O Grande Inverno da Rússia escrita por BadWolf


Capítulo 32
Primeiros Passos


Notas iniciais do capítulo

Olá,


Mais um cap nesse fim de semana, espero que gostem.


Boa leitura!



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            Para Grigori, o jantar estava longe de ser entediante.

            Não que a comida fosse ruim, pelo contrário. O menino não se lembrava de ter comido tanto em sua vida. Diante daquela mesa quilométrica, repleta de cristais e talheres de preta, uma quantidade imensurável de comida foi posta diante de seus olhos. Talvez aquilo fosse algo próximo do que é o Paraíso, pensava um impressionado Grigori diante dos quitutes a sua disposição.

            Holmes percebeu nos últimos tempos que Grigori tinha um apetite considerável, e que para sua sorte, ele não tinha muita tendência a engordar. Talvez este fosse o sonho de consumo de Mycroft, tão apaixonado por comer, porém gorducho desde a infância. Ao contrário de si, que comia tal como um pássaro. Ele só se lembrava de duas pessoas que comiam desse jeito: seu irmão, Mycroft, e... Moriarty.

            “Um homem de verdade precisa saber apreciar uma boa comida, Sherlock. Degustá-la como vinho. Comer é uma dádiva”, dizia o seu tutor, em uma de suas lições.

            Mas por que se lembrar deste homem, justo agora?

            -Parece que os aspargos não te agradaram, Mr. Holmes. – observou Adler, ao ver que o semblante de Holmes estava diferente, desgostoso com a lembrança distante.

            -Er, não muito. – disfarçou Holmes.

            -Os pimentões recheados estão deliciosos. Mas tome cuidado com a mostarda. Ouvi dizer que os russos não são bons com este tipo de tempero.

            A Companhia de Teatro estava bastante animada com o que a cidade poderia oferecer. Holmes percebeu que, para muitos, aquela seria a primeira vez em São Petersburgo, e todos desejavam conhecer a cidade de perto, fazendo muitos planos para o dia seguinte.

            -Não se animem tanto. Amanhã começaremos os ensaios, pontualmente às duas da tarde. – dizia o maestro. – Não estamos aqui a passeio.

            Isso não frustrava os planos dos artistas, que aos poucos se programavam para visitar as melhores lojas e restaurantes do local. No fundo, Holmes se sentia bastante entediado com aquela conversa fútil. Ele olhava apara os lados. Não era surpresa perceber que Adler estava animadíssima – especialmente para fazer compras. Certamente ele não iria vê-la o dia inteiro, ainda mais depois de seu recente desentendimento.

            Já Grigori estava entediado e sonolento. O pretexto perfeito para sair dali sem ser indelicado.

            -Se me permitem, senhores... – disse Holmes, levantando-se.

            -Mas já, Mr. Robinson?

            -Colocarei meu filho para dormir. Boa noite. – disse Holmes, chamando Grigori, que prontamente o atendeu.

            Enquanto subiam as escadas, Holmes fez alguns comentários.

            -Já estava com meus ouvidos cansados de tanta futilidade. E você? Parece que teve uma noite divertida...

            -Acho que nunca comi tanto na minha vida. – dizia o menino, orgulhoso, batendo suas pequenas mãos na barriga, exageradamente estufada.

            -Bom, folgo em ver que tirou sua barriga da miséria. Agora vá escovar seus dentes, antes de ir dormir.

            O menino ensaiou uma reclamação, mas não passou disso. No fundo, constatou Holmes, ele era obediente, mesmo fazendo coisas que não lhe agradavam. Enquanto retirava de sua bagagem seu próprio pijama, Holmes percebeu que havia uma espécie de bilhete.


PRAÇA DE ST ISAAC. 09:00HS


            Aquele bilhete... Holmes tinha certeza de que não estava em suas coisas. Alguém o colocou ali, enquanto todos estavam no restaurante do hotel, almoçando. Seria aquele um dos encontros agendados por um dos agentes de Lenin? Muito provavelmente como também poderia ser uma armadilha.

            De todo modo, só havia uma maneira de descobrir.


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São Petersburgo, Rússia. 8 de Julho de 1910.

            Perto das sete da manhã, Holmes decidiu se levantar. Ele sabia que era cedo demais para os hábitos de Irene Adler, por isso optou por não acender a luz e se guiar pela escuridão daquele quarto de hotel. Propositalmente, ele já tinha arrumado sua roupa, que consistia em dois rigorosos casacos, um cachecol e um chapéu. Da janela, ele observara que a neve caía sem parar na cidade, e que fazia também uma ventania ocasional. Deveria estar preparado para enfrentar, sozinho, o “General Inverno”.

