O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 44
O Menino da Fábrica


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal

Como estou em casa, pensei em postar os caps também nas quartas, enquanto não estou lendo meus livros ou maratonando no Netflix, ou assistindo GoT - pois é, comecei hoje e já viciei... Então, por que não postar às quartas também?

MAAAAS, é claro, se vocês não gostarem, por acharem que fica pesado demais para ler durante a semana, que vocês tem mais tempo no fim de semana, eu acabo com isso. Não quero que minhas postagens atrapalhem vocês.

Agora, quanto ao cap...

Creio que não preparei vocês o bastante para este cap. Pois bem. Para quem adora o Grigori e está curioso para entender sua história, este é o cap. Acredito que esta será uma das revelações mais importantes da fic, por isso preparem-se.

Boa leitura!



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Montes Urais, Rússia. Setembro de 1910.

Floresta de Sverdlovsk.


            Passava das quatro da tarde, segundo o relógio de Holmes, cujo vidro estava trincado depois de sua queda do trem. Apesar de estar com o vidro trincado, era curioso o quão resistente seu relógio era, pensou Holmes. Um sobrevivente de suas aventuras.

            Grigori dormia profundamente, enrolado em pelo menos quatro grossas cobertas. Com a morfina ainda circulando em seu organismo, o menino andava mais sonolento que o costumeiro. A culpa de Holmes, por ver o menino em tal estado, mal parecia caber em si. Ele era capaz de imaginar todas as reclamações de Watson e Adler sobre o estado do garoto, atribuindo a culpa – merecidamente – a Holmes. Palavras como irresponsável e egoísta zanzavam em sua mente, enquanto Holmes observava Grigori dormir, torcendo para que o menino não se adoentasse.

Suas preocupações se dissiparam com o bater repentino da porta, a se abrir e deixando a friagem tomar a casa em poucos segundos. Era Abe, retornando de seu trabalho.

            Holmes decidira não perguntar sobre o Menorá, temendo confrontar o dono da casa, mas ao vê-lo beijando a ponta dos dedos e tocando no umbral direito da porta, Holmes não teve dúvidas. Abe era mesmo um judeu. O hábito de beijar o umbral da porta nada mais que consistia em beijar um Mezuzá, um rolo de pergaminho. A própria Esther, sua esposa, resgatou esse hábito quando sua religião deixou de ser um segredo em Baker Street, e foi ela quem lhe explicou que tal gesto era para lembrar as orações que estão contidas ali dentro e os princípios do judaísmo que elas carregam.

            O curioso é que não havia nenhum Mezuzá colocado naquela porta, mas Abe beijava aquele local mesmo assim. Como se fosse um costume que ele carregava.

            -Mr. Abe. – cumprimentou Holmes.

            -Folgo em vê-lo, er... Como é mesmo o seu nome?

            -Holmes.

            -Seu sobrenome, eu sei. Mas e seu nome?

            Holmes pareceu desconfortável com a pergunta.

            -Sherlock.

            Após segundos com o nome exótico de Holmes nos lábios, Abe riu sem qualquer cerimônia. Tal gesto não irritara Holmes. Ele cresceu acostumado a se tornar chacota graças a estranha tradição dos Holmes de colocar nomes esquisitos nos homens.

            -Acho que vou optar pelo Holmes. – disse Abe, parando de rir.

            Essa risada... Me é tão familiar...

            -Er, se me permite perguntar, Mr. Abe, mas estamos longe de Ecaterimburgo?

            -Não muito. Algumas horas em uma charrete e você chegará lá. O vilarejo mais próximo é Lyovikh. Não tem o mesmo porte que Ecaterimburgo, mas... O que foi?

            -Er, Lyovikh?

            Abe parecia não entender a hesitação de Holmes.

            -Sim, Lyovikh. É um vilarejo bem pequeno. Próximo tem uma fábrica de aço, mas fechou recentemente. Parece que houve uma tragédia ali, não sei bem dos detalhes. Acaso quer conhecer o lugar?

            -Na verdade, eu estava pensando em comprar remédios para Grigori.

            Abe assentiu, enquanto remexia na lareira.

            -Fica a menos de uma hora daqui. Podemos ir e voltar no mesmo dia, se não for algo muito demorado.


