Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 23
XXIII


Notas iniciais do capítulo

É, aparentemente existe autora-fantasma também HAHAHAH eu não queria ter passado tanto tempo sem postar... Mas eu digo isso muito, right? Desculpe. Bom, aqui está um presentão de 6k pra vocês! Preparei com muito carinho e suor, espero que gostem ♥ Boa leitura!



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Ela não disse nada a princípio.

E então, em meio a quietude, abriu um sorriso tolo.  Aquilo não era uma conversa e a única pessoa consciente naquele laboratório era ela, ninguém mais. Havia máquinas, vidro e ele, James Barnes. Ali, parado, como se esperasse e pudesse compreender o que a feiticeira sentia, mas não havia o que ou quem esperar. Estava dormindo, em um estranho e etéreo coma induzido.

Aquilo não era uma conversa, repetiu em sua cabeça, e ela enxergou a própria estupidez por achar que fosse. Seu sorriso sumiu, mas ainda assim não houve palavras. Foi quando lágrimas quentes responderam por si.

Wanda deveria ir embora, deixar o pobre soldado descansar. Sabia o quanto aquele homem precisava disto, o quanto precisava de paz.

E o quanto ela também precisava.

A maré daquele sentimento insosso corroeu seus ossos. E era tão simples, tão pesado. Insustentável. Wanda Maximoff só queria fazer coisas boas e acabava por fazer somente o contrário. Estava plenamente ciente da violência do próprio coração, porém, ainda assim, talvez ela pudesse... Se tentasse o suficiente...

Mas Pietro morreu. Outras pessoas morreram. Havia certo medo em seus amigos. Em todos. Porque Wanda Maximoff era um pequeno monstro nascido em Sokovia e jamais deixaria de sê-lo.

 Ela abriu os olhos, sentindo a aura do ambiente mudar. Pensou que talvez já fosse um pouco tarde e os cientistas estivessem chegando, mas o laboratório em que estava agora tinha luzes incandescentes fracas e o chão escuro. Sua garganta apertou-se, congelada. Deu um passo para trás, trombou em uma mesa e caiu sentada no chão. O tilintar de objetos metálicos perturbou seus tímpanos, tal qual pensamentos zuniram dentro de si.

Não. Não, não, não, não. Não pode ser.

Eletricidade percorreu seu corpo da cabeça aos pés, mas aquilo era uma dor fantasma, ilusória e terrível assim como o laboratório úmido e de ar fétido. Não era o mesmo perto de Novi Grad, aquele em que ela e seu irmão tornaram-se os ratos que tanto escutaram dizer que eram. Não era sequer a mesma década e a certeza com que afirmava aquilo lhe provocou ânsia.

Será que...?

Pelo o que tinha compreendido nas visitas anteriores, a conexão que os poderes caóticos de Wanda estabeleciam não era originados a partir de uma palavra-chave, mas sim por um sentimento em comum. Não era intenção sua voltar a mexer na cabeça dele, principalmente hoje e agora que a princesa de Wakanda havia lhe alertado dos perigos de brincar com uma mente fragmentada.
Ela olhou para os lados, com receio e curiosidade. A cor rubra acendia-se dentro de si, enquanto perguntava-se qual sentimento seria esse que abrira novamente uma janela para James Barnes.

Antes estava se sentindo miserável, infeliz e cheia de arrependimentos. Não eram coisas agradáveis para se partilhar, no entanto houve um quê de empatia que aqueceu seu coração. Ele sabia o que era ser tudo aquilo.

Um mal, quando se queria fazer o bem.

Um grito rasgou o ambiente. Os olhos arregalados de Wanda tentaram focalizar a origem do som, entretanto as lâmpadas amareladas pouco iluminavam o cômodo. Existiam silhuetas escuras e indistintas, de modo que as mãos dela foram de encontro com os objetos caídos no chão, procurando algo que servisse de arma ou defesa. Uma possibilidade de escapatória. Seus dedos encontraram um bisturi, mas antes o bisturi encontrou sua carne. Sua mão direita sangrava pelo corte enquanto ela apertava o cabo com força.

O instinto dizia para correr e tal ato parecia impossível, embora toda a situação não passasse de um delírio, certo? Certo? Outra memória de Bucky e ela não seria mais do que um espectro. Mas, por que sentia dor e sangrava?

As luzes piscaram mais a frente, mostrando um corredor largo e por fim um saguão amplo, mais iluminado do que o resto. Outro grito veio dali, mais seco e mais alto. Wanda sabia que não era seu irmão, pois conhecia os gritos dele ao ouvi-los durante meses e ele também conhecia os seus. Com um suspiro profundo, ela se levantou e deu um passo, depois outro. Era difícil andar com as pernas tremendo e sem saber onde estava, mas ela precisava descobrir.

O caminho pareceu infinito, assim como os ecos dos gritos. O pior veio quando eles cessaram e Wanda estava à distância o suficiente para poder enxergar quem estaria em tamanho desespero.

Mas ele não estava sozinho.

Havia um homem sentado com suas pernas e braços amarrados, inclusive um de metal, em uma cadeira com painéis de sinais vitais e hastes sustentando um semicírculo de ferro. A Feiticeira não conseguiu distinguir como aquilo tudo funcionava, mas pôde ver resto de eletricidade saindo de peças que se encaixavam no rosto da cobaia. O peitoral dele estava salpicado de suor, enquanto subia e descia rápido em sua respiração afobada.

