Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 36
XXXVI


Notas iniciais do capítulo

Kept you waiting, huh?
Agora sim, o momento que todos, TODOS, esperavam: o despertar de Bucky Barnes. Não era minha intenção enrolar tudo isso, mas uma coisa levou a outra e daí eu escrevi um monte de capítulos antes de escrever este. Not really sorry. Enfim, espero que gostem e que digam o que acharam!
Boa leitura!



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M  

 

d e s p e r t o u

 

Suas pálpebras, há tanto fechadas, afinal abriram-se de súbito, acordando de um sonho infestado de demônios. Inspirou fundo e o ar passou raspando por suas narinas, por seus pulmões há muito tempo parados. Suas mãos foram de encontro com a teto de seu caixão, da cápsula que o manteve cativo, e logo arrebentaram a porta com pinos de metal e vidro.

Sua cabeça estava confusa e nenhum pensamento pousava nos limites da razão por muito tempo, nem chegou a escutar os estilhaços da porta pressurizada. Sentou-se naquele cômodo escuro, ainda apoiado na superfície almofadada. Com um ímpeto no peito e um gesto largo com as mãos, houve um fraco pulso eletromagnético no ambiente, ligando parcas luzes e a maioria ainda de lâmpadas incandescentes e amarelas. Um tanto estranho, pensou ele quando já raciocinava melhor, pois a máquina que o mantinha em criostase deveria estar desligada ou queimada também, e ele por consequência morto ou desperto há…

Há anos.

Aquela ideia se instalou com peso e naturalidade em sua cabeça. De algum modo, sabia que passara-se muito tempo. Talvez soubesse disso por conta da camada grossa e suja de pó sobre a cápsula criogênica e sobre cada objeto ali no ambiente, por causa das teias de aranha também abandonadas nos cantos. Ele sabia onde estava. Sacudiu o rosto, sentindo o lugar com seu tato magnético. Seria ele um nome esquecido também? Alguém enterrado?

Estava trajado em roupas indignas, quase hospitalares. Quase um pijama, e ele sentiu nojo. Seu braço estava pesado e ele, assim como em milhões de vezes durante a vida, encarou o número marcado por mãos vis em sua pele:

2 1 4 7 8 2

 

Voltou a pensar no que o preservara ali. Seu pulso, seu poder, continuou a trabalhar como um fraco coração, zelando que a máquina continuasse bombeando seu sono induzido e ele, ainda vivo, mantivesse a máquina. Puro conceito de homeostase.

Mas o que o despertara agora?

Ira. A mais pura delas.

Recordou-se de sentir algo assim três vezes, uma ira que não era dele e ainda assim tão familiar. A primeira há muito tempo, numa ocasião que o fez conhecer Lorna Dane. O resto sentira enquanto estava em criostase, sem saber o que ocorrera. Esperava que estivesse tudo bem com Lorna.

Algo dizia que não estava.

Virou-se na cápsula, testando os pés para fora. Seu equilíbrio era parco, mas melhoraria em breve. Apoiou-se com a cintura na carcaça da câmara, sua crisálida, e encarou o resto do cômodo amplo, mal iluminado e de aspecto sujo. Existiam telas negras empoeiradas do outro lado, televisores. Algumas estavam quebradas e ele não sabia se utilizavam aquilo para monitoramento de dentro ou de fora. Com uma gota de suor a descer sobre suas têmporas, ele lançou outro pulso eletromagnético.

Os televisores que ainda funcionavam ligaram no que pareciam canais de notícias. Ele cruzou os braços, observando. Aprendendo o que acontecera no mundo enquanto estivera em seu pesadelo sem sono, sem morte.

** ** **

O corpo de Wanda acordou antes que sua consciência.

Seus olhos se abriram com as pupilas dilatadas e a boca seca, pânico saindo e entrando pela sua respiração afobada. Tremeu ainda como se recebesse altas doses de eletricidade, enquanto sentia um peso em seu pescoço. Um peso terrível, um aperto gradativamente maior, interrompendo a circulação e seu ar. Tentou alcançá-lo com as mãos, pois era óbvio que era uma nova coleira a lhe apertar a carne e sufocar a liberdade, mas seus punhos também estavam algemados. Ela soltou um ganido, gritos, e quase chorou, seus olhos tornando-se rubros em apenas um segundo, dando-lhe força etérea para poder quebrar a algema e levar a mão à pele.

