Tears in Heaven escrita por Maria Lua


Capítulo 9
Suspicious mind


Notas iniciais do capítulo

Olá! Vim rapidinho porque estava animada. Espero que estejam gostando. A música do capítulo é Suspicious mind, de Elvis Presley ♥ Boa leitura!



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Matt, eufórico, desligou o telefone, depositando-o em cima de seu travesseiro em uma cama muito bagunçada. Esteve completamente parado por algum tempo, sorrindo. Olhava em volta passando os olhos por cada quadro pendurado em seu ateliê. Ia completar dois anos que estava morando sozinho em um quarto e sala que lhe serve de local de trabalho, e desde então sente-se muito mais próximo de Middleburg, sua cidade natal. 

Sua cama, no centro do grande cômodo, estava cercada por quadros muito familiares que remetiam ao campo da vila onde morou com Olívia. Há mechas loiras caindo por cima que sequer parecia ser feito de tinta. Seus olhos, adormecidos, marcavam o céu de cada obra, devidamente disfarçados. Os lábios bem rosados e desenhados cintilavam nas sombras das árvores. Há azeitonas por todo canto. A menininha loirinha, dormindo na beira do rio, segurava azeitonas com tamanha força a ponto de esmagá-las. Em algumas obras ele a tratava como Alice, em outras como Lolita, como a Julieta, mas principalmente a Branca de Neve, ao lado de seu Dunga. Todas inspiradoras. 

Matt levantou da cama com certa dificuldade, acendendo as luzes. Por mais cansado que estivesse anteriormente, passou. Agora precisava pintar. Pegou uma tela, pôs no cavalete e, antes de começar o seu esboço, olhou para o espelho. 

Ele não podia acreditar... Iria ver a sua melhor amiga em pouquíssimo tempo e estava assim, com a barba mal feita, cabelo precisando de um corte, com olhos cansados. Ele não era mais o mesmo garoto, e isso poderia vir a se tornar um problema. Ela acordou. Não consegue imaginar um sonho melhor que esse, mas não sabe o que aconteceu enquanto ela dormia. Ela escutava? Estava consciente? Sentia-se presa? Ou apenas dormiu? Se a última for correta, ela é só uma menininha. Não vai entender o que aconteceu naquele dia tão amedrontador. O último dia de sua vida idealizada – e dela também. Isso pode ser bom, porque, talvez, ela não o culpe. Afinal, até ela desmaiar, eles estavam só brincando. 

Brincar... Há quanto tempo não usa ou escuta esse verbo? Nas semanas seguintes ao acidente os seus pais insistiam para que ele saísse par afazer outros amigos, mas como poderia? O chamavam de assassino na escola por conta dos boatos mal espalhados. É claro que a Sra. Waldorf tem culpa nisso. Matt não podia ter amigos e sequer tinha vontade de sair sem a sua melhor amiga. Ou melhor, com a sua melhor amiga sem expectativa de vida. Logo teve que ir visitar psicólogos na cidade grande, indo morar com seus avós. Fez diversas terapias, entre elas a música, televisão, esportes, jogos, e pintura. Nessa ele se empenhou. De início era muito ruim, mas, por fim, descobriu que a técnica era o mesnos importante em uma obra de arte. O tema, sim, era essencial 

Tentou pintar naves alienígenas, celebridades, paisagens, e nenhum surtiu tanto efeito, até que a sua médica sugeriu pintar a coisa mais linda do mundo, independente do que o garoto considerasse bonito. Era um desafio, e o Matt pintou a Olívia, do jeitinho que se lembrava. Ele ainda guarda o quadro dentro do armário, e até hoje é seu favorito. E o da médica também. 

Desde então ela tem sido a sua maior musa em segredo. As namoradas que teve sempre lhe perguntavam quem era a menininha, tam como seus amigos e até mesmo críticos de arte, mas ele nunca contou a verdade. "É alguém aleatório que vi certa vez. Achei os traços muito interessantes", é o que sempre diz. Essa frase já o fez perder muitos contratos, já que uma musa é sempre muito bem estimada. Mas como iria explicar sem trazer foco a ambos? Todos iriam querer conhecer, o que faria a Sra. Waldorf o detestar mais – e isso diminuiria suas chances de um dia voltar a ver a sua amiga. 