Ela tapou a boca com a mão livre.

James.

 

Outros cientistas averiguavam se as condições do soldado estavam corretas, sem dar tanta atenção à ele e ao outro homem que estava sentado em um banco próximo. Este trajava um uniforme formal do exército, cor de oliva e bem passado. Tinha o queixo forte, o cabelo curto e loiro.

À distância, poderia pensar que era alguém conhecido. Steve de costas, talvez. Mas um arrepio percorreu a coluna de Wanda e ela soube que aquela impressão estava muito errada. Em volta daquela pessoa, existia uma substancia visível apenas para os olhos da bruxa:

Uma aura pútrida.

— Senhor Pierce, — Um dos homens que trabalhava na máquina disse com cautela. — Talvez queira se afastar. Ainda-

— Calado. — Ele não se deu o trabalho de virar seu rosto. —Eu preciso do relatório da missão, soldat.

Não houve resposta, só a expressão vazia de Bucky. Pierce, ou melhor, uma versão pouco mais jovem de Alexander Pierce, inspirou fundo e levantou a mão. Wanda fechou os olhos, mas pôde ouvir vividamente o som de seu punho contra o rosto de James, já marcado pelos choques. Quando os abriu, Pierce estava de pé e com um caderno de capa vermelha em mãos, com uma estrela escura no centro. O soldado não pareceu reagir ao golpe mesmo que sangue a escorresse de seu nariz, no entanto o brilho opaco de seus olhos desvaneceu-se por completo quando viu o que seu algoz carregava.

O caderno. Aquele que Wanda também havia visto no dia anterior, numa visão repentina. Os braços dela tremeram também, e ela colou seu corpo junto à parede.

— Seu serviço está moldando o mundo para melhor, soldat. Ás vezes, o remédio é amargo e o mundo uma criança birrenta. Há quem diga que somos um câncer na sociedade, mas se formos... — O som de seus passos, em sapatos caros e polidos, foi a marcação de reticências em seu discurso. Ele inspirou e expirou devagar. — Se formos, que nunca exista a cura. Soldado.  —  Chamou mais uma vez a atenção dele. — Eu não queria ter que repetir o processo inteiro, mas não me deixa outra escolha.

Com o caderno aberto nas mãos, a boca de Pierce preparou-se para o primeiro comando, porém a voz da cobaia ecoou antes.

Я готов ответить.

— Sim. — Houve um sorriso na resposta de Pierce. — É melhor cooperar. Você já fez tanto, não só pelo seu país, mas pelo mundo. Nós fizemos. Agora diga, o engenheiro nuclear... Morto?

— да.

— Na minha língua, soldado.

— Sim.

Pierce anuiu com a cabeça, aprovando a obediência.

— Onde?

— Odessa, Ucrânia.

— A espiã?

Ele não respondeu e Pierce levantou o caderno, em ameaça. Folheou as páginas, o som deste ato sendo uma tortura ridícula que apreciava. Assim que chegou onde desejava e abriu a boca novamente, Bucky adiantou-se, usando sua voz vazia.

— Baleada. — Mais uma pausa. — No fim de um penhasco.

— Mas, viva?

Os lábios do soldado entreabriram-se de forma lenta e o brilho de seus olhos era fraco, por mais que estivesse ali. Tal lume retornara, de repente, mesmo com o caderno à sua frente. Bucky, o rapaz do Brooklyn, ainda estava ali. Sua expressão era de uma criança confusa e ferida, franzindo o cenho. O começo de uma lembrança era palpável em sua cabeça, embora muito enterrada.

Ele se lembrou de cabelos ruivos. Neve. Música. Bailarinas.

O coração dela estava na mira e em uma única bala poderia tirar sua vida e de seu alvo principal. Ambos estavam cansados da viagem desde o Irã e agora feridos pelo acidente no penhasco. Com o dedo sob o gatilho e a respiração presa, o Soldado Invernal atirou no quadril da espiã no último instante.

E não fazia ideia da razão.

Wanda compreendeu quem era. Odessa, 2009 e a história de como ela tinha ganhado aquela cicatriz. Natasha contou isso com um meio sorriso no rosto, Steve deu de ombros:

“Tchau, tchau, biquínis.”

— Lennart, prepare a máquina novamente. — O loiro fechou o caderno de súbito. Compreendera o silêncio do Soldado Invernal e era um aborrecimento perder tempo com memórias fugidias de seu recurso valioso. Era melhor que o projeto com máquinas e inteligência artificial não demorasse a ficar pronto, pois teriam menos gastos com emoções e memórias.— Ligue os eletrodos. Nós vamos reiniciar o soldado. Deve ficar limpo para me dar respostas concretas. E precisamos arranjar uma maneira para que permaneça assim. Tente aumentar um pouco mais a voltagem.

Ele não protestou. Ele não se moveu. Aceitou o mordedor que puseram em sua boca e encostou o tronco na cadeira.

Os gritos de James tornaram a preencher o silêncio novamente, tão altos e agonizantes que as mãos trêmulas de Wanda largaram o bisturi. Ela desviou o olhar da sala e encolheu-se. A memória dele tinha que acabar logo, senão não aguentaria. Seu braço ardia pelo corte infligido em sua pele, sua cabeça latejava. Ela queria sair. Precisava sair. No entanto, por mais que piscasse os olhos com força, o chão escuro e as lâmpadas incandescentes ainda estavam lá, não a limpeza sórdida de Wakanda.

