Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 21
XXI


Notas iniciais do capítulo

Olá! Teremos mais frequência nos próximos capítulos porque na verdade este estava grande demais e o dividi em três. Acredito que postarei ao longo dessa semana mais dois! Quero agradecer à todos - todos, inclusive você! - que continuam comigo nessa jornada incrível, em especial as leitoras Dhowechelon, Bia Jackson, Madame Scissorhands e Amelina Lestrange ♥ Muito obrigada! Seus comentários no último capítulo me motivaram bastante em um momento difícil.
Espero que apreciem a leitura!



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— Aqui, café. — Sam apoiou uma caneca na mesa, o retinido da porcelana contra o vidro despertando a atenção de Wanda. — Só não vá ficar viciada igual Barton.

Ela lhe ofereceu um sorriso mudo e depois bocejou. Numa semana comum tomaria chá, mas a questão não era relaxar e dormir, mas sim permanecer desperta para pesquisar na Sala de Inteligência, junto a Steve e Sam. Tomou um gole longo do café encorpado e quente, com um aroma forte, já em seguida piscando os olhos de forma mais vívida.

Já fazia algumas horas que estavam ali, sendo que ela acordou primeiro. Mal dormiu pensando na memória de dois anos atrás de James, e agora tateava arquivos às cegas para tentar entendê-lo. Seus colegas de equipe concordaram que seria uma direção inteligente procurar para quem trabalhou e o que fez, para então saberem quem poderia estar a sua caça no momento.
Wanda tinha meios mais fáceis do que olhar arquivos mortos e notícias para desvendar isso, mas que lhe custava cacos de seu coração e fiapos de seu psicológico. Ainda tremia ao lembrar se da sensação de desamparo, do instinto selvagem e poderoso atrelado a um quê frágil, porque já havia sentido aquilo antes, em seu próprio corpo, em seus próprios ossos.

De ambas as maneiras, demandava a energia e a paciência da Feiticeira. Pouco do encontraram em dados espalhados da SHIELD/HIDRA mencionavam a história de fantasma que o Soldado Invernal tinha, e tal fato era esperado. Se Natasha pouco sabia dele, por quê haveria mais registros na SHIELD? Por mais que os arquivos tenham sido vazados pela Viúva Negra, descriptografá-los e selecionar os relevantes exigia tempo e paciência.

Devido a isso, pouco progrediram ao pesquisar sobre o Soldado Invernal ou a morte de JFK. Wanda, em sua busca pessoal, também não encontrara o restante dos relatórios da base próxima a Novi Grad, Sokovia.

—Talvez não devêssemos olhar tanto para trás. — Murmurou Steve, com a mão apoiando o queixo. — Sem operações de campo ou alguém tão bom em hack quanto nosso alvo, não temos tanto material sobre o Soldado Invernal. Mas, — Ele deu de ombros. — Podemos ver o que Zemo viu. Ele chegou até Bucky de alguma maneira.

As mãos de Wanda tremeram e junto ao espasmo, veio uma dor aguda em sua cabeça. Ela viu, por alguns instantes somente, um caderno com uma capa vermelha e uma estrela negra no centro. Suas páginas eram amareladas pelo tempo e sua aura despertava assombro visceral. Pensou ter gritado, mas ao abrir os olhos a cena do escritório continuava tranquila.

A luz de fora era amena no vidro das janelas, a luz de dentro artificial tingia tudo de branco e certo tom de higiene e esterilização.  O cômodo era amplo, minimalista e neutro a ponto de Wanda sentir-se enojada. De repente lhe vieram à mente lembranças de hospitais que não eram hospitais, de laboratórios que não procuravam nenhum tipo de cura e médicos que causavam nada além de dor.

Steve apenas olhou para ela, soltando um sorriso reconfortante em meio aos papéis.

— Parece cansada. Que tal uma pausa?

— Não, eu... Eu vou continuar aqui. — Disse ela, com zero de convicção. Ela tinha visto aquilo mesmo? A imagem e a dor associada a ela eram praticamente palpáveis, mas o rugido caótico dentro de si murmurava manso. Só não sabia se era porque o usava muito nas noites no Laboratório ou se era indício que nada havia ocorrido realmente. — Talvez surja algo interessante. Se Natasha mandar algo, quero falar com ela.