Na segunda gaveta de seu armário tem um porta-retratos intocado há cerca de cinco anos, quando se mudou para esse ateliê, com uma foto dele e Olívia pescando com botas e chapéus enormes. Mesmo sem vê-la ele conseguia visualizar as feições dos dois de maneira perfeita em sua mente. É como uma cruz para os cristãos, um giz para um professor. As suas lembranças. 

Ele não saberia dizer se houve muita sanidade em si todos esses anos, mas lembra de tudo que fez. Estudou muito, afinal não tinha mais nada a fazer. Entrou para a faculdade de artes plásticas, viajou por vários lugares, conheceu pessoas, fez um ou outro amigo, namorou o suficiente, mas nada disso o empolga mais. A sua boa vida e renome profissional não fazem com que ele se sinta uma pessoa realizada. Ele se sente pobre emocionalmente, e não conseguiu estar totalmente bem todos esses anos. Pensava nela o tempo inteiro! 

Ele pensava no seu passado, nos bons momentos, nas risadas, sim. Pensava também no dia do acidente e seu desespero ao tentar ajudá-la, já afogando-se no rio completamente gelado. Mas o que mais o assombra foi o período consequente a isso. Ela entrou em coma. O Matt ficou tão desolado, sentiu-se tão sozinho. Demorou dias até ter que sair de casa sozinho – coisa que não deveria ter feito. Ao passar perto da casa dos Waldorf ele foi abordado pela mãe da Olívia. Ela lhe disse muita coisa... O responsabilizou pelo acontecimento, disse que o pai da Oli havia morrido por conta do acidente da filha, que ele causou. Dizia, também, que se ele a tivesse tirado da água no mesmo momento, ambos ainda estariam aqui, vivos e acordados. Repetiu que ele não deveria tê-la deixado na água nem mesmo para pedir ajuda. E estava certa. Matt sabia que ele a induziu ao coma, indiretamente. Apenas ele tinha o poder de salvá-la, e não o fez, perdendo, assim, a pessoa mais importante de sua vida. 

E agora ela acordou. Não vai julgá-la caso o odeie, afinal logo será envenenada pela mãe. É uma surpresa, para ele, que ainda não tenha sido. A Sra. Waldorf, ao pegá-los no telefone, deveria tê-lo incriminado por tudo o que aconteceu, mas mesmo assim ele recebeu uma ligação de Oliver. Ela ligou e disse que quer vê-lo. Suas pernas insistem em ficar bambas só ao pensar a respeito. 

Era terrível para ele imaginar o medo da Olívia ao acordar... Ver tudo branco, tudo diferente. Pessoas diferentes. Sua irmã é quase uma mulher. A tecnologia mudou, o mundo em si. Década nova! Ele consegue sentir o seu pavor ao estar com canos ligados ao corpo no momento em que acordou. Provavelmente cercada de médicos, o que ela pensou? E ao se ver? Se reconheceu? Ele queria, acima de tudo, estar lá na hora. 

Matt foi vê-la há alguns anos. Estava em uma excursão da escola na cidade onde estava internada, e foi atrás dela no hospital, escondido. Ela estava tão grande... O mesmo rosto, é claro, mas com um corpo grande. Seu rosto estava suavizado e sua pele brilhava de tão hidratada que estava. Sentou ao seu lado, observou e desenhou seu traços em uma esboço durante menos de cinco minutos até ser encontrado pela Sra. Waldorf, que quase o bateu. Ela gritou e o proibiu de entrar no hospital, sendo colocado na lista negra. Ele jurou que Olívia poderia ter acordado depois de tanta gritaria. 

Mas, dessa vez, ela não poderia impedi-lo. Ele iria, logo pela manhã, comprar uma passagem de trem para chegar o mais rápido possível. Não sabe o que vai fazer ao encontrá-la, ou o que vai dizer, o que vai acontecer, é tudo inimaginável. Não sabe sequer se vai poder falar com ela, abraçá-la, caminhar, o que for... Mas precisa tentar. E vai. Estava decidido. 

Mas não agora. Pela manhã. Agora ele iria pintar, começando pelos seus olhos muito abertos e, principalmente, muito vivos.


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