            Grigori estava deitado perto de si, dormindo profundamente. Seria bom avisá-lo sobre isso? Talvez não. Poderia ser uma armadilha, de todo modo. Talvez o disfarce na Companhia não tivesse sido o suficiente para que sua presença em São Petersburgo passar incógnita. Ele ainda não fazia a menor idéia com quem Esther andara se metendo nos últimos anos. Não, arriscar o menino desta forma seria uma terrível imprudência e ele não se perdoaria se algo acontecesse a ele.

            Determinado, Holmes colocou, por fim, seu mapa de São Petersburgo debaixo do braço, decidido a ir ao encontro marcado na carta.

            Após breve leitura no mapa, ele percebeu que a Praça de Saint Isaac não era tão distante do Hotel, mas apesar disso, o cabriolé que ele fretou cobrou uma pequena fortuna. Claro, ele era um estrangeiro... Oportunidade de faturar fácil para qualquer cocheiro. Ainda resoluto, Holmes teve de pagar assim mesmo.

            Era oito e cinquenta da manhã, e a neve caía fracamente. O telhado da grandiosa Catedral de Saint Isaac estava coberto de neve. Com o frio que fazia, Holmes percebeu que a praça estava vazia. Decerto, com a manhã fria que fazia, poucas pessoas passavam por aquela praça tranquila, rodeada por árvores sem folhas e cobertas de gelo. Passar pela calçada era outro desafio. O chão mostrava-se escorregadio, até mesmo para alguém como ele, acostumado aos dias de neve em Londres. Finalmente, ele encontrou um banco de madeira, coberto com uma fina camada de neve, da qual ele limpou com as mãos para se sentar.

            O banco ficava lateralmente à praça, sendo possível ter um bom ângulo do monumento do Czar Nicolau I. Holmes virou para os lados e percebeu que não havia ninguém. Esperou por mais alguns minutos. Finalmente, era nove da manhã. Mal tirara os olhos de seu relógio, notou alguém se sentar ao seu lado.

            -Como vai, Mr. Holmes? – perguntou o estranho, sentando ao seu lado, ainda com olhos fixos na monótona paisagem daquela praça.

            -Não tão bem como gostaria. – disse Holmes. – Um bilhete fez-me ir até esta praça fria e deserta, e agora estou sentado ao lado de um estranho que sabe meu verdadeiro nome. Dizer que estou bem seria mentira.

            -Meu nome é Hank Smith. Amigo de seu irmão, Mycroft.

            Holmes ficou furioso. Não era um dos homens de Lenin, mas um amigo de Mycroft, que claramente estava interferindo na questão. Bom, ao menos não era um criminoso.

            -Seu irmão me avisou de sua chegada. Fantástica a forma que escolhestes para entrar neste país incógnito. Confesso que deixou-me tão surpreso que comprei até um ingresso para sua apresentação. Mas retomando o tópico, seu irmão me alertou da iminente necessidade de meus serviços e...

            Holmes o interrompeu.

            -Você é bom com palavras, Smith, mas pouco vi ou sei de você para ter certeza de que será capaz de me ajudar a encontrar Esther Katz.

            -Esther Holmes, você quis dizer.

            Holmes voltou seus olhos rapidamente para Smith. Sabia que Mycroft jamais teria mencionado o fato de que ambos eram casados.

            -Vejo que se conhecem.

            Smith parecia vitorioso. – Nós, do MI6, sabemos da história de Miss Katz, mas não sabemos que ela é casada com o senhor. Não se preocupe. Não foi ela que me contou, mas sim o nosso chefe, Mr. Sparks. Éramos parceiros à época de sua expulsão e eu exigi uma explicação sobre o comportamento estranho dela. Ele também me contou sobre o seu posicionamento em relação à criança raptada...

            -Isso é um assunto particular. – cortou Holmes.

            -Mas intimamente envolvido com sua estadia aqui. E certamente com o desaparecimento dela.

            -Não pode me culpar pelo que aconteceu. – retrucou Holmes, disfarçando sua raiva em ser repreendido por um estranho. – Se Esther está em perigo, é graças à incompetência de vocês, que simplesmente perderam o rastro dela.

            Smiths retraiu-se.

            -Talvez. Ela é uma das melhores agentes de nosso país. Não tenho vergonha de admitir isto, mesmo... Ela sendo uma mulher.

            Holmes sentiu um pouco de orgulho por ver o arrogante agente do MI6 humilhado graças à sua esposa, mas disfarçou.

