Avisei a Lúcia que cancelaríamos todos os nossos treinos.Eu não poderia ficar com uma espada na mão enquanto lutava contra ela porque não sei o que pode acontecer.A raiva vinha em momentos estranhos e inoportunos e eu não queria machucar a Lú.

Caspian e Suzana finalmente assumiram um namoro no jantar de ontem.Todos ficaram muito felizes e acho que eles não demoram a se casar.Essas coisas de rei e rainha são muito complexas mas deve ter uma lei para isso.Sempre tem uma lei para tudo.

Os dias se arrastam.Cada vez mais monótonos e chatos.É sempre a mesma coisa e estou começando a pensar se não foi um erro ter ficado aqui.Além dos pesadelos,aulas chatas e horas de tédio profundo,não ganhei mais nada.

–Borboletas !-grita uma garotinha apontando para um tronco de árvore onde uma linda borboleta azul está.Outras vão se juntando a ela e fico admirada com a beleza delas.-Gostaria de ter uma para mim !

–Acho que isso não é possível.-me abaixo para ficar do seu tamanho.

–Você é a Alice ?-ela pergunta.-Todos falam muito de você.

–Sim,sou eu.

–Quero ser como você quando crescer.

–Como eu ?-pergunto surpresa.

Ninguém nunca disse isso para mim.

–Sim.-seus olhos brilham.-Meu pai disse que você é uma menina muito corajosa e que nunca volta atrás depois de tomar uma decisão.

–E como ele sabe disso ?

–Ele é guarda no castelo.Você bateu nele na noite em que ajudaram um garoto a escapar.-ela dá uma risada.

Sorrio como resposta.

–Alice.-Pedro me chama.

–Preciso ir lindinha.-me levanto.

–Vocês formam um belo casal.

–O que ?-respondo nervosa.-Não,nós não....

–Andrômeda,venha.

–Tchau.-ela sorri e sai correndo.

Respiro fundo e vou em direção a Pedro.Ele está conversando com um dos guardas do castelo.Eles parecem preocupados com alguma coisa.

–O que aconteceu ?

–Uma aldeia perto daquela que vocês foram,foi invadida.-diz o guarda.-Os anões estavam por trás de tudo e precisamos de ajuda para prende-los.

–Eu vou.-digo rápido.

–Não.-responde Pedro.-Chame a tropa 12 e usem os cavalos.

O guarda faz uma pequena reverência e volta correndo para o castelo.

–Qual o seu problema ?-grito enraivecida.

–Alice,fale baixo.-ele falou entre-dentes olhando para o lado.

–Não.-disse tentando me acalmar.-Porque fez isso ? Você não é dono da minha vida.Eu sei cuidar de mim.

–Acontece que você não precisa.

–Acontece que eu não preciso da sua ajuda,Pedro.Cuidei de mim durante toda a minha vida e não é porque você é um rei idiota de uma terra mágica que eu tenho que te obedecer ou dar satisfação da minha vida.

Pedro me olha com tanta raiva que imagino ser a mesma que estou sentindo e demostrando.Estou pronta para pegar uma de minhas espadas quando um braço me segura.

–O que pensa que está fazendo,Alice ?-Dylan grita comigo.

–Esse reizinho acha que tem algum poder sobre mim.

–Eu nunca disse isso.-Pedro diz mantendo a calma.

–Sugerir já é o bastante para mim.

–Vamos sair daqui.-Dylan me puxa em direção a floresta.

Andamos por quase meia hora quando ele decide que devemos parar.

Estamos em uma pequena clareira coberta de flores e troncos de árvores caídos no chão.Consigo ouvir o barulho da água corrente a poucos metros de mim.Deito-me no chão encostando a cabeça em um dos troncos.

Minha raiva é tão grande que tenho vontade de ir embora nesse exato momento,mas sei que tenho que ficar aqui por causa de todos.

Dylan se deita ao meu lado e ficamos observando um casal de passarinhos no ninho por longos minutos.Não há nada para ser dito em um momento como este.

Sinto minhas costas começarem a queimar.No começo,acho que é por causa da raiva,mas a dor só continua a aumentar e a se tornar quase insuportável.

–O que foi Alice ?-Dylan diz preocupado.

–Está queimando.-sento-me fazendo caretas de dor.

–O que está queimando ?

–Minhas costas.-digo quase sem fôlego.-Me ajuda.

As lágrimas fazem meus olhos arder e não consigo conte-las.Elas rolam pela minha face e fazem pequenas poças na grama.

Minha cabeça doí e começo a sentir como se alguém estive-se escrevendo nas minhas costas com uma faca quente.Sinto que vou desmaiar e seguro o braço de Dylan com o máximo de força que consigo reunir mas ainda assim não consigo evitar de cair inconsciente na grama.

Pisco várias vezes para poder acordar de fato.Sinto meu corpo inteiro reclamar pelo simples esforço de me sentar.Coloco os dedos nas minhas costas e minha camisa está molhada.Olho para a minha mão e vejo que ela está cheia de sangue.Mas em meio ao vermelho,percebo uma fina linha prateada.

