Entrelinhas Ron e Hermione - Contradições escrita por Morgana Lisbeth


Capítulo 4
Algo que dá medo


Notas iniciais do capítulo

"O sol põe em relevo todas as coisas que não pensam
Entre elas e eu, que imenso abismo secular...
As pessoas passam, não ouvem os gritos do meu silêncio
Ai que medo de amar!"

(Vinicius de Moraes)



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Na véspera do aniversário de Hermione, Ron abriu mais uma vez a caixinha lilás e olhou o cordão. Por um instante teve medo de dar aquele presente à menina. No fundo, sabia que era uma declaração silenciosa de amor. Ainda não havia admitido para si mesmo que queria a morena como namorada. Achava que a amiga jamais o aceitaria do jeito que era, sempre desejaria mudar algo nele. Acreditava também que Mione tinha como meta conseguir um namorado mais talentoso e bem-sucedido do que ele. Para que, então, correr o risco de receber um não como resposta? E como iria encará-la depois? Com certeza a amizade entre os dois acabaria.

Ao mesmo tempo, porém, sem saber explicar o porquê, algo o atraia fortemente para a menina e o fazia intuir que ela também experimentava os mesmos sentimentos confusos. Por isso logo se convenceu, mais uma vez, que devia entregar o presente. Com medo de perder a coragem na hora que estivesse frente a frente com ela, decidiu pedir a Gina que deixasse a delicada caixinha na cabeceira da cama de Hermione.

“Por que você não entrega? O que vai dar para ela?”, questionava Gina, que não parou de bombardeá-lo de perguntas. O rapaz foi evasivo e pediu simplesmente que fizesse aquele favor e deixasse o presente próximo à amiga. A irmã sugeriu que ele escrevesse ao menos um cartão.

Depois do jantar, Ron entregou à irmã a caixinha lilás acompanhada por um pequeno envelope laranja. No cartão, apenas as palavras:

Feliz aniversário, Mione!

Afetuosamente,

Ron

Quando Hermione acordou, no dia do aniversário, a primeira coisa que viu foi a caixinha lilás, pousada ao lado da cama. Quem poderia ter lhe dado aquele presente tão delicado? No mesmo instante se lembrou de Ron e do perfume que havia recebido no Natal. Seu coração acelerou e parecia que sairia do peito. Depois de respirar fundo, ela pegou a caixinha e abriu o envelope. Os olhos da menina logo encontraram a assinatura do ruivo. Mione na mesma hora sentiu o sangue subir e o rosto queimar. Ainda bem que estava sozinha e a cortina da cama, fechada.

Ainda nervosa, leu a mensagem. Ron, como sempre, era o mais econômico possível com as palavras. Dessa vez, porém, tinha exagerado. Apenas desejava feliz aniversário. Mas aquele afetuosamente, na despedida, vinha cercado de significados.

Com muita expectativa, ela finalmente abriu a caixinha. Sorriu ao ver a delicadeza do cordão. Como Ron adivinhara o seu gosto? Será que Gina havia ajudado o irmão a escolher?

Ao tocar no pingente, percebeu que uma magia cercava o cordão, mas não sabia identificar qual era. Intuía apenas que era algo bom, porque seu coração sentia uma grande paz. Não resistiu ao impulso de colocar o cordão no pescoço e escondeu a caixinha e o cartão debaixo do travesseiro.

Quando finalmente abriu a cortina, encontrou Gina sentada na cama em frente. “Achei que não ia levantar nunca. Já ia te chamar! Feliz aniversário”, falou a ruiva, dando um abraço na amiga e entregando o seu presente.

Hermione ficou feliz com o estojo de maquiagem que recebeu de Gina, mas não sabia se teria coragem de usar todos aqueles produtos. Nos seis anos que estava em Hogwarts, havia feito uma maquiagem completa apenas no Baile de Inverno. No máximo usava um brilho ou batom claro nos lábios. A amiga, parecendo ler os seus pensamentos, falou:

— Escolhi as cores mais discretas. É só para realçar ainda mais a sua beleza.

