquele projeto em especial,a instituição estava investindo muito para que o experimento chegasse até o final e fosse concluído com sucesso.Todos ali dentro sabiam da importância disso, principalmente, Anne.

Era estranho pensar que ela poderia ter dado aquela sugestão por pura ingenuidade. Ela era puramente estrategista e genuinamente maliciosa para tomar qualquer decisão lá dentro. Seu cargo não lhe permitia cometer erros, visto que já havia sido chamada a atenção pelo Chefe da organização no dia anterior. Ou pelo menos era isso que era comentado pelos corredores do laboratório, mas ninguém sabia dizer ao certo o porquê da suposta advertência. A única coisa que diziam é que ela saiu com uma cara de poucos amigos da sala do chefe naquele dia em questão, então estava longe de ter sido uma promoção ou uma boa notícia.

Agora enquanto passava pelos corredores, Jeremy tentava encontrar sua colega de trabalho para lhe avisar que a sugestão não foi bem vista pelo Chefe. Mas talvez aquela notícia nunca chegasse ao seu destinatário.

— Por acaso você viu a Anne?Ela passou por aqui hoje?- Jeremy pediu informação a um guarda que estava fazendo uma vistoria naquela Ala.

— Não,Dr.Jeremy...Onde a viu da última vez?

—Não faz muito tempo...Ela estava na Ala médica comigo hoje mais cedo,mas disse que iria dar uma olhada na cobaia Alfa.

— Vou chamar a equipe de segurança para verificar se ela está no dormitório .- O segurança prontamente tirou o Walk Talk do bolso para se comunicar com a sua equipe.

—Não será necessário!Não é nada urgente,acredito que ela deve estar fazendo alguns exames na cobaia,não quero interrompê-la agora...Mas se caso encontrá-la mais tarde,pode me avisar.

—Estão procurando a Anne?Eu vi ela na ala administrativa faz um tempinho.- Uma funcionária passou pelos dois colegas no corredor.

—No administrativo?Mas ela não trabalha nesta área.- Por um momento Jeremy achou que pudesse ser um engano, afinal de contas, haviam muitos funcionários trabalhando lá e qualquer um deles poderia ter o mesmo nome que sua colega. No entanto, ao receber a descrição que a funcionária dera, não tinha como negar que poderia ser Anne. Mas então o que diabos ela estaria fazendo lá?

— Achei que o senhor soubesse o que ela foi fazer lá…

—Como assim?

—Ela nos disse que você a pediu que fosse pra lá para ver alguns documentos.

—Ora! Tenho certeza que não estamos falando da mesma pessoa!Eu não pedi nada a ela.

—Bom,não foi isso que ela nos disse.- A funcionária olhou o seu relógio de pulso e ajeitou a papelada debaixo de um dos braços.- Espero ter ajudado,Sr.Jeremy.Acredito que tenha sido um problema de comunicação...Mas talvez encontre ela lá para esclarecer isso. Até mais.- Assim que a mulher virou as costas e seguiu em direção as demais Alas,o segurança pegou mais uma vez o seu Walk Talk e comunicou sua equipe para que verificassem a área administrativa em questão.

—Não é possível...Acho que foi um engano,não teria porque ela ir pra lá.-Jeremy sentiu que aquela funcionária falou a verdade,mas não conseguia entender o que sua colega teria ido fazer e nem quais documentos iria verificar.-...Eu não lembro de ter dado ordem alguma a ela.

—É melhor me acompanhar,Dr.Jeremy...Vamos verificar as câmeras de segurança para ver se essa informação realmente foi um engano.

—Bom,eu espero que seja.- O senhor respirou fundo e seguiu até a sala de controle junto ao funcionário.As peças simplismente não se encaixavam.Anne falou que iria fazer uma coisa e fez outra totalmente diferente. Porque ela faria isso? Geralmente,só os coordenadores das equipes poderiam fazer essa verificação de documentos e dificilmente pediriam aos seus subordinados para fazer tal função. Isso era totalmente contra os regulamentos de hierarquia da instituição. Era como um peão poder fazer os mesmos movimentos que a rainha em um jogo de xadrez. Estava totalmente fora de cogitação.

Assim que chegaram a sala de comando puderam confirmar que aquela informação era verídica. Pelo que as câmeras mostraram, Anne tinha saido direto da Ala médica até a Ala administrativa,sem fazer nenhuma parada no dormitório de alguma cobaia.

—Mas o quê?!.....- Jeremy tirou seu óculos e os colocou de novo para ter certeza de que aquilo que estava vendo era verdade.Ele não tinha pensado no que a poderia ter motivado ir até lá, mas não o impediu de correr até a ala administrativa para ver o que havia acontecido.

Na cena em questão,sua colega entrou em uma sala em particular e depois de poucos minutos abrindo algumas gavetas e folheando documentos,ela ligou o computador e usou um telefone fixo da sala para fazer uma ligação e depois de ter guardado tudo no seu devido lugar,saiu da sala como se nada tivesse acontecido. Era como se ela estivesse tentando montar um cenário para que ninguém suspeitasse que ela estivesse usando o computador da instituição.As imagens da câmera não tinham uma qualidade muito boa,mas eram o suficiente para mostrar as inúmeras e incontáveis vezes em que Anne olhava para os lados para ver se alguém mais entraria naquela sala.Tais movimentos se intensificaram quando ela ligou o computador e ainda mais quando usou o telefone.

