O que não dá pra evitar e não se pode escolher escrita por The Escapist


Capítulo 6
VI


Notas iniciais do capítulo

Olá. :D Novamente, meus profundos agradecimentos à Anne L por betar essa história, e à Inês, pelos comentários (responderei soon) . Duas lindas. Boa leitura.



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VI

2016

 

— Ah, merda! — Ulisses apertou a tecla Enter com violência, como se a máquina fosse culpada por sua incapacidade de se concentrar no trabalho. Na tela do computador, a página continuava em branco. Parecia que até abrir um modelo de procuração e apenas alterar os dados era difícil. Estava se sentindo um estagiário na primeira semana.

Resolveu fechar o documento e, ao ver o programa perguntar se ele desejava salvar as alterações, entendeu como uma afronta, uma vez que não havia alteração alguma a ser salva. Anotou em um post-it um lembrete para retornar àquilo quando estivesse com a cabeça mais leve e apanhou a pasta com o processo cuja audiência seria naquela tarde.

— Meu Deus do céu! — Massageou as têmporas e fechou os olhos por um instante. Já imaginava a si mesmo gaguejando na frente do juiz. Não conseguia parar de pensar em Arthur, no fato de ele ter voltado e estar disposto a lhe dar uma chance.

É claro que o queria, mas as coisas não eram simples. Nunca haviam sido. Se antes não sabia como falar com os pais sobre o assunto, agora eram os filhos que o preocupavam. Como diria a Gabriel e Priscila que gostava de outro homem? A vida não o tinha preparado para um momento como esse. Porém, amava Arthur e se perdesse essa chance com ele seria para sempre. Quando se casara com Natália, prometera ser fiel a ela e cumprira essa promessa. Durante os anos em que ficara casado, nunca houvera nada além de amizade entre ele e Arthur, mas o que sentia continuava ali, tão forte quanto há dezoito anos. Chegara mesmo a pensar que teria que viver para sempre com aquilo guardado dentro de si porque também prometera que não faria o sofrer outra vez.

O toque do celular o arrancou dos pensamentos. Procurou o aparelho no meio da bagunça que estava sua mesa e o encontrou embaixo de alguns papéis. O nome “Escola” no visor o deixou imediatamente preocupado.

— Alô? — Sua voz saiu tão tensa que quase não houve som. O fato era que a escola nunca ligava a menos que houvesse um problema. Ele perguntou o que havia acontecido e foi informado de que sua presença era necessária lá. — Mas o que houve? — Estava aflito, no entanto, a secretária apenas insistiu que a diretora precisava conversar com ele pessoalmente sobre Gabriel. — Ok, eu estou indo. — Encerrou a ligação e verificou a hora.

A audiência estava marcada para as duas e meia da tarde, por isso planejava almoçar mais cedo, antes de ir ao fórum. Agora o almoço teria que ser cancelado. Pegou o processo e colocou na pasta, vestiu o paletó, depois pensou melhor e o retirou — ainda estava sem carro e caminharia até a estação de metrô. Seria melhor levar na mão e vestir quando estivesse de volta a um ambiente climatizado. Saiu do escritório e ainda pensou em chamar um táxi, todavia, àquela hora o trânsito era insuportável e gastaria um dinheiro desnecessário. A estação de metrô mais próxima ficava a menos de dez minutos de caminhada e para chegar na escola dos filhos também não andaria muito mais do que isso.

O pior mesmo era a tensão. Desde que Natália fora embora, ele frequentava as reuniões da escola, recebia os boletins e toda comunicação que fosse necessária. Houve um tempo em que Gabriel era mais problemático e de vez em quando recebia uma advertência, mas, desde que ele havia começado o ensino médio, isso diminuíra. Pelo menos até aquele momento.