— Realçar minha beleza? Como você é generosa, Gina. Sei que não sou bonita – Hermione rebateu.

— Você é bonita, sim. E não sou só eu que acho isso... Ron acha... – tentou argumentar Gina sem sucesso, sendo interrompida por Hermione.

— Não adianta dizer que Ron me acha bonita! Ele pode até me achar inteligente, estudiosa, legal, uma boa amiga, qualquer coisa... Mas bonita, definitivamente não! – respondeu com ênfase.

— Bem, se você prefere pensar assim... Mas não vai deixar de usar a maquiagem, hein? – a ruiva deu uma piscadela.

A menina sorriu e Gina reparou no discreto e bonito colar que ela usava. Sem rodeios, como sempre fazia, perguntou se aquele era o presente de Ron. Contou que ela deixara a caixinha ao lado da cama da amiga a pedido dele, mas desta vez o irmão nem a havia consultado sobre o presente. Notou que a amiga estava levemente rosada.

Hermione chegou à sala comunal acompanhada por Gina e encontrou Harry, Ron e Neville, que esperavam por ela. O ruivo, como sempre, estava mais distante do grupo. “Por que ele é sempre o último a me cumprimentar”?, ela se questionava.

Antes que Mione pudesse formular uma resposta, Harry já a abraçava e entregava o seu presente, a última edição, revista e atualizado, sobre História da Magia. Neville, que ficou vermelho ao abraçar a amiga, lhe deu um caderno no qual apenas quem escrevia podia ler as próprias palavras, uma invenção dos gêmeos Weasley, é claro.

A garota olhou para Ron com um ar de cumplicidade reservado apenas aos grandes amigos, mas o semblante dela trazia, ao mesmo tempo, um quê de mistério. O ruivo ficou visivelmente constrangido. “Você não vai me cumprimentar?”, ela por fim o interpelou. O rapaz se aproximou, de forma displicente, dizendo: “Estava esperando todo mundo terminar”. Deu um beijo na face da menina e segurando o braço dela, disse baixinho, quase sussurrando: “Feliz aniversário, Mione”.

Ela sentia-se feliz como nunca e, ao mesmo tempo, muito à vontade ao lado do amigo. Por isso foi espontâneo dizer que havia amado o colar. “Eu já estou até usando”, Hermione sorriu. “Eu reparei”, disse Ron. Os dois trocaram olhares por alguns instantes. As orelhas do ruivo logo ficaram vermelhas. A inteligente bruxa, que normalmente experimentava um grande constrangimento numa situação como aquela, manteve a paz e a tranquilidade.

Os cinco amigos desceram juntos para tomar o café da manhã. Gina colou ao lado de Hermione. Foi um alívio para Ron, que estava ainda perturbado com o jeito da amiga. Harry aproveitou para tirar uma brincadeira. “O cordão é o pedido oficial de namoro? Imagina o que você vai dar para Mione por ocasião do noivado!”, ele encarou o ruivo com ar divertido.

— Para com isso, Harry. É simplesmente um presente de aniversário. Cansei de dar livros. Ela já tem livros demais - contrapôs Ron que, com sua cara fechada, demonstrava claramente não gostar daquela insinuação.

Ron e Hermione não demoraram a descobrir que algo muito estranho estava acontecendo entre eles. Os dois experimentavam uma atração muito forte um pelo outro e uma vontade quase incontrolável de declarar os próprios sentimentos. À noite, quando se encontraram sozinhos, cada um em seu dormitório, chegaram à mesma conclusão: tudo havia ficado diferente depois que a menina passou a usar o cordão.

O rapaz, desde o ano anterior, sentia uma atração crescente por Hermione. Tinha a impressão que ela ficava mais bonita a cada dia. Tentava negar para si mesmo tudo isso. Afinal, Mione era a sua amiga de muito tempo. No entanto, jamais experimentara algo tão forte assim antes.