Enquanto passava pelos funcionários da ala administrativa,Jeremy olhava para cada um deles e se perguntava como em nenhum momento eles não estranharam no comportamento de Anne quando ela chegou lá.Talvez pelo seu cargo.Anne não estava num nível muito superior,mas já estava um nível acima de todos aqueles no setor administrativo.Nesse caso seria compreensível a falta de questionamento por parte deles,mas mesmo assim,era estranho.

Não era qualquer um que poderia entrar naquela sala,inclusive ela.

—ALGUÉM MAIS ENTROU NESTA SALA?!- Jeremy perguntou “calmamente” para todos os funcionários daquele “escritório” improvisado,fazendo todos lhe dirigirem a atenção, e os olhares.

—Não senhor.- Uma voz perdida entre as divisórias das mesas se destacou em meio ao silêncio dos demais funcionários,enquanto outros que estavam de pé apenas fizeram movimentos negativos com a cabeça.

Jeremy quase derrubou aquela porta antes de lembrar que só poderia entrar com ela com seu cartão de acesso.Mas assim que colocou suas mãos dentro dos bolsos do jaleco,teve uma desagradável surpresa.- MERDA!- O senhor esbravejou ao não encontrar o cartão. Provavelmente, Anne estava com ele.- Verifique a sala,o computador,os documentos...TUDO o que encontrar!- Jeremy respirou fundo para não descontar sua raiva no guarda, que aguardava pacientemente ao lado da porta.

—Mas e o senhor?

—Eu já volto.- Jeremy sabia que todos os guardas tinham acesso a qualquer ala e qualquer sala da instituição.Mas por mais que quisesse verificar o que Anne fez,queria confrontá-la pessoalmente antes de qualquer coisa e também aproveitar para pegar o seu cartão de volta.

Ele estava possesso,por mais que não soubesse as intenções por trás do que houve.Sabia que coisa boa não seria.

O caminho até as alas onde se encontravam as cobaias era longo,por isso outro guarda da mesma equipe de segurança surgiu no caminho para acompanhar o dr.Jeremy e mantê-lo informado sobre os vestígios que seu colega encontrasse naquela sala.

—Nós já ativamos a toda a equipe de segurança para iniciar a busca pela funcionária,gostaria de contatar o Chefe sobre a….

—NÃO!-Jeremy esbravejou com o pobre guarda enquanto acelerava o passo para chegar o mais rápido possível no dormitório das cobaias.-Eu mesmo vou resolver isso!Com as minhas próprias mãos!

Depois de quase meia hora de muita caminhada,Jeremy se deparou com inúmeros guardas abrindo e fechando portas de dormitórios no corredor onde as cobaias ficavam.

—Por enquanto não encontramos a Sra.Anne aqui.Recomendamos que o senhor procure na Ala médica.

—ME DÊ ISSO AQUI!EU SEI EXATAMENTE ONDE ELA ESTÁ!- Jeremy estava impaciente e sem tempo para receber instruções. Ele sabia que mais cedo ou mais tarde,Anne estaria no sala 67 com Cebola. O que lhe deu a certeza absoluta de que a encontraria lá.

—Se está indo para a 67, um dos nossos guardas já entrou lá para verificar e nos deu a informação de que ela não estava lá.

—Como tem certeza disso?!

—Nós verificamos todo esse corredor,por isso sugeri que fosse até a Ala médica.Ela não está aqui.

Jeremy respirou fundo antes de devolver o cartão ao guarda.Ele não conseguia imaginá-la em outro lugar a não ser naquele,mas também não imaginava que ela entraria na Ala administrativa e ela entrou.Então ela estaria em algum lugar muito pouco provável.

—Dr.Jeremy…-O guarda que estava lhe acompanhando lhe entregou o Walk Talk.-...O agente está na linha…

—O que você encontrou?!

—Pelo que eu vi aqui no computador,ela pesquisou contatos de fabricantes de equipamentos hospitalares…

Jeremy arregalou os olhos e engoliu seco.Mas não conseguiu expressar mais nenhuma palavra até ouvir tudo o que o guarda tinha a dizer.

—...Também encontrei um comprovante de pagamento para uma dessas fabricantes,parece que ela fez essa transferência no nome do senhor e a previsão de chegada do produto.

—Quando vai chegar?

—Amanhã entre as 8:00 e 12:00.

—Cancele o pedido.

—Mas senhor,a transferência já foi aceita e…

—IMEDIATAMENTE!

—Eu vou ver o que eu posso fazer,senhor.

—VOCÊ VAI CANCELAR ESSA MERDA AGORA!!-Jeremy arremessou o Walk Talk no chão e esbravejou como um animal ferido.Ele sabia que agora era uma questão de tempo até a o Chefe descobrir e o pior acontecer.-DESGRAÇADA!— O grito de raiva ecoou por todo corredor,chamando a atenção de todos os guardas.

—Dr.Jeremy,se acalme por favor…-Um dos guardas tentou apaziguar a situação,mas obviamente não conseguiu.

—ME ACALMAR É CARALHO! SE VOCÊ SOUBESSE O QUE ESTÁ PRESTES A ACONTECER NÃO ESTARIA CALMO!- Jeremy seguiu até a Ala médica aos berros enquanto os guardas permaneciam lhe encarando.- VAMOS! O QUE ESTÃO OLHANDO?!EU QUERO A CABEÇA DELA!

Todos os guardas prontamente seguiram a ordem do seu superior e lhe acompanharam até a Ala médica para continuar a busca.Todos, menos um.