Chegou à escola quando os alunos já estavam começando a ser liberados das aulas. Foi até a secretaria, de onde logo foi encaminhado à sala da diretora Kátia. Lá, encontrou Gabriel sentado diante dela, de cabeça baixa. Ulisses a cumprimentou e perguntou se o filho estava bem. Só então foi informado sobre o que acontecera.

Segundo a diretora, Gabriel — junto com outros dois amigos — havia pichado o banheiro da escola com expressões homofóbicas, além de agredir verbalmente outro colega. Ulisses sentiu como se um buraco se abrisse sobre seus pés. Aquilo deveria ser alguma espécie de pesadelo e tudo que ele queria era acordar.

Olhou para o filho, que continuava cabisbaixo. Queria duvidar das acusações, queria ser daqueles pais que colocam a mão no fogo pelos filhos — como os seus provavelmente fariam —, mas conhecia Gabriel. Se já não tivesse conversado com ele sobre isso tantas vezes, poderia não acreditar. Ainda assim, questionou a diretora se havia provas para aquela acusação. Além do garoto vítima do bullying, um dos professores havia escutado quando Gabriel usara palavras de baixo calão para se referir ao colega.

— O senhor sabe que isso é muito grave. E eu não estou falando apenas sobre a pichação.

— Eu sei. A senhora tem razão, é muito grave. Não sei o que dizer. — Olhou novamente para Gabriel, tentando não parecer ele mesmo tão perdido. Eu sou o pai, tenho que fazer alguma coisa. — Creio que ele mereça ser punido.

— Sr. Ulisses, eu acho que o senhor não entendeu a gravidade da situação. A atitude do Gabriel não está apenas em desacordo com as regras da escola. Homofobia é crime. Como advogado, o senhor deve estar ciente disso.

— Ele é só um garoto!

Era ridículo, ele sabia. Com quase quinze anos de experiência, deveria ter um argumento melhor, porém, naquele momento, só conseguia se perguntar o que tinha feito de tão errado com o filho. A diretora soltou o ar.

— Talvez eu esteja sendo um pouco dura, Sr. Ulisses, mas esta escola não será tolerante com este tipo de comportamento. Nós defendemos nossos alunos de qualquer injustiça. Nosso compromisso é com uma educação livre de qualquer preconceito.

Ulisses encarou a educadora, ciente do significado daquelas palavras.   

— A senhora não pode expulsar meu filho porque ele cometeu um erro.

Ela deu um sorriso fraco.

— Vamos combinar que esse não é o primeiro erro do Gabriel. — Falava sobre o garoto enquanto olhava para o pai, como a dizer que aquela responsabilidade era dele e que ele havia falhado. Miseravelmente.  

— Eu entendo que ele errou e merece ser punido. Quanto a isso, não há dúvidas, só acho que expulsá-lo da escola seja a melhor forma de fazê-lo compreender que o ele fez é errado. Professora Kátia, eu não vou passar a mão na cabeça do Gabriel. Sei que ele não se comportou bem, e também sei que ele não é um garoto mau. Ok, isso provavelmente é o que todo pai diz, mas.... Afinal, os outros garotos também serão expulsos? Se ele não foi único que errou, por que seria o único a ter a pena mais grave?

— Os outros garotos se desculparam, coisa que o Gabriel se recusou a fazer. Por que o senhor acha que eu o chamei aqui? Eu tentei, pedi ao seu filho que se desculpasse, mas ele apenas insiste que não fez nada de errado.

— Ele vai se desculpar. Eu dou a minha palavra. Se o Gabriel voltar a se comportar dessa maneira, eu mesmo o tirarei da escola.

Ainda houve alguns minutos de conversa, contudo, a expulsão de Gabriel foi revogada. Ele recebeu uma suspensão, e Ulisses se comprometeu a fazê-lo se retratar com o colega, além de pagar as despesas com a pintura do banheiro pichado.

Gabriel não dissera nada enquanto o pai conversava com a diretora e continuou calado quando os dois saíram. Ulisses tampouco falou; pretendia ter uma conversa séria com ele quando estivessem em casa.

