Vazios escrita por Shalashaska


Capítulo 14
XIV


Notas iniciais do capítulo

OHMAHGAWD. Faz éons que não apareço por aqui. Sinto muito por isso. Passei por um período estranho no cotidiano e aparentemente os três contos que escrevi nesse meio tempo foram negados na antologia de uma editora. Yeaaah, minha primeira rejeição *0* hahaha Enfiiim, voltei a escrever há pouco, mas não queria demorar para compartilhar com vocês. Não considero esse capítulo terminado porque há mais coisas que vão acontecer imediatamente após este ponto, porém ao mesmo tempo não sei quando poderei escrever o restante.
Agradeço muito pelo incentivo e por favor, não desistam de mim! ~~ WITH YOU 'TILL THE END OF THE LINE.



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Wanda acordou um bocejo folgado, manhoso. Esfregou os olhos com as costas da mão feito uma criança, logo depois percebeu que se sentia muito bem para as poucas horas que dormira. Sorriu. Bocejou mais uma vez, esticando os braços no sofá.

Sam e Steve ainda estavam na sala, também jogados nas poltronas opostas, em posições desconfortáveis e completamente adoráveis. Eles haviam comido, se divertido, trocado os presentes. Chegaram até a ir na sala de criogenia, fazendo barulho demais para aquela hora da noite, e Sam quis riscar um monóculo e um bigode no vidro da câmara de Bucky com uma caneta permanente. Os dois tomaram gemada com conhaque, Sam um pouco mais do que seu parceiro, de modo que seu sorriso radiante também estava ligeiramente mais afetado, rosado. Wanda não tomara, pois não se sentia confortável ainda com álcool. Não fazia tanto tempo assim que deixara de tomar remédios no combate à sua melancolia e o costume de evitar bebidas ainda era latente. Talvez ela devesse voltar a tomar.
Sam, é claro, foi impedido por Steve, pois além de jamais permitir uma asneira em plena Wakanda, seu metabolismo não permitiu ficar ébrio o suficiente para concordar com a ideia.

Wanda, naquela altura da madrugada, entregara o caderno de desenhos para Steve. Era pequeno o suficiente para levar no bolso, com folhas grossas e lisas para qualquer tipo de caneta ou lápis. Ele se tornara azul celeste de imediato, transbordando luz dos olhos.

“Faz tempo que não desenho. Uma vida inteira... Obrigado, por me fazer lembrar disso.”

Ela assentiu com a cabeça, sem distinguir se ele se referia à memória que lhe dera de Bucky há poucas horas ou o presente simples que colocara em suas mãos. Mas ficara aliviada pela gratidão e por ter feito algo certo, ao menos daquela vez.
Também dera um presente Sam, um óculos de sol redondo e elegante. Ele disse:

“Eu nem parei para pensar porque isso estava na sua lista de compras, mas droga! Ainda bem que tenho bom gosto.”

Wanda colocou os pés no chão, sentindo a maciez do tapete pelo tecido das meias. Parecia criança outra vez, acordando quando o mundo ainda dormia após uma noite de celebração, ou no caso, uma celebração secreta entre três – quatro? – amigos refugiados numa terra distante, um idílio longe da violência. Os wakandanos não comemoravam o Natal por não serem cristãos, mas até aí Wanda também não era. Ela não tinha certeza do que ainda era ou o que deixava de ser. De qualquer maneira, o clima de final de ano era inegável: revigorante, melancólico, de fim e começo. Recomeço?

De súbito veio a imagem de James adormecido. Era uma pena que não pudesse desfrutar de fortuitos momentos de descontração com Steve e Sam, que não sorrisse como deveria ou que não sonhasse sonhos doces como merecia.

Não entregara nada à Bucky, e de repente quis ter se preparado antes para lhe dar uma bengala de açúcar branca e vermelha. Bucky não respondeu nada na presença de Steve e Sam, o que a lhe deixou esperando por respostas, por outras visões de seus olhos cheios de angústia e passado. Bom, ela teria isso em mente para o ano seguinte e poderia trazer quantos doces fossem necessários para despertar o melhor amigo de Stevie só pelo poder do açúcar.

Seus lábios pararam de sorrir.

Será que haveria outro ano? Para ela ou para ele? Para o mundo em que viviam, que não os deixavam existir?

Fachos de luz entravam pelas frestas das persianas brancas e tingiam todo o cômodo de laranja do amanhecer, sem oferecer respostas. Ela contemplou o silêncio e o questionamento de seu amanhã, sempre tão perto e incerto.