Ela não ouviu pessoas dizerem seu nome em tom de súplica, não entendeu que estava num quarto agradável até que Natasha lhe pegasse pelo pulso livre e murmurasse com sua voz rouca:

Wanda, Wanda.”

A Viúva Negra jamais tinha visto os olhos de sua amiga inteiramente escarlates, sem escleras e sem pupilas, e aquilo lhe deu um vazio frio no estômago. A cor vermelha em Wanda demorou a passar, sua boca delicada formando frases em sokoviano que não faziam sentido, até que tornou-se um lamento grave. Ela chorava, chorava todo o choro nervoso e histérico que conseguira guardar depois de ter visto Pietro, depois de ter recebido um duro tapa dele.

As luzes próximas ao corpo de Wanda piscavam.

Sam Wilson entrou na sala de repente, indo direto ao pé da cama para ver o motivo daqueles gritos, e encontrou Nat acariciando o braço da garota, sua expressão calma e silenciosa, porém seus olhos urgentes.

—  Nós… —  Sam suspirou. Sabia que tinha sido uma má ideia algemar os braços da Feiticeira Escarlate à cama. —  Fizemos isso porque você arranhava o próprio pescoço enquanto dormia. Eu sinto muito, Wanda. De verdade.

Ela ficou em silêncio por um bom tempo. Aquilo o que ele dizia fazia sentido, ela estava disposta a mutilar a própria carne para tirar as correntes que lhe deixavam tão pesada, tão exausta, para enfim aliviar seu espírito. Ou talvez aquilo fosse apenas mais um surto, algo que relacionado a Estresse Pós-Traumático, mas ela não era psicóloga, nem psiquiatra para saber e na verdade não se importava em distinguir o que acontecera no momento.

A imagem de si mesma com uma coleira elétrica estava gravada em sua cabeça, bem como na vez que conjurara uma coleira semelhante, feita de energia escarlate, para sufocar Psylocke.

Nenhum dos dois ousou a quebrar a quietude mórbida.

A garota aproveitou para colocar razão de volta ao comando de sua cabeça. Observou o cômodo claro, de aspecto gentil em que estava. Haviam plantas em meio a decoração minimalista e branca. Samambaias. Era bonito, feito para ser bonito, mas Wanda estava um tanto enjoada de cores neutras e de ser levada à laboratórios e centros médicos.

Algo murmurava baixinho em seu ouvido. Uma canção ou a distante memória dela. Palavras em outra língua que pincelavam seus lábios, porém que o som não vinha à garganta. A mesma melodia que ouvira si mesma cantar, numa lembrança indistinta do Soldado Invernal.

— Eu não consigo ver sua aura. — disse Natasha. — Mas sei quando você precisa de um chá, daqueles bem doces que toma. Sam, vá pegar algo para ela. E algo forte para mim.

Wanda murmurou “obrigada” ou achou que sim. Mero reflexo de sua educação.
Antes de sair do quarto, o Falcão encarou bem as duas mulheres, hesitando no batente da porta. Sacudiu a cabeça e saiu andando. Melhor ir logo para voltar em breve.

— O que… — A garota testou a voz, tateando ainda pele arranhada de seu pescoço. Sensação de ardor era leve. — Aconteceu no laboratório?

— Você tentou impedir que Shuri plugasse um dispositivo suspeito no sistema. Ainda assim, eles tiveram acesso o suficiente para corromper alguns arquivos. Nesse instante, T’Challa ainda está investigando para saber o quanto sabem de nós ou de Wakanda. Só não conseguiram ir além porque você o tirou antes.

— Eu me lembro de ter usado meus poderes… E algo ter se partido. — Ela gostaria de dizer que sentira a realidade craquelando e algo distante de súbito desperto, algo queimando em ira, mas aquilo soaria uma profecia barata de uma sacerdotisa herege. No entanto, perguntava-se se aquilo teria surtido consequências graves no laboratório.

— É. Nós chegamos lá e ainda havia… energia escarlate pairando no ar. Mas só.

— E Shuri?