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            -Ainda bem que a neve cessou.

            Holmes notou que Abe era bastante comunicativo. Gostava de conversar sobre qualquer coisa, puxava assunto dos mais variados. Era também um bom contador de histórias. Provavelmente, essa forma conversadora era só mais um indicativo da vida solitária que levava naquela cabana no meio da floresta. Com ambos agora à caminho do vilarejo de Lyovikh, Holmes não deixava de reparar no idoso e em sua forma tranquila de viver.

            -Estamos muito longe de Ecaterimburgo? – perguntou Holmes, curioso.

            -Um pouco, admito. Quase um dia inteiro de charrete. Mas Lyovikh servirá para atender suas necessidades, tenho certeza.

—E de Lyovikh? – perguntou o detetive.

            -Não. Falta bem pouco para chegarmos. Costumo frequentar aquele vilarejo para comprar o que precisar. Vê aquela fumaça ali? Vêm das casas de lá.

            -Hum... – disse o detetive, tranquilamente. – Então, realmente estamos perto.

            -O que quer fazer ali, Mr. Holmes? Será apenas remédios para o seu menino?

            Seu menino... Estranhamente, Holmes não mais se incomodava com essa afirmação. Talvez, meses atrás, o detetive fizesse toda a questão de retruca-la. Mas não mais agora.

            -Na verdade, eu estou atrás de informações a respeito da família dele. Ele costumava viver aqui, há alguns anos atrás. Procurou-me porque quer encontrar a família que lhe resta.

            -Entendo. Er, perdoe-me a intromissão, mas o senhor não teme perde-lo?

            -Perde-lo? – analisava Holmes a possibilidade.

            -Sim. Afinal, quando ele encontrar a família, ele terá de ficar com eles.

            -Tem razão. – disse Holmes, concordando com um leve pesar. – Mas apesar de ter de me separar de Grigori, Mr. Abe, eu não posso renega-lo da possibilidade de conhecer sua família.

            Abe parecia perturbado com a resposta de Holmes. Seus olhos, verdes e profundos, pareciam analisa-lo.

            -O senhor tem mais fibra moral do que presumi. – disse o velho, abandonando momentaneamente a rédea da charrete para afagar o ombro de Holmes, que embora não fosse um homem dado a aproximações físicas com estranhos, aceitou de bom grado o gesto do idoso.

            -Veja, chegamos. – disse Holmes, diante da pequena e improvisada placa de madeira, escrito “Lyovikh”, envelhecida pelo tempo e parcialmente coberta de neve.

            -Sim. Irei parar a charrete aqui. Acompanhe-me.

            Andando lado a lado de Abe por aquela cidade praticamente coberta pela neve dos últimos dias, Holmes percebeu que aquele era mesmo um vilarejo simplório. Algumas casas, um ferreiro, um armazém modesto e uma taverna. Claro, tavernas nunca faltam em pequenos aglomerados de civilização.

—Sei que estaria pedindo muito em pedir que o senhor me acompanhasse até a antiga Fábrica de Aço, por isso gostaria que ao menos o senhor me indicasse sua localização. – pediu Holmes, educadamente.

            -Está bem. – aceitou o idoso. – Siga aquela rua na primeira esquerda e...


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            Uma caminhada de bons trinta minutos, ainda mais cansativa porque fora feita em neve fofa e sob um gélido vento, mas isso não fraquejou Holmes. De acordo com os relatos locais, a Fábrica de Aço decretou falência após o roubo provocado pelo tal Mr. Taylor – e, como Holmes sabia, indiretamente Grigori. Locais falidos costumavam atrair a atenção de ladrões e saqueadores em países como Rússia, mas Holmes duvidava muito que papéis sobre funcionários fossem alvo de bandidos quando havia cadeiras, mesas e máquinas e ferramentas diversas para se levar.

            Na escuridão do local, abandonado e silencioso, Holmes sacou uma pequena lanterna de seu bolso, que apesar de quebrada, lhe servia bem para iluminar o ambiente. Não restara mais nada da fábrica ali. Antigos caldeirões nem fornalhas. Apenas buracos e marcas de parafusos no chão. Decerto os donos precisaram vender boa parte do inventário da fábrica para pagar as dívidas e tentar cobrir o roubo, sem muito sucesso.