Priscila estava esperando pelo irmão na saída da escola, já um pouco irritada pela demora dele, no entanto, como não sabia do que tinha acontecido, ficou feliz quando viu o pai e correu para ele de braços abertos — desde que Gabriel tinha feito quinze anos, o pai passara a deixá-los voltar da escola sozinhos, porém, ela sentia falta de tê-lo esperando no portão. Só depois do abraço e do beijo em seus cabelos um pouco despenteados foi que a garota percebeu que ele estava irritado — suas as bochechas estavam vermelhas e as narinas pareciam tremer.

— Por que você tá com raiva, pai?

Ele olhou primeiro para Gabriel, depois tentou sorrir.

— Nada, não, anjinha.

Priscila sabia que nada não era exatamente a palavra, mas não insistiu. Dava para notar que Gabriel tinha feito alguma coisa para deixar o pai com raiva, então era melhor que os dois se entendessem.

Enquanto caminhavam até a estação do metrô, ela era a única que conversava. Fazia perguntas que o pai respondia com monossílabos ou simples acenos de cabeça. Como a reunião com a diretora havia demorado quase uma hora, Ulisses percebeu que não daria tempo de acompanhá-los até em casa.

— Vão direto pra casa, ok? — recomendou na hora de se separar. — A comida tá na geladeira — avisou e viu Gabriel rolar os olhos. Claro, ele sempre avisava a mesma coisa. — Quando eu chegar, a gente conversa. — Despediu-se com um beijo em Priscila e se preparou para desembarcar na próxima estação.

Apesar da desconcentração que enfrentara mais cedo, somado aos problemas de Gabriel, a audiência não foi pior do que esperava, aliás, foi até melhor; no final, ficou com a sensação de que a sentença do juiz seria favorável ao seu cliente. Depois ainda retornou ao escritório para retomar o que tinha deixado pendente de manhã. Já quase no fim do dia, com a cabeça a ponto de explodir, recebeu uma mensagem de Arthur perguntando se ele não queria encontrá-lo para conversar.

Céus, como queria isso. Sentia tanta falta das horas que passavam sentados naquele sofá, dividindo o espaço com os livros de Davi, bebendo cerveja, comendo pizza e falando sobre qualquer bobagem — a vida, o universo e tudo o mais, como Arthur gostava de dizer.

Sinto muito. Problemas no paraíso. Talvez no fim de semana.” Enviou a mensagem e ficou uns bons segundos olhando para a tela, feito um babaca, esperando que o sinal de recebido e lido aparecesse. O post-it colado no computador fez com que ele voltasse ao trabalho. Resolveu passar um pouco mais do horário, tanto para adiantar algumas coisas quanto para evitar pegar o metrô às seis da tarde. Assim, quando foi chegar em casa, já eram quase nove da noite.

À medida que subia as escadas, sem muita coragem, ouviu as vozes alteradas dos filhos, o que significava que não poderia ter seu banho antes de apagar o incêndio — por isso não gostava de deixá-los sozinhos, mesmo que por poucas horas. Quando apareceu na porta do quarto da filha, ela estava chorando e ameaçando contar alguma coisa a ele, enquanto Gabriel a imitava.

  — Qual o problema dessa vez? — perguntou. Priscila soluçou e engoliu em seco.

— O Gabriel pegou meu notebook. — Às vezes, ela agia como uma garota madura demais para a idade, mas havia momentos em que era apenas uma garotinha.

— Você não tem seu próprio computador, Gabriel? Por que fica mexendo com ela?

— Eu pedi emprestado.

— Não pediu, não.

— Pedi, sim.

— Por que você quer o computador dela?

— Porque o meu tá muito lento. Você sabe que aquele computador velho...

— Pode parar por aí. Você já abusou da minha paciência hoje.

