Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 41
XLI


Notas iniciais do capítulo

Olha só quem voltou somente uma semana depois?
Sério, gente. Escrever pelo tablet tem feito milagres para mim, faz um tempão que não sinto tendinite. #chocada. Enfim, VOCÊS FORAM TÃO FOFOS NO CAPÍTULO PASSADO! Recebi comentários muito gentis e os respondi com muito carinho, adorun todos vocês ♥
Boa leitura!



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Wanda tinha consciência de que não tinha acessado todos os lugares do Palácio Real, tanto por não ser permitido quanto porque não havia real interesse seu em saber mais segredos de Estado, porém não deixava de ficar surpresa pela extensão do lugar. Ela, Bucky e Natasha foram escoltados pela Dora Milaje até um grande elevador - que não parecia ter intenção de parar. Foram sólidos cinco minutos apenas descendo e descendo e descendo, com Romanoff mascando chiclete de menta e Barnes com uma expressão hesitante no rosto. Wanda, por sua vez, sentia-se enclausurada ali dentro, respirando de forma entrecortada - embora baixa. Não queria incomodar, mas sentiu o olhar investigativo de Bucky sobre si. Se remexeu e cruzou os braços, coisa que atraiu a atenção de Nat. Ela ergueu o queixo, não tão discretamente alternando entre o rosto de Bucky e o de sua amiga sokoviana.

Legal” Ela pensou. “Estou presa com duas pessoas que nem precisam de poderes telepáticos para saber que estou surtando nessa droga de elevador.”

Wanda temia mais que a outra soubesse que passara em sua cabeça entrelaçar seus dedos com os do Soldado Invernal.

A Feiticeira não conseguiu encarar nenhum dos dois até ao fim da viagem de elevador. Foram recebidos por outra equipe de segurança ainda mais equipada, e dirigiram-se aos fundos, onde jazia uma porta imensa e uma figura esperando-os.

Shuri.

A iluminação era branca e as paredes todas decoradas com desenhos tradicionais de Wakanda na cor preta, o que conferia um tom elegante ao lugar. A princesa aproximou-se, saindo de perto do painel de controle que acionava a porta dupla.

Com um aceno, cumprimentou Natasha, Barnes e Wanda, mas demorou um segundo a mais ao se dirigir aos últimos dois. A bruxa quis perguntar se aquela estrutura em sua perna era o tal dispositivo de polímeros que a princesa havia mencionara no dia anterior, e como era possível que aquilo a sustentasse de forma correta sem arrebentar o restante do osso - no entanto, não parecia apropriado para o suspense em que estavam. E mais: perguntava-se mais uma vez se existia algo em sua testa que dizia que ela queria ter segurado a mão de Bucky Barnes. Sentindo-se tola, optou por reparar mais no gesso estilizado na perna da princesa do que em suas próprias paranoias.

Shuri destravou uma sequência de cinco códigos para afinal liberar a passagem do grupo pela porta colossal e Wanda pôde ver, mais uma vez, como aquele país reservava ainda mais riquezas. 

A estrutura em que adentravam era um rochedo escuro e esculpido, quase liso, como se erodido pelos anos e pelas intempéries feito o fundo de um cânion. Veios de luz artificial tornavam o ambiente mais claro, ocasionalmente pulsando. Existia uma grande mesa quadrada e oito assentos ao centro, mas ninguém estava lá. Ao invés disso, T’Challa e Steve Rogers estavam lado a lado, encarando o fundo de vidro cômodo, janela para o restante da gruta. Ambos se viraram para recebê-los e neste exato instante, o que era vidro transparente tornou-se um espelho escuro, de modo que já não era mais possível enxergar o que existia lá embaixo.

Wanda sentiu a garganta ficar seca e e repente flagrou-se cruzando o olhar com Bucky. Ele também parecia confuso, ao passo que Shuri continuava seu trajeto até a mesa sem nenhuma cerimônia. O rosto de Natasha, porém, era indecifrável.

