Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 8
Ne me quitte pas


Notas iniciais do capítulo

Olá! Esse capítulo ficou grande, mas também está delicioso. Espero que gostem ♥ A música do capítulo é Ne me quitte pas, do Jacques Brel. Obrigada!



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A única frase que Olívia repetia para a mãe nos dias seguintes foi "por mais injustificável que seja, eu só volto a falar com você quando me explicar qual o seu problema com o Matt". A sua resposta era sempre a mesma. "Está agindo como criança, Oliver. Acreditando ou não, você cresceu. Não pode ficar de mal com alguém quando não consegue o que quer". Já a enferma discordava totalmente, vendo sua postura de querer saber o que houve a mais madura e adulta possível.  

Está certo que ela é orgulhosa e teimosa, mas não queria parar a própria vida. E, por conta disso, usou todas as suas forças para se exercitar nesses dias. Ela estava progredindo, e estava feliz por isso. Seu plano era aprender a andar e sair atrás do Matt, sozinha. Com certeza teria a sua ajuda, já que ela está quase prisioneira do hospital e da família. 

Sebastian, seu amigo e enfermeiro, veio buscá-la certo dia para a fisioterapia, sendo ele quem iria segurar sua mão para a caminhada diária. Olívia nunca questionou, mas seu olhar sempre era muito pensativo. 

"Sebastian, o que está pensando?", perguntou após minutos esticando as pernas em silêncio. Ultimamente ela tem sentido certo incômodo ao senti-lo tocar sua coxa, enquanto a ajuda. Era estranho, sentia um formigamento. Amélia disse que tem a ver com a menstruação, que, a propósito, foi assustadora. Quando estava indo para o banho, em pé, viu a cama suja, e simplesmente gritou. Ficou rouca o resto do dia por conta disso. 

"Eu... Apenas acho incrível demais você andar tão rápido", ele respondeu. 

"Ah, isso é verdade. A doutora disse que as injeções milagrosas vão me fazer andar mais rápido do que o normal", ela disse contente, esbanjando movimentos no joelho. 

"E a que custo?", falou, mas ficou em silêncio por um tempo. Quando viu que ela não diria nada, prosseguiu. "Você vai ter que levar injeções para o resto da vida. Hoje, é diariamente. Amanhã, de dois em dois dias. Depois, semana em semana, mas vai continuar escrava desse remédio. Eu não sei, e provavelmente a doutora também não, em que isso pode implicar futuramente. Ninguém sabe o que está fazendo. É como se você fosse uma cobaia!" 

Era notável que ele havia se irritado, e Olívia não entendia por quê. Parecia que ele estava preocupado, e seus argumentos a deixaram assustada, e ele percebeu. 

"Me desculpe", pediu. Olívia olhou para ele, não intencionalmente, com olhos diferentes. Ela viu ali um rapaz preocupado e atencioso, o que a intimidava bastante. Não sabia explicar isso, mas o fato dele ser bonito a causava bastante estranheza. Ele tocava sua pele, cuidava dela, sorria, seus olhos brilhavam, ele se aproximava tanto... E ela não sabia se é porque se tornou uma moça bonita ou porque ela era realmente interessante. Ou, talvez, seja impressão. Olívia não sabia, mas isso se chamava puberdade. Seus hormônios eram muito adultos para uma mente tão jovem. 

Ela tentou afastar todos os pensamentos sobre Sebastian, focando nos exercícios. Ela já conseguia ficar em pé, especialmente quando acaba de levar a injeção. Sente-se potente com ela, e sequer sente mais a dor de quando se injeta no soro. Nesse dia ela conseguiu caminhar por quase cinco minutos antes de suas pernas falharem, mas depois voltou a pé - apoiada nos ombros de Sebastian - até sua maca. Todos no hospital a parabenizaram. 

Ao chegar no quarto, entrou em completo silêncio. Sentia-se como intrusa ao ver sua mãe e irmã. É claro que entende que Amélia a tentou ajudar, mas a culpa muito por ter se tornado tão submissa da Sra. Waldorf. Ela tem medo, como se estivesse sendo ameaçada. Isso tudo lhe soa muito estranho, já que sua mãe sempre fora tão dócil e agradável. Hoje em dia é tão bruta, rígida. Não é imaginável nada além da solidão para deixá-la assim, o que faria muito sentido. 