— Mas, pai, eu preciso fazer coisas importantes! A Pri só fica lendo pornografia!

— Mentira! — O grito da garota assustou Ulisses. — Pai, é mentira, eu não leio nada disso.

— Não é mentira, ela fica lendo fanfics de homens se agarrando. — Ulisses não fazia ideia do que fosse uma fanfic, mas não teve tempo de perguntar, porque estava preocupado com o choro copioso da filha. — É só ver o histórico de navegação dela.

— Pare com isso, Gabriel. Deixe a sua irmã em paz, ok? Priscila, pare de chorar.

Era um daqueles momentos em que ele sentia vontade de sair correndo e se esconder em algum lugar; no entanto, precisava ser forte. Respirou fundo, trocando o peso da mochila para o outro ombro.

— Vocês já jantaram? — Priscila assentiu, ainda soluçando. Ele se virou para o filho. — Vai pro seu quarto. Daqui a pouco, eu vou lá pra gente conversar.

— Não tô a fim de conversar, pai — respondeu, rebelde.

— Mas vai conversar, sim. — O garoto saiu resmungando, e Ulisses teve que respirar fundo e contar até mil mentalmente. Ele sentou na cama ao lado da filha. — Que história é essa de você lendo pornografia? — A resposta de Priscila foram os olhos rasos d’água. — Vocês escolheram o mesmo dia pra causar problema? O que é isso, algum complô? Olha, não precisa chorar, ok? — Passou a mão nos cabelos dela, bagunçando-os. — Eu converso com você depois. Tem lição de casa pra fazer?

— Já fiz.

— Então trate de ir dormir.

— Mas, pai...

— Não tem “mas, pai”, Priscila. — Viu que ela fez bico, contudo, não estava disposto a ceder dessa vez. — Boa noite, meu amor.

Depois de deixá-la, foi guardar a mochila e tirar o terno. Aproveitou para lavar o rosto enquanto se preparava para a conversa com o filho. Houve um tempo que pensava que o mais difícil era quando aquele bebê acordava de madrugada e a mamadeira não estava feita.

Quando entrou no quarto, encontrou Gabriel com os fones de ouvido, de frente para o computador. Tocou em seu ombro para chamar a atenção.

— Desliga o computador. — O garoto bufou. — Agora.

Sentou na cama e o chamou para o seu lado.

 — O que aconteceu hoje foi muito grave.

— Mas eu não...

— Não, pare com isso de “eu não fiz nada”, filho. Nós dois sabemos que não é bem assim. Parece que tudo que eu já conversei com você até hoje não valeu de nada. Por que você fez isso? — Gabriel abaixou a cabeça. — Onde foi que você aprendeu a tratar as pessoas com preconceito, Biel? Por acaso, você já me viu alguma vez agir assim com alguém? Eu quero acreditar que não. O que você me diz? — Houve apenas o silêncio. — O André te fez algum mal? Gabriel, eu tô tentando ter paciência com você, mas você precisa me ajudar com isso. Ele te fez algum mal? Disse ou fez alguma coisa que te ofendeu?

— Não.

— Então por que você o ofendeu? — Viu o garoto abaixar ainda mais a cabeça, quase encostando o queixo no peito. — Filho, olha pra mim. Não tem nada de errado com uma pessoa ser gay, ou lésbica ou a orientação sexual que ela tiver. — Ulisses suspirou. Talvez fosse um bom momento para contar a verdade sobre si mesmo ao filho e assim poder ter um exemplo do que estava dizendo. Estava a ponto de fazê-lo quando Gabriel falou:

— Mas, pai, esse negócio de veado é nojento e errado. Você não pode me obrigar a gostar de gays.

Ulisses cerrou os punhos e precisou de toda força de vontade que foi capaz de reunir para segurar as lágrimas. Sempre se esforçara para dar uma boa educação aos filhos e ser um bom exemplo. Evitava até mesmo falar palavrão na frente deles para que não aprendessem; não entendia como as coisas tinham dado tão errado com Gabriel.  