Durante todo o dia, Ron ficou terrivelmente perturbado com a simples visão da menina. “Será que Hermione é uma veela?”, perguntou para si mesmo. Com medo das próprias reações, fugiu da amiga o máximo que pôde. Ainda assim, por duas vezes sentiu o impulso de se ajoelhar diante dela e repetir uma declaração que agora soava muito antiquada e ridícula: “Mione, você é a garota mais encantadora que existe e me faria o bruxo mais feliz do mundo se me aceitasse como namorado”.

— Mamãe não me falou toda a verdade sobre aquele cordão. Preciso impedir Hermione de usá-lo senão nem imagino quais serão as consequências. Mas como vou fazer isso? - perguntava-se o rapaz.

A confusão de Hermione neste mesmo momento não era muito diferente. Ela, como nunca, estava convicta de que amava Ron e o queria como namorado. Mas o que a deixava desconcertada era o fato de estar agindo de formar completamente diferente do habitual. Mione era sempre muito discreta e eficiente em esconder os próprios sentimentos. Dessa vez, porém, parecia que atração por Ron e o desejo de estar com o amigo eram tão grandes que ela não temia expor o seu maior segredo.

Num momento de maior lucidez, quando se deu conta de que tudo havia mudado depois do cordão, pensou em tirar a delicada joia do pescoço, mas não conseguiu. Desde que começou a usá-lo, há dois dias, sentia uma grande paz. E foi segurando o pingente em forma de estrela e pensando em Ron que a menina mergulhou no mundo dos sonhos.

Ela e Ron, de mãos dadas, caminhavam descalços em um belíssimo jardim. Estavam muito felizes e trocavam olhares e sorrisos. Os dois vestiam roupas brancas. A morena usava um vestido longo e esvoaçante, o rapaz, uma calça e uma bata de manga comprida. Entraram juntos em um palácio de cristal, muito iluminado.

Os dois andavam por uma extensa sala, em direção a uma forte luz. Quando chegaram próximos àquela fonte luminosa, ouviram uma voz feminina que dizia. “Vocês vieram aqui porque querem descobrir que força é essa, tão intensa, que os liga e os mantém unidos. Hoje vocês poderão entender a magia que os atrai um para o outro e também estarão livres para decidir se querem manter-se ligados assim ou não”.

Nesse instante, o pingente começou a brilhar. Outra voz, suave a princípio e depois cada vez mais decidida, chamou pela menina. “Hermione... Hermione... Hermione! Acorda!”, falou, arrebatando a garota daquele sonho tão real.

Quando abriu os olhos, Hermione viu Gina à sua frente. Ficou tão decepcionada por ter sido retirada daquele sonho que reclamou com a ruiva. “Por que você me acordou?!”. A amiga pediu desculpas e explicou que Ron e Harry estavam preocupados com ela. “Você nunca acorda tarde e, se não se apressar, além de ficar sem café, vai chegar atrasada na primeira aula”, retrucou Gina.

Hermione não estava acreditando. Tinha a impressão de que acabara de dormir e mergulhara naquele lindo sonho. Mas o relógio e a amiga diziam o contrário. Já eram 7h40 e a primeira aula começava às oito. “Gina, por favor, fala para Ron e Harry não se preocuparem comigo. Estarei na aula no horário, como sempre”, ela garantiu.

A ruiva, que a olhava sem piscar, não se moveu e Hermione precisou ser direta com ela. “Pode ir, por favor. Eu me arrumo mais rápido quando estou sozinha”, justificou.  Assim que Gina saiu, Mione pegou a varinha. Lógico que iria usar magia para cumprir o prometido.

Quando Ron e Harry entraram na sala para a aula de Poções, Hermione já se encontrava lá. Estava com o cabelo muito bem penteado, preso com uma trança lateral, usava uma maquiagem leve e trazia o cordão no pescoço. Para completar, havia passado algumas gotas do perfume delicado e intenso que ganhara do ruivo no Natal.