E havia passos cada vez mais próximos.

Wanda se afastou o mais rápido e silenciosamente que podia, apertando a mão que sangrava contra o peito. Voltou ao cômodo que estava no início, procurando outros caminhos e corredores para fugir ou alguma outra arma para usar. Seu coração bombeava adrenalina dentro do tórax, tão forte e veloz que não soube dizer o que era pior: o som de sua pulsação ou os urros do Soldado Invernal.

Besteira. Era só uma ilusão e aquilo não passava de uma memória. Para todos, seria somente um espectro. Repetia para si mesma que seu medo era uma bobagem, embora não conseguisse acreditar.

Alexander Pierce se aproximava, passo a passo em seu andar reticente. A bruxa preparou-se para vê-lo e para que ele enxergasse através dela, mas antes que o homem pudesse cruzar todo o corredor, sua voz ecoou por todo o ambiente:

— O que é esse sangue no chão?

Uma onda de horror quase a fez vomitar. Suas pernas tremeram e ela desabou de joelhos no chão, esperando. Esperando. E esperando.

Quando teve coragem de abrir os olhos, a primeira coisa que suas pupilas desfocadas alcançaram foi a câmara criogênica, com James Barnes dormindo em paz. O lugar era branco e limpo, a manhã já havia alcançado as janelas. Estava de volta, afinal. Seu coração inundou-a de alívio, mas seu corpo tremia. A segunda coisa que veio a notar foi a sensação quente e empapada no peito.

Wanda levantou o braço direito, observando o sangue do corte que não se fechara. Escorrera até o cotovelo, dali pingando no chão.

Pingava, devagar e gota após gota. Pingara lá, no laboratório e há oito anos.

Ela estava congelada no lugar, encarando o próprio corte e seu sangue sem entender o que exatamente tinha acontecido. Demorou a reagir, mas quando o fez, levantou-se de uma só vez. Não foi uma boa ideia.

Suas pernas bambearam e ela foi ao chão, com a visão desfocada. Alternava entre enxergar o que realmente estava ali, os móveis e a luz branca, com o que existia somente nas memórias de Bucky. Ela viu a neve caindo. Tiros, explosões e todos os grunhidos de uma guerra. Memórias de memórias.

Fantasmas. Dor.

Não queria vê-lo gritando de novo, não queria assistir Natalia, Yelena e as outras meninas sofrendo. Ela tentou gritar, comandar seu próprio poder escarlate a levá-la a um ambiente seguro, a uma memória calma, a um lugar familiar.

Silêncio.

O ar estava estagnado, assim como seus pulmões. Haviam caixas de papelão, pastas de papel pardo e papeis empilhados atrás de si, enquanto embaixo da ponta de seu nariz coçava o aroma de livros e poeira. Wanda sentiu os ombros relaxarem, por mais que a sensação não fosse completa. A atmosfera amena lhe embalava com doce quietude, ao passo que o Sol lhe lembrava que o mundo era morno.

Os olhos pelos quais Wanda que encarava aquela janela assistiam uma cena ensolarada, com música e salvas da multidão ao fundo, tão fundo que era quase como se os ouvidos deste corpo não pudessem escutar. Do lado de fora, uma comitiva de carros, pessoas importantes.  Algo aconteceria e ela podia sentir. Algo aconteceria e o mundo não seria mais o mesmo.

Havia uma limousine preta distinta do resto, ladeada por batedores. Nela seguiam seis pessoas, sendo o destaque uma mulher vestida de rosa e um homem de terno, que acenavam calorosamente. Ele pegou a mão dela por um momento breve, o gesto foi retribuído. O carro fez uma lenta curvatura para prosseguir o caminho.

12:30

 22/11/1963

Foi quando Wanda percebeu que assistia a cena por uma mira e a cabeça do homem estava no centro. Era gélida a arma em suas mãos e seus cotovelos, sendo um feito de metal, apoiavam-se em caixas de papelão empilhadas. Dedo no gatilho. Sem respirar. Sem hesitar.

A Feiticeira Escarlate agitou-se dentro do corpo do Soldado Invernal, debatendo-se e gritando para que ele parasse, para que a memória parasse. Mas o disparo veio:

— Não!

A voz de um homem ecoou no mesmo instante, seu grito chegando aos ouvidos de Wanda antes mesmo do tilintar das cápsulas contra o chão. O tempo desacelerou o suficiente para que o olhar de James, indiferente e de esguelha, pudesse encarar a figura alta e de braços erguidos para frente.

O coração de Wanda pulou três batidas.

As palmas abertas dele pareciam querer impedir que as balas chegassem ao seu destino, seu gesto era expansivo e concentrado. O caos vermelho dentro de si, dentro de Wanda, tornou-se sereno e curioso, em reconhecimento de algo tão violento quanto sua existência no corpo de outra pessoa. Familiar, de certa forma. Aqueles gestos eram... Eram inerentes às mãos inquietas dela.

Sua voz era conhecida, ela sabia disso. Rouca de tanta ira. O homem das fitas.

O tempo correu como antes. A gota de suor que descia a testa dele não teve tempo de ir ao seu queixo quadrado, pois o punho do Soldado Invernal encontrou antes o seu rosto.  As mãos dele cederam junto com seu corpo.

E as balas atravessaram o cérebro de John F. Kennedy.