Não demorou para que todos se reunissem ao redor da mesa. O rei e sua irmã sentaram no lado que dava costas ao vidro, enquanto Wanda e Sam sentaram-se na outra lateral. Steve tinha Natasha à sua esquerda, enquanto Bucky tomou a última ponta restante, sozinho.

— Obrigado pela presença de todos. — Steve tomou a dianteira da explicação. Agradecimentos não eram necessários, mas a Feiticeira sabia o quanto ele era educado demais para não gastar breves segundos com palavras agradáveis. Ele passou a mão na barba e levantou-se, pondo as mãos atrás do corpo e deixando a postura altiva, reta. — Não somente agora, mas em todas as vezes em que precisei de ajuda. Que o mundo precisou. Sei o que custou a vocês, pois também me custou e custou caro. Mas eu faria tudo de novo, pois liberdade tem um preço alto que estou disposto a pagar. Não desejo marchar com bandeiras e homens, atravessar países e fincar essa mesma bandeira no chão e gritar que eu levei a liberdade àquele lugar. Não tenho mais um símbolo no peito, tenho apenas um coração, que por vezes quer só voltar para a casa. E então, olho para vocês e vejo que não também têm casa para voltar. E olho de novo, e percebo que vocês são meu lar. Gostaria de oferecer algo mais do que minha amizade.

— Você não precisa. — Wanda disse, permanecendo com a boca aberta por mais alguns segundos. Sua voz tinha saído mais rápido do que seu impulso de contê-la, tamanha era sua agitação por ver a aura de Steve tremular. Ele lhe deu um sorriso de lado.

— Eu devo. E não conseguiria sozinho.

— Rogers… — Natasha começou mansa, seu rosto intrigado. —  Onde quer chegar?

O rei se levantou, tomando a vez.

— A resposta é simples e eu pouparia meia dúzia de palavras para explicar. No entanto, este é um momento solene e cabe aqui um pouco mais da minha voz. — Ele encostou brevemente a mão no ombro da irmã ao seu lado, que o encarava de volta. Shuri tocou de volta, retribuindo o gesto. — Nós, wakandanos, nos mostramos ao mundo porque quisemos. Porque queríamos reparar um erro do passado. Porque precisávamos mudar. A ancestralidade de nossos costumes alcançou os limites de nossos deveres modernos e Wakanda não poderia mais uma vez se ausentar nas sombras. Generosidade faz parte destes deveres e isso também será passado à vocês.

A luz vinda do alto do salão começou a se apagar gradativamente enquanto as a mesa acendia-se, semelhante ao que acontecia na Sala de Inteligência no andares superiores. Em meio aos costumeiros hologramas utilizados pela equipe, havia também uma substância arenosa, negra, que tomava forma de projetos de aeronauticos, de naves, e movia-se como uma maquete em animada. Mostrava em escala, junto à aviões e demais equipamentos, cada um do grupo de Steve Rogers. O boneco que mostrava Natasha executava algumas acrobacias enquanto o de Sam voava. A figura que deveria ser Wanda gesticulou uma par de vezes, invocando magia.

— Não posso deixar que Wakanda se torne uma base militar de estrangeiros, levando conflito e armas à outras nações. Sou aliado de todos vocês, mas também sou um Rei e tenho obrigações. Meu país representa paz e desenvolvimento. Trazer guerra não é o modo wakandano. — Ele continuou e por alguns instantes Wanda acreditou que aquela era a ordem de despejo. No entanto, tanto o monarca quanto Steve estavam muito serenos para tal. — Ser desleal também não é. Sou fiel às minhas raízes, mas não ignoro o resto do prado.  — A metáfora atingiu a todos. — Capitão Rogers e eu pensamos muito no assunto e vimos que vocês, finalmente usando meia dúzia de palavras, precisavam de um lugar para voltar.

Somente uma projeção holográfica permaneceu suspensa no meio da mesa quadrada, cintilando em sua cor ciano. Era uma imensa nave, do mesmo tamanho ou maior do que um dos aeroporta-aviões da SHIELD, porém de traços mais curvos e limpos. Poderoso. Wanda sentiu as palavras coçarem sua garganta, esperando.