Se a intenção de Hermione era impressionar ainda mais o ruivo, ela conseguiu! Ron ficou a aula toda completamente desconcentrado, ou melhor, concentrado na menina. Tentava não olhar para a amiga, mas, quando se distraía, estava lá, hipnotizado por ela, com aquela expressão abobalhada que antes reservava apenas às veelas. A garota também não ficou indiferente ao rapaz. Quando seus olhos se encontravam, Mione tinha sempre aquela expressão feliz de quem sabe que é amada e não tem medo de corresponder a esse sentimento.

Ron havia escrito para a mãe pela manhã perguntando mais sobre os poderes do cordão. Mesmo se a resposta ainda não chegara, o rapaz tinha certeza que Hermione estava enfeitiçada. Acreditava que ele também, de alguma forma, havia sido atingido pela magia da joia. Por isso decidira convencer a amiga a tirar o colar. Não seria fácil, mas era a única opção. O ruivo tomou coragem e escreveu o bilhete, que entregou para a amiga.

Mione, me espere no fim da aula.  Preciso falar com você.

Ron

Ao ler o bilhete, Mione lançou para Ron um olhar apaixonado e ele convenceu-se ainda mais que a garota não estava no seu estado normal. Portanto, não podia deixar-se levar por aquelas atitudes diferentes da menina. Quando ela tirasse o cordão, tudo voltaria a ser como antes, acreditava o ruivo.

— Ron, o que está acontecendo? –Harry perguntou ao ver que o amigo não se levantara quando tocou o sinal.

— Vou esperar Hermione. Tenho que falar com ela – Ron respondeu constrangido.

Harry nem precisou ouvir que a conversa era particular para entender tudo e despediu-se do amigo, desejando-lhe boa sorte. Ron sentiu certo medo de ficar sozinho com a garota. Ela estava tão bonita e o olhava de um jeito tão sedutor... Hermione, que arrumava o seu material mais devagar que o normal, finalmente alcançou a porta, onde o ruivo a aguardava. “Vamos conversar num lugar mais tranquilo”, o rapaz puxou-a pela mão até a sala de leitura, que normalmente ficava vazia.

Quando chegaram à sala e Ron olhou nos olhos de Hermione, que estava linda como nunca, intuiu que precisava agir rápido.

— Você não percebeu algo diferente desde que começou a usar o cordão? – ele questionou.

— Estou me sentindo diferente, sim. Mas não sei se isso é ruim. Acho que comecei a ver certas realidades com maior clareza e perdi o medo de mostrar os meus sentimentos – a bruxa encarou o ruivo de forma decidida.

— Hermione, me desculpa, mas tenho motivos para acreditar que esse cordão tem um poder muito forte e não é seguro continuar a usá-lo sem saber exatamente qual magia é essa – ele falou antes de perder a coragem.

Quando a menina perguntou se tinha sido o amigo a escolher o cordão e onde o havia conseguido, Ron revelou a verdade ao seu jeito. “O colar era da mamãe e ela me deu para eu presentear alguém por quem tivesse consideração”, explicou. “Apenas consideração?”, perguntou-se Hermione que gostaria de ter do ruivo ao menos admiração. Naquele momento, no entanto, algo dizia a Mione que o sentimento de Ron por ela era muito mais forte.

— Mas eu não vou tirar o cordão. Estou me sentindo muito bem com ele – a garota estava decidida.

— Por favor, Mione. Deixa que eu tiro o cordão para você... É só por alguns minutos, para a gente poder conversar... A magia do cordão também está me atingindo... – o ruivo foi sincero.

A menina finalmente concordou e Ron foi mais ágil que nunca. Com um rodopio da varinha, abriu o fecho do cordão que logo estava em sua mão. Hermione sentiu que parte de sua energia havia sido retirada. Levou as mãos ao rosto e curvou a cabeça, experimentando um misto de tristeza e cansaço. Ron percebeu que algo estava errado. “Mione? Tudo bem com você?”, ele a olhava com atenção.