            Ao lado da fábrica, havia um cômodo grande, repleto de beliches. O local, sem janelas, já estava alvo pela neve. Apesar disso, um estranho cheiro de suor impregnava o lugar, apesar do tempo. Desenhos rabiscados nas frágeis madeiras das beliches fez Holmes perceber que as crianças eram alojadas ali. Moravam ali, a poucos metros de seu local de trabalho. Pisando pelo ambiente, Holmes sem querer chutou uma tina de aço. Provavelmente o prato de uma delas. O detetive se enojou, ao imaginar que as crianças se alimentavam em tinas muito semelhantes às de cães em seu país. Não à toa Grigori gostava tanto de comer.

            Subindo as escadas, já enferrujadas, Holmes chegou ao que deveria ter sido o escritório da Fábrica. Não havia qualquer mobília valiosa ali. Os ladrões haviam feito a limpa do local. Apesar disso, a sala estava cheia de papéis. Os antigos arquivos de aço foram levados, mas o conteúdo permaneceu no chão. Alguns ladrões foram até cuidadosos e colocaram as inúmeras pastas em caixas de papelão.

            Holmes encontrou por ali muita coisa inútil. Livro-razão, documentos de fornecedores, contratos de clientes... Quase dando sua busca por encerrada, finalmente o detetive encontrou, jogada em um canto, uma caixa com as fichas dos funcionários. Tudo que o detetive queria era encontrar a ficha de Grigori, com quem sabe o nome de seus pais, o local onde nasceu, qualquer pista que pudesse levar às suas origens.

            Em sua busca, Holmes acabou esbarrando na ficha do tal Mr. Taylor a quem Grigori tanto se referia. Havia ali uma pequena foto 3X4 do sujeito, dito por Engenheiro de Produção responsável pelas Caldeiras. Robert MacDowell Taylor. Nascido na América, Nova York. Cerca de quinze anos mais novo que Holmes. Sua foto mostrava que ele tinha bigode e suas sardas reforçavam sua suspeita de que ele era ruivo, decerto um sinal de que era descendente de irlandeses, a julgar pelo sobrenome. Como um homem desses veio parar na Rússia? Esta era uma incógnita que Holmes jamais saberia responder.

            Mexendo em cada ficha, uma por uma, Holmes acabou mais uma vez surpreso.

            -Koba?! – deixou-se exclamar o detetive, ao notar a foto de seu desafeto bolchevique estampada na ficha de um antigo funcionário chamado “Ivan Klaus”. Trabalhou na fábrica entre 1901 e 1902, um curto período. Havia apenas a observação “agitador”, decerto como justificativa para sua demissão – e um aviso, para caso ele voltasse àquela fábrica em busca de emprego.

            A presença de Koba ali deixou Holmes bastante desconfiado. Seria apenas coincidência que o roubo que provocou a derrocada da fábrica tenha acontecido pouco tempo depois da saída de Koba? E se ele estivera ali para espionar, analisar a rotina do local?

            E se o roubo aparentemente inesperado de Taylor frustrou os planos de Koba de tentar roubar a fábrica e tentar levar o dinheiro aos bolcheviques. Afinal, eram barras de ouro...

            Como em um estalo, os pensamentos de Holmes se voltaram aos longínquos dias em Londres, naquela cela úmida na masmorra da Agência Britânica, onde tivera uma última conversa com Boehl.

“Não se trata de “quem” é meu empregador, mas “o quê” é meu empregador. E eu teria cuidado se fosse você, Mr. Holmes. Esses filhos da puta são perigosos.”

“Já lidei com gente perigosa antes.”

“Jamais duvidei disso. E é por isso que estou te alertando. Não é o tipo de perigo que está acostumado a lidar.”

“O que seria, então? Um novo ‘Napoleão do Crime’?”

“Não do tipo de crime que você conhece.”

Não do tipo de crime que conheço. Política. Revolução. Sim. Agora estava tudo claro. Os bolcheviques estiveram aqui, planejaram um assalto para financiar suas atividades, mas Taylor fez ruir anos de planejamento roubando a fábrica antes. Acabou perseguido por Boehl, sendo o mercenário contratado pelos bolcheviques para reaver o dinheiro. Os bolcheviques jamais conseguiram, porque Grigori teve a infelicidade de perde-lo. Ainda assim, a verdade sempre soaria aos bolcheviques como uma mentira.

