Amy Tokisuru em Portland escrita por AJ


Capítulo 14
Capítulo 14 - Casa




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WALTER

Walter fizera muitas besteiras desde que chegara em Porto. Fez um pedido à uma estrela-cadente, colocou fogo em uma árvore e até mentiu para um bando de índios com cabelos ruivos conhecidos como caiporas. Mas a maior das besteiras com certeza foi comprar briga com uma sereia com problemas de egocentrismo.

Depois de ter maltratado o tal espírito do lago e ele abrir o maior berreiro, o céu ficou escuro, a água do lago borbulhou, e vários outros fenômenos estranhos aconteceram. Era como se a criatura estivesse lançando uma maldição ou macumba sobre Walter. Porém, poucos minutos depois, tudo voltou ao normal e a sereia desapareceu no lago.

Certo, aquilo fora estranho. Mas quando Rick disse que coisas ruins iriam acontecer, Walter imaginou que todos os peixes do mundo iriam atacá-lo de uma só vez, ou um monstro marinho gigante apareceria e o levaria para o além. Mas um pouco de água borbulhante e um céu nublado? Walter podia conviver com isso.

— Acabou? — ele perguntou, já fora do lago. — Esperava algo mais... assustador.

— Walter, você não entende? — Rick ainda estava com uma cara de preocupação. — Atacar espíritos é bem pior que cruzar com um gato negro ou quebrar um espelho. Atacar um espírito é azar para o resto da vida.

— Então é isso? Superstição? — Walter riu. — Desculpa, Rick, mas não acredito nessas bobagens.

— Bobagens? Walter, eu tenho pena do que pode acontecer com você. — Rick falava com tanto pavor que parecia que Walter estava prestes a ser raptado e torturado.

Mas isso não ia fazer ele se convencer. Longe disso. No ancoradouro, todos os marinheiros, inclusive Renner, eram extremamente supersticiosos. Todos evitavam passar debaixo de escadas, entrar em contato com gatos pretos, e nenhum deles andava de barco nas sextas-feiras treze. Para Walter, aquilo tudo era tolice. Claro que ele estava num planeta diferente agora, onde fazer um desejo à um meteoro realmente funcionava ­— embora da pior forma possível. Mesmo assim ele continuou relutante.

— Vamos apenas esquecer que isso aconteceu e continuar nosso caminho — Walter pediu. — Nos atrasamos demais.

— Eu concordo, só que...

Rick encarou o chão e coçou a cabeça. Walter conhecia esses movimentos. Eram os movimentos que alguém fazia quando estava prestes a pedir um favor.

— Walter, sei que quer voltar logo para a Terra, mas podemos ir para outro lugar antes? — Rick pediu, voltando a encarar Walter, dessa vez com um olhar penetrante.

Para falar a verdade, Walter não queria tanto voltar para a Terra logo. Até porque ele não iria deixar Rick na mão, à mercê dos caiporas sedentos por chuva. Walter também tinha sua parcela de culpa por esse problema.

— Bem. Depende — ele respondeu. — Onde você quer ir?

— Queria visitar minha família. Faz um bom tempo que eu não os vejo, e além disso... — Rick suspirou. — Preciso contar a eles sobre a Lilly.

A expressão dele ficara sombria em questão de dois segundos, fazendo Walter engolir em seco. Como poderia negar um pedido desses?

— Rick, é claro que nós podemos ir. Não precisa ficar com vergonha em me pedir isso. Além do mais, eu já decidi que não vou voltar para a Terra até que a gente resolva o problema com os caiporas.

Rick encarou Walter com tamanha incredulidade que nada conseguiu dizer. Ficou alguns segundos olhando o amigo com a boca aberta até conseguir dizer:

— Você quer me ajudar? Mas eu achei que...

— Achou errado — Walter o interrompeu. — Eu nunca seria capaz de fugir sabendo que tem um amigo que precisa da minha ajuda.

— Você me considera seu amigo? — Rick não pareceu muito convencido. — Mesmo depois de eu ter trazido você para cá?

