A lua brilhava fúnebre naquela noite. Mal se via a sombra encolhida no meio-fio da avenida. As poucas pessoas que passavam por ali àquela hora não imaginavam ser aquele o escorpiano de nossa história. Sozinho, ele abraçava os joelhos a fim de bloquear uma parte do frio que se esgueirava por sua jaqueta de couro. Não voltaria para casa esta noite, não enquanto o pai ainda estivesse bravo por ter, finalmente, abandonado a faculdade de biologia.

—Olá.

Levantou os olhos e se viu encarando uma garota alguns anos mais nova.

Ela se sentou ao lado do escorpiano e o encarou de volta, com um sorriso brincalhão nos lábios.

—Se importa?

—Nem um pouco. - respondeu, um pouco hipnotizado pelo perfume cítrico que ela usava.

—Me conte alguma coisa.

O garoto fixou seu olhar nas pupilas da aquariana, dilatadas pela falta de luz. Não parecia incomodado pela exoticidade daquela conversa.

—Eu abandonei a faculdade.

—E o que pretende fazer agora? - perguntou, genuinamente interessada.

—Eu quero ser dançarino. - respondeu, acanhado por vergonha de possível reação da estranha.

Ao contrário do que esperava o garoto, ela não riu. Acabou por brotar em seu rosto um sorriso legítimo e singularmente encantador.

—Desejo-te toda a sorte do mundo.

E desejava mesmo. A aquariana era boa em desejar o bem a quem sentia afinidade, e, estranhamente, aquele garoto que não conhecia despertara-lhe uma empatia enorme.

O silêncio se instalou entre os dois, mas não de forma incômoda. Se sentiam confortáveis ali, sem trocar palavra alguma. Era como se estivessem em uma frequência diferente da do resto do mundo.

—Me conte algo sobre você. - O garoto disse, quebrando o silêncio.

—Eu tenho um spray de pimenta no bolso.

O escorpiano riu, e a garota, por mais aquariana que fosse, não conseguiu deixar de reparar no quanto aquela risada era rouca e sexy.

—Não, algo sobre sua personalidade.

Ela abaixou a cabeça e sorriu para si mesma.

—Pode parecer clichê, mas não sei me definir. Prefiro que as pessoas criem suas próprias conclusões.

—Acabo de concluir que você é um tanto... autêntica. - O brilho nos olhos da garota disse-lhe que ela adorara a definição.

Como se fossem amigos de longa data, conversaram sobre seus filmes e livros favoritos, compartilharam os fones de ouvido ao som de Cazuza e Cássia Eller, e recitaram poesias até o nascer do sol. Enquanto este subia no céu, deitaram-se na grama do playground, um rindo dos bocejos do outro.

—Você não me disse seu nome. - O escorpiano declarou, de súbito.

—Não.

—Não vai me dizer? - Ele ergueu-se em um braço a fim de encarar a garota. Esta lhe sorria preguiçosamente.

—Não. - Antes que o garoto tivesse a chance de dizer algo, ela continuou. - Não quero que esta noite seja arruinada. Não entende? Foi perfeito porque somos estranhos um ao outro.

O escorpiano encarou a aquariana, perplexo. Parte de si declarara que aquela garota era louca. Porém, a outra parte clamava por tomar-lhe os lábios e amá-la.

—Não quero perder contato com você. - Alegou o pobre garoto.

Ela lançou-lhe um sorriso triste, enquanto se levantava. Sacudiu a grama dos cabelos e puxou o garoto para perto.

—Terá para sempre essa noite na memória. Não é o suficiente?

A aquariana envolveu o escorpiano num abraço demorado, coração batendo contra coração. Ambos sentiram um alívio no peito, como é costume se sentir durante um abraço bem dado.

Enquanto ela ia embora, deixando para trás um garoto inebriado, ele reparou algo encostado em seu pé esquerdo. Caíra da bolsa da aquariana, sem que ela notasse, um bloco de post-its vermelho.