            -Mas então, creio que deve saber de alguma coisa.

            -Pouca. – admitiu Smiths. – Esther solicitou minha ajuda uma vez, para conseguir rastrear uma mulher chamada Elizabeth. Uma inglesa, que trabalhava para uma família rica daqui, como babá.

            -E o que mais?

            -Na época, Mr. Sparks pediu que eu não prosseguisse, mas semana passada eu recebi um telefone de seu irmão Mycroft, pedindo que eu tomasse o assunto outra vez.O único registro dessa mulher que conseguimos rastrear foi uma ida na Maternidade de São Petersburgo, em 1901. Ela estava com um bebê, e se declarou como acompanhante da criança.

            -Isso significa que a criança tinha acabado de chegar à Rússia.

            -Exatamente. Estou com a ficha dela. O bebê, um menino denominado Ivan. Internado com leve gripe. E também um pouco abaixo do peso normal.

Holmes percebeu de imediato o interesse de Esther por esta babá. Ele lembrou-se também de suas discussões sobre a contratação de alguma mulher como babá. Ela provavelmente conseguiu algum êxito nessa investigação e chegou a este nome, Elizabeth. E sem dúvida, a criança tinha ficado desnutrida e gripada durante a longa viagem de navio para a Rússia, e logo foi internada.

—E o que aconteceu com o bebê? – ele não pôde deixar de perguntar, sem se preocupar em disfarçar sua apreensão. Afinal, aquela era a notícia mais recente e sólida que ele tinha de seu próprio filho nos últimos anos.

—Segundo consta a ficha médica, ele conseguiu se recuperar da gripe. Demorou uma semana, mas conseguiu. Logo recebeu alta. O problema é que o homem que o pagou a conta do hospital chamava-se Ivan Petrov. Descobrimos que é um homem morto há quarenta anos.

—E como não perceberam que a identidade era falsa? – indignou-se Holmes.

—Coisas da Rússia, precisará se acostumar. Enfim, ontem descobri que muitas identidades de pessoas mortas têm sido utilizadas para fins escusos, no que consiste no Modus Operandi de um conhecido agente da Okhrana...

—Daniel Jenkins. – disse Holmes. Smiths assentiu.

—Sim, acho que era este o nome... Jenkins, isso mesmo. Bom, estas são as informações que possuo. Sua esposa era uma mulher muito introvertida e pouco dada a conversar sobre sua vida pessoal. Mas, como toda boa agente do MI6, ela tinha uma série de esconderijos pela cidade. Sugiro vasculhar os pontos mais obscuros da cidade em busca deles, mas creio que esta não será uma tarefa fácil, especialmente a um completo estrangeiro.

Holmes assentiu, mas discordando em parte. Ele sabia da tática que Esther usava para definir seus esconderijos porque esta foi uma das poucas coisas que ele ensinou para ela. Só precisava da ajuda de Grigori para localizá-los, uma vez que ele desconhecia o submundo de São Petersburgo.

Mas Smith parecia triunfante, ainda assim.

—A julgar por seu semblante, deve estar pensando que será fácil localizá-lo. Acredite em mim, não será nem um pouco.

—Isso é o que nós veremos.

Ao fazer um movimento para se levantar, Holmes acabou sendo detido por Hank Smith, que lhe deteve pelo braço, forçando o detetive a se sentar.

—Como detetive, deve saber que em casos de desaparecimento, um minuto a mais pode ser crucial.

—Está tentando me ensinar o meu ofício, agente?

—Não mesmo. Só quero lembra-lo que sua busca pode demorar semanas, com sorte. O problema é: será que Esther Katz tem este tempo?

Holmes pareceu ponderar. Após olhar com atenção nos olhos do agente, o detetive acabou por chegar a uma conclusão importante.

—Você sabe onde fica este esconderijo.

Smith sorriu.

—De fato, eu sei. É procedimento da Agência todo tipo de esconderijo ser de conhecimento do chefe, cargo este que ocupo atualmente por aqui. Isso é feito para evitar que provas se percam, em casos de baixa. Portanto, sim, eu sei onde Esther Katz mantém sua investigação a respeito da criança. E eu sei que você achará o fio da meada para conseguir localizá-la por meio disso.

—Eu fico me perguntando quanto esta informação irá me custar.

O agente britânico sorriu.

—Acho que agora estamos falando a mesma língua.