— Estou me sentindo estranha... O que aconteceu? – Hermione parecia realmente desanimada.

— Você não lembra? Acabei de tirar o cordão que lhe dei de presente... – Ron continuava temeroso.

— É... estou lembrando. Você acha que o cordão está enfeitiçado, não é? – a voz da garota tinha um tom de tristeza.

— Eu não sei, Hermione. Você não ouviu falar que os Comensais da Morte enfeitiçam muitos objetos? Esse cordão era da mamãe, é verdade. Mas Você-Sabe-Quem tem tantos poderes que nada é impossível – o ruivo estava nervoso.

— Acredita que esse cordão tem uma magia ruim? Claro que não! Eu me senti muito bem usando ele. Mas parece que você foi mais afetado do que eu. O que estava sentindo? – ela recobrou a energia e o jeito questionador.

— Eu?! Bom... eu... eu estava me sentindo... fora do meu estado normal. Isso! Fora do meu estado normal - repetiu ao encontrar as palavras que considerou mais adequadas.

— Fora do seu estado normal? Como assim?  - Hermione colocou as mãos na cintura.

— Com uns pensamentos estranhos, como se estivesse sendo conduzido por algo muito forte e não por mim mesmo – Ron respondeu com simplicidade.

A garota olhou para o bruxo um pouco decepcionada. As reações de Ron naquele último dia e, especialmente, a forma como olhara para ela a levaram a acreditar que o seu sentimento pelo rapaz estava sendo correspondido. O que o ruivo dizia agora - não estar agindo por si mesmo - parecia confirmar ser um feitiço o causador daquela mudança no amigo. Será que Molly, interessada em poções de amor na adolescência, havia enfeitiçado o cordão? Mas por que faria aquilo? Ou seriam mesmo os Comensais da Morte que estavam agindo?

Hermione lembrou-se de uma aula de História da Magia, quando o professor falou que a poção de amor já havia sido usada como arma nas guerras bruxas. Segundo ele, as pessoas enamoradas ficavam tão fora de si, concentradas apenas no objeto de sua paixão, que não conseguiam agir com lógica e muito menos lutar.

Mas a menina não precisava dessa magia. Já estava suficientemente apaixonada por Ron. Talvez ele sim, como os próprios gêmeos sugeriram. Mas era um absurdo necessitar de um artifício assim para conquistar alguém, especialmente porque não seria um amor verdadeiro e sim uma paixonite que poderia passar a qualquer momento. Hermione não queria aquilo para ela. Se o ruivo não a amava, nada tinha a fazer além de esquecer que sonhara um dia em ser sua namorada.

Ron percebeu que Hermione parecia estar em outro mundo e ficou preocupado com ela. A insegurança do ruivo não o permitia ver que a menina já estava completamente apaixonada por ele. O cordão apenas lhe dera coragem de expor os seus sentimentos. Desconfiava que a mãe, não sabia exatamente porque, havia colocado um feitiço do amor na joia. O que mais explicaria o fato dele ter experimentado um forte impulso em se declarar para Mione? Verdade era que estava cada dia mais encantado pela amiga, mas jamais admitiria isso espontaneamente.

— Você está bem? – ele perguntou em tom preocupado.

— Agora está tudo bem. Eu e você nos livramos do estranho poder do cordão. Não era isso que você queria? – a garotava estava decepcionada.

Ron não sabia o que dizer. Percebia que a amiga estava magoada com ele e se perguntava se havia feio algo errado. “Hermione, me desculpe. Eu não devia ter dado esse cordão de presente para você sem antes saber que uma magia o envolvia”, dizendo isso, o rapaz esticou a delicada joia em direção da garota. “Pegue. Mas sugiro que não use enquanto eu não souber por mamãe algo mais do cordão. Já escrevi para ela hoje de manhã”, informou.

— Ron, prefiro que o cordão fique com você. Ele exerce uma forte atração sobre mim e não sei se foi conseguir deixar de usá-lo –  Hermione confidenciou.