— Ganhou uma bela fratura na tíbia. — A expressão da russa foi suave, somente a ponta de um sorriso escapou-lhe da face. — Gostaria que as condições fossem melhores para que eu pudesse parabenizá-la. Ela mereceu.

Wanda soltou um lamento.

— Eu vou deportada. Na melhor das hipóteses.

— O que é, Wanda? Todos sonham com uma escarificação estilosa de Wakanda.

— É sério, Nat. — A Feiticeira tinha o semblante triste. A piada sobre o método de punição daquele país lhe causava enjoos. — A generosidade de T’Challa não iria tão longe, digo… Eu quebrei a perna dela. Como eu ainda estou aqui? Eu quebrei a perna dela. — repetiu, horrorizada. — Deus, eu quebrei a perna dela.

— Certo, certo… — Acariciou mais uma vez seu braço, focando na marca feita pela algema Ela tinha uma expressão melancólica também, por uma lembrança do Salão Vermelho. Wanda soube disso e não pôde se sentir mais grata quando viu que os olhos da Viúva brilharam traiçoeiros, alegres, em contraste com as bolsas abaixo deles e maquiagem um tanto borrada. — O que é mais um osso? Estou certa de que Vossa Alteza ficará bem. Não é possível que a grande nação dela não tenha um remédio rápido para ossos quebrados.

Wanda ainda não parecia convencida.

— Ela está bem. Deve ter ouvido um monte do irmão. Ei, não ouse fazer a mesma expressão do nosso amigo fóssil. A verdade é que você estava fazendo a coisa certa, Shuri a errada. Tenho que repetir: Os estragos só não foram maiores porque você aguentou, de algum modo, toda a eletricidade do dispositivo de Zola e o tirou da base do painel.

O foco de Wanda caíu para as próprias mãos.

— Quanto tempo se passou?

— Hm. —  A outra ponderou. — Talvez dezoito horas. A equipe médica foi acionada pouco depois do incidente, e isso aconteceu por volta das… Não sei, oito horas da noite? Bom, são quatro horas da tarde agora.

— Professor Xavier está aqui?

— Sim. Ligou para Tempestade, disse que ficaria mais um pouco. Ele também quer falar com você, depois que se recuperar.

— Oh.

— Nada grave. Ele só quer ver se está bem… Disse algo sobre uma foto com seu irmão. Acho que ele quer vê-la de novo.

— Por quê?

— Não sei. — A ruiva deu de ombros, mas Wanda sentiu que ela também estava curiosa.

— Steve?

— Bom, Capitão Rogers está bem. — Molhou os lábios. — Alternando entre o seu quarto, aqui no Centro Médico, e o de… Bucky Barnes.

O nervosismo de Wanda sobre o despertar de James Barnes, se não foi percebido por Natasha, foi ao menos deixado de lado, fato que a feiticeira agradecia imensamente. Ela se tornou uma boneca muda e de olhos muito grandes quando a espiã o citara na conversa, imaginando se ele estava bem, se ele estava assustado, se a odiava, se lembrava o que conversaram…

Seu ardor escarlate foi reduzido à uma pequena flama esperançosa.

Natasha Romanoff resumiu a questão, talvez respondendo exatamente às perguntas que não seriam verbalizadas, dizendo que o melhor amigo de Steve Rogers estava bem. Algo na codificação do dispositivo de Zola ou a confusão no laboratório, o despertara de seu sono na criogenia. Não era certa a razão. Estava um tanto desorientado e com fome, apenas.

Dito isso, ela deu como encerrada a questão, ou ao menos por enquanto.

Bocejou.

— Eu vou dormir agora. Você nos deu um susto daqueles e eu já não sou uma adolescente para ficar a madrugada inteira acordada, Maximoff.

— Só diz isso porque não teve ação, Natasha. E não é como se você fosse velha, tipo nosso fóssil.

— Acho que está certa. É difícil não fazer nada. Eu preferiria ter dado um soco em alguém ao invés de esperar você acordar.

Elas riram, mas não muito. Ambas sabiam que nenhuma delas acreditava que chegaria tão longe, dadas suas circunstâncias de vida. A russa soltou um suspiro e desvincilhou seu braço de Wanda.

— Eu já vou. Vou pegar a bebida que o Sam está trazendo e vou logo para a cama. Se precisarem de mim, chame outra pessoa.