 

Wanda puxou ar pela boca, abrindo os olhos com força. Estava de volta, estava de volta. Segurou sua testa, tateou o chão em busca de apoio. Tinha que sair dali.

Aquilo era um laboratório, deveria ter algo que lhe ajudasse a limpar o vermelho do piso branco, de modo que Wanda foi de um lado a outro encarando cada objeto e ferramenta ali dentro. Pegou os papéis-toalhas descartáveis e limpou o chão, lavou a mão na pia do laboratório.

Parecia uma experiência extracorpórea. Wanda não acreditava que uma lembrança tão forte pudesse fazer com que se ferisse no presente, não conseguia nem imaginar como tal fato seria possível. E não acreditava que Bucky havia matado o presidente americano. Esfregou o chão com o papel com força e repetidas vezes, mais do que o necessário.

Chorou durante o processo inteiro.

Depois, saiu de lá da melhor maneira que podia, andando a passos largos e segurando o próprio braço.  Seus pés a levavam direto para o quarto, evitando qualquer pessoa ou menor distração, e desta vez Wanda não queria ver nem a aura azul de Stevie. O que ele diria? O que pensaria ao saber que estava brincando com a cabeça de Bucky? O que faria ao ver o sangue?

Ela não saberia como explicar.

Pegou a direção esquerda de uma antessala e subiu as escadarias. Chegou enfim no corredor que levava ao dormitório dela e de seus colegas de equipe, um caminho de pé direito alto e ladeado de janelas.  Wanda continuou andando, mas o cenário vinha lento e pesado, descompassado ao seu ritmo. Ela assistiu a cor do Sol tingir a paisagem lá fora num tom dourado ainda ameno, porém prestes a fulgurar a pino.  Os jardins que passara tanto tempo observando durante a madrugada e sob a Lua estavam inundados de luz e do canto dos pássaros. A vida estava logo ali, do outro lado da janela.

E por este lindo cenário, ela soube que havia passado mais do que uma hora na companhia de Bucky, por mais que somente minutos tenham escorrido por seus dedos.
Pôde sentir algo a mais do que o caos e sua ansiedade sacudirem dentro de seu coração. Sua boca tremeu e Wanda teve certeza que seus olhos cintilavam ora verdes, ora rubros.

Então topou em alguém.

 

O trombo quase a fez perder o equilíbrio, mas a outra pessoa segurou seus antebraços com firmeza.  Suas feições eram duras e havia uma gota de suor em sua testa, porém não importava o quão alto falasse, a Feiticeira Escarlate não absorvia suas palavras.

— Maximoff! — Shuri a sacudiu, desta vez com força. Seus olhos estavam arregalados por ver a outra com sangue nas mãos e nas roupas. Ela repetiu e repetiu seu nome, até que eletricidade escarlate passou da bruxa para ela, forçando-a dar um grito e soltá-la.

A princesa foi arremessada para o lado oposto do corredor em um impacto surto contra o vidro, assim como Wanda colidiu com a janela atrás de si, caindo de joelhos. Tamanho foi o choque que foco voltou às pupilas da garota e logo mais lágrimas brotarem de seus olhos.

Ambas se encararam por um período que pareceu a eternidade.  Shuri tinha os olhos vivos, a boca estava aberta e hesitante.

— Eu não... — As palavras eram mais mortas que Wanda, tanto que parou no meio da frase ao ouvir o quanto a sua própria voz era patética e infantil. Mas a outra merecia uma resposta e ela tinha o hábito de pedir desculpas. — Eu não queria...

Shuri sacudiu a cabeça, murmurando algo incompreensível, em seguida andou de joelhos em sua direção e pegou suas mãos, esticando os braços dela para seu próprio colo. Tocou delicadamente a pele pálida de seus antebraços, procurando algo, algo que Wanda entendeu que seria um ferimento auto-inflingido, que não existia.

Ela parou ao ver o corte na palma de sua mão. Não disse nada e esperou que o silêncio a fizesse falar, mas a estrangeira permaneceu distante.

— Onde você estava?

Wanda franziu a testa. De todas as perguntas, de todas as acusações, aquela era a que fazia menos sentido. Poderia brigar por ter simplesmente a jogado do outro lado do corredor com o poder da mente ou mais uma vez lhe alertar o quanto era instável. Ela concordava. Sua boca abriu-se para questionar que pergunta era aquela, mas a confusão em seu rosto era resposta suficiente para Shuri.

O estranho foi o tom metálico de sua voz.

— Você está me dizendo que não sabe onde estava?

— Não. Não, não é isso... — Suspirou, engolindo o choro e a vergonha. — Estava onde você me deixou. No laboratório.

A outra engoliu seco, num gesto nada felino como lhe era de costume.

— Ai, minha Deusa. Não. Você não estava lá.

— O que você está dizendo? Eu –

— Não. Não, Wanda. Não estava. — Sacudiu a cabeça. — E você sabe disso. No momento em que olhou para as janelas, você soube que havia se passado mais tempo do que, mais horas que... — A princesa encarou o chão.— Afinal, onde se meteu?

Era verdade. No exato instante que viu o Sol no meio do céu e todo o seu ardor, Wanda sentiu-se uma sombra completamente apagada pela luz. Pelo o que sabia ou pelo o que deveria ser real, gastara pouco tempo no laboratório sozinha com James e depois presa em suas memórias de tortura. Não podia acreditar na possibilidade de... Não. Ela sacudiu a cabeça levemente, negando o doloroso fato que sentira dentro de seu coração.