Seu andar foi silencioso. Tinha equilíbrio e serenidade nos pés ao caminhar para fora da sala, em direção à mesa sempre farta. Havia uma pequena cozinha, discreta com a mesa de jantar de pedra negra reluzente, de quartzo, e uma fruteira constantemente cheia. Os serventes passavam ali ao menos uma vez por semana, reabastecendo em grãos, frutas e outras regalias que somente convidados especiais de um rei deveriam receber, não refugiados de uma batalha estranha entre um punhado de pessoas super-aprimoradas e políticas internacionais.

Wanda não sabia se eram tratados assim por serem diretamente relacionados ao regente de Wakanda ou se Wakanda era tão próspera à ponto da generosidade ser maior que ressentimento, afinal eles eram também relacionados à morte de nativos e do rei anterior, T’Chaka.

O café estava forte, amargo e quente. Wanda pegou um biscoito de gengibre natalino e mordeu sua perna, com um pensamento grosseiro ao imaginar sendo a perna esquerda de Deka destroçada pelos seus próprios dentes. E então sentiu-se mal por ter um pensamento tão violento em pleno Hannuka.

Por mais que pudesse arrancar a verdade por si própria com um mero movimento de seus dedos, Wanda se questionava se a mente dos outros eram tão volátil quanto a dela. Em um momento, dócil e compassiva. Em outro, destrutiva e gélida. Passava assim boa parte do tempo, do rubro ao azul, do frio ao quente, e no final só conseguia franzir a testa em sofrimento.

Ela queria partir Deka ao meio, de forma lenta e visceral. E também queria merecer sua amizade.

Ai, minha nossa. Por que você é tão estranha? Esquisita.

Esquisita. Esquisita. Esquisita. Esquisita. Esquisita. Esquisita. Esquisita. Esquisita. Esquisita.

Poderia realmente culpar Deka por não gostar dela? Wanda era responsável pela morte de alguns voluntários wakandanos em Lagos. Onze. E se algum fosse amigo dela? Pai, mãe. Irmão.

Tinha que conversar em breve com o rei T’Challa, fazê-lo entender que não iria dar certo. Não tinha dado certo. Não queria mais ser um fardo na formação de Deka, que ela própria disse que estava no fim.

Queria parar de ser um fardo para todos.

Wanda apoiou-se na mesa, colando o biscoito de gengibre de lado. Perdera a fome e o equilíbrio. Mas olhou a fruteira de novo e viu um punhado de ameixas. Ela deu um sorriso fraco, quase falso. Mais uma vez sofreu uma ruptura de pensamento, substituindo a repetida ofensa por uma memória terna, que nem era sua. Tentou imaginar Bucky mais novo, mais moleque, com bengalas de açúcar na boca e o nariz vermelho por causa do frio.

Ela sabia o que iria fazer em seguida. Sabia que não deveria, porque era tolo e infantil, talvez até perigoso. E sabia também que, dado às circunstâncias, ninguém a repreenderia.

Uma garota poderosa e descontrolada, coitada. Depressiva e aterrorizante.

Não era mentira e talvez, somente talvez, aquilo pudesse funcionar ao seu favor. Ao menos daquela vez.

Alguma vez.

Wanda pegou mais uma ameixa e saiu.

* * * * *

Os corredores estavam vazios ainda, naquela parte da manhã em que as pessoas estão prestes a começar seus afazeres diários. Wanda também gostava deste período do dia, do despertar leve da sonolência, do cheiro de café e chá, do desjejum em alimentos variados e em Wakanda tudo era ligeiramente diferente. Ela caminhava com a ameixa na mão, se sentindo tola e incorrigível. Dobrou esquinas, parou para admirar a decoração e visão das janelas. Cumprimentou um e outro wakandano, meio receosos com a estrangeira.

Ela deu de ombros. Não iria se desculpar por dar um leve passeio por um lugar tão bonito.

Esperou encontrar Njeri, mas não a viu. Talvez estivesse ocupada com algo formidável em que trabalhava ou quem sabe cuidasse da sua filha, coisa igualmente importante. Wanda sorriu, recordando de curtas lembranças e divagações da outra. A filha dela tinha em seus olhos grandes e castanhos a mesma expressão inteligente.

Como tinha tempo, Wanda optou por enrolar um pouco. Deveria descer as escadarias e ir até a parte mais afastada, onde seria possível entrar no laboratório reservado com visão da floresta. Um lugar deveras sereno. Mas continuou em frente, pois gostaria de ver o jardim do centro, assistir o agradável nascer do sol. E quem sabe até esbarrasse em T’Challa. Era uma possibilidade ínfima, pois ainda era mais cedo do que reis deveriam acordar, por mais que não se tratasse de um rei qualquer.