Olívia queria muito comunicar-se de novo com o Matt, mas o seu telefone foi interceptado. Fica do outro lado do quarto e ela está sempre sendo vigiada. Até mesmo os enfermeiros têm ordens drásticas. Eles são legais, ao menos. Dizem que sua mãe passava mais tempo no hospital enquanto a enferma dorme. A primeira teoria de Olívia foi de que ela gostava muito mais dela desacordada, mas explicaram que ela precisa trabalhar dobrado, já que as despesas aumentaram no quesito custo de vida e futuro. 

Por mais compaixão que tenha quanto a mãe, não podia ceder. Tinha que manter-se firme quanto a suas decisões. Iria ignorá-la até ter uma resposta do por que detestar tanto o Matt, já que ele não é culpado de nada. Ele nunca a machucaria, e ela se lembra mais do dia que qualquer um deles. Já explicou para a mãe, mas ela não entende! Parece esconder mais coisas. 

Um desses dias, quando tanto a Sra. Waldorf quanto Amélia estavam em casa, Olívia esteve no quarto sendo observada por Sebastian. Era noite, bem tarde, e estava tudo escuro a não ser por um abajur. Nenhum dos dois estava dormindo, apesar de se olharem em silêncio. Ele dorme durante o dia para o plantão, enquanto ela tinha noites curtas após passar dez anos dormindo. Sebastian estava a par de tudo que lhe aconteceu até o acidente, e, assim como Olívia, não entendia o ódio da Sra. Waldorf. A menina, então, decidiu arriscar. 

"Me passa o telefone?", pediu. 

"Para quê?" 

"Por favor, Sebastian. Eu preciso falar com o Matt. Não vou ter outra chance, por favor...", pediu. 

"Oliver, são quase quatro da manhã. Ele deve estar dormindo, e você também deveria. E eu tenho ordens. Não posso deixar...", disse. Olívia sentia a dor que era lhe negar algo, e então franziu a testa. Ela, então, levantou-se bruscamente e, com toda a sua força, foi andando até o telefone. Sebastian levantou-se de supetão e segurou sua mão. "Oli! Tenha cuidado! Você não se alongou." 

"Sebastian, me desculpe, mas não vai ser você a me impedir. Eu preciso disso. Não me importo se eu cair, nunca mais andar, dançar, o que for, mas eu preciso do Matt. Ele é meu melhor amigo", saíam lágrimas de seus olhos enquanto ela falava, mas não apenas por isso. Não era a dor física ou da negação que a fazia chorar. Era um mix de tudo que estava lhe acontecendo. Tinha momentos em que pensava que continuar em coma seria muito melhor para todos, e pensar em Matt era a única maneira dela sentir que há coisas boas na vida. "Me solta", falou, e Sebastian a obedeceu, cedendo espaço.  

Ela pegou o telefone e levou até a cama, onde deitou-se, cobriu-se até a cabeça com o cobertor e discou. Atende, atende. Atende! E atendeu. 

"Alô?", perguntou uma voz sonolenta e masculina. Era ele. Seu coração acelerou. 

"Matt, sou eu de novo. Por favor, não temos muito tempo". 

"Oliver?!", ele respondeu se levantando de sua cama. Olhos arregalados repentinamente. "Oli, são... Quatro da manhã. Aconteceu alguma coisa? O que foi? A sua mãe...", começou mas fora interrompido. 

"Shhh! Deixa que só eu falo. Eu estou presa no hospital, sendo mantida praticamente como refém. Estou cansada de estar aqui, Popeye. Vem me buscar. Me mostra o mundo! Eu... Eu estou tão sozinha... Vem me buscar...", pediu com a voz chorosa. Ela estava animada e contente por falar com ele, mas não podia evitar chorar. 

"Oli, o que aconteceu? Por que está chorando? Eu...", ele tentou, mas não conseguia falar. Estava feliz por ouvir sua voz a ponto de chorar também. E saber que ela estava infeliz o fez sofrer imensamente. 

"Não, Matt, vem me buscar. Por favor". 

"Isso seria sequestro, Oli. Não posso simplesmente ir aí te buscar. Sem falar que... Ah, tem tanto tempo... Ainda não consigo... Acreditar. É você. Viva, falando comigo. No outro dia achei que tinha delirado. Dirigi durante quase duas horas até o hospital, e me barraram na porta. Disseram que eu não tinha permissão para te ver. Eu estava tão perto... Eu...", e ele chorou. Olívia não ouviu, não percebeu, mas ambos choravam juntos a cada palavra dita. 