— É. Mesmo depois disso. Rick, você foi a primeira pessoa na qual eu passara umas poucas e boas. Além do mais, mesmo que você não tivesse me trazido aqui, Sofia teria feito isso. Estou feliz que tenha sido você.

Rick encarou Walter por alguns segundos. Parecia estar tentando descobrir se Walter estava falando sério ou não. Mas então ele sorriu.

— Obrigado Walter. Eu também considero você um amigo.

— Legal. — Walter segurou no ombro do amigo. — Sua casa não é longe, é?

Rick balançou a cabeça negativamente. Ele começou a andar, mostrando o caminho a Walter.

Eles andaram por um tempo que pareceu meia hora. Logo, as árvores foram desaparecendo e no lugar delas foram surgindo pequenas casas feitas com paredes de rochas cinzentas e cobertos com tábuas de madeira de acácia.

— Está vendo aquela casa ali? — Rick apontou para uma das casas, mas Walter não teve certeza qual era pois todas eram iguais. — É lá onde meus pais de criação moram.

— Você é adotado, Rick? — Walter perguntou, lembrando-se da conversa que tiveram quando se conheceram. Rick disse que também não conhecia seus pais biológicos.

— Sou. Meu pai verdadeiro me deixou aqui quando eu era bem jovem, mas isso nunca me impediu de ter uma vida normal. Até que a Sofia apareceu. — Ele encarou o chão e suspirou. — Bem. Vamos.

A casa de Rick era quase no fim do vilarejo, e um pouco menor que as outras. O rapaz se colocou de frente da porta de madeira e bateu com força. Em alguns segundos, uma senhora de mais ou menos cinquenta anos, com cabelos grisalhos e pele escura abriu e fez a maior cara de espanto e felicidade que Walter já vira em toda a sua vida.

— Ai meu Deus! Rick! — A senhora largou a bengala na qual estava se apoiando para dar um abraço em Rick. O garoto retribuiu o abraço, quase caindo para trás com a força que a mulher fez.

— É bom ver você, mãe. — Rick a afastou delicadamente e a olhou nos olhos com um sorriso.

— Meu menino. Por onde você esteve? Eu e seu pai ficamos tão preocupados. — Ela acariciou as bochechas do filho. — Olha só isso. Você está todo machucado.

— Eu estou bem, mãe. Só um pouco cansado. — Rick respondeu. — Eu quero te apresentar um amigo meu, o Walter. — Ele apontou para o amigo com o polegar. — Walter, essa é minha mãe, Sarah.

Walter acenou para a mãe de Rick.

— Olá, querido — ela disse. — É bom conhecer você. Rick nunca trouxe amigos para casa.

Walter ficou meio sem jeito na hora de responder. Para ser sincero, ele estava um pouco nervoso. Aquela mulher provavelmente foi a primeira mãe que ele viu em todos os anos de sua existência. Ele coçou a nuca e conseguiu finalmente dizer:

— É bom conhecer a senhora também.

— Mãe, podemos entrar? — Rick pediu. — Como disse antes, estamos bem cansados.

— É claro, Rick. Entrem.

Sarah precisou da ajuda do filho para entrar já que tinha deixado sua bengala cair. Quando estavam todos dentro, Rick fechou a porta e perguntou:

— E o pai? Onde ele está?

— O seu pai está trabalhando — Sarah respondeu. — Sabe como ele é, não é, Rick? Sempre enfurnado naquela escola como se sua vida dependesse dela. — Ela foi até à cozinha que era perfeitamente visível da sala. Lá havia uma mesa de madeira com algumas cadeiras e uma espécie de fogão a lenha.

— Você quer que prepare um chá, querido?

Rick respondeu positivamente e fez um sinal para Walter para que ele o seguisse.

A casa do garoto não era muito diferente de uma casa tradicional da Terra, tirando o fato de ter uma aparência bem mais rústica. Era separada por cômodos simples como sala de estar, cozinha, corredores e quartos, todos compostos por móveis de madeira e até mesmo alguns vasos de cerâmica com flores exóticas.

O antigo quarto de Rick era a última porta do corredor ao lado da sala. Ele não tinha nada de mais, apenas uma velha cama sem acolchoado, e um baú que provavelmente servia como guarda-roupa.