Antes disso ele era um guerreiro, e antes de guerreiro ele era um homem decente. Digno. Wanda divagou se poderia erguer o martelo de Thor, porém isso a fez pensar em outra pessoa e a memória lhe deixou triste.

Voltou a pensar em T’Challa e como contaria que não, não aceitaria a missão impossível de continuar se encontrar com Deka. A Feiticeira Escarlate não tinha nada a lhe instruir e a aprendiz de Wakanda certamente não desejava ensinar nada em troca.

Wanda pensou com força. Encontrá-lo pela manhã seria bom, uma vez que não o imaginava aborrecido neste horário do dia. Dobraria o próximo corredor e o enxergaria, sua postura altiva e simultaneamente calma estaria pronta para recebê-la, pronta para ouvir e aceitar o ela tinha a dizer.

E ela o encontrou.

Viu Vossa Majestade de costas, sua roupa escura e bem passada. Fina. E viu também uma figura menor a sua frente, mas não tão menor assim.

Deka.

O corpo de Wanda recuou de maneira instintiva, antes mesmo que ela se tornasse consciente da aura agressiva entre os dois. Era quente e lhe provocou ondas de pânico no peito. Ficou próxima à parede, tentando conter sua mente de lançar pulsos escarlates para captar o que diziam. Não deveria se intrometer numa discussão.

E eles falavam wakandano, de qualquer maneira.

Ela argumentou, entredentes. Não parecia algo bom.

A resposta foi baixa demais que para que pudesse ouvir, no entanto não podia chegar mais perto se não quisesse ser pega em flagrante. Murmurou xingamentos em sokoviano. Seria mais fácil se tomasse o mesmo caminho que pegara antes, pois aquilo não lhe dizia respeito. Seria mais fácil e o correto a se fazer.

Wanda franziu a testa enquanto Deka exclamava mais uma queixa. O caos estava curioso e a feiticeira também. No entato, fazia tanto tempo... Tanto tempo que não permitia seu instinto escarlate correr pelas suas veias, natural e nato. Teria que ter cuidado, muito cuidado. Ela soltou um leve suspiro, canalizando sua concentração. Deu-se por vencida.

A curiosidade matou o gato, mas a satisfação o trouxe de volta. E aliás... Gatos tem nove vidas.

Seus olhos se banharam em vermelho e o ambiente tornou-se mais nítido. Cores, sons, cheiros, tudo saltava em seus sentidos. Sua percepção de maneira geral ficava aguçada e ela esperava que pudesse compreender, mesmo que de maneira superficial, o sentido das palavras que proferiam. Se era raiva, se era ressentimento. Era uma língua desconhecida, afinal de contas. Não entenderia como entendia inglês, sokoviano, romani e o íidiche, além que fazia meses que não praticava esta e outras habilidades. Os Vingadores precisavam que ela explodisse coisas com raios de energia, não que escutasse. Ela fechou os olhos e se pôs a ouvir com o coração:

Incredulidade. Sarcasmo. Questionamento.

Repreensão.

Ira.

Outra censura, mais dura. Esclarecimento.

Injúria. Direcionado para Wanda. Ressentimento. Humilhação.

A ter seu nome anexado à conversa, a ligação que o caos rubro sustentava lançou mais tentáculos a discussão. Houve um estampido e ela não soube dizer o que exatamente aconteceu, mas passou a distinguir cada tom e cada significado das palavras pairando no ar, proferidas pelos lábios grossos de Deka.

O coração da wakandana estava acelerado, bombeando litros e litros de sangue e adrenalina. Ela sentia fúria, mas acima de tudo sentia mágoa. Lutava para que sua voz não desmoronasse.

Isso é ridículo. — A aprendiz rosnou. — Eu não entendo, existem tarefas muito mais importantes a serem feitas. Existe um mundo lá fora.

— Pare de falar alto.— Respondeu, sólido e frio feito metal, feito vibranium. Absorvia todo o choque e violência sem se abalar. – Estou na sua frente e ouvindo muito bem.

Ouvindo bem?— Ela riu. – Você nunca me ouve. Eu disse que não queria. Essa tarefa é inútil. Nem é uma tarefa de verdade!

Pare. Pare agora.

Você está querendo me humilhar, é isso?— Deka odiou-se por ter deixado uma lágrima escapar. Idiota. Idiota, idiota, idiota. Ela também era filha desta terra e não iria chorar. Ela era metal, ela era cristal, ela era uma guerreira e só se permitiria sangrar. Jamais chorar. – Tem noção do que me pediu para fazer? De trocar o meu...

