Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 35
XXXV


Notas iniciais do capítulo

Jane Foster é um personagem que admiro, apesar de muita gente odiar. Foi uma boa atriz e uma boa personagem mal construída no MCU, infelizmente. Não é minha intenção construir um arco de desenvolvimento para ela, mas fiz uma ponta aqui na fic porque sim hahah Estou ansiosa para saber o que acharam do final desse capítulo. Se possível, deem um alô!



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Não que Wanda tivesse dificuldades em andar pelos corredores de Wakanda sem ser notada - aparentemente, pensava ela com humor, fazia parte do pacote de poderes injetados pela HIDRA - mas não pôde deixar de perceber a falta de funcionários andando por aquela parte do Palácio, ainda mais por se tratar do Observatório. Imaginou que isso se devesse ao fato da própria princesa estar no local e lembrando-se de seu treinamento implacável, talvez segurança extra fosse desnecessário.
A porta estava aberta e ela adentrou o cômodo à meia-luz.

O Observatório era um ambiente fora do tempo. Não parecia que fazia um pouco mais de um mês que estivera ali com o rei T’Challa, quando este lhe deu uma pequena e tortuosa missão. Ela encarou as luzes azuis, umas mais brilhantes que outras, orbitando e girando. Algumas atravessavam o ar até desaparecerem, outras incendiavam-se em diminutas explosões. Era hologramas belos e o teto era de vidro, em uma estrutura retrátil. A noite passava por ela e iluminava pouco, pois a lua ainda era crescente.

Era estranho como o lugar era o mesmo e ela se sentia tão diferente.
Sempre tão deslocada.

 

— Olá? — Uma mulher virou seu torso para ela, de repente ciente de mais alguém no Observatório. Ela circundou a mesa central e meneou o rosto, em busca de reconhecer a figura que se aproximava apesar da luz amena. As palavras raspavam a garganta de Wanda, enquanto Jane Foster dava mais passos a frente.

Era diferente do que imaginava e diferente do que sabia por fotos, por comentários. Trajava um vestido de corte reto, escuro. Talvez preto, talvez azul marinho. Impossível saber a cor naquele instante, embora a elegância fosse inegável. Seu cabelo estava na altura dos ombros, em ondas. Ela tirou os óculos do rosto e armou um sorriso educado, porém constrangido.

— Você é… Wanda Maximoff? — Molhou os lábios, guardou os óculos. Sua aura parecia atrair os hologramas de cometas, mas aquilo deveria ser impressão. Certo?

— Sim. — Lembrou-se de responder. — Sim, eu sou...E você é a doutora Foster, certo? Astrofísica.

Ela soltou um breve riso, agradecida e encabulada. Mais agradecida. Talvez por ter sido lembrada por seu renome na ciência, não por sua vida amorosa, mais especificamente os boatos de que ela teria terminado com Thor. Embora ela tivesse.

— Vossa Alteza, Shuri, me convidou para visitar o Observatório. Não achei que… Que fosse encontrar uma Vingadora aqui.

— Para ser justa, acho que não sou mais uma Vingadora.

Wanda piscou em seguida, seu coração descompassado e dissonante de sua postura calma. Sentiu seu sangue vermelho e vivo, quente e caótico, passando por seu corpo. Algo dentro de si reconhecia em Jane mais do que artigos de revistas, mais do que opiniões.

Por um breve instante em que se encararam olho no olho, a consciência de Wanda deslizou para dentro de Jane e ela pareceu fazer o mesmo. Durou um segundo e ela soube.

Soube que Jane gostava de Foster The People, particularmente pelo fato que seu sobrenome estava ali. E que apesar de laureada por um Nobel, ela ainda vestia roupas confortáveis, muitas vezes xadrez,  para passar horas olhando a tela do computador e fazer inúmeros cálculos. Ligava para resultados, não sua imagem.

Soube também que havia ainda perguntas que ela não conseguia responder. Talvez nunca conseguisse.

— O que faz aqui? — perguntou com cautela. Por mais intenso que tenha sido o momento, ele se foi. Wanda hesitou em responder. Era de conhecimento comum que ela tinha escapado da prisão, fugido do governo. O que uma criminosa faria em Wakanda?

E o mais preocupante:

Se Wanda tivera um vislumbre do interior de Jane, teria ela visto algo de volta?

Jane pareceu entender suas dúvidas e fez um gesto expansivo com as mãos, negativamente.