Mas o debate que ela imaginava que aconteceria jamais veio. O espelho do fundo do cômodo tornou-se vidro transparente de novo, deixando o restante do hangar visível e claro. Natasha levantou-se para ver, bem como Bucky.

A nave estava ali, recebendo últimos ajustes de uma equipe de engenheiros wakandanos.

— Apresentamos à vocês, Outer Heaven. Uma casa para nossa família.

As leis da física não pareciam suficientes para manter aquela imensa nave no ar, ou ao menos era isso o que Wanda pensava. Era algo para durar anos. Para resistir ao tempo, e algumas explosões também.

— Lançaremos no ar daqui a duas semanas, no espaço aéreo de águas internacionais. Sem bandeiras. Melhor do que qualquer coisa já criada, melhor equipada do que a SHIELD. Assim como o aeroporta-aviões, assim que estiver no ar não precisará descer, mas não precisará soltar gases poluentes na atmosfera também.

As íris de Wanda faiscaram. A aura de Steve, azul, resplandecia com um brilho novo e quase dourado e ela, que tinha visto tanto da mortalidade e dos medos daquele homem, enxergava agora a lenda viva. Parecia tão óbvio. Se a liberdade fosse então encarnada, é claro que voaria.

Ela ouvia a voz de seus colegas enquanto discutiam detalhes sobre o funcionamento da nave e como seria irrastreável por qualquer tecnologia ao alcance do Ocidente e do Oriente. Ouvia a voz de Natasha, um tanto surpresa. Ouvia Sam perguntando se existia um sistema de som, e T’Challa com a voz mais cansada do mundo respondendo que sim, existia. Mas não conseguia pôr os pensamentos no lugar. Sim, o tal Outer Heaven voava e ela teria que sentir-se grata por Steve estar feliz e afinal encontrar uma casa, mas algo a arrastava para o chão.

Outer Heaven. “Que nome”, ela refletiu. Parecia simplesmente errado que ela estivesse ali. Que tenha sido convidada. Não estava pronta. Lapsos da destruição em Sokovia a atormentaram, bem como memórias de tantas mortes na Nigéria. Enquanto seus amigos participavam de missões importantes para neutralizar terroristas na Síria, ela não dormia a noite por conta do trauma. Não estava pronta, não estava pronta.

— Hey, bruxa. — Shuri aproximou-se, tocando de leve o braço dela. Wanda despertou como se de um pesadelo. — Está tudo bem?

— Você sabia dessa nave?

— Só da nave. Não sabia que era para vocês. Digo, imaginava… Mas eu estava envolvida com outros assuntos. Você sabe que fiquei responsável pela cura de Barnes antes mesmo de você e o resto da equipe chegarem. E depois fiquei responsável por você.

— Eu sei. Eu sei… Digo, eu acho que eu não consigo mais fazer isso. Tem tanta coisa na minha cabeça, eu…

— Você está estranha esta tarde. Mais estranha. Preciso terminar mais algumas coisas aqui, mas me veja por volta das cinco da tarde, no meu quarto. Tudo bem?

— Sim, sim.

 

Wanda esperou as conversas irem e virem, sentando-se calada. Era tanto o que se pensar: Erik Lensherr e a possibilidade de ser sua parente, de ser mutante, de ter mais uma vez que fazer a escolha de ser uma heroína ou não e seguir numa grande nave, futuro símbolo da liberdade moderna. Queria que o mundo ao menos lhe jogasse tais situações uma por vez, mas não era o caso.

Bucky também não falava muito, tinha apenas o queixo erguido para a janela e mirava a aeronave. Ele abriu a boca para dizer algo quando T’Challa o chamou para uma conversa entre ele, Steve e Natasha, incrivelmente com um meio sorriso na boca. A Feiticeira apenas estranhou o termo usado pelo rei ao se referir ao Sargento Barnes: “Ingcuka Emhlophe”. Lobo Branco, pelo o pouco que entendia de wakandano.

E então, depois do que pareceu a eternidade, ela saiu. Aeronaves, James e outros problemas povoavam seus pensamentos.