Holmes suspirou. Estar nas mãos de um agente secreto britânico não era nada confortável. Ele passou a detestar a Agência, ainda mais após o ocorrido com Esther, e no quanto o MI6 a deixou vulnerável e pouco fez por seu desaparecimento. E agora, ele estava à mercê de um agente da Rainha. Não era este o jeito mais honrável de acha-la, ele se lamentou. Mas poderia ser o mais eficaz.

—Eu comprei um ingresso para sua apresentação, no sábado que vem, por um bom motivo além de te ver cantando entre um grupo de teatro. Uma operação da Agência irá acontecer naquele dia, no Teatro. Seria mais... “Barulhento” do que desejaríamos, mas inevitavelmente ela precisa acontecer e...

—Por quê não deixa de rodeios e diz logo o que é?

—Um dos atores de sua Companhia. Temos provas fortes de que uma mulher chamada Sabrinne Moreau está neste país para trazer uma lista com os nomes de alguns de nossos agentes, que vivem aqui sob uma identidade secreta.

Holmes suspirou. Não esperava que aquela francesa simpática e bastante sedutora fosse portadora de tantos problemas. Hank continuou.

—Sabemos que ela irá se encontrar com um homem, codinome Bóris, após o espetáculo da estreia de sua companhia.

—Fácil. Roubem a lista dela.

Hank discordava.

—Ela sabe dos nomes. É um arquivo vivo andando de saias. Não podemos correr o risco de ter nossos agentes revelados. Ela deve ser silenciada, e permanentemente.

Holmes suspirou. Sabrinne Moreau era um tanto espevitada, mas não parecia ser má pessoa. Não a ponto de ser “silenciada permanentemente”.

—Eu não sou um assassino, Mr. Smith.

—Eu sei que não. Mas gosto de acreditar que a necessidade faz o homem. Você quer o esconderijo de Esther Katz, para encontra-la o mais rápido possível. E eu quero essa delatora morta. Eu tenho o local, e você é, no momento, o homem mais adequado para dar a moça uma morte silenciosa e discreta como desejamos. Então, o que me diz?

Holmes rolou os olhos, após suspirar silenciosamente.

—Eu quero provas.

Hank riu levemente. – Tal como seu irmão me alertou.

—Mycroft estava ciente disso? – após receber afirmativa de Hank, Holmes se inconformou. Teria uma conversa séria com seu irmão, quando voltassem a Londres.

Retirando de seu sobretudo uma pasta pequena, Hank entregou-a a Sherlock Holmes, que olhou o documento com atenção. Ali, uma dúzia de anexos. Cartas assinadas por Sabrinne Moreau e direcionadas a um homem chamado Bóris. Tratavam sobre um namorico entre a jovem e o homem desconhecido, e também informações a respeito de quatro sujeitos que tinham se mudado para São Petersburgo, bem como seus endereços.

—Irá achar interessante o próximo arquivo. – pediu Hank.

Holmes obedeceu, e leu o conteúdo. Havia ali quatro certidões de óbitos, com autópsias. Todos os revelados por Sabrinne tinham sido mortos, há exatos quinze dias após a carta.

—Este homem, chamado Bóris, é um agente russo infiltrado em nosso país. Ele seduziu essa atriz e a convenceu a trabalhar para ele. Ela costumava... Entreter alguns agentes, e usar uma droga chamada “soro da verdade”, e fazê-los dar detalhes de suas ações. Descobrimos que um de nossos agentes acabou revelando a identidade de quatro de nossos agentes aqui, em solo russo. De posse dessa informação, e uma vez que estava vindo param a Rússia, Sabrinne Moreau contatou seu amante e o avisou disso. Os dois combinaram um encontro em um restaurante, em São Petersburgo. Lá, ela entregará essa lista. Mesmo se roubarmos a lista, ela ainda poderá dizer o que sabe. Percebeu a gravidade do caso, Mr. Holmes?

Holmes assentiu.

—Pensarei em sua oferta.

—Como queira. Boa sorte em sua investigação, Mr. Holmes. – disse Smiths, sem tirar os olhos da fonte. – O que precisar, não hesite em me procurar. – disse, levantando-se e deixando um cartão no banco.

Quando o agente já estava longe o bastante, Holmes pegou o cartão. Era de um escritório de despachos alfandegários em São Petersburgo, com outro nome.

Matar uma mulher... Que oferta escabrosa! O que esses homens pensam que eu sou? Holmes estava indignado. Por mais que descobrir o esconderijo de Esther fosse importante, ele ainda tinha os rastros a seguir. O tal agente comunista poderia saber de alguma coisa. Se continuasse a seguir a investigação de Esther, refazer seus passos, ele poderia alcança-la. Seria trabalhoso, mas Holmes tinha certeza de que chegaria a algum lugar.