— Esqueça. É… É melhor que eu não saiba.

— Eu preciso da sua ajuda. — disse de repente. O silêncio do Observatório e das estrelas falsas tornou-se ainda mais pesado. — Você foi tocada por uma das Joias do Infinito. Sobreviveu. Eu… Eu fui forjada por uma delas. E acho que eu não, que… eu não consigo mais…

— Thor contou isso a você?

— Não. Não, ele não contou. — Wanda passou as mãos pelas têmporas, depois arrumou o próprio cabelo. Tinha achado que Shuri ao menos teria a decência de estar ali de intermediária. — Ele contou à Steve. Explicou o que eram as Joias depois que Visão foi criado e eu… Bom, eu leio a mente das pessoas, sabe?

O olhar de Jane era preocupado, embora analítico. Sua aura, apesar de gentil e polvilhada pelo brilho de estrelas, também era lógico. Maciço.

— É claro que sabe, desculpe. Isso foi uma ideia estúpida. Esqueça que isso aconteceu.

Wanda cogitava em apagar os últimos cinco minutos da mente da cientista, mas ela sorriu e mais uma vez fez um gesto negativo com a cabeça enquanto olhava para o chão.

— Não é necessário. Digo, você parece precisar de ajuda… Mas não imagino o que eu poderia fazer.

— Me permita começar de novo. — Wanda disse, aproximando-se mais um pouco. Estendeu a mão. — Wanda Maximoff.

A outra a cumprimentou com um aperto firme e um sorriso gentil.

— Jane Foster.

A Feiticeira Escarlate inspirou fundo.

— Eu não queria interromper sua visita à Wakanda. Sei que saiu de uma palestra agora, ou uma conferência… Enfim, o fato é que estou aqui. De passagem. — Ela logo emendou, sem saber o quanto poderia revelar, se é que sua própria existência no reino de Wakanda não fosse revelação o suficiente. — Vossa Majestade T’Challa teve a bondade de me abrigar. Sua irmã, Shuri, viu uma oportunidade de eu conhecer mais sobre eu mesma ao conversar contigo. A menos que isso seja inconveniente.

— Não é. — Ela deu de ombros, depois tirou seus olhos dos de Wanda para sorver um pouco mais do Observatório. Haviam traços projetados, indicando rumos de asteróides e órbitas de planetas. — Aqui é fantástico, não?

— Sim.

— Wakanda é um país regado a tradições e até mesmo religião, mas é um país que também faz da ciência um de seus antigos costumes. T’Challa, por exemplo. Ás vezes acho que ele é um cientista que também é rei, não o contrário. Fiquei surpresa por terem me chamado para a convenção de Astronomia deste ano…

— É, eu sei como eles podem ser seletos.

— Por um instante, pensei que seria somente porque eu tinha visto algo em Asgard, e apesar de meu trabalho realmente se basear no que vi, não foi algo dado à mim. Foi descoberto, com esforço. Mas vi que isso era só ressentimento meu. Estou aqui por mais descobertas de Einstein-Rose. E sobre a Teoria Foster-Lewis.

Ela sorriu e para ilustrar o pensamento, um buraco se abriu nas projeções da Inteligência Artificial do Observatório, jogando mais estrelas para dentro do cenário de hologramas. As duas encararam aquilo e riram.

— Você disse que foi forjada. — A face de Jane tornou-se séria com rapidez. — Como foi isso? Exposição à isótopos radioativos, injeção de soluções ou...

— Receio  não poder te dizer em termos científicos, Eu... Me lembro mais de injeções. Eletricidade. Sabe, experimentos com gêmeos… — Ar foi roubado de seus pulmões. Já faziam mais de dois anos. Deveria ser capaz de falar sobre isso. Ela segurou-se discretamente em um dos painéis, tomando cuidado para não pressionar nenhum botão ou tela.

— Sou eu que peço desculpas. Eu não deveria…

— Mas preciso saber. Como você vive depois disso?

— Oh. — Jane não estava preparada para esse nível emocional. Ela deu um passo para trás, ainda assim querendo ajudá-la. — Não foi a mesma coisa, senhorita Maximoff. Eu fui infectada.

Wanda cerrou os olhos.