 * * *

O silêncio da Biblioteca Real conseguiu acalmar a cabeça de Wanda aos poucos. Não estava surpresa por ter ido até lá para espairecer, pois o clima ali era agradável e fresco, mas divagava entre as prateleiras se iria afinal na sétima à esquerda, pegar o nono livro à direita. Decidiu caminhar mais um pouco, pensando.

Sabia que tinha surtado. Aquela nave no céu trazia responsabilidades pesadas. Steve não pediria que Wanda se arriscasse, jamais demandaria algo que ela não poderia dar, no entanto, era difícil ver o quanto ele estava disposto a fazer tanto pelos outros e como ela tinha tão pouco a oferecer. Não queria trazer caos à nova casa de seu amigo, não aguentaria destruir sua família. Família. A Feiticeira andou com o braço estendido, tocando as laterais dos livros com delicadeza.

Aquele era seu medo. Wanda já destruíra a própria vida em sua busca por vingança e perdera tudo o que tinha. Não seria tola e ingrata em dizer que não conquistara outras coisas em troca, mas… Pietro não era alguém que trocaria por nada. Ira a fez conquistar o que queria: desestabilizar os Vingadores, causar danos irreparáveis à Tony Stark. Ira levou á morte de seu irmão.

Medo e ira”, ela sussurrou para si própria, “sentimentos tão familiares”. Dissera à Visão que poderia controlar o seu medo, mas a aeronave e tudo o que ela significava trouxeram dúvidas ao seu coração.

Uma base para o ex-Capitão América, não apenas símbolo dos Estados Unidos e sim de liberdade absoluta. Poderia não ter bandeira hasteada, porém ainda seria retrato de que tal conceito não possuía terras e voava acima de tudo. Poderia ser invisível e irrastreável, porém seria palpável e imponente. Seria uma declaração de desafio à todas as correntes e gaiolas que alcançavam os homens.

Wanda seria digna de tal honra?

Ao dobrar mais uma esquina para seguir no corredor seguinte, na ala de obras estrangeiras, ela deu de cara com uma figura empurrando um livro de volta ao seu lugar. A figura era ninguém mais do que Bucky Barnes e seu braço metálico reluziu ao esticar-se para dar um último toque no exemplar de Macbeth que tinha pegado.

— Wanda. — Ele a cumprimentou com um simples aceno de cabeça, depois colocou as mãos no bolso. Ficou aliviado por Wanda retribuir o cumprimento, dizendo seu primeiro nome. Por quê ela chamava-o sempre por “James”? Ele não entendia e não queria perguntar tão diretamente, com medo de que ela se ofendesse. E não desejava que ela parasse de o chamar assim. Nenhum dos dois sabia como continuar a conversa ou se iriam de fato conversar, até que enfim decidiu falar: — Veio pegar alguma coisa? Ou devolver?

A Feiticeira admirou o fato de ele falar em voz baixa, em respeito ao lugar e ao bibliotecário que mais de uma vez ralhara com ela e Shuri. James era um discreto apreciador da leitura.

— Mais ou menos. Eu...  Quis dar uma volta e aproveitei para pegar um livro que me recomendaram.

Depois de alguns segundos, ele perguntou:

— Qual?

— Oh, eu não lembro bem o título. — Ela comprimiu os lábios e dessa forma James soube que ela estava escondendo algo. Por quê? Ele sentiu uma gota de desapontamento, mas deixou tal sentimento passar.

— Uma pena. O Bibliotecário poderia nos ajudar. — Ela concordou, evasiva, mas Bucky esperava mais respostas. Poderia não conversar muito ou ter uma risada fácil como o amigo de Steve,Sam Wilson, mas gostaria de ouvir o que ela tinha para falar. Com tristeza, lembrou-se que costumava ser assim, de risada fácil e humor displicente, antes de… De tudo. Seu pensamento voltou à Wanda, que parecia aborrecida após o discurso, após a demonstração da aeronave Outer Heaven. Infeliz. Aliás, parecia infeliz antes mesmo disso e não era à toa que tinha bebido duas garrafas de vodka com agente Romanoff e ele queria escutá-la em sua cabeça, dizendo o que estava errado para que ele pudesse consertar.