Natasha se foi, logo veio Samuel Wilson. Ele riu e a fez rir, tomou chá de camomila junto com a feiticeira e disse que trouxe apenas um café extra-forte para Nat, pois ela pediu que sua bebida fosse forte, não alcoólica.

Não demorou para que Wanda percebesse que ele estava cansado, sua luz natural caindo para a paleta doce do sol poente. Havia olheiras abaixo de seus olhos tão brilhantes. Wanda mentiu e disse que estava com sono e gostaria de mais um tempo para descansar, para que ele pudesse também ir dormir. E ele foi, não sem dizer mais de uma vez que deveria chamá-lo caso precisasse.

Wanda não se sentia sozinha, pois segurava sua insônia de mãos dadas. Ela acariciou com as pontas dos dedos a pele de seu pulso que foi presa pelas algemas, também tocou seu pescoço. Suspirou, acompanhando a trajetória da luz do sol na janela, cada vez mais baixo.

Recordou-se da canção polonesa, estranhamente a imagem da montanha com qual sonhava também pintou seus pensamentos. Que vida que tinha, de poderes caóticos e sonhos além da realidade terrena.

James estava acordado. Talvez no quarto ao lado.

— Você vai fazer isso, não vai?

Ela poupou um grito de susto ao ver que Agatha Harkness estava ali, ao menos em espírito. Sua figura tremulava e reluzia fantasmagórica, mas seu riso sarcástico estampava-lhe a face.

— Como… Como você…?

— Magia. Não preciso explicar mais nada. — Tinha as mãos repousadas sobre os joelhos, sentada onde há meia hora estivera Sam Wilson. Trajava ainda a cor púrpura, mas seu vestido longo era diferente. Tamborilou os dedos, carregados por anéis. — Agora, você tem muito o que explicar. Não tem usado magia de forma prudente e isso é exatamente o oposto do conversamos da última vez.

— Eu ainda penso se você é apenas fruto da minha psicose ou não.

— E as vozes da tua cabeça mentiram para ti?

A velha riu, Wanda não muito.

— Você vai lá? — Agatha retomou a conversa, seu tom mais sério e a matéria de seu corpo um tanto mais sólida. Wanda não via motivos para mentir ou ser escusa em suas respostas, coisa que também a surpreendia. A outra se referia ao quarto de James Barnes.

— Sim. Eu preciso saber… Não sei. Ele parece saber coisas que eu deveria saber.

A velha fez o gesto de pegar sua mão, de forma gentil e de tato etéreo, como cruzar os dedos com as brumas da madrugada.

— Parece súbito e insensato, mas eu preferiria que viesses logo à minha casa. Temo pelos teus poderes, pois sei que fazem parte de tuas emoções e por mais que teus amigos tenham as melhores intenções… Não sabem lidar com isso.

— E o que a fez pensar que você saberia?

— Porque… —  Agatha parecia ter um argumento na ponta da língua, mas se deteve. — Escute, peço que consideres a oferta. Sabe que existe mais algo mais em si, mais do que a ciência ou seus amigos podem explicar. Não ofereço todas as respostas, mas sim um meio de alcançá-las.

— Ainda não é momento, Agatha.

— Entendo, entendo. —  Levantou-se. — Falarei para Ebony ficar de olho. Ele irá me avisar caso precise de ajuda.

— Quem é Ebony?

Entretanto, a aparição já não estava mais lá. Wanda deu de ombros, imaginando se também aprenderia fazer isso no futuro.

 

** ** **

Wanda não quis que se tornasse ainda mais tarde para visitá-lo. Ao que sabia, Steve Rogers estava lá e ele bem poderia ser um intermédio entre os dois, assombração e assombrado. A Feiticeira não conseguia distinguir qual dos dois ela era, mas o pensamento de Steve ser um médium a fez quase rir.

Já estava vestida de forma mais digna, longe da camisola branca de algodão, padrão do Centro Médico. Era uma simples blusa rosa com mangas até os cotovelos e uma saia um palmo acima do joelho, uma combinação que seria mais bela se não fossem os hematomas no rosto, consequências de sua briga com a princesa de Wakanda. Abriu a porta cautelosa, com o coração descompassado.

Mas Steve não estava lá.