— Não sei da história inteira. É difícil para mim acreditar em Joias do Universo, desculpe, do Infinito. Mas eu vi. Digo, eu vi Thor e magia… E eu fui infectada. Certo, vamos começar do começo. A joia era o Aether, a joia da realidade. Segundo Odin, era um artefato poderoso, que suga a energia vital daquele que o usa e pode converter matéria em matéria escura. Era algo… Volátil. Fluido. Pensei que seria algo semelhante à Matéria Zero, algo de 1947. Não era. E eu fui parasitada por ele.

Wanda compreendeu que Jane estava minimizando a questão, talvez porque fosse uma experiência grande demais para se processar.
Interessante. O coração de Wanda decepcionou-se por não ter mais alguém com o interior cheio de lacunas e matéria ástrea. Parte de si, porém, ainda queria investigar mais.

Suspirou, culpada. Piscou, com as íris rubras.

— E o que você sentiu?

— Eu… — Os lábios dela tremeram. — Me senti doente.

Os dedos de Wanda Maximoff se agitaram e a luz azul que banhava o recinto tingiu-se de carmim. Suas pupilas dilatadas viram o que Jane Foster viu quando infectada:

 

Uma matéria brilhante e densa feito sangue. Preenchera suas veias e passava do átrio para o ventrículo, do átrio para o ventrículo, no mesmo pulso que seu coração e ainda lhe dava visões escuras. Todo o som do mundo era abafado pelo peso do Aether, mesmo que ele em si fosse volátil. Ele escorreu e se expandiu, ramificando-se pelo universo.

O corpo mortal de Jane Foster era fraco, mas o júbilo sentido por sua alma era evidente.

A Feiticeira Escarlate acompanhou os pensamentos sequenciados de Jane, tentativas falhas, tentativas humanas de catalogar e entender o que seus olhos mortais enxergavam. A cientista rodopiava em lembranças sobre fractais e geometria Não-Euclidiana, comparando-as com as diversas fatias de realidades que vinham simultaneamente ao seu cérebro.

Era possível ver, tocar e quase vivenciar todas elas. Wanda, com o caos em alerta dentro do peito e medo puxando-a fundo, soube que Jane Foster vira. Soube de um futuro que ela tinha câncer. De um presente em que era enfermeira. Um que ela empunhava o martelo Mjonir, outro em que sua assistente Darcy Lewis era na verdade sua chefe. De um passado que Thor era um médico, Donald Blake. Um futuro ainda mais estranho, em que seus olhos e escleras eram inteiramente negros e sua existência era tal qual uma entidade cósmica.

Jane poderia ter feito tudo ser possível, até mesmo refazer seu corpo para que suportasse por mais tempo o poder do Aether. Poderia sucumbir aquilo, ao poder absoluto que tal joia representava. E, ainda assim, ela não o fez.

Wanda piscou novamente e a luz escarlate se desfez. A cientista parecia confusa, como se tomada por um mal súbito, mas não soube dizer que a memória revisitada não era obra sua. Estava apenas conversando com a jovem Maximoff, certo?

Enquanto a astrofísica punha ordem em seus devaneios, Wanda tumultuava os seus.

Sim, ela se sentira doente, entretanto não pela razão que a Feiticeira Escarlate inicialmente pensara.

O problema não era seu corpo. Não era nem sua mente. Era seu coração.
Jane Foster sabia que era errado e sabia que a tentação do Aether era uma doença. E ela fez as escolhas certas.

— Você… — Os lábios de Wanda tremeram. — Ainda o sente?

— Sim. Ás vezes, quando fecho meus olhos…

Wanda compreendeu que elas eram diferentes, não só pelo modo que tiveram contato com as tais cobiçadas Joias do Infinito, mas sim pela óbvia constatação de serem diferentes de alma e criação. Jane, um ser de interior puro e intelecto curioso. Não surpreendia a feiticeira que em outra realidade ela portasse o martelo de Thor, que levantado somente pelos dignos. Wanda, por sua vez… O Monstro de Frankenstein, ainda com anseios de vingança.

— Como eu disse, — Jane colocou uma mecha de seu cabelo atrás da orelha. — Eu gostaria de ajudar. Não sei como.

— É, — Suspirou. — Eu também queria que pudesse.

— O que eu posso dizer é que… Eu deixo uma incógnita por vez. Talvez eu não tenha todas as respostas do universo agora. E talvez eu só precise de mais café, ou mais sono, para resolver uma equação. E cedo ou tarde…

— A resposta irá se revelar. — Completou, lembrando-se de algo semelhante que dissera para Ultron. Ela cruzou os braços, querendo abraçar seu próprio tronco. Querendo na verdade, o abraço de Pietro. Olhou fundo para Jane. — Boa conversa.