— Wanda. — Shuri repetiu, muito séria. — Wanda, você desapareceu por quatro horas.

As íris dela tingiram-se de carmim, ao passo que suas mãos voltaram a tremer.

— Respire. Respire, Wanda. Calma.

— Isso não é possível.

— A pulseira... É, — Deu de ombros. — Serve também pra monitorar seus dados vitais. Sua localização. E simplesmente não havia mais sinal algum. Primeiro pensei “Ah, essa estrangeira idiota tirou na primeira oportunidade”, mas também não te vi em câmera nenhuma. Ninguém sabia onde você estava. Eu cheguei até pensar que... — Ela cortou o pensamento e ergueu seu queixo, recomposta. —Capitão Rogers está morto de preocupação, assim como seu outro colega de equipe. Até falamos com o próprio Professo Xavier do Instituto para te acharmos. Parecia que você não estava na face da Terra.

— Mas eu estava... — Ela chorou mais um pouco. — Eu não queria. Não fiz de propósito. Shuri, o que está acontecendo comigo? Só... Eu só estava ali. Não ia entrar nas memórias dele, não ia.

A princesa wakandana apertou seu ombro com toda a delicadeza que conseguia, mesmo que sua mandíbula estivesse travada de tanta tensão. Já havia checado o laboratório há quarenta minutos, sendo que não havia nada irregular no Soldado Invernal, sem contar sua atividade cerebral oscilando oscilação ligeiramente mais do que de costume.

Shuri piscou fronte a ideia que lentamente surgia.

Tálamo e lobo temporal em atividade. Então, a estrangeira realmente havia se conectado à mente do soldado, embora não fosse intencional. A pergunta que restava era onde ela estava durante todo este processo?

Outra ideia gravitava sua cabeça assim como na de Wanda, mas era tão absurda e surreal que ambas não a verbalizavam para não tornar concreto algo tão fantasmagórico. No fundo, sabiam.

— Wanda... Onde se passou a memória dele?

Dele.

 Não era necessário o nome para que ela compreendesse. Seu pequeno e estranho segredo, cada vez mais ameaçador e cada vez menos secreto. Será que James sabia que ela estava lá? Será que...?

Wanda estava brincando jogos perigosos.

Limpou a garganta, testando sua voz agora embargada. Seu sotaque era terrível, mas ela não ligava para isso no momento.

— Um laboratório, parecido com o que eu e Pietro ficamos. HYDRA. — Franziu a testa, tentando recordar-se de qualquer coisa que lhe pudesse indicar o local exato, mas não lembrou de ter visto mapas ou rótulos de quaisquer coisas para supor com precisão. — Só era escuro, sujo... Talvez uma base subterrânea.  Próximo a Odessa, acredito. 2009.

— Certo. Nós precisamos ver alguém, algum enfermeiro. Talvez Njeri, ela já cuidou de você antes. — Sem saber, Shuri a cortou antes que pudesse dizer o restante. —  O que mais você viu lá dentro?

Ela segurou o próprio rosto com as duas mãos, soluçando. Demorou para que conseguisse falar qualquer coisa.

— James estava sofrendo tanto. Usaram eletrochoques assim como em... Ele gritava e gritava e gritava...

Depois da morte do irmão, Wanda pensava que as lágrimas que lhe restavam serviriam somente para transbordar sua saudade, mas ali estava ela. Havia sempre um poço mais fundo em que invariavelmente chegava. E agora havia James e as coisas estavam tão confusas... Chorara tantas vezes que se perguntava quanto mais choraria até ficar seca, até ficar melhor. Talvez isso nunca acontecesse.

A princesa, por sua vez, ora apertava seus ombros, ora segurava sua mão e falava manso em sua língua materna. Era claro que ela não sabia o que fazer, por mais que quisesse.

— Shuri... — Ela fixou seus olhos verdes e assustados nela, numa súplica que a outra jamais poderia atender. Sua respiração entrecortara-se, seus pulmões não ajudavam. — Quando essa dor vai acabar?

Os lábios dela tremeram. Era difícil deixa-la sem palavras, porém a cada instante que iria falar, sua boca era incapaz de se transformar um único pensamento em som de tal modo que, devido ao silencio, a respiração de Wanda acalmou-se.

Mas não seu coração.

— Eu acho que... — A certeza, funda e terrível, que lhe perturbara assim que viu o mundo cheio de Sol e cheio de vida, veio à seus lábios. Era ridículo e era tão certeiro. Era tão real que um arrepio foi arrancado dela, a própria bruxa. — Que eu estava em 2009. E depois em 1963.

Encararam-se.  A mulher a sua frente tinha os ombros rígidos e a boca aberta, como se esculpida em obsidiana, prestes a dizer algo. Sua garganta engoliu em seco, mas outra voz falou por ela.

— Wanda.

As duas viraram o rosto na direção de Steve Rogers, próximo a porta. Sem um sorriso em seu rosto, sem a cor azul.

** **

Steve gastara muito de seu autocontrole para aceitar sugestões de Shuri, por mais que ela fosse uma figura de autoridade do país em que punha os pés e buscava abrigo. Chamaram a enfermeira que lhes atendeu há dias e ele ficou satisfeito que tenha chegado logo, com seus olhos atentos e rápidos, como se pudesse ler todas as lesões de sua paciente e enumera-las uma a uma. E, pela maneira que as pupilas dela iam e vinham sobre a figura de Wanda Maximoff, Steve preocupou-se de existir ferimentos mais fundos do que ele poderia ver.