Olho pela janela e está de noite.Pela localização da lua,são mais ou menos duas horas da manhã.

Jogo as cobertas para o lado e piso no chão frio de mármore Retiro minha blusa indo para a frente do espelho.

O grito fica preso na minha garganta.

Minhas costas estão cheias de sangue e de um líquido prateado que parece o sangue daquele garoto.Dou uma olhada na cama,pelo espelho,e vejo que os lençóis estão formando poças de sangue nas dobras.

Minha respiração começa a ficar acelerada no momento em que fico desesperada.

O sangue pinga no chão branco.

–O que eu faço ?-murmuro enquanto volto a vestir a camisa.

Não tinha como me levar agora e quando a manhã chega-se todos iriam saber.O jeito era confiar em Sirena e em Kiara.

Balancei uma corda perto da cama que as acordaria e em poucos minutos ela estariam aqui.

Retirei os lençóis e as cobertas da cama jogando tudo no chão para limpar o sangue que nele pingava.O mais estranho é que quanto mais eu ficava quieta mais sangue parecia escorrer das minhas costas.Será que ninguém havia notado os ferimentos quando me trouxeram para o castelo ?

–Senhorita ?-Kiara entrou no quarto exalando preocupação.-Está tudo bem ?

–Não.-me virei para elas para que pudessem ver as minhas costas.

–Oh Aslam.-murmura Sirena.-Isso vai ser um segredo,certo ?

–Por favor.-suplico.

Elas me ajudam a tomar um banho e a limpar o chão manchado.Kiara promete que vai lavar os lençóis e as minhas roupas sujas.

O sangue parou de sair e me deito na cama assim que as duas voltam para os seus aposentos.

O amanhecer chega logo.Mesmo não tendo dormindo,á noite passou muito rápido.
Decido que hoje não vou sair daqui.Pedi para que Sirena avisa-se a todos que eu continuava agitada e que ela achou melhor me deixar no quarto com alguns livros.

Passei a manhã inteira lendo sobre a Feiticeira Branca e sobre a criação de Nárnia e Aslam.Não sei porque Suzana não aprofundou esses assuntos conosco.Eles são muito mais interessantes do que suas vagas informações sobre fatos importantes.

Kiara trás o almoço mas não consigo comer.Parece haver um nó na minha garganta que impede que qualquer coisa passe por ele.Nem água eu consigo beber direito.

Assim que termino de fazer as lições que a Suzana me mandou,sinto uma pequena queimação no olho.

Corro para a frente do espelho querendo ver o que vai acontecer.

A pele fica bastante vermelhe e depois vejo o sangue escorrendo.Uso um paninho para poder limpar.Passo os dedos pelo local e me assusto quando percebo algo se formando ali.

Linhas da cor da minha pele começam a se espalhar pela extensão avermelhada.É um desenho de um floco de neve perfeito.

Esfrego o paninho no local mas a imagem não sai e logo ela começa a ficar cinza.

Tranco a porta do quarto e retiro a minha blusa.Fico desesperada quando vejo imagens tribais e flocos de neve nas minhas costas e começando a tomar o meu braço direito.

Visto a blusa e volto a me sentar na cama preocupada.Mordo a parte de dentro da minha bochecha até sentir o gosto amargo do sangue.

Dou um pulo assustada quando escuto um barulho bem alto de algo batendo contra a parede.Ouço gritos e muita correria.

Calço meus sapatos correndo e estou prestes a pegar as minhas armas quando as portas do quarto são arrebentadas.Tem mais ou menos oito homens armados que devem ter o dobro do meu peso e tamanho.Eles se espalham pelo quarto e vejo o garoto que me machucou.

–Você !-digo com raiva.

–Vejo que já está quase pronta.-ele diz sorrindo.-Mais algumas horas e ninguém vai te reconhecer.

Tento correr em direção as minhas espadas que estão em cima da mesinha.

–Peguem-na !

Dois dos homens me pegam pelos braços.Eles são bem mais fortes que eu de modo que não consigo me mexer.

–O que você quer ?-pergunto com raiva.

O garoto se aproxima ainda com um sorriso de vitória no rosto.

–Você,bonitinha !

Um dos garotos bate algo duro na minha temporã e caio no chão com a vista escurecida.Alguém me pega no chão e me coloca no ombro.Balanço de um lado para o outro enquanto ele anda.

As coisas começam ficar nítidas quando descemos os degraus da escada que leva á sala do trono.

–Alice !-ouço várias vozes me chamando mas não consigo focar em ninguém.

O homem que me carrega,para por um momento.Minha cabeça finalmente para de girar e sinto que posso vomitar a qualquer instante.Olho para o centro do salão vendo várias pessoas lutando e muitas feridas no chão.

Espero que Lúcia possa salvar todos.

–Alice !-outra voz grita e ela me parece familiar.

Balanço levemente a cabeça e consigo focar a minha visão.Pedro tenta se aproximar de mim mas cada vez que ele dá um passo um novo soldado inimigo aparece em sua frente.Ele luta bravamente de forma que nunca o vi fazer.

–Pedro.-sussurro sentindo meu corpo pesar e minha visão ficar fraca novamente.