— Não sei se algo diferente vai acontecer nas próximas duas horas. — Sam suspirou. — Te avisamos caso ela ou Clint entre em contato, mas acho difícil. Estamos a praticamente dez horas de diferença de fuso horário do Barton, e agente Romanoff geralmente notifica quando irá passar uma mensagem longa. Vá dormir um pouco.

— Eu não quero descansar enquanto vocês trabalham.

— Bom, podemos todos tirar uma pausa. — Steve levantou, indo em direção a Wanda. Girou a cadeira dela de forma gentil, oferecendo sua mão para que ela pudesse se erguer. — Vamos esticar as pernas. Um pouco de caminhada vai refrescar nossas ideias. Nada vai mudar em duas horas.

O sorriso dela foi torto.

— Desde que eu não seja obrigada a correr igual a vocês dois.

Sam riu.

— Igual a esse maluco. Eu corro feito uma pessoa normal, sabe? Atleta.

— Não tem nada de normal em tentar acompanha-lo, Sam. — Ela se levantou, o sorriso maior ao deparar-se com a expressão injuriada dele. Deixaram a Sala de Inteligência, Wanda sentindo-se estranha por estar tão aliviada de sair daquele ambiente inócuo e branco.

*****

As pálpebras de Wanda estavam pesadas, mas com esforço ela abriu os olhos. Piscou os cílios, em um breve e confuso ajuste de sua visão ao nevoeiro que encobria o restante do cenário, esfumaçando o mundo que havia entorno da montanha e encobrindo a vegetação de segredos. Wanda pôde ouvir o murmúrio da brisa gélida, pôde ouvir o som caloroso de uma voz feminina.

E de repente era como se ela fosse tragada para dentro de um cômodo conhecido, largo e à meia luz.

Ela sentiu aconchego, como se estivesse perto de uma lareira. Tentou virar a cabeça, descobrir quem era ou balbuciar uma palavra qualquer. Seu corpo não reagiu, depois sua mente seguiu a apatia. Seu coração batia tranquilo dentro do tórax, mesmo que ela fosse vulnerável e inerte, pequena em sua pouca consciência.

Aquela canção... Não era roma, nem judia. Era uma que ela jurava ter conhecido há pouco tempo, em uma memória roubada de certo soldado, embora a memória também devesse ser sua.

Mas não era.

Talvez aquela língua fosse polonês. Talvez quem cantasse fosse uma mãe. E ela não teve certeza de nada, nem se a visão de um rosto bovino era verdadeira ou se aquele lugar estranho existia. Uma lembrança? Alucinação? Sua cabeça era capaz de distorcer qualquer coisa.

No fim, foi transportada de volta.

Wanda abriu os olhos mais uma vez e franziu a testa, incerta de quanto tempo se passara desde que deitara em sua cama. Meia hora? Três? Parecia uma eternidade, e ela, feito um fantasma, despertara de sua tumba.
Sabia que havia uma montanha, um idílio. Uma lareira. Um rosto estranhamente animal. E tudo aquilo não fazia sentido, mas era um sonho que a acompanhava há alguns anos. Passou a ficar menos e menos frequente devido aos pesadelos envolvendo explosões e o teto desabando, mas ainda estava lá, de alguma forma.
Ergueu seu tronco, as pupilas acostumadas ao escuro, mas não aos móveis que encontraram. Ao tirar a cabeça do travesseiro, os detalhes do sonho se desvaneceram de sua mente assim como das outras vezes.
Ainda esperava se deparar com o quarto de sua infância, com a janela rangendo com os segredos do vento, mas estava em Wakanda e o clima quente denunciava que ela não era destas terras.

Talvez, ela pensou, se ainda estivesse no frio e enrolada em cobertas, as manhãs pareceriam as mesmas. Pietro no quarto ao lado. Pietro logo entrando aqui. Pietro.

O relógio marcava 04:52 do dia 30 de Dezembro e ela podia afirmar que se passara a eternidade. Um dia se arrastava por um século sem sua metade azul e prata. Ao acordar, Wanda se perguntava se aguentaria sequer mais um ano.