Estavam numa sala pequena, uma enfermaria básica do palácio, onde existiam somente uma maca simples e armários de vidro. Tudo era etiquetado e organizado, com cheiro antisséptico. Desta vez Njeri não queria deixá-la sozinha, não iria permitir que a pobre garota fosse repreendida novamente pelo Capitão. Talvez ela de fato devesse escutar algo, mas o momento não era propicio. Ele não era grosseiro, sarcástico e muito menos irresponsável, no entanto sua preocupação saía dos limites do corpo e era óbvio que não sabia lidar tão bem com questões da psiquê. Os punhos dele estavam fechados e ela teve certeza que seria mais fácil para Capitão Rogers se ele simplesmente pudesse socar alguém.

Quando pediu que a herdeira do trono saísse, ela se foi. Quando pediu que Capitão desse licença para conversar com a paciente, ele pareceu feito de mármore, pesado demais para que fosse movido.  A enfermeira tirou os olhos dele e suspirou enquanto procurava um calmante entre as caixas, um leve.

— Você é alérgica a algo, querida?

Wanda demorou a esboçar uma reação. A enfermeira repetiu a pergunta, depois lançou um olhar a Steve, que passava uma das mãos nas têmporas. Quando a garota pareceu despertar,  negou com a cabeça e aceitou o copo de água, o comprimido e o sorriso oferecido por Njeri.  Ela se sentou em um banco ao lado da maca, com um tecido branco e um frasco de solução antisséptica em mãos, logo pegando a palma ferida de sua paciente.

— Capitão Rogers, pegue as bandagens na prateleira esquerda. Direita, direita. Mais um pouco. Aí, obrigada. — Ela ofereceu mais um sorriso à Wanda ao limpar o corte, imaginando o que teria acontecido. — Também preciso de algo que não está nessa sala. Você teria como pedir para um dos assistentes, por favor?

Steve murmurou, assentindo à contragosto. Não queria deixá-la, mas o pedido o fazia se sentir aliviado.

— Ótimo. Eu preciso de 20 imizuzu de Hypericum perforatum. — Njeri disse o nome do ingrediente sílaba por sílaba e, quando ele repetiu perfeitamente, se deu por satisfeita.

— Uma dose de 20 imizuzu?

— Isso. — Ela sorriu. — Não se preocupe, qualquer um vai entender.

Steve lançou um último olhar para Wanda e depois saiu.

A enfermeira soltou outro suspiro. Foi rápida com o ferimento na mão, pois não era tão fundo quanto as manchas de sangue na roupa dava a entender. O que lhe causava apreensão na verdade eram as reações da estrangeira, que ela sabia ter quadros de depressão e ansiedade.

— Bom, você já me conhece. — Encostou no os dedos na têmpora dela, examinando também o antigo corte causado pelo combate contra as Dora Milaje. — Hm, melhorou bem. Diga, o que aconteceu hoje?

— Eu... — Ela franziu a testa. — Eu olhei perto demais.

—O quê, querida?

A boca de Wanda ficou entreaberta e nenhuma das centenas de palavras que bombardeavam seus pensamentos escapou de seus lábios.

— Sei que visita Barnes vez ou outra. — Afagou seus ombros. — Não sou apenas enfermeira aqui no Palácio Real, senhorita Maximoff. Também faço parte da área de pesquisa e fui eu quem entreguei os relatórios à vossa Alteza, Shuri. — Ela pegou sua mão ferida com cuidado. — Só achei que ela teria uma reação razoável ao conversar contigo.

— Não foi ela. E também não fui eu.

— Certo. — Respondeu com cautela. — Você não precisa explicar tudo agora, mas todos aqui querem te ver melhor. Não vou exigir algo que não queira e nem consiga fazer, no entanto, faria bem uma visita uma vez por semana, talvez? Podíamos aproveitar melhor os jardins. Soube também que gostou da nossa comida e que toma chá.

Njeri soltou um riso breve, e quem sabe até mesmo impróprio, embora a graça não tenha ficado clara para a estrangeira.

— Steve Rogers voltará daqui a pouco. Pode descansar, querida.

Enquanto a enfermeira, ou melhor, não-somente-enfermeira guardava seus utensílios, perguntas ardiam no fundo da cabeça de Wanda. Minutos escorreram. Ela ainda não raciocinava tão claramente, ás vezes via pólvora e sangue quando piscava, no entanto as palavras se formaram em seus lábios trêmulos:

— Você tem medo de mim?

— Não. Eu temo por você, Maximoff. — A mão dela ficou suspensa no ar, depois a recolheu. Era o esboço de um gesto terno, maternal, de passar as mãos nos cabelos dela assim como faria na filha. — Nem todos aqui partilham da mesma opinião que eu, mas acho que você é só uma garota com muito poder em um mundo sádico. E você, feito uma criatura acuada, mordeu de volta.  Bom, — Ela voltou seu corpo para os armários, fechando-os. — Depois do instinto, vem a razão. Você vai aprender a lidar consigo mesma. E vai ficar bem.

Njeri olhou para a pulseira azul em sua mão.

— Está na hora de Rogers voltar. Depois me conte se gostou do chá, certo?