Sua postura reticente intrigou Wanda, que piscou brevemente seus olhos em cor rubra. Não, James não esperava uma resposta. Esperava… Algum tipo de pedido. Ordem. Piscou de novo e quase deu um passo para trás, um tanto chocada. Ele pareceria apenas solícito se ela não soubesse de todo seu passado na HYDRA e como queriam que fosse servil, obediente.

— Quer que eu procure para você?— Insistiu, ainda que hesitante. — Pode me dizer talvez o autor.

— Não precisa procurar para mim. — A voz dela era cheia de cautela. Não queria dar ordens, só queria tirar toda aquela desgraça da cabeça dele. Barnes não deveria acatar ordens de ninguém. — Agradeço a ajuda, mas tenho a certeza de que você tem mais coisas para fazer. Digo, eu… — Wanda colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha — Não sei se estou te atrapalhando também. Está procurando alguma coisa?

Ele queria dizer que estava procurando por ela, mas não o fez.

— A equipe de T’Challa disse que a leitura faz bem para minha recuperação, então… Tenho tentado pegar os livros que gostava no colégio.

— Oh.

— Bom, Wanda… — Ele ordenou os próprios pensamentos, escolhendo as palavras com cuidado. — Você pareceu perturbada lá no hangar e depois saiu. Steve ficou preocupado.

A Feiticeira deu de ombros, tentando não parecer alarmada quando na verdade surtava mais uma vez. Parecia que mesmo agora, sem aquela conexão mental que experimentaram, Barnes podia olhar de volta e enxergar os seus pensamentos. Torcia para que não soubesse que quisera segurar sua mão durante a manhã daquele mesmo dia.

— É muita responsabilidade. — Disse, por fim.

— É. É sim. — Ele parecia querer falar mais algo, porém Wanda não estava preparada para aquele tipo de conversa. Cortou-o, abrindo um sorriso mais largo:

— Hã, eu vou procurar meu livro agora. Acho que está na outra sessão lá na frente, então…

 

James cerrou um pouco mais os olhos. Não sabia dizer qual desses dois fatos era pior: Wanda esconder algo ou não pedir sua ajuda. Decidiu engolir seu instinto de esperar ordens e seguiu àquele que o instigava a descobrir mais sobre o mistério.

— Vou com você. Pode ser que o livro esteja numa prateleira mais alta.

Mal acreditou na desculpa que ele próprio tinha dado, mas era o que tinha vindo à sua cabeça no momento. Ela era capaz de mover coisas com a mente e não precisava de um homem desajustado querendo ajudá-la, ou melhor, investigá-la. Ela sabia disso. Sabia que a desculpa tinha sido terrível e, pela sua expressão, considerava questioná-lo. Nada disse. Acatou a ajuda.

Wanda quis desaparecer quando chegaram ao lugar que Ebony havia indicado, pois o próprio estava ali, balançando a cauda de forma despreocupada enquanto lambia as patas, deitado na prateleira. Ele parou ao vê-los aproximando-se e soltou um longo bocejo.

“Veja só o que o gato trouxe.” A Feiticeira arregalou os olhos, com medo de que Barnes pudesse escutá-lo. “Pensei que tinha desistido.”

Ela virou levemente seu queixo para trás, para olhar Bucky por detrás dos ombros. A expressão dele era neutra e sentiu-se impelida a falar primeiro:

— Veja, um gato. Acho melhor você chamar o bibliotecário, não sei se deixam gatos entrarem aqui.

— Ah. — Ele franziu a testa. — Gatos são sagrados em Wakanda. Não sei se vão ligar muito, ainda mais um gato preto.

“A menos um de vocês é inteligente.” Ebony piscou lentamente, o que despertou  raiva em Wanda. Mas quando Bucky tentou alcançá-lo com a mão, ele desviou ofendido e quase derrubou alguns livros da prateleira. “Retiro o que disse.”

— Arisco. — Bucky disse, sem ter se abalado com o comportamento do felino.