— Era aqui que eu ficava antes de me mudar com a Lilly — Rick explicou. — Faz um bom tempo que não entro aqui.

Walter assentiu. O quarto de Rick para falar a verdade parecia ser um lugar bem melhor para se dormir do que a cabine a qual ele dividia com Renner.

— Sua mãe parece legal — Walter comentou. Ele ainda não sabia o que dizer sobre o assunto.

— Obrigado. Ela é sim. — Ele respondeu enquanto vasculhava o seu baú (uma caixa de madeira de carvalho velha). Após ver que não tinha nada de importante, fechou-o e se sentou em cima dele. — Senta aí. — Rick apontou para a cama.

Walter obedeceu. Apesar de haver uma janela no quarto, o lugar ainda era muito quente. Aquelas paredes de pedra cinzenta deviam absorver muito calor, e Walter detestava sentir calor. Sentia-se como um cubo de gelo derretendo aos poucos.

— Então — ele puxou assunto. — Seus poderes de terra já voltaram? — Walter se lembrou do que Raoni disse sobre como o símbolo que fizeram em Rick drenava todos os poderes dele por um tempo.

— Sim, eles estão voltando aos poucos — Rick respondeu, coçando os ferimentos rochosos em seu tórax. — Aquilo sobre me ajudar era verdade? Você não quer voltar para a Terra?

No começo, a ideia de ficar em Portland apenas por dois segundos apavorava Walter, mas agora ele pensava de uma maneira bem diferente. Aquela pergunta era fácil de responder.

— É claro que sim. Para ser sincero, minha vida na Terra nunca foi das melhores. Além disso, como falei antes, não vou deixar um amigo na mão.

— Eu agradeço muito, Walter — Rick respondeu, mas ainda estava com uma expressão triste no rosto. — Mas não precisa se preocupar comigo. Agora que eu estou sem a Lilly eu não tenho mais vontade de seguir em frente. Não ligo para o que vai acontecer comigo.

— Cale essa boca! — Walter gritou tão abruptamente que Rick até se espantou.

— O quê? — Rick disse, desconcertado.

— Olha Rick, eu não conheci a Lilly, mas eu tenho quase certeza de que se ela estivesse aqui não ia gostar que você ficasse falando em desistir.

— Mas Walter, sem ela eu não tenho mais motivos para viver. — A voz de Rick ficou mais pesada.

— Não é verdade. Como você acha que seus pais se sentiriam se você morresse? Eles ficariam arrasados, Rick. Não seja egoísta. Você ainda tem uma família que cuida de você. Isso eu nunca tive.

Walter parou de falar. Ele ficou com medo de que, se continuasse, fosse acabar dizendo algo que o fizesse chorar, coisa que ele nunca fizera na frente de alguém. Os dois ficaram calados por um bom tempo até que Sarah chamou os dois dizendo que o chá estava pronto.

Eles se dirigiram à cozinha cabisbaixos e se acomodaram na mesa que havia lá. O chá estava em um bule simples de barro. Sarah despejou o líquido verde com cheiro de erva doce em copos do mesmo material. Antes que qualquer um dos dois pudesse saborear a bebida, ouviu-se uma batida na porta.

— Deve ser seu pai — Sarah disse. — Eu vou atender. — Com ajuda de sua bengala ela se dirigiu à porta e a abriu. — Lilly, querida, que bom que veio.

Ao ouvir o nome Lilly, Walter sentiu um arrepio na espinha, como se tivesse entrado em contato com um fantasma. Quando ele olhou para Rick, viu que o amigo estava paralisado.

— Rick está aqui? — uma voz serena com tom de preocupação perguntou.

— Sim, querida. Ele está na cozinha — Sarah respondeu.

Vagarosamente, Rick virou-se na cadeira para poder olhar em direção a voz. Quando ele e a garota se entreolharam, Rick deixou seu copo com chá cair e se despedaçar em vários pedaços espalhando o líquido pelo chão.

— Lilly — ele gaguejou. — É você mesmo.


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Notas finais do capítulo

Parece que Lilly=/=Anny -qq
Enfim, continuem deixando reviews lindas pessoas! :)



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