 

Não houve tempo para resposta, pois logo saiu da sala, deixando-a sozinha. O remédio já fazia efeito, aliviando a velocidade absurda e violenta das batidas de seu coração e aliviando os pensamentos fragmentados que lhe atingiam fundo. Ela encarou o nada por um tempo, tentando se focar no que Njeri dissera e no porquê ela rira ao falar do chá.

Só entendeu quando Steve apareceu na porta, com uma xícara e pires na mão.

— Aparentemente, isso é um golpe que Njeri dá quando precisa de um tempo sozinha com seus pacientes. — Ele disse em tom de derrota, entregando o chá para Wanda. — Vinte imizuzu, vinte minutos.  Hypericum perforatum, hipérico. Eu deveria saber.

Não estava tão bravo quanto achou que ficaria.

Ele se sentou á sua frente exaurido, porém também aliviado por vê-la mais calma. Notou que o verde de suas íris estavam acesas e que agora suas pupilas o acompanhavam com atenção, foco. Apoiou os cotovelos os joelhos, inclinando o tronco em sua direção. Sua postura era incerta bem como sua voz, sem saber onde começar. Indicou sua mão enfaixada com um gesto suave do queixo, indo direto ao ponto:

— Wanda, — Steve testou a voz. — De onde veio isso?

Ela aproveitou da sua bebida para tomar tempo para pensar, como sempre fazia. Fingiu que o gole era longo, embora fosse quente e lhe queimasse a língua.

— Promete não se irritar?

— Eu não estou irritado com você. Eu só... — Passou uma mão na barba. — Estou frustrado, acho. Você mal come, mal dorme. Eu nem te vejo lendo mais. Se machucou com as Dora Milaje. Com Shuri. E agora... Agora isso. Eu não entendo, Wanda. O que eu posso fazer pra você melhorar?

A aura dele estava azul, afinal de contas, de modo que Wanda se arrependeu de ter pensado o contrário. Como não seria? Nos olhos dele havia um pouco de verde também, de sua boca saia sempre alguma palavra gentil. Ela deveria saber, e deveria se inspirar nisso, talvez. Deveria estar à altura.

— Desculpe.

Ele sacudiu a cabeça lentamente.

—  Onde você foi?

—Eu... Eu voltei ao laboratório de criogenia depois daquela noite, Steve. Mais de uma vez.

Wanda já tinha a sua atenção, mas ao mencionar o laboratório, houve um quê de dureza no seu olhar, um quê de hesitação e também um quê de culpa, mas ela não o culpava. Wanda sempre podia esperar o melhor dele, mas ele não podia fazer o mesmo.

Afinal, era de Bucky que eles estavam falando. Era um pedaço de seu passado, talvez o último deles, que mantinha Steve Rogers ancorado na terra. Ela entendia o peso disto, pois seu Norte e estrela-guia eram um rapaz veloz que se fora e Wanda não podia se sentir mais... Não, não haviam palavras para descrever. Somente vazio, ausência.
Ela se viu naquela sala como uma menina tola, mentalmente cansada e fisicamente ferida, tentando justificar atos imperdoáveis. Não havia consentimento em entrar na mente desacordada de James Barnes... Ainda assim, no fundo do oceano escuro em que parecia sempre se afundar, as memórias dele a arrastavam como uma corrente. E, de repente, ela não estava mais sozinha.

E, de repente, o mundo abissal era mais suportável.

Será que ele sentiria nojo ao ter suas lembranças tocadas por ela? Talvez. Seria a coisa certa a sentir.

— E no começo era só pra desabafar, não sei, depois James me mostrou coisas. Memórias.

— Você me fez ver aquilo no Natal.

O pensamento de Bucky enquanto caía do vagão de trem, compartilhado com a Feiticeira Escarlate e depois com Steve.

“Graças a Deus sou eu, e não você.”

As mãos delas eram inquietas e brincavam com as mangas da blusa, até que ela percebeu que estavam também manchadas de sangue.

— É. — De novo seu olhar foi de encontro com o dele, e era terrível como aquilo a feria. Sua voz saiu vazia, depois veio um riso breve e morto. — E o que começou com uma ideia boa saiu do controle, como sempre acontece comigo.

Deu de ombros, um sorriso salpicado por lágrimas. Steve franziu a testa, captando ao que ela se referia: HYDRA, Ultron, Vingadores.  A cada aliança, uma perda.

— O que você viu?

—Eu descobri coisas sobre o homem de 1963. Quem matou JFK. E... E havia um caderno de capa vermelha que Alexander Pierce lia para ativar o Soldado Invernal. Se o encontrarmos, talvez... E podemos entender melhor o que está acontecendo agora com esses hacks, o motivo desse grupo. Steve. — O tom dela era de súplica. —  Por favor, diga alguma coisa.

— Você não voltou lá só pelos hacks. Pare de me dizer meias-verdades, Wanda! Isso está te machucando e eu só quero entender o que está acontecendo. O que você quer provar? — Ele tomou fôlego, surpreso e arrependido com o próprio tom. Sua cabeça pendeu para baixo, tentou recomeçar a frase. Ela, sentada, encolhia-se. — Nós nos importamos com você. Sam e eu surtamos de preocupação. Deus, não queremos perder mais ninguém da equipe. Eu não quero.

Ela tinha os joelhos juntos e a cabeça baixa.

—Eu me vi, Steve, numa memória dele. — O nervosismo dele deu lugar ao silêncio. — Uma memória que eu não tenho. Senti que deveria que descobrir mais. Me desculpa.  Eu só... É difícil, ok? Vocês... Olhe só pra mim, Steve. O que você vê?