— Oh, obrigada. A maior parte das pessoas acha que cientistas gostam apenas de números.

— Tenho certeza de que os ama mais do que pessoas.

— Você está certa.

Elas riram um pouco. Seriam amigas em outras circunstâncias, se Wanda não fosse uma fugitiva. Poderiam assistir filmes juntas. Poderiam ser normais em um mundo normal.

Doeu em Wanda saber que aquilo era impossível e as consequências da doutora Jane Foster saber que estava em Wakanda serem, no mínimo, inconvenientes.
Apagar quinze minutos de conversa foi mais difícil para a Feiticeira Escarlate do que pensava. Seus dedos se agitaram e em um passe de mágica, Jane Foster voltava a ser a astrofísica curiosa, apenas admirando o antigo e ainda tão moderno Observatório do Palácio de Wakanda.

 

*** *** ***

 

A Feiticeira Escarlate encarava o próprio reflexo no espelho do corredor da Ala leste. Já fazia alguns minutos que observava seu semblante apático e sentia seu coração fervendo. Pôs as mãos nas têmporas, segurando sua cabeça, também fazendo força para que lágrimas não saíssem de seus olhos. O resultado era uma imagem desoladora de uma mulher pálida e escleras avermelhadas, de pequenos hematomas e cortes devido a missão.
Ela sempre soube e todos sempre fizeram questão de mostrar o quanto Wanda Maximoff era uma criatura, uma que sentia muito mais ódio que as demais criaturas na Terra. Vingadores? Perguntava-se, um riso irônico e triste abrindo-se em seus lábios. Steve Rogers, Clint Barton, Natasha, vingativos? Não, nenhum deles poderia ser chamado disto. Aquilo, o que eles faziam, não era vingança. Salvar pessoas não era vingança. Misericórdia, sacrifício e responsabilidade. Não era vingança. Mas, voltava a pensar, não seria isso a forma mais perfeita de vingança? Bondade, sem importar o quê. Quem.

A mulher no espelho não tinha respostas.

Aparentemente, ninguém tinha respostas para nenhuma das perguntas de Wanda.

Foi quase, mas não chorou.

 

Inspirou fundo, largando as mãos firmes sobre o aparador. O móvel era de madeira escura e ostentava esculturas modernas de pedra, bem como servia de ornamento com o imenso espelho. Arrumou os cabelos.

Sentiu vontade de dar um murro no espelho.

E sentiu vontade de vê-lo. De saber se… Se o Brooklyn estava bem. Se ele estava bem. Se ela pudera encontrá-lo no labirinto difuso que era sua cabeça, talvez ele pudesse retribuir o favor. Isto é, se ele quisesse. Se ele conseguisse.

Acima de tudo, gostaria de calar seus próprios pensamentos e voltar ao fundo abissal e silencioso que ia a cada vez que visitava Bucky Barnes.

O caminho era conhecido e quem sabe por esta razão parecesse mais curto. A senha da porta dupla e com isolação térmica era nova, mas os poderes caóticos de Wanda não tiveram problemas em simplesmente abri-la com um toque escarlate. Ela soltou um suspiro de alívio quando adentrou o ambiente ameno, desejando que sua face fosse mais do que uma sombra esquecida de si, mesmo que James não pudesse vê-la de volta.

Ao menos não fisicamente.

 

Seu corpo parou um punhado de passos depois de ter passado da porta, e esta ter se lacrado atrás de si. Ela franziu os cenhos e apertou os olhos para a figura diante de si, no centro da sala e com um objeto metálico nas mãos.

— Pensei que sua conversa com doutora Jane Foster duraria mais. — Shuri virou-se lentamente, com o tom da voz muito ácido e suas mãos muito discretas. Wanda notou a dissonância e seu olhar foi captado pela outra, que insistiu em ser agressiva: — Ou você só extraiu toda a verdade dela com seus poderes de bruxa e foi embora?

— Você sumiu por dois dias.

— Não. Eu estive trabalhando por dois dias. — Ela rodou o dedo indicador, mostrando o resto da sala para que Wanda pudesse observar com mais atenção. Existiam anotações diferentes, algumas equações. — Não havia tempo para coisas menores.

— Você não deu esse… Esse pendrive para seu irmão? Não mostrou que coletou algo do inimigo?