Holmes engoliu em seco. O tempo todo, ele havia colocado Grigori perto dos homens que planejavam mata-lo para reaver as barras de ouro. Essa idéia o atormentou, apesar de acreditar no ditado de que o melhor esconderijo é aquele à vista de todos. Tal afirmação, ironicamente, combinava perfeitamente com a situação inusitada de Grigori.

Voltando suas atenções às fichas, Holmes conseguiu encontrar as fichas das crianças. O detetive muito se espantou com a variedade de idades e tipos de crianças que já passaram por aquela fábrica. Havia registros de mortes, sem maiores detalhes. Decerto por acidentes, exaustão, desnutrição ou outras situações insalubres causadas por mais de doze horas de trabalho diárias. Meninas e meninos, alguns com pais que também eram funcionários da fábrica, muitos órfãos.

Por fim, o detetive localizou a ficha de Grigori. Lá estava seu pequeno companheiro, estampado naquela pequena foto 3X4, com o semblante abatido. Apesar de aquela ser uma fotografia do tipo preto e branco, dava para perceber que os olhos do menino estavam entristecidos e avermelhados, por alguém que passava noites chorando. Para pasmo do detetive, Grigori tinha um semblante notavelmente mais “sadio” que das demais crianças, sendo até mesmo bochechudo para os padrões daquela idade.

Havia apenas o nome “Grigori”, sem qualquer sobrenome. A linha sobre os pais estava em branco. Na observação, a menção “órfão trazido por Alexei Orelov”. A descoberta de um nome envolvido no provável rapto de Grigori fez Holmes se animar. Finalmente, o detetive encontrou algo concreto, algo com que começar.

Um rompante fez o detetive desejar levar aquela fotografia. Colocando o papel no bolso de seu colete, Holmes decidiu que era hora de sair dali.


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            Abe ficou surpreso ao ver o detetive retornar, completamente sujo de neve, mas com o semblante animado. Decerto havia sido bem-sucedido no que estava fazendo.

            -Vejo que está com frio.

Esfregando as mãos, Holmes concordou.

—A propósito, comprei remédios para seu menino, em sua ausência.

—Obrigado. – disse Holmes, movendo sua mão para retirar sua carteira e assim ressarci-lo, mas o idoso o impediu.

—Nada disso. Encare isso como uma cortesia minha. Venha. Antes de partimos, vamos esquentar um pouco a nossa garganta com vodka. – sugeriu Abe, com simplicidade. Boa sugestão, Abe. Uma taverna é sempre um bom local para uma investigação.

            Abrindo a pesada porta de madeira do local chamado de “Vodkas do Misha”, Abe e Holmes se dirigiram até o balcão, onde um estalajadeiro bem-humorado lustrava copos, enquanto cantarolava alguma coisa.

            -Uma vodka. A mais forte da casa.

            -Cerveja. – pediu Holmes. O estalajadeiro caçoou de sua escolha.

            -Fraco demais para acompanhar o velho Abe, é? – disse, após colocar uma caneca metálica transbordando cerveja escura e um pequeno copo de vodka diante de Holmes e Abe.

            Após alguns goles, Holmes começou a conversar.

            -Ouvi dizer que esta cidade tem uma metalúrgica necessitando de trabalho. Saberia me dizer se é verdade? – sondou Holmes. O estalajadeiro riu.

            -Essa pessoa que te indicou a metalúrgica está muito mal informada. A única que havia aqui fechou as portas há quase um ano. Um roubo daqueles, pelo que soube. Quebrou o dono, e ouso dizer, a cidade. Aquela fábrica empregava muita gente daqui.

            -Hum... – disse Holmes, bebendo mais cerveja, sendo observado com desconfiança por Abe.

            -Pena. Me disseram que Alexei Orelov poderia me ajudar.

            -Alexei? Bom, desde que o negócio quebrou, ele se tornou meu sócio aqui na taberna. Ele está sentado ali, inclusive. Costuma ganhar uns trocados em partidas de Durak às custas dos nossos clientes. Se quiser voltar para casa com todos os seus rubros, aconselho a ficar longe dele e de suas cartas. – disse o estalajadeiro, quase em cochicho, direcionando seu olhar a uma mesa no centro do lugar, onde um homem de quarenta anos sentava com a caneca de cerveja pela metade.