A quietude permaneceu e ela concordou, meneando a cabeça.

— Você vê olheiras. Cabelo sem brilho. Pele opaca. Alguém que... — A olhar dela foi direto. —Eu não sou nada. Nada! E me sinto exatamente assim. E toda vez que vejo você, Sam, Natasha... Barton, eu me lembro disso. Por mais que eu deseje tanto, tanto, eu não consigo mais sentir... — Segurou a própria testa. — Eu não sei, Steve. Me perdoa. Eu queria ser diferente. Eu quero.

—Ninguém acha isso de você.

“Ninguém te odeia, Wanda”

Aquela frase de novo não. As paredes da sala pareceram se mover e deixar o cômodo cada vez menor, suas costelas acompanharam o ritmo e apertaram seus pulmões. Ela soltou um engasgo incontido, e nessa hora nem bem se direcionava a Stevie. Mais falava consigo mesmo, reafirmando o que todos os dias enxergava.

— Vocês são tão maravilhosos. Até as falhas de cada um são perfeitas, Steve. Eu vi. — Lembrou-se de como Romanoff podia ser tão gentil, sentir-se tão vulnerável e odiar profundamente tudo isso. Sam temia não acompanhar o grupo, então trabalhava duas vezes mais. Steve, sempre com o coração maior que o corpo, mas com o escudo pequeno demais para proteger a todos. — E é difícil olhar pra vocês. É como encarar o Sol.

Ele tentava compreender, mas discordava dela em tantos níveis que não se continha dentro do corpo. Levantou-se do banco e sentou-se ao lado dela, assim como fizera em Nova York no início do ano, antes de toda aquela loucura começar.

Steve sabia de seus defeitos, por mais que a propaganda de homem loiro, patriota e cordato lhe dessem essa imagem virtuosa, atemporal. As palavras não saiam bem, a boca o traía.

—Eu não sou perfeito como... Como todo mundo espera que eu seja. Se fosse, eu saberia lidar com tudo isso. Tirar a sua dor, de Bucky. E nada disso teria acontecido... Nós não somos perfeitos. — Retomou o raciocínio, desviando-se da culpa. — Nossas feridas só são mais antigas, nem todas cicatrizadas. Tivemos tempo para digerir tudo isso... Crescer. Superar. Eu tive setenta anos no gelo, praticamente. — Riu, sem achar graça alguma. — Mas está machucada. Desapareceu por quatro horas. No quê essas... Memórias te ajudam?

 O sorriso dela, triste e culpado, sufocou a garganta de Steve.

— As memórias dele... Não me deixam sentir só. Eu sei que isso é egoísta e doentio. Me desculpa. Mas, de alguma forma... Bucky é um espelho.

— Ah, Wan... Você não está sozinha. Nunca.

Ele a abraçou e naquele abraço houve um pouco de azul, a lembrança distante da cor prata. O momento foi breve, mas surtiu efeito. Quando se separaram, ela lhe ofereceu um sorriso, daqueles estranhos e lindos sorrisos de quem conseguiu juntar seus cacos e encaixá-los um a um, mesmo peças faltando. Wanda voltou a encarar a própria mão, tentando compreender o que teria realmente acontecido para seu corpo físico se ausentar durante tantas horas.

— As memórias são muito fortes, Steve. — Ela passou a mão na nuca, recordando-se da sensação pungente de eletricidade. Nela, em Bucky. Será que em Natasha também? — Eles... Usaram altas voltagens. Não é à toa que ele talvez prefira esquecer ou ser... Congelado. Dormir. Dói muito.

O rosto dele exibiu uma expressão perspicaz, mas também dolorida. Fechou os olhos por alguns instantes.

— Mas você passou os dedos no pescoço. Você...?

— É. — Ela deu de ombros. — Eles não só me colocaram uma coleira elétrica. Eles e a usaram também.

— Minha nossa. Ah, Wanda... Isso tem que parar. — Disse, não para ela. Para todos, como se o planeta inteiro pudesse escutar seu sussurro, sua fúria. Quis poupá-la, mas permanecia incerto do que fazer.

— Eu não estou bem, Stevie. Ás vezes nem eu sei exatamente a razão ou se existe uma razão específica. Mas eu quero entender o que eu sou e quero ajudar. Ser útil, alguma vez. Sem mortes.

Ele piscou duas vezes antes de responder, imaginando se aquilo tinha sido a precisa sensibilidade dela ou se mais uma vez Wanda vislumbrara seus pensamentos, já que respondera ao seu questionamento do que deveria fazer. E era uma coisa tão singela: Não tinha que fazer algo, tinha só estar ali.

A abraçou de lado.

— Certo. — Steve respirou fundo. — Disse que estava em 2009, depois 1963. Conte-me sobre o homem nas fitas.


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Notas finais do capítulo

Agora me respondam, vocês preferem capítulos grandes, mas que demoram por volta de 1 mês para serem postados, ou capítulos curtos que saem de 15 em 15 dias?
E cataram a referência do homem das fitas? Não, não é Hannah Baker genderbend.
Assistam o video pra ter uma ideia: https://www.youtube.com/watch?v=ByCY2UYLHG8
fangirlizem comigo ♥
*Я готов ответить - "Pronto para cooperar"
*да - "Sim"
Por favor, me digam o que acharam! Correções, sugestões e headcanons são bem-vindos!



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