"Vem me buscar...", repetiu, chorosa. 

"Eu queria... Não posso, não dá..." 

"Matt, se disfarça, o que for, mas vem me ver, pelo menos. Ouvir sua voz não basta... Ninguém poderia te substituir aqui", ela falou. Para ele isso soava estranho. Por mais nostálgico que fosse, e, claro, jamais se esqueceu de nenhum momento com a amiga, fazia tempo o suficiente para ele estranhar esse sentimento tão forte da parte dos dois. Ele jamais conseguiria admitir em voz alta tudo o que ela admite de cara lavada. Ele sempre tentaria esquivar-se de dizer abertamente seus sentimentos. Ele sofreu na infância ao ler suas redações sentimentais sobre a dor da perda na sala de aula. Era chamado de baitola, gay, e isso não era nada comparado a quando o chamavam de assassino. Mas o acúmulo ocasionou em uma jaula criada por ele em torno de si mesmo. A última vez que falou de seus sentimentos abertamente faz tempo... Muito tempo. 

"Identidade falsa. É, Oli, eu vou. Eu vou te ver", ele falou, determinado. A perda de Olívia foi o estalo que o fez esconder-se, e falar com ela o fez estimular-se a se libertar. Era difícil, mas ele sempre fora otimista. Olívia riu de felicidade. 

"Você tem dois dias, Dunga. Caso contrário eu vou fugir em uma van junto a uma banda clandestina, estou avisando", disse entre risos. 

"Primeira coisa sobre essa nova década: fugir com uma banda clandestina não é mais uma ameaça com grande potencial. Se você tivesse dito que iria a um baile funk sul-americano sim, eu iria me preocupar", ele respondeu, fazendo a amiga gargalhar entre lágrimas. 

"Ótimo. Então é isso que farei, se é mais ameaçador. Vou te passar o endereço, anote. Te espero aqui no tempo estipulado. Senão eu juro que faço uma tatuagem. Aliás, você tem tatuagem?", perguntou, fazendo-o rir baixinho. Era impressionante como o tempo não mudou em nada a amizade deles dois. 

"Tenho. Na verdade tenho duas". 

"Legal!", ela comemorou, passando o endereço em seguida. Quando ele disse que anotou que, enfim, a ficha caiu. Eles iam se reencontrar! E isso não era pouca coisa. Era mais do que poderia pedir ou sonhar. Ficaram uns segundos suspirando no ouvido um do outro, ambos sorrindo. Faziam muito isso na infância - estar no telefone apenas por estar, sem dizer nada. Era divertido, inclusive. 

"Eu senti saudade...", ele falou de maneira abafada. Ela quase não pôde escutar, já que ele estava muito encostado no telefone. "Como você está agora?" 

"Toda enrolada no cobertor e com saudades, também.", falou em tom brincalhão. 

"Sabe o que quis dizer. Como você está? 

Ela refletiu um pouco sobre a pergunta. 

"Angustiada", soltou. Nesse momento sentiu que ele ia falar algo, mas Sebastian tirou o cobertor dela e apontou par a janela, mostrando que o sol logo ia nascer. Ela tinha que desligar. "Te espero em alguns dias. Ou horas. Estou ansiosa para te contar tudo e, principalmente, escutar tudo. Eu te amo, Matt." 

Desligou o telefone ainda escutando um "eu...", mas jamais descobriria o que ele iria te dizer. Entregou o telefone para Sebastian, que estava com a expressão abatida. Ignorou, incrivelmente contente por ter falado com o Matt. Virou de lado e, então, tentou dormir. De olhos abertos

Simplesmente não conseguiu dormir de tanta excitação. Precisava ver o Matt. Ouvir a sua voz em tom rouco deve ser quase tão bom quanto poder abraçá-lo. Ela queria tê-lo feito nos últimos dez anos, mas está feito. Quantos abraços que não são dela ele deve ter recebido nesse período? Quantas mãos segurou? Quantas amigas fez enquanto ela apenas dormia no tédio eterno. 

E foi assim que pegou no sono. Chorando pela sua morte temporária. Sentindo muita dor.


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