            Quando o estalajadeiro virou as costas, Holmes se moveu para procurar por Alexei, mas foi detido por Abe.

            -O que pretende com isso, Mr. Homes? – cochichou Abe, tomando o detetive pelo braço.

            -Alexei foi o homem que sequestrou Grigori e o colocou para trabalhar naquela fábrica como um escravo. Só quero apenas conversar...

            -Conversar? Não é o que está me parecendo.

            -Nada demais irá acontecer. Acalme-se, Abe. E termine de beber sua vodka. – disse Holmes, retirando a mão de Abe de seu braço. Abnegado, o velho voltou a beber sua vodka, não deixando de observar o detetive, que fizera a ousadia de puxar uma cadeira e se sentar junto à Alexei.

            -Alexei Orelov. – disse Holmes.

            O russo desviou seus olhos da caneca para observar Holmes.

            -Quem deseja saber? – disse, num tom nada educado.

            -Alguém preocupado com Alexei Orelov.

            O homem deu um olhar questionador, mas depois riu.

            -O senhor só pode estar bêbado para se dirigir à mim desta forma.

            -Pelo contrário, jamais estive tão lúcido. E além disso, seria complicado ficar embriagado com uma cerveja tão aguada quanto esta.

            -Sabia que é falta de respeito ofender a cerveja alheia?

            Holmes ignorou sua raiva, permanecendo a analisar o copo.

            -Quanto de água coloca no barril? 15%? 20%? Ou o bastante para não deixa-la sem sabor?

            -Seu canalha!

            Alexei tentou socar Holmes, mas acabou socando o vento, pois o detetive se desviou facilmente. Pegando Alexei pelo braço, Holmes o lançou contra a mesa. Sua atitude fez todos os presentes se exaltarem, diante de uma boa briga diante de si. Curiosamente, o balconista, sócio de Alexei, não se moveu, apenas observando a confusão. “Isso é bom para animar a clientela”, ele deixou escapar.

            -Eu sei de seu passado, Alexei. Sei que você levava crianças órfãs para trabalhar na antiga metalúrgica...

            -Meu braço... Você está me machucando! Me solta! – pedia Alexei.

            -Até o dia em que decidiu se aventurar por outras áreas e tirou uma criança de sua família.

            -E-E-Eu não sei do que você está falando, cara! Me solta!

            -Você sequestrou um menino!

            -E-Eu jamais sequestrei ninguém. É verdade, eu pegava órfãos. Mas sequestrar... Eu jamais fiz isso, jamais faria isso! Isso dá cadeia!

            -Tem razão! Isso dá cadeia, mesmo aqui, neste país errante! Então, porquê você levou Grigori? Por quê o arrancou de sua família?

            Alexei arregalou os olhos. Percebendo que uma verdadeira plateia havia se formado, o russo mandou todos os presentes embora dali, inclusive seu sócio, restando apenas Holmes e ele mesmo.

            -Eu não sei o que te disseram, não sei se você é da polícia, mas saiba que está chegando a conclusões erradas sobre mim. Aquele fedelho do Grigori é um órfão.

            -Ele alega que você o levou de casa.

            O sujeito riu, enquanto arrumava seu colarinho.

            -Ele já era um órfão quando eu o peguei. A diferença é que eu não o esperei ir para um orfanato. Eu o peguei quase no mesmo instante em que ele se tornou um.

            -Eu não consigo acreditar em você.

            -Já ouviu falar na família Ivanov?

            A menção dos Ivanov fez Holmes se surpreender repentinamente.

            -Sim, mas o que tem Grigori a ver com os Ivanov?

            -Tudo, meu senhor. Tudo. Uma das filhas de Ivanov vivia aqui perto, em uma fazenda com marido e filhos. A casa dela foi atacada há alguns anos atrás. Quando o casal foi morto, todos correram para saquear o lugar. Aposto que irá encontrar uma ou outra mobília daquela família adornando a casa de certas pessoas por aqui.

            -Eu li uma reportagem sobre isso na época. – aceitou Holmes. – Natasha Ivanov, então Natasha Morozov. Mas e quanto a Grigori?