 — Olha, você vai pedir desculpas ao André.

— Eu não...

— Você está errado, Gabriel.

— Você não pode me obrigar a gostar de veado!

— Não me faça perder a cabeça com você, ok? — Levantou-se da cama e caminhou pelo quarto, respirando fundo, tentando manter a calma, embora houvesse uma parte de si que só pensava em dar umas palmadas no filho. Felizmente, conseguiu ouvir seu lado mais sensato. — Você vai ficar de castigo, é claro. E eu quero que você pense na sua vida, no seu comportamento, nos motivos que te levaram a agir dessa maneira. — Foi até a estante onde estavam a televisão e o videogame e começou a desconectar os fios. — Eu quero que você pense, tente imaginar como o André se sentiu quando você e seus amigos o agrediram sem nenhuma razão.

— Pai, o que você está fazendo?

— Você vai precisar de tempo pra pensar nessas coisas, então vai ficar uns dias sem TV, sem games, celular... — Enquanto falava, ia desligando tudo. Como sabia da teimosia do filho, não se limitou a desconectar os cabos da internet e da TV; pegou uma tesoura e os cortou.

— Para com isso! Tá ficando louco?

 — Eu quero que você entenda que as suas atitudes têm consequências.

— Você não...

— Quando tiver pensado bastante, refletido e quiser conversar, basta me dizer. Até lá, não vai sair de casa enquanto estiver suspenso da escola. Me dá o celular. — Gabriel fez que não com a cabeça, mas, quando o pai insistiu, ele entregou o aparelho. — Eu sei que você é um bom garoto, e não vou perder a fé em você.

A sensação de peso não diminuiu depois da conversa. Foi à cozinha e preparou apenas uma torrada, que comeu acompanhada por um copo de leite gelado. Depois, tomou um banho quente e tentou relaxar. Trocou algumas mensagens com Arthur, contudo, não falou sobre os problemas recentes. Como diria a ele que seu filho estava se transformando em um jovem preconceituoso? Também adiou o telefonema para Natália. Claro que teria que avisá-la, mas não estava com cabeça para insinuar que a culpa era dele, que ele não colocava limites em Gabriel.

Ainda foi checar se havia trancado todas as portas e apagados as luzes do andar de baixo; ao retornar, percebeu que havia claridade no quarto de sua filha. Aquele fora um dia longo. Empurrou a porta e surpreendeu a garota deitada de bruços, com o computador em cima da cama.

— Eu não mandei você dormir há umas duas horas? — Ele a viu arregalar os olhos e ameaçar fazer um bico, então lembrou o que Gabriel dissera mais cedo. — O que você tá fazendo?    

— Nada.

— Deixe-me ver. — Vê-la choramingar o entristecia, mas não estava em um dia bom. Insistiu e, quando Priscila relutou, quase tomou o notebook das mãos dela. — Agora vai dormir. — Tentou soar mais doce. — Eu te amo, anjinha. Boa noite.

— Boa noite, pai.    

 Levou o notebook consigo e começou a analisar a situação. Talvez estivesse invadindo a privacidade de sua filha, porém, a ideia de que Priscila poderia estar mentindo não o deixava confortável. Além disso, ela era uma criança. Era sua obrigação protegê-la, inclusive de ver coisas que não fossem adequadas à idade. Costumava ser bastante liberal com relação ao uso da Internet e de redes sociais; talvez os tivesse dado liberdade demais. 

Havia várias abas do navegador abertas. Uma era o Facebook. Checou as conversas recentes e, tirando a mãe, ela só conversava com as amigas da escola. Um vídeo do One Direction estava aberto na outra página; havia algumas só com imagens de animes. Porém, o que chamou a atenção foi uma na qual havia apenas texto. 