Shuri tinha marcas de impacto no rosto ainda maiores do que Wanda. Ela ergueu uma sobrancelha e arrumou o piercing no septo.

— O que digo ou não digo para meu irmão não é da sua conta.

— Não, não é. E esse dispositivo também não é da sua. Nós não sabemos o que tem. Dê a equipe de Inteligência. Isso é perigoso.

—  E o veio fazer aqui mesmo? Veio por mim? Ou por ele?

Wanda entendeu a provocação. Duvidava que a outra de fato acreditasse na afirmação implícita, mas ainda assim aquilo a atingiu.

— Isso faz diferença? Solte o pendrive, Alteza.

— Você está falando com a princesa de Wakanda, único país a te oferecer abrigo. — Ela cruzou os braços. — E eu sei o que é melhor para minha nação. Deveria entender isso a passar mais tempo comigo.

— Shuri, entenda que isso não é um ataque à sua personalidade. — O tom de Wanda era uma súplica, mesmo que achasse a tal personalidade da princesa uma droga. A outra descruzou os braços, sua mão muito próxima do painel central, de onde poderia plugar o dispositivo. Uma gota de suor desceu sobre as têmporas da Feiticeira Escarlate. — Eu só acho que devemos ser cautelosas.

— Cautelosas? Agora você quer ser cautelosa? Poupe-me. — Deu de ombros. — Você mexeu e revirou a cabeça de James Barnes sem saber no que podia acontecer. Aliás, você parece ser familiar em agir primeiro e pensar depois.

— Eu… — Shuri estava certa. Estupidamente certa e ela se arrependia por todas as decisões na vida. Se tivesse ponderado mais, se não tivesse… Talvez Pietro ainda… Wanda rangeu os dentes. — Foi você que pouco se importou se a vida de Natasha estava em perigo e decidiu pegar essa coisa. Não pense que não vi ou me esqueci. Poderia ter sido responsável pela morte dela.

— Andei pensando no que discutimos em Viena. Acho que não queremos coisas diferentes. Queremos respeito. E isso aqui...— Ela ergueu o pendrive, longo e fino, na frente do próprio rosto. As luzes artificiais incidiam sobre seus olhos reluzentes. — Pode ser a chave para isso. Descobrimos afinal como, porquê, todos estão atrás de Erik Lensherr. Quem é o grupo terrorista e onde se abrigam. Wanda, você também quer isso. Quer ser respeitada.

Wanda não sabia dizer se sua parceira realmente acreditava naquilo ou se era mais um de seus discursos manipuladores. Poderiam ser ambos, e de qualquer forma seus argumentos eram inegáveis. Poucos minutos atrás, ela refletia o quanto tinha sede de violência e quanto seus métodos eram invasivos, cruéis. Tinha quase sufocado até a morte Elizabeth Braddock, a Psylocke. No entanto, há minutos também pensara sobre tomar as decisões certas.

— Não em troca de uma vida. Não mais. E você não precisa disso também. Você já é respeitada por seu irmão, por seu povo…

A princesa riu.

— Você mal sabe o que eu ouvi de Vossa Majestade. Aliás, nem ouvi muito. Uma ou duas palavras de desprezo por minha coragem de ter ido salvar seus amigos foram mais do que suficientes. Bela recompensa, um tratamento de silêncio.

— E agora você queria salvar meus amigos? Pensei ter dito que queria somente descobrir o que Natasha tinha visto na hora. Seu irmão sabe pelo quê você teve coragem. E foi por si mesma.

— Meça suas palavras, sokoviana.

— Eu não quero brigar, Shuri. Só quero que se afaste desse painel e entregue o pendrive para a equipe de Inteligência. Zola está envolvido.

— Tecnologia Wakandana não usa código binário. Essa sala é vedada, tanto termicamente quanto tecnologicamente. Longe dos olhos do meu irmão também. Nada afetará nosso sistema, até porque não utilizamos nada centralizado que dê defeito tão rápido. Pulsos eletromagnéticos teriam que ser muito, muito bem aplicados para ter resultado. E mais… — A boca de Shuri falava como se explicasse o bê-à-ba. — Eu estou aqui.

Os olhos de Wanda tornaram-se escarlates, energia escapava de sua pele. O tempo desacelerou e ela pôde observar a sequência de alternativas do futuro dali a cinco minutos. Era como se enxergasse sombras, vestígios de sua aura e a da princesa. Existiam poucas possibilidades daquilo acabar bem, mas Wanda ainda não entendia como diferenciar cada uma da outra e como poderia trilhar um caminho até a melhor consequência possível. Estava assustada.