O rapaz concordou e, pouco depois, eles saíram da sala. A magia, que havia tornado tão transparente o forte sentimento existente entre os dois e dado coragem para revelarem esse amor, agora desaparecera. Tudo parecia um sonho distante. Ron e Hermione voltaram a acreditar que não eram correspondidos e que tudo não passara de um feitiço ilusório.

 

 

 

Logo depois do almoço, quando ainda saboreava a sobremesa, Ron recebeu uma coruja trazendo a resposta de Molly. Hermione, que estava no final da mesa, sentada com Gina, olhou-o com um semblante triste. O ruivo também não estava feliz. Sentia que tinha feito algo errado. Talvez se precipitara ao seguir o conselho da mãe e presentear a amiga com o cordão. Guardou a carta no bolso, pensando em lê-la quando estivesse sozinho, no dormitório.

Não imaginava que seria abordado pela morena ao se levantar da mesa. “É a carta da sua mãe, não é? Eu gostaria de saber o que ela falou sobre o cordão”, Mione foi corajosa. Ron prometeu que informaria a garota sobre o conteúdo da correspondência assim que a lesse. Conversaram ainda sobre outros assuntos e, quando entraram na torre da Grifinória e o rapaz já começava a se despedir, a menina entregou para ele a caixinha lilás, pedindo para que guardasse o cordão ali.

Ron subiu ao dormitório ainda com a lembrança do olhar triste de Hermione. Por que tinha que ser assim? Queria tanto fazer a amiga feliz, foi com esse objetivo que lhe dera o cordão, e parecia ter fracassado uma vez mais. Não se fixou muito nesses pensamentos porque queria logo abrir a carta da mãe. Com ansiedade, começou a ler a correspondência.

Querido Ron,

Você fez muito bem em escrever relatando o que está acontecendo. A magia desse cordão é muito poderosa, mas de modo algum muda destinos ou direciona os corações. O seu único objetivo é dar otimismo, melhor percepção e crença nos próprios sentimentos. Mas isso pode motivar ações equivocadas, caso não haja maturidade para ultrapassar os impulsos e agir segundo as próprias convicções.

A impressão que tenho – e por isso peço desculpas – é que me precipitei ao sugerir que você presenteasse Hermione com o cordão. Claro que o colar pertence a ela e deveria ser entregue por você, mas tudo indica que esse não era o momento. Vocês dois precisam amadurecer ainda mais.

Talvez o melhor seja sugerir a Hermione para deixar o cordão guardado por algum tempo. Caso ela não entenda e queira alguma explicação a mais, coloco-me à disposição para falar com Mione.

Com todo meu amor, um beijo afetuoso,

Mamãe

O rapaz ficou algum tempo perdido em seus pensamentos. O que a mãe queria dizer com “seu único objetivo é dar otimismo, melhor percepção e crença nos próprios sentimentos”? Será que a atração forte que sentira pela amiga é porque percebera melhor algo já latente no próprio coração? E por que Hermione o olhava daquele jeito enamorado? Estaria acontecendo o mesmo com ela? Por que a mãe dizia “que precisavam amadurecer”?

Eram muitas perguntas sem resposta. Mas o pior é que Hermione, curiosa como era, não sossegaria enquanto ele não dissesse tudo que estava na carta.

No intervalo da primeira aula da tarde, como Ron imaginara, Hermione foi procurá-lo. Queria saber o que dizia a carta. “Não entendi muito bem. Vou ler um pedaço para você. Talvez compreenda melhor que eu”, o ruivo disse, tirando um papel dobrado do bolso da jaqueta.

— Aqui diz que o único objetivo da magia presente no colar é “dar otimismo, melhor percepção e crença nos próprios sentimentos. Mas isso pode motivar ações equivocadas, caso não haja maturidade para ultrapassar os impulsos e agir segundo as próprias convicções”. Estranho, né? – ele não reparou no olhar assutado da garota.