Demorou alguns segundos analisando e já começou a entender a dinâmica do site e, talvez, o tudo ali que significava, isso porque havia um campo com os dizeres “Categoria: Naruto”. Ele reconhecia o nome como o de um anime que a filha gostava de assistir. Primeiro, leu o título e um pequeno texto que entendeu como um resumo. Até ali, não havia nada de errado; o que o deixou assustado foi um campo chamado de “Avisos”. Embora desconhecesse a maior parte dos termos — coisas como Yaoi, Lemon, por exemplo —, ficou desconfiado com relação a Sexo e Linguagem Imprópria. Por um momento, ficou tão envolvido que quase esqueceu os motivos daquela investigação — porque era uma leitura boa para passar o tempo, apesar da enorme quantidade de cenas de sexo descritas com riqueza de detalhes.

Não gostava de ser hipócrita. Aos treze anos, ele já fazia mais do que ler pornografia, mas era diferente com a sua princesinha. Mal conseguia entender como Priscila encontrava aquelas coisas. Teria que conversar com ela. Nessas horas, até sentia falta de Natália.

Dois problemas no mesmo dia, sem falar no trabalho. Era muita coisa para dar conta. Olhou o relógio no canto da tela e se assustou com o avanço das horas. Desligou o computador e se preparou para dormir, porém, o sono não veio imediatamente. Falar com a filha mais nova seria fácil perto do que ainda teria que enfrentar com Gabriel. Passou horas acordado, pensando na melhor solução para sua vida, todavia não encontrou nenhuma. 

De manhã, acordou sentindo-se péssimo, com a cabeça doendo e uma vontade enorme de não ir ao escritório. Obrigou-se a levantar da cama e preparar o café da manhã. Quando Priscila chegou à cozinha, já com o uniforme e com os cabelos ainda despenteados, ele olhou para o relógio e percebeu que teria alguns minutos para falar com ela, embora não soubesse por onde começar.

Colocou o copo de leite em cima da mesa e fingiu não notar quando ela adicionou mais uma colher de chocolate. Depois, sentou-se e ficou um instante pensando.

— Pri — começou, mas travou; mordeu o cantinho da unha. — Filha, você não pode ler coisas proibidas pra menores. — Coçou a cabeça, lembrando-se das revistas que ele escondia dentro da mochila e levava para a escola. Viu o lábio dela tremer.  — Olha, não precisa chorar, está bem? Eu não vou brigar com você. Nós só estamos conversando. Você ainda é muito jovem, meu amor, e não tem maturidade pra entender algumas coisas.

— Eu não fiz por mal, pai, eu juro.

— Eu sei que não.

— Você vai tirar meu computador? — Para ser justo com Gabriel, era o que deveria fazer. Embora fossem situações diferentes, os dois haviam feito besteira.

— Não, mas você vai usá-lo menos e pra coisas mais produtivas, como estudar, por exemplo. Eu não quero você lendo essas porcarias de fanfiction. — Priscila bufou, e ela ficava tão bonitinha irritada que Ulisses até deixou passar. — Você é muito novinha pra ficar vendo essas coisas — repetiu, como se não conseguisse encontrar um argumento melhor.

— Por “essas coisas”, você quer dizer sexo?

Foi sua vez de ficar vermelho. Aquela simples palavra parecia horrorosa saindo da boca de sua filha. Nunca tinha pensando que se tornaria aquele tipo de pai careta.

— Tudo bem, pai, você tem razão. Eu sou muito nova pra isso, nem entendo direito como funciona... mas é que as melhores fics SasuNaru têm essas coisas. — O ar dela era de quem entendia muito do que estava falando; já o pai, além de assombrado, parecia perdido.

— O que é SasuNaru? — perguntou, embora temesse a resposta.