“O que foi, querida Wanda? O gato comeu sua língua?”

“Qual é o propósito disso?”

“Agatha me mandou ficar de olho em você, sabe disso, e Bast foi muito generosa em permitir meu passeio por aqui. Pensei em te dar aulas práticas, eu só não contava com seu guarda-costas. Esse é o homem por quem ficou obcecada e usou magia de forma leviana? É bom que valha a pena. Oi, cara” Ebony miou para Bucky. “Sinto em dizer que não gosto que peguem em mim. Oh, não, não sinto.”

— Ele miou para mim?

— É, parece, né? Incrível. — Wanda não sabia o que fazer.

“Desça daí, gato. Eu só quero pegar o livro e ir embora.”

“Gatos fazem o que querem. Tipo você.” Ele roçou em um livro com a ponta do nariz, como se estivesse acariciando a perna de alguém, e o derrubou no chão. Olhando fixamente para Wanda, disse apenas: “Ops.”

— Que gato confuso. Ele não quer carinho, mas faz charme.

“Eu só não quero homens com braços de metal me pegando no colo, seu bárbaro.

— É, que gato confuso. — Concordou, fuzilando-o com o olhar.

— Você não gosta de gatos, Wanda? — Bucky olhou para ela, parecendo até mesmo decepcionado, mas ela adorava gatos. Só não queria ter que explicar que um falava na sua cabeça e que a convidara a partir.

— Gosto, gosto. É que… Os livros, entende?

— Ah, sim.

Nos breves segundos que Bucky gastou para pegar o livro no chão, Wanda trocou algumas palavras ásperas com Ebony dentro da própria cabeça, mas o felino não atingia-se com nada. Ainda tinha os olhos fixos e serenos direcionados à ela, luzindo em um vivo tom de verde.

“Tarde demais, querida. O livro que Agatha queria você pegasse está nas mãos dele.”

“Você fez o que?!”

— Uau. — Ele disse, admirando a capa roxa com um símbolo de um olho no centro. — Não tem nome, mas… É bem impressionante.

“Não o deixe abrir.”

Mas Bucky abriu o livro, pois não ouvia Ebony e Wanda agiu tarde demais.

“Ops.”

— Está em branco. — Ele virou o livro para a Feiticeira, folheando-o. Estava vazio. O soldado então a encarou longamente, vendo sua figura pálida. Sabia que além de bruxaria nos lábios, Wanda tinha bruxaria nas mãos, nos olhos, na alma. Por algum motivo, sentia que fazia parte disso e agora segurava o pedaço de um segredo. Repetindo a pergunta que sempre fazia à ela, disse: — Você está encrencada com alguma coisa?

“Ela é uma encrenqueira, soldado.”

Wanda primeiro fitou o gato, depois Bucky.

— Eu… — Os lábios dela tremeram.— Estou sempre encrencada com alguma coisa.

Ele fechou o livro e o entregou à Wanda.

— Só… Fique segura. Por favor.

Bucky engoliu em seco, evitando que a palavra “boneca” saísse de sua garganta. Existiam pessoas demais pedindo explicações dela e oferecendo poucas respostas para as perguntas que ela fazia em troca. Não cabia a ele questionar o livro místico que a Feiticeira Escarlate procurava ou a razão de seu nervosismo com o gato preto. Ela o ajudara, de alguma forma. Isso ele perguntaria no futuro, e queria até mesmo retribuir o gesto.

No entanto, não era hora. Ele despediu-se de Wanda e do gato, depois seguiu seu caminho para fora da Biblioteca.

 

“Bom. Isso teve um desfecho inesperado.”

“Você é um gato terrível.”

“Sou.”

“Ele deve achar que sou… Eu não sei.”

“Você não pode esperar que seu silêncio explique tudo.”

“Não quero que… Quando James estava desacordado, ele parecia querer me dizer algo. E parecia me entender. Agora, eu não sei mais o que pensar.”

“Se quer deixar as coisas claras, explique. Ponto. Ou então faça uma lavagem cerebral com seus poderes nele de novo, você que decide.”