Não. Matar não estava em seus planos.

Ainda havia Lenin e seus homens. Se ele se aproximasse dos bolcheviques, da mesma forma que Esther o fez, ele teria mais pistas de Esther.


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Grand Hotel. 9 de Julho de 1910.


            Grigori estava deitado sobre a cama, entediado. Tinha tido sua temperatura examinada por Adler várias vezes naquele dia. Só o que ele queria era ter acompanhado Mr. Holmes, que saiu de repente sem dar notícias.

            -Eu já estou melhor! – reclamou o menino, enquanto Adler guardava seu termômetro.

            -Parece que sim, mas ainda precisa de repouso. Vamos... – disse Adler, retirando de perto de si uma bandeja. – Aqui está seu jantar...

            -Canja?! Ora, eu quero pernil, carne... Não uma sopa rala!

            -Não reclame. Eu pedi para o cozinheiro do hotel preparar isso especialmente para você. E você não irá se levantar enquanto não terminar tudo que está no prato.

            -Você promete? – questionou o menino, desconfiado e com braços cruzados.

            -Prometo.

            E então, o menino começou a comer. Após suspirar levemente, Adler ouviu a porta bater. Pela hora adiantada, deveria ser Holmes. Ele passara o dia todo fora, afinal.

            E ela estava certa.

            -Holmes? O que houve? – questionou Adler, ao vê-lo com o semblante abatido.

            -Algumas coisas saíram um tanto fora do que eu planejava, só isso. E Grigori?

            -A febre passou. Ele está tossindo um pouco, por isso o mantive na cama. Está muito frio lá fora para ele se aventurar. – explicou Adler.

            -Fez bem.

            -Eu estou melhor, Mr. Holmes! – exclamou Grigori, sorridente.

            -Estou vendo. – disse Holmes, deixando escapar um sorriso.

            -Bom, agora que você chegou, irei descer para almoçar. Recomendo que você faça o mesmo, afinal teremos ensaio mais tarde. – disse Adler, se retirando.

            Enquanto tirava a pesada casaca suja de neve, Holmes se aproximou da lareira, estendendo as mãos em direção ao fogo.

            -Como foi a investigação, sir? – perguntou o menino, curioso.

            -Embora seu resultado não tenha sido dos melhores, não posso dizer que foi de todo ruim. Er, Grigori?

            -Sim, sir?

            -Como... Eram os seus pais?

            O menino parecia pensativo.

            -Eu lembro muito pouco do meu pai. Ele era um homem sério. Minha mãe era um pouco mais amorosa. Gostava de alisar meu cabelo e apertar minha bochecha. Mas passávamos a maior parte do tempo com nossa babá.

            -Babá... Então sua família tinha boas condições.

—Acho que sim. Eu tinha muitos brinquedos, usava boas roupas e comia bem.

—Deve ter sido difícil morar na fábrica...

—Muito. Foi um choque. Eu me recusei por dois dias a comer o mingau aguado que me ofereceram. Só cedi quando a fome apertou. Chorei por semanas também, por cansaço e também por saudade. Saudades de meu irmão, de minha babá... Dividia meu quarto com várias crianças, de sorte parecida com a minha. Muitas delas não tinham ninguém nesta vida. Por vezes brigávamos com os mais fortes para conseguirmos alguma coisa, ou um privilégio.  Com ajuda do Mr. Taylor, eu escapei da fábrica em que eu estava. Muitas vezes, pensei em voltar para minha antiga casa, mas...

Holmes percebeu hesitação em Grigori.

—Mas você fraquejou. Ou não conseguiu. – concluiu Holmes.

—Um pouco dos dois. Como estava com medo de ser pego pelo que aconteceu na fábrica, eu decidi ir embora da Rússia. Pensei que isso iria me fazer esquecer meu irmão Georgi, mas...  Eu me sinto tão... Egoísta!

Holmes ficara sem reação, ao ver o menino começar a chorar.

—Como pude ter sido tão... Tão insensível? Meu irmão, minha mãe, podem estar me procurando e eu simplesmente parti sem olhar para trás!

—Acalme-se, Grigori. Por isso estou aqui, para te ajudar. Prometo que, assim que obter boas pistas de Esther, eu irei procurar sua família.

O menino assentiu, mais calmo.

—Obrigado, Mr. Holmes.

—Não há de quê. Agora, volte ao seu repouso. Ainda há sinais de gripe por seu rosto, posso ver. Irei almoçar agora. Depois, conversaremos.


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Notas finais do capítulo

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