            -Aquele casal tinha dois filhos. Dois meninos, irmãos-gêmeos. Grigori é um deles.

            Holmes engasgou-se, sentindo-se completamente atordoado pela revelação, apoiando suas mãos na mesa, evitando que o detetive perdesse o equilíbrio. Mas nem mesmo o seu gesto poderia impedir que Holmes tivesse a sensação de ter perdido o chão naquele momento. Seu coração acelerou-se. Em sua mente, imagens borradas dos jornais da época, falando da morte de mais uma herdeira dos Ivanov no que Holmes havia classificado à época como uma morte consequente da disputa sangrenta que havia se formado naquela família. À sua mente vieram também imagens de um maroto Grigori, a aprontar, fazer perguntas escabrosas, a comer chocolate com avidez...

            -Gri-Grigori?! U-Um Ivanov?!

—Sim. Eu o encontrei caído dentro de um buraco. Logo o reconheci por uma pintura na sala da família dele que ele era um deles. Puxei o menino de lá e o trouxe para trabalhar na fábrica. Ganhei só algumas moedas por ele, o que sempre ganho de meu patrão quando deixo “carne fresca” na fábrica. Nada melhor que fazer um nobrezinho como aquele menino ser explorado igual a um operário, como a família dele deveria fazer com pessoas como eu.

            Não é possível... Um menino tão bom, tão gentil... Compartilhar do mesmo sangue dos Ivanov?!

—Não pode ser... Você está mentindo!

            O russo parecia ofendido.

            -Por que iria mentir sobre isso? Aquela família foi praticamente dizimada. Não tenho nada a temer. Agora, será que dá para sair daqui? Por sua causa, eu expulsei todos os fregueses da minha taverna. Sua vinda aqui para tratar desse moleque me deu um prejuízo daqueles!

            Livre de Holmes, a primeira reação do russo foi sacar um canivete e tentar esfaquear o detetive, mas Homes foi mais ágil, arremessando uma garrafa na cabeça de Alexei e fazendo-o cair ao chão, inconsciente e não mais perigoso. A quebra da garrafa no ambiente fez o balconista da taberna aparecer correndo, acompanhado de Abe, pasmo como o servente.

            -Se preza sua vida, mande este cara embora e fique sem vir aqui em Lyovikh por umas semanas. Alexei não vai se esquecer disso. – disse o sujeito a Abe, socorrendo seu patrão desmaiado. Dando um último gole em seu copo de vodka, que permaneceu sob o balcão da taberna, Abe concordou com o taberneiro e se aproximou de Holmes, acompanhando-o para fora dali.

            -Espero não ter causado problemas a você, Abe.

            -Nada que não seja irremediável, Mr. Holmes. Alexei foi moralmente ferido, mas o que você fez não é algo tão inédito assim. Ele parece perigoso, mas é apenas um cão que ladra. Mas afinal, porque tamanha violência, Mr. Holmes? – perguntou o idoso.

            -Eu não gostei da resposta dele.

            -Ele mentiu?

            -Ele me contou a verdade. – admitiu Holmes.


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Notas finais do capítulo

Então, tem alguém ainda vivo aí?

E agora, hein?? Como será que o Holmes irá encarar o Grigori, agora que sabe que o menino é um Ivanov? Afinal, Grigori nada mais é do que o neto de um grande inimigo do Holmes, na verdade, não um inimigo qualquer, mas o cara que simplesmente ajudou a destruir sua vida... Será que isso mudará alguma coisa?

Pessoal, esse é o momento de rever as teorias - ou dizer na caixinha do review que acertou e que já imaginava isso. Enfim. Ainda há coisas a se descobrir, por isso não se acanhe. Se tiver de reler algum cap, releia. Principalmente os da Esther #ficadica

Mas afinal, gostaria de saber: o que acharam das origens do Grigori? Como está a teoria de vocês, depois desta revelação? Não deixe de falar sobre isso no review, OK? OK

Aliás, opinem: tudo bem quanto a postagem nas quartas, além dos fins de semana?

Mais uma vez, obrigada por acompanharem e deixem reviews!!!!
Até sábado!!! E teremos mais revelações, então preparem-se (de novo)!!!



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