“Está me forçando a conversar com ele, Ebony?”

“Não é o que você quer? Digo, aparentemente você só não veio comigo e com Agatha por causa dele e outros motivos menores.”

Ele estava certo e por isso Wanda ficou ainda mais brava.

“O que eu faço?”

Ebony andou pela prateleira e desceu em um pulo só.

“Não se diz a uma bruxa o que fazer, ainda mais uma como você.”

“Ebony."

“Além do mais… Você sabe o que fazer. Ira te dava algo que lhe falta agora: foco.

“Eu sei. Eu sei.”

“E você se acostumou tanto com esse sentimento, essa raiva, que agora sem ele não sabe o que fazer. E acabou odiando a si mesma.”

“Você quer me fazer chorar?”

“Não. E você já está chorando. O que quero dizer é que os erros que fez já foram feitos e você já sofreu. Seus amigos te amam e há tanta coisa a ser feita, vivida. Qualquer que tenha sido seu erro no passado, você já pagou.”

“Mas… Não me sinto melhor. Não me sinto preparada para nada.”

“O processo de cura pode ser lento, é verdade. O que tem feito para melhorar?

Wanda demorou a responder.

“Eu quero ficar melhor. De verdade.”

“É um desejo válido, minha cara. E também muito simples para a mulher que é.”

O seu coração pulou uma batida, para logo em seguida contrair-se com ainda mais força. A energia que pulsava em suas veias sussurrava inúmeros desejos caóticos, querendo tantas coisas, demandando tanto sacrifício… Ela conseguiu resumir tal desordem em sua boca, falando em voz baixa:

“Eu quero saber. Saber mais sobre meu passado, sobre esse tal Erik Lensherr, sobre essa… Magia que me preenche. Eu quero saber de tudo e ficar em paz.”

Ebony sorriu da maneira que gatos sorriem.

“Então vai saber, mas não posso garantir paz. Abra o livro, Wanda.”

A Feiticeira foi tomada por um ímpeto súbito e, despida de receio que tal ato fosse estranho demais, colocou o livro no chão.

O gato aproximou-se de maneira vagarosa, concentrado. Sua boca abriu-se apenas um pouco, e ele disse tanto na cabeça de Wanda quanto no mundo real com sua voz rouca:

Solve et coagula.

O olho grande desenhado na capa piscou e sua pupila mexeu-se, alternando entre Wanda e Ebony, até que fechou-se de forma lenta. A capa abriu-se sozinha e luz saiu de suas páginas amareladas. Por um instante, nada aconteceu e a ela pensou que algo havia dado errado. No segundo seguinte, o livro sugou-a para dentro de suas páginas vazias.


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Notas finais do capítulo

*Outer Heaven é a base paramilitar do Universo Ficcional de Metal Gear. Já fiz algumas referências à série de games nessa fic, mas nada que eu possa considerar baseado no jogo e etc. Ainda assim, o Capitão tá muito "Big Boss" do Metal Gear e eu só tô esperando a treta que isso vai dar nos filmes haha #pleasedontdieCap

*Dei uma pincelada de leve nas tecnologias e situações vividas no filme "Pantera Negra". Não é nenhum spoiler absuuurdo, por exemplo a tal substância arenosa que serve de "holograma" por assim dizer. Achei incrível o efeito no filme e a cito aqui!

*Agora, algo que realmente tenho que avisar é que vou usar o headcanon da persona "Lobo Branco", envolvendo Bucky Barnes. Se você não assistiu as cenas pós-créditos de Pantera Negra, pode ser estranho.

* "Solve et Coagula" significa "dissolve e coagula", um termo usando para transmutação em Alquimia. Agatha Harkness terá os poderes baseados nisso.

*Por favor, contem-me se a alternância de consciência entre Wanda e Bucky nos diálogos fica confusa. Odiaria que saísse estranho, mas curto muito alternar entre eles para que o leitor saiba simultaneamente o que os dois estão pensando.

* O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela HYDRA. Caso encontre algum erro, favor reporte à Shalashaska.

*Chega de notas finais haha



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