Hermione não achava nada estranho. Agora entendia perfeitamente o que tinha experimentado. Por causa da magia do colar sentira convicção do seu amor por Ron e ficara otimista quanto à correspondência do rapaz. “Mas espera aí! Isso não faz sentido”, a menina refletiu ao lembrar que o ruivo dissera estar sendo afetado pelo colar.

— Ron, sua mãe não falou nada sobre o cordão poder influenciar outras pessoas além de quem o usasse? Você disse que estava sendo atingido pela magia do colar...- ela foi direta.

— Acho que me enganei – ele respondeu reticente imaginando que a menina iria bombardeá-lo de perguntas. – Mamãe disse que você pode escrever para ela caso tenha mais alguma dúvida. Agora preciso ir.

A garota ficou quieta, mas logo viu que seria uma boa ideia escrever para Molly. Ron sempre tivera dificuldade de falar sobre os próprios sentimentos. Com certeza não havia contado tudo que estava na carta.

À noite, sentada em sua cama, Hermione escreveu para a mãe de Ron. Na carta, agradeceu pela generosidade dela em passar o cordão para o filho presentear uma amiga. Perguntou ainda mais detalhes da magia do colar e se essa poderia afetar outras pessoas, revelando que Ron dissera estar sendo atingindo pela mesma.

No final da tarde do dia seguinte, a coruja dos Weasley entregou uma carta a Hermione. Sorte que Ron não estava por perto, pensou a menina. Gina, porém, estava e logo foi perguntar por que Mione havia recebido uma correspondência da casa dela.

“Eu queria tirar uma dúvida com sua mãe sobre uma magia da qual ela me falou”, tentou sair pela tangente. A ruiva, é claro, não se satisfez com essa resposta e quis saber mais. Hermione, no entanto, disse que nada mais podia revelar. “Você, Ron e Harry têm tantos segredos... Tudo para derrotar Você-Sabe-Quem, não é?”,  ela questionou. Dizendo que sentia muito por não poder falar mais, Mione despediu-se da amiga.

A garota correu para o quarto, torcendo para não encontrar com Ron. Queria ler a carta com tranquilidade. Não entendia porque, mas sentia grande ansiedade. Imaginava que Molly havia escrito algo revelador, que poderia mudar a sua vida. Mas não compreendia a razão de tanta expectativa. Sem perder mais tempo, abriu o envelope amarelado.

Querida Hermione,

Lamento que o presente tenha causado alguns transtornos. Esse cordão significou muito para mim, já que o usei em momentos felizes de minha vida. Estava com ele quando comecei a namorar Arthur, por exemplo.

Como já expliquei a Ron, o colar não direciona as ações das pessoas que o usam, apenas traz otimismo, convicção dos próprios sentimentos e escolhas, força para seguir o coração.

Quanto a dar esses mesmos “efeitos” em outros, como relatou que pode ter acontecido com Ron, caso exista muita afinidade entre quem usa e essa pessoa, é possível sim. Agora me lembro que Arthur ficava mais romântico e expressava melhor os seus sentimentos sempre que eu estava com o colar.

Com relação ao Ronald, sugiro que tenha paciência com ele. Geralmente os rapazes demoram mais a amadurecer e têm mais dificuldade para entender e mostrar os próprios sentimentos. Ron, por sinal, não tem o dom da palavra. Mas, em compensação, é tão transparente! Se você prestar mais atenção no seu olhar e em pequenos gestos, vai entender tudo o que se passa no coração dele.

Como os efeitos do colar não foram bem compreendidos, especialmente por Ron, ao que parece, sugiro que o deixe guardado por um tempo. Logo você poderá voltar a usá-lo e entenderão plenamente como somos felizes quando seguimos o coração.

Com os meus votos tardios de feliz aniversário, lhe desejo muitas alegrias,

Afetuosamente,

Molly

A menina releu a carta algumas vezes. Cada palavra estava repleta de significados. Então a magia do cordão só confirmava o seu forte sentimento por Ron? De fato, isso parecia se comprovar.