Nome.

 Identidade. Sua individualidade. Essência.

Wanda tapou sua própria boca com uma das mãos. Não sabia disso, como poderia saber? Uma força a puxou para baixo, mais forte que a gravidade. Suas pernas fraquejaram com o peso e ela não pôde fazer nada senão escorregar na parede até que parasse sentada.

Ah, Deka... O ódio era rancor transfigurado, degenerado ao último grau da exaustão. A Feiticeira deveria ter visto, sentido. Conectada à aura de Deka, Wanda sentiu a aversão da outra, o escárnio.

T’Challa a interrompeu.

— Pedi que fosse diplomática. Que fortalecesse laços.

— Aquela garota é uma coitada instável. Ela precisa de ajuda psiquiátrica, talvez até de remédios, não de mim.

— Ela precisa de tempo.

— Deusa, ela ainda insiste em sair no braço comigo!

— Isso foi o que eu pedi para você não fazer, como Rei de Wakanda.— A língua dele foi uma lâmina. — Isso era importante. É importante. E delicado.

— O mundo está se partindo pela metade e você quer que eu faça amizade com uma menina autodestrutiva? Isso é insanidade. – O sorriso dela foi falso, assim como o passo que ela deu para frente. Não era confiança genuína. — Eu sou mais do que isso. Mais do que um instinto maternal ou sei lá que porcaria anda pensando. Eu sou a mais competente para missões de campo e estou enfurnada aqui. Wakanda precisa mostrar sua força e estou mais do que pronta para isso. T’challa. Eu estou pronta.

O monarca não diminuiu o espaço entre eles.

 — Força não é sinônimo de violência. Você quer ser reconhecida por si própria, ser mais do que “a irmã”, “a filha”, “a herdeira”. Eu lhe dei um novo nome. Lhe dei algo que ninguém mais poderia ter feito, algo que eu só confiaria à você. Um nome provisório e que poderia ter desmentido assim como sua tarefa inteira. E o que fez?— Diante ao silêncio, repetiu: — E o que fez? Mostrou violência, não força. E o mundo que está se partindo não vai se unir com isso. Você não está pronta.

— T’Challa...

A voz dela mudou de estado de sólida para líquida, então para gás. Um sopro, quase inaudível.

— Tem sorte por não ter se machucado sério, mas duvido que com Capitão Rogers aqui você vá continuar a se encontrar com senhorita Maximoff. Está autorizada a sair com as Kobusuku Lingelosi para experiência, quando elas saírem de Wakanda. É o que queria?

Silêncio, dos mais dolorosos.

A conexão escarlate falhou, apagando-se brevemente como um pisca-pisca de Natal defeituoso. Wanda mal conseguiu escutar as palavras finais:

— Eu não mereço isso.

— Não, não merece. – T’Challa sentenciou, seu timbre mais grave e mais severo do que eram suas palavras. –  Você me decepcionou, mas não vou decepcioná-la de volta. Falarei com você em breve. Não terminamos aqui.

A conexão foi perdida e Wanda voltou a sua solidão de uma mente só. Sua curiosidade fora saciada de forma parcial, uma vez que certas frases despertaram mais perguntas do que respostas, porém sua garganta estava entalada. Ela passou as costas das mãos nas bochechas, afastando lágrimas que não eram suas de verdade. Ou eram. Difícil dizer quando se é parte da razão do choro de alguém e ainda por cima compartilha da aura por breves instantes.

Ela ouviu os dois wakandanos saírem do ambiente por caminhos diferentes, por onde felizmente não se depararam com Wanda sentada no chão. Ela, por sua vez, recompôs sua postura e saiu através do mesmo trajeto em que viera, lenta e ligeiramente desorientada.

De fato, teria sido mais fácil, o mais correto ter dado as costas à discussão. Deveria ter deixado a teimosia e maldita curiosidade de lado.

O gato pode até ter não morrido, mas sentia culpa.

E tinha várias vidas para desfrutar deste sentimento.


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Notas finais do capítulo

Vou tentar correr um pouco mais com a história ♥ Quero mais drama e BUCKY, after all. E caso estejam se perguntando se "Doutor Estranho" alterou o curso da fic, posso adiantar que não, ou ao menos não inteiramente... Hahahah Em caso de erros e incongruências, acione o alarme vermelho e reporte a situação à Shalashaska!
UM BEIJO GRANDEEEE!