Ela acendeu o abajur, pois não fazia mais sentido fingir que a escuridão era seu sono. Tentou ler alguns livros que fingira ter interesse, trocou sua camisola por roupas casuais. Pensou em vestir o suéter vermelho dado por Natasha para sentir que havia mais alguém junto à ela, mas aquilo era uma completa mentira e estava quente de qualquer jeito. Enquanto passava os olhos nas linhas que não lhe diziam nada, um pensamento formigava no fundo de sua cabeça.

O dia anterior tinha sido bom.

Sim, tivera uma visão súbita de um caderno vermelho de couro e sentira um absoluto terror daquele objeto. E ele estivera só em sua mente. Em seguida, se viu com nojo do branco e do puro, pois cada canto e decoração elegante de Wakanda se pareciam com uma versão refinada de um laboratório e naquela tarde ela só conseguia recordar-se de agulhas, substâncias, gritos.

Um gatilho, e um bem poderoso.

 Mas fora convencida a caminhar. Ela, Steve e Sam aproveitaram uma tarde de quinta-feira de ócio, aproveitando do sol e dos jardins. Zombou de Sam por prestar atenção nas aves e por elas estranhamente se interessarem por ele de volta; Os dois zombaram de Steve por levar seu caderno de desenho, parecendo um estudante de Artes exibido. Mas eles não zombaram de Wanda por qualquer motivo frívolo e infantil que fosse, e aquilo a deixou mais ciente de sua condição e de como nem ela, nem eles, sabiam como lidar com isso. Naquela tarde, eles riram, porém Wanda sabia era passageiro. 

E a ela se odiou por aquele dia.

Porque mesmo em cada momento de alegria, lembrava a si mesma de que iria acabar. Tudo iria acabar, porque tudo um dia já acabara e seu irmão estava a sete palmos do chão. E aquilo não era justo. Não era justo com ela, com Stevie e Sammy, porque eles a haviam feito sorrir e se esforçavam todos os dias.

Odiou-se por estar daquele jeito em pleno Hanukka.

Acender a vela do shamash e as outras melhorou seu espírito, mas a luz dentro de si também foi soprada assim que as apagou. Ela queria ter rido mais enquanto comia frituras com Sam, contado que Pietro se queimava com as velas e como ela tinha que ficar de olho para que ele não se aproximasse demais. Gostaria de ter sentido mais o seu próprio coração enquanto entoava as cantigas do festival. Ela se perguntava se realmente tinha morrido junto com Pietro, assim como dissera à Ultron, no entanto já sabia a resposta.

Havia dias que parecia não ter coração.

Ao menos tinha dormido um pouco. Isso a faria menos irritável no dia seguinte. Ou melhor, hoje.

Suspirou. Levantou-se da beirada da cama e foi até a prateleira, pegando um caderno seu. Ela sentiu falta de um scrapbook que Nat havia feito para ela no Natal do ano anterior, mas os milagres de Steve não eram tão grandes a ponto de ele conseguir permissão para pegar seus pertences na Base, no norte do estado de Nova York. Dentro deste caderno, comprado por Sam em Wakanda, ela tirou a foto que Pietro guardava.

Ele, enquanto ainda vivo, a encarava todos os dias, pois além dos dois era a única coisa que valia a pena levar dos destroços do bombardeio. Dizia: “Nós vamos ficar fortes. Rápidos. Melhores. E sairemos dessa miséria, você e eu.” E desmanchava-se em ira quando via a imagem, de bordas queimadas e um pouco amassada. Era um feito e tanto mantê-la depois dos anos no orfanato e depois nos laboratórios.

Era difícil olhar.

Difícil, difícil também não se partir em cólera.

Foram tão tolos, tão ingênuos, pensando que apenas a ira e a vontade de mudança os levariam a algum lugar. Wanda queria chorar ao ver seu pai, sua mãe e seu irmão na fotografia, mas já não tinha mais forças, por mais que estivesse ressentida com suas próprias ações e com o país em que aprendera a amar e odiar. Crianças órfãs em um estado em guerra ofereciam seus corpos por um jantar ao fim do dia, e os gêmeos Maximoff tiveram sorte de se entregar um pouco mais tarde que os demais. O orfanato não abrigaria mais indivíduos maiores de idade e foi naquele ano em que ela tomara uma das piores decisões da vida.