Muitas vezes Mione tinha dúvidas se deveria seguir o coração, já que o ruivo parecia não gostar dela da mesma forma e em alguns momentos chegava a destratá-la. Quando usou a joia, perdeu todas essas dúvidas e teve certeza de que era correspondida. Parecia que tudo que experimentara se encaixava exatamente na descrição de Molly sobre a magia do colar. Hermione estava mais otimista, convicta do amor que tinha pelo ruivo e sem medo de seguir o próprio coração.

O trecho da carta em que Molly dizia que Arthur ficava mais romântico e expressava melhor os seus sentimentos quando ela usava o colar fez o coração de Hermione bater mais rápido. Será que Ron também experimentava o impulso de revelar seu amor pela amiga e por isso ficara tão incomodado com o colar? Não, isso não fazia sentido, pensava a menina, sempre tão racional. O ruivo parecia ter medo dela, talvez por perceber a paixão que tinha por ele.

No entanto, foi o conselho de Molly para que tivesse paciência com Ron que a fez estremecer. A menina perdeu as contas das vezes que releu aquele parágrafo, parando em cada palavra.

“Geralmente os rapazes demoram mais a amadurecer e têm mais dificuldade para entender e mostrar os próprios sentimentos”. O que Molly queria dizer com isso? Será que o amigo gostava dela, mas não tinha convicção plena disso ou sentia medo?

A garota voltou à leitura. “Ron, por sinal, não tem o dom da palavra. Mas, em compensação, é tão transparente! Se você prestar mais atenção no seu olhar e em pequenos gestos vai entender tudo o que se passa em seu coração”.

Com a respiração suspensa, Hermione lembrou as muitas e significativas trocas de olhares com Ron. Em alguns desses momentos teve certeza de que o rapaz não a queria apenas como amiga, que a desejava como namorada. As palavras dele, por vezes agressivas, contradiziam isso. Mas agora Molly dizia que ela deveria estar mais atenta ao olhar e aos pequenos gestos do rapaz.

Lembrava das vezes que o amigo a defendera, expressara o seu carinho com sorrisos, presentes, elogios. Precisava acreditar mais nisso, seguir o próprio coração, como dissera Molly.

Para completar o texto recheado de entrelinhas, Molly terminou a carta, sempre direcionada à menina, na segunda pessoa do singular, dirigindo-se à segunda pessoa do plural. “Entenderão plenamente como somos felizes quando seguimos o coração”. Parecia que agora Molly falava para ela e Ron. “Mas por que?”, Hermione se perguntava.

Na manhã seguinte, Mione encontrou Ron na sala comunal e os dois desceram juntos para o refeitório. Gina não tinha guardado segredo sobre a correspondência recebida pela amiga e o ruivo foi logo perguntando se a mãe tinha escrito para ela. Quando a garota disse que sim, o rapaz quis saber o que Molly havia falado e foi a vez da morena economizar palavras.

— Ron, sua mãe apenas explicou, de uma forma mais didática, o que já tinha escrito para você. Nada de mais. Mas agora entendi que é melhor mesmo não usar o colar. Pelo menos por enquanto – ela deu um suave e enigmático sorriso.

 

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 Para ouvir antes, durante ou depois de ler o capítulo:

Something

 http://bit.ly/2b93o9u

Something in the way she moves
Attracts me like no other lover
Something in the way she woos me

I don't want to leave her now
You know I believe and how

Somewhere in her smile she knows
That I don't need no other lover
Something in her style that shows me
(…)

 

 


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Notas finais do capítulo

Olá!

Confesso que a falta de comentários está me desanimando a continuar com a postagem. A história não é inédita, já foi publicada em outro portal. Mas como eu tinha um projeto antigo de fazer uma boa revisão no texto, pensei que seria interessante compartilhar a fic também por aqui. Então, se não for pedir muito, deixe a sua opinião. Bastam duas linhas para me fazer feliz :)



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