E queria tomar as decisões certas.

 

Shuri estava a meio caminho de plugar o pendrive no painel quando Wanda segurou seu pulso. A princesa riu, balançou a cabeça lentamente. As duas se entreolharam.

— Você não deveria ter feito isso. — Partiu para uma dura cotovelada em direção ao tronco de Wanda, onde havia sido ferida por Psylocke.

A Feiticeira Escarlate escapou por pouco do golpe. Tentar vencer uma wakandana, a princesa herdeira do trono, era algo inútil, um sonho distante numa disputa corpo a corpo. Sabia disso. Seu objetivo era pegar o dispositivo e nada mais, talvez destruí-lo se necessário.

Mas não podia machucá-la, ou destruir o laboratório. James também estava lá.

Shuri tentou novamente lhe incapacitar com um ataque na base do estômago com as mãos espalmadas, o suficiente para deixá-la imóvel por alguns minutos. Doloroso, mas não a machucaria de verdade. Porém, Wanda já tinha visto aquele golpe com as Dora Milaje e com um movimento forte dos antebraços, foi capaz de desviar e ainda lhe aplicar uma pancada próxima a mão direita, com a finalidade de obrigá-la a largar o pendrive.

Ela teve que apoiar em uma das mesas para recuperar o equilíbrio. Quando voltou sua face à Wanda, era evidente em sua expressão que não mais usaria técnicas não-letais.

Talvez aquilo tenha sido uma péssima ideia. Talvez devesse logo usar seus poderes.

O pensamento não durou muito. Logo as duas estavam desferindo golpes uma na outra, afinal resolvendo suas diferenças com a força física. Apesar dos impactos na clavícula e no tronco, Wanda podia dizer com certo orgulho que não a deixara socar seu rosto - e não foi por falta de tentativa. Ela, por sua vez, focava nos braços e tornozelos da princesa. Queria a fazer cair ou largar o dispositivo. O que viesse primeiro.

Até que Shuri percebeu que não se livraria tão fácil da bruxa e tentava plugar o pendrive nos breves instantes que Wanda afastava-se, devido a um empurrão ou socos. A reação da Feiticeira Escarlate foi ainda mais desesperada, lançando seus poderes rubros para fazer com que a outra desistisse da ideia - seja no plano mental ou nas puxadas de energia em seus pulsos - porém a princesa era sólida como uma rocha e seus movimentos tão rápidos quanto de um felino.

Recordou-se que a princesa utilizava a perna esquerda para se firmar em seus ataques e era essa a perna que a jogava para a frente, no curto trajeto até o painel central. Seus dedos moveram-se, lançando um anel de energia até seu tornozelo, um anel que apertou-se sobre sua pele como grilhões e puxou de súbito sua perna. Devido a tração descomunal aplicada, ouviu-se um estalo semelhante ao que galhos fazem ao serem partidos e um urro da wakandana. Seu osso estava fraturado.

A wakandana deu um novo empurrão em sua adversária usando toda a sua força na lateral do corpo, e devido a sua composição física de músculos tonificados, não foi difícil fazer com que a ex-Vingadora trombasse de frente com uma das mesas, a superfície espalmada de botões e interruptores. A luz do ambiente se tornou amena, outra vermelha começou a piscar junto com o som de uma sirene. Wanda grunhiu, cuspiu um pouco de sangue. Sua cabeça girava entre dor e o medo de ter estragado algo no laboratório, algo que afetasse James.

Antes que pudesse virar para checar o estado da câmara criogênica, Shuri a pegou pelo cabelo da nuca com força, arrancando um grito agoniado da garganta da Maximoff. Seus dedos instintivamente arranharam os pulsos da princesa, em vão. No segundo seguinte, Shuri a jogou contra o painel, forçando bem seu rosto contra a superfície sólida.

Wanda não gritou. Só gemeu baixinho enquanto deslizava para o chão, com dificuldades de virar seu torso para frente, para observar a estupidez que estava prestes a presenciar. Sentiu o cheiro do sangue escorrendo pelo nariz e o gosto dele na boca. Seus olhos estavam pesados.