Mesmo com a porta entreaberta de forma delicada, James foi capaz de ouví-la. Sentado na cama e encarando um livro, ele disse “Entre”, com sua voz rouca. Ao perceber que não obteve resposta, ergueu o queixo para ver quem era.

Wanda apressou-se em não parecer estranha e adentrou o quarto, sua boca de súbito seca.

— Pensei que Steve estava aqui. — disse ela, levando as mãos para trás do corpo. A porta fechara-se atrás de si e Wanda sentiu-se presa.

— Precisa vê-lo?

— Não exatamente. Eu… — Ele aguardava, um tanto calmo e um tanto confuso. Ainda estava trajado em branco, sem a prótese metálica. Wanda não pode deixar de notar que seu cabelo estava alinhado, sem aquela mecha que insistia em obstruir a visão de seu olho esquerdo e teve o infantil pensamento de que tal fato se dava em razão de ter arrumado na vez em que o encontrara mentalmente. — Eu queria ver você, mas achei que seria incômodo porque Steve não está aqui e nós dois não nos conhecemos, sem falar que eu meio que fui responsável por ter te acordado, então… —  Ela tentou recuperar o ar. — Como você está?

— Bem. — Respondeu simplesmente, um riso querendo escapar de seus lábios. Aquela garota falava rápido demais, mas era interessante vê-la conversando. Da última vez que a vira, ela murmurava apenas algumas coisas enquanto ajudava no confronto contra Tony Stark. Apenas estranhou seu rosto abatido, ferido. Aquilo era preocupante. — Steve saiu para comer. Disse que já voltava. Fiquei aqui, achei legal o pessoal pôr livros no quarto, mas acho que se esqueceram que eu sou americano.

— Oh. —  Ela sorriu, aceitando o livro de capa verde que ele ergueu. Estava inteiro em wakandano. Aproximou-se, sem entender grande coisa do que estava escrito. — A única coisa que sei é pedir orientações para ir no banheiro em wakandano.

— Isso é útil.

Eles sorriram um para o outro, o clima agradável. A sensação fria no estômago foi substituída pela calmaria em seu peito, semelhante a quando sintonizava sua mente na dele e escutava - por mais que não estivesse fazendo nada agora.  Até que James decidiu olhá-la de novo. Sua expressão tornou-se grave, como se ele encarasse algo longe. Wanda engoliu em seco e o soldado disse:

— Eu vi você.

— É claro que viu. Nos encontramos no aeroporto na Alemanha, há uns 8 ou 9 meses. — A Feiticeira deu lhe um sorriso falso, sentiu suas mãos se inquietarem. Deus, não.

— Não, não. — Sacudiu brevemente a cabeça, depois tateou a própria têmpora. —  Eu vi você. Você me procurou.

Wanda encarou os próprios sapatos por um tempo, logo depois voltou a encará-lo. Não soube dizer se aquilo a aterrorizava ou se a confortava. Era um momento há muito esperado pela Feiticeira Escarlate e ele lembrava-se, lembrava-se dela. De tudo.

Cruzou os braços, soltou-os. A melodia esquecida sussurrou em seus ouvidos.

O olhar compartilhado pelos dois era de duas figuras esquecidas reconhecendo uma a outra. Pessoas que não deveriam estar vivas, pessoas que pensavam se realmente tinham um coração batendo dentro do peito. Ele a via, a garota do experimento que gritava pelo irmão e que queria sucumbir a dor, ao caos, a destruição. E ela o encarava de volta, sua aura escura e a que tudo tragava para dentro de si, mudo.

Eles eram os experimentos, as armas e marionetes usadas e jogadas fora.

Reconhecer um semelhante trazia uma paz doente, estranha. Como era confortável saber os horrores do próximo.

— Não no começo. Você me mostrou coisas que eu não deveria saber, sem que eu perguntasse. Depois me mostrou coisas que eu deveria saber, que eu não sei.

Houve uma pausa.

— Mas você me procurou.

—Sim, eu… — Suspirou. — Desculpe. Deus, isso é tão constrangedor. Nunca deveria ter...Desculpe. Desculpe.