— É meu OTP. — Priscila riu da cara de quase desespero de seu pai e, antes que ele fizesse a pergunta, explicou:  — One true pairing, pai. É tipo quando dois personagens são perfeitos um para o outro, sabe? Eles têm que ser um casal porque não faz sentido ser de outra forma. Melhor ship de todos. — Ulisses encostou o queixo na mão e olhou admirado para sua pequenina, falando daquelas coisas que ele não fazia ideia do que eram como se fosse gente grande.

— Filha, você é esperta demais, sabia? Mas eu prefiro que você leia e veja coisas adequadas à sua idade, está bem? Quando você estiver um pouco mais velha, de preferência com mais de vinte e um anos, aí vai poder ver o que você quiser. Combinado? — Priscila mordeu o lábio, visivelmente decepcionada. — Pri, eu já tenho problema demais com o seu irmão, não preciso de você dando trabalho também, não é? — Ele apertou o narizinho delicado dela, fazendo-a sorrir, mesmo contrariada. — Promete?

— Prometo.

— Ok, agora vai terminar de se arrumar. Eu vou te deixar na escola hoje.     

Antes, porém, Ulisses foi acordar Gabriel, que deveria ficar na casa da avó até que ele chegasse do trabalho. Ainda chateado, o garoto mal abriu a boca para cumprimentá-lo. Às vezes, não entendia como os dois filhos eram tão diferentes. Natália costumava dizer que era porque Gabriel tinha herdado o gênio dela, enquanto Priscila era uma cópia perfeita do pai, que ganhava tudo com um sorriso traquino ou lágrimas.

— Por que eu não posso ficar em casa sozinho?

— Você não vai ficar dormindo o dia todo. Eu já avisei aos meus pais que você está de castigo. Trate de fazer suas tarefas e não se esqueça de pensar no seu comportamento. Hoje eu vou ligar pra mãe do André e pedir desculpas e, quando você voltar pra escola, vai fazer o mesmo. — O garoto bufou. — Não adianta fazer cara feia. 

Sem responder, Gabriel saiu e bateu a porta. Dali até a casa dos avós era uma caminhada de uns vinte minutos.

— Priscila! Você vai se atrasar — Ulisses gritou, embora ele mesmo ainda não estivesse pronto. Teve que voltar ao quarto para pentear os cabelos e vestir o paletó. Depois, encontrou a filha no corredor. Reparou que ela tentara fazer uma trança nos cabelos, mas o resultado não fora o melhor. — Eu arrumo no metrô, se não a gente se atrasa muito. 

Assim que pisaram na rua, Priscila deu a mão ao pai. Era um costume que ela não parecia querer abandonar e que ele adorava.   

— Por que o Gabriel tá de castigo? — perguntou.

— Ele fez besteira.

— Isso, eu percebi, pai. Ele sempre faz besteira, não é mesmo? Só que parece que dessa vez foi mais sério. Ele não me contou.

— Seu irmão pichou o banheiro da escola e disse coisas erradas pra um colega de sala.

Priscila não pareceu surpresa.

— Aposto como isso foi ideia dos amigos dele. Rodrigo e Alexandre são dois idiotas.

— Pri, a gente não pode colocar a culpa pelos erros do Biel nos amigos dele.

— Você já contou pra mamãe? Ela vai ficar muito brava quando souber.

Ulisses não queria nem pensar nisso; Gabriel não seria o único a ouvir um sermão de Natália.

— Pai, quando o tio Arthur vai lá em casa de novo? — A pergunta o surpreendeu tanto pela mudança súbita de assunto quanto pelo conteúdo.

— Não... não sei, Pri, qualquer dia.

— Ah, eu adoro ele... Tem uns deveres de inglês pra fazer, e ele é superfera em inglês. Você também é, pai, não precisa ficar com ciúme, mas é que... Você sabe...

Enquanto sua filha tagarelava, só conseguia pensar em como seria se ele e Arthur voltassem a ficar juntos. Quando voltassem, corrigiu-se.  


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Notas finais do capítulo

Priscilinha ♥