— Fique no chão. —  Shuri ordenou, afastando-se manca. No momento que destampou o pendrive, ou o quer que fosse o nome daquele dispositivo, um som artificial ecoou como uma onda magnética. A mulher ergueu-o como se fosse um punhal e o objeto reluziu com a cor dourada.

O corpo de Wanda estava fraco, mas ira e poder escarlate a sustentaram firmes, como ossos, como uma armadura. Usando energia rubra, a feiticeira impulsionou-se para frente e para o ar, num salto de arco quase perfeito em direção a princesa, no exato instante em que ela fincou o pendrive no painel.

As luzes se apagaram por definitivo. Somente alarmes de segurança piscavam, indicando o caminho à saída, e a câmara de criogenia ainda estava acesa. A voz automática da Inteligência Artificial da sala repetia frases de aviso, numa língua que Wanda entendia pouco mas sabia dizer que a mensagem era clara. Algo havia dado errado. A pressurização da sala desregulava-se cada vez mais, assim como os tanques de nitrogênio soltavam assovios devido algum encanamento sobrecarregado e estourado. Algo também ocorria na câmara que mantia James Barnes em sono profundo.
Shuri lutava por tirar as mãos de Wanda sobre si, xingando em seu idioma nativo, quando uma descarga elétrica atingiu ambas.

A wakandana forçou o pendrive para fora do plug, sem sucesso. Seus dentes rangiam enquanto seu corpo inteiro estremecia e Wanda tentava ajudar, gritando, ambas desesperadas para retirar o dispositivo dali. O objeto iluminou ainda mais sua luz dourada, aumentando a carga elétrica que desferia em suas vítimas.

Shuri foi lançada para o outro lado do cômodo em um baque, enquanto Wanda agarrou-se ao painel com seus poderes em formas de garras.

Ela gritou. Por fim chorou. Seus olhos tingiram-se de vermelho, sua alma escarlate transbordou os limites de seus músculos, ossos e pele. Lembrou-se dos experimentos nas bases da HIDRA, enquanto clamava por seu irmão. Lembrou-se da coleira de eletrochoque na garganta e a camisa de força. Lembrou-se de ter conjurado um feitiço semelhante para asfixiar Psylocke. Wanda Maximoff lembrou-se de tudo que lhe causara dor e sentiu que algo além dela lembrava-se também. Alguém que também sentira ira e que carregava sua aura rubra, alguém que gritava afinal desperto.

O mundo pareceu presenciar o evento, observando.

Seu brado tornou-se um som crescente, tal qual o lampejo carmim que cegou o laboratório inteiro.



Wanda Maximoff tinha as pálpebras pesadas e piscou muito lentamente. Sua cabeça doía. Estava apoiada com as costas em alguma superfície não muito plana, sentada como uma boneca de pano em uma das telas do laboratório, agora quebrada. Desencaixou-se da fenda que abrira com seu próprio corpo devido ao impacto, ouvindo o tilintar de cacos. Tirou um fragmento do cabelo e suas mãos estavam trêmulas.

A energia elétrica retornara ao laboratório, apesar de algumas estarem queimadas e outras simplesmente quebradas. Era possível enxergar, mesmo assim. A sokoviana olhou para o próprio corpo e viu sangue, mas não estava em condições mentais para processar a dor. Shuri estava do outro lado, parecia querer levantar-se.

 

Suas pálpebras então tornaram-se tão pesadas quanto chumbo e o que ela viu em seguida era uma imagem nublada, uma ilusão. Não era real. Não podia ser. A câmara criogênica abriu-se de dentro para fora, por uma mão fraca e débil. Ela ouviu uma respiração pesada, ouviu alguém pisar em estilhaços.

— O que...O que é isso? — disse uma voz que Wanda só conhecia em sonhos e memórias.

Talvez ele tenha olhado de volta, mas ela não pôde distinguir seu rosto e nem foi capaz de sustentar sua consciência por mais tempo. Wanda Maximoff queria o silêncio abissal ao adentrar aquele cômodo e o conseguiu através de um desmaio.

 


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Notas finais do capítulo

*O futuro de Foster ter câncer é na verdade uma versão dos quadrinhos, onde ela é acometida por essa doença e também se torna a Lady Thor.
*O passado como enfermeira e Donald Blake são referências aos quadrinhos antigos.
Eu não quero ser daquelas que implora por comentários, mas eu realmente estou curiosa para saber o que acharam. Fazia tempo que as duas não tinha um briga realmente explosiva, huh? Expressem seus sentimentos, vamos lá.



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