Wanda deu alguns passos para trás, com o impulso de fugir .O que diabos estivera pensando enquanto revirava a mente de Barnes? Todos os questionamentos que guardara em seu peito a reviravam do avesso, bem como os argumentos de Shuri sobre o caso e as acusações de todos sobre o quanto a senhorita Maximoff era um monstro fora da jaula. Talvez agora ele fosse apenas Bucky, trajado de branco e querendo luz - luz que ela não traria. E ela ainda era a menina do laboratório, retalhada. Sua cabeça zunia confusa e ela chegara até mesmo a virar o torso para sair, porém foi impedida pela voz de James.

— Não, não vá. Não estou bravo.— Ele franziu os cenhos e deixou que um longo suspiro saísse de seu peito. Largou o livro na cama e passou a mão nos cabelos. — Estou aliviado. Não era só coisa da minha cabeça, sabe?

A frase provocou um fraco sorriso pela parte de Wanda. Titubeou um pouco, hesitando em sair pela porta e ficar na presença dele. Decidiu pela segunda opção. Ela sabia o quanto era difícil acreditar em coisas fantásticas com a cabeça um tanto cheia e o coração vazio. Aproximou-se devagar, de repente calma.

— Só porque é da sua cabeça não significa que não seja real.

Ele sorriu, pois ela entendia. E Wanda sorriu de volta, pois achava a mesma coisa.

— Deus… Eu te chamei de boneca? — perguntou, com horror estampado em sua voz. Ele fechou os olhos azuis, meio cinzentos, e sacudiu a cabeça em negação. — Minha nossa.

O coração de Wanda pulou uma batida. Ela quis dizer que não se importava com aquilo, e definitivamente não se importaria se ele a chamasse assim novamente, e que na verdade aquilo era um graça… Mas apenas deu de ombros, seus lábios ainda querendo rir. Disse somente, seu semblante sereno:

— Não, não estou brava.

 

** ** **



Ele pôde ver que se passara muito tempo, mais do que ele inicialmente havia suposto. O ano era 2017, entretanto o mundo permanecia igual. Sentinelas. Protestos. Morte.
E ele também jazia o mesmo, inteiro em ira.

Ainda estava fraco, porém. Sabia que aquela ilha abandonada mal tinha energia e que o campo eletromagnético que mantinha os televisores funcionando logo se dissiparia assim que tirasse sua atenção dali. Precisava se alimentar, entender ao menos a dinâmica desse mundo igual e ao mesmo tempo tão estranho. Assim que se tornasse forte de novo, assumiria seu papel novamente, libertando seus irmãos mutantes.

Mutante e com orgulho, era o que Mística dizia. O que aprendera com ele.

Não clamaria pela ajuda de seus antigos compatriotas, ainda não. Era um caminho a se fazer sozinho, ao menos no começo. Afinal, se ainda estava ali, o que diabos o restante fez da sua vida? Tentaram resgatá-lo, ao menos uma vez? Ele pensou em muitas pessoas, em Raven, em Charles, na menina Lorna Darne…

Ela seria uma mulher agora. Mais velha do que ele.

A realidade de tal fato o atingiu cheio na garganta, arrancando um suspiro engasgado dele. Ele não podia ser o último vivo.

Os repórteres dos televisores continuavam a falar e Erik não pôde deixar de compará-los com corvos, alimentando-se de carniças. Uma matéria, porém, lhe chamou a atenção, de modo que ele eliminou o pulsar para as demais telas para focar-se em  uma única notícia. Haviam imagens de um casal de irmãos, em protestos de um país esquecido e em guerra, enquanto a voz do âncora continuavam com seu tom feroz, acusatório:

“...Conhecida como Feiticeira Escarlate, era uma ativista já no  início de sua juventude, junto a seu irmão Pietro. Foi acusada de ser parcialmente responsável pelos horrores de Ultron, mortes na sua própria nação e na Nigéria. Visto seu passado e os crescentes protestos pró-mutantes e aprimorados, não estaria relacionada...?

Mas ele parou de prestar atenção no que se dizia ao ver o rosto dela. Seus lábios tremeram, seus dentes rangeram dentro da boca.

Um rosto que ainda o fazia sonhar e ter pesadelos.

Balbuciou, sem acreditar:

— Magda?


“... Onde está Wanda Maximoff?”


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Notas finais do capítulo

... Mas outra pessoa também acordou. Daddy Magneto está desperto.
Gostaram? Não, sim, talvez? Digam nos comentários ♥



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