Wanda, hoje mais velha e mais amarga, entendia que fora atraída com os argumentos perfeitos pela HIDRA, mas que a pessoa a morder a isca tinha sido ela. A decisão foi sua, seja por pressão das condições de sobrevivência ou ambição. Tolice também.
Eles não a obrigaram de início. Ela e seu irmão acreditaram que a primeira etapa seria composta por exames de sangue, testes físicos de resistência e agilidade. Talvez agora atualizassem suas vacinas. Pietro não ficaria mais doente. Não iriam mais precisar roubar comida. Ganhariam melhor instrução, já que a escolaridade de um orfanato de periferia naquele país ex-soviético não era sólida. Seriam apenas alguns meses, disse uma vez um dos agentes. Dependendo dos resultados, fariam oposição significativa ao governo corrupto e a intervenção estrangeira. Seriam heróis. Ajudariam os orfanatos, os romani marginalizados.
Havia outros jovens lá, disseram. Outros iguais a eles e todos salvariam Sokovia.

Os olhos dela tingiram-se de carmim, pois a recordação de suas próprias palavras despertava um rugido rancoroso de si.

“Nós vamos nos vingar de Stark?”

A expressão daquele homem da HIDRA era difícil de apagar. Anos depois ela foi compreender aquele riso meio lupino. Ele sabia o que vinha pela frente e era encantador ouvir que, mesmo com promessas de esperança e paz, o que uma adolescente realmente desejava era vingança.

“Sim. Você poderá ter sua vingança depois de ser útil para seu país.”

“Então eu vou.” Dissera e Pietro segurou sua mão.

“E eu irei para onde ela for.”

 

Acariciou a foto com as pontas dos dedos, imaginando pegar o rosto de seu irmão com as mãos. De fato, aquela pequena imagem era pesada de mais, pois eram três corpos. Só faltava ela. Só ela.

 — Eles estão certos, Pietro? — Wanda murmurou, a voz apática. — Eu sou uma arma. E eu te matei.

Era estranho olhar para trás e ver tudo tão claramente. Os induziram acreditar que tudo o que faziam era para um bom propósito. Era necessário cooperar. A dor era justificada. Havia eles e os outros. E os gêmeos não queriam estar do outro lado, queriam? Havia sofrimento com a HIDRA, mas também a promessa de vitória. Glória. Recompensa. E fora dela, traição e morte.

Wanda provara todos esses sabores e o pior deles era saber de sua própria tolice.

Foi pura e simples lavagem cerebral numa adolescente.

“Eles te pegaram também? Você ainda vai cantar? Vai se lembrar de quem é e de quem ama?”

Aquilo que James pensou naquela memória... Ou o que Wanda achava que ele tinha pensado, aquilo não fazia sentido. Ela se lembrava de tudo isso, todos os dias, e não podia carregar tal peso numa carteira como Sam havia sugerido. Lembrava-se bem de quem era e não gostava disso. Amava pessoas que estavam a sete palmos do chão.

Sim, James. Eles me pegaram e eu não lembro mais a melodia. Eu não...

Fechou o caderno de súbito e logo levantou da cama. Ela precisava de respostas e elas não estavam ali.


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Notas finais do capítulo

*O sonho de Wanda na metade do capítulo faz referência a Wungadore nas HQs, bem como o rosto bovino que é justamente da Bova.
*Tento sempre expressar o quanto os sentimentos negativos de Wanda a impedem de ter uma visão clara sobre si mesma e sobre o que acontece em sua vida. Ela não enxerga quem a ame, nem consegue digerir o luto ou o arrependimento, sendo mais voltada aos seus erros do que acertos. Sei que pode soar meio repetitivo de vez em quando, mas acredito que devo essa reflexão a esta personagem que amo tanto e que é tão intensa. Os próximos capítulos serão mais acelerados e acredito que logo, logo teremos o nosso belo adormecido desperto!
Um abraço apertado a todos!
Viu um erro? Quer me contar um headcanon ou uma teoria? Por favor, reporte à Shal!



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