À Espada Pelo Sangue escrita por LahChase


Capítulo 49
Capítulo 39 – A Voz Em Minha Cabeça


Notas iniciais do capítulo

Heeey!
Então, gente, aqui estou eu com mais uma capítulo para vocês ♥
Agradecimentos a Ary, Minoran e Leta Le Fay pelos comentários incríveis que muitas vezes não me deixam dormir com a injeção de inspiração que me dão ♥ Às vezes acho que não mereço leitoras tão maravilhosas ♥
Bom, espero que gostem
Até o final ^^



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Eu senti o vento no rosto, a areia nos pés, o cheiro de mar... O barulho constante das ondas me passava uma sensação de calmaria, ao mesmo tempo que a imensidão azul, infindada mesmo após alcançar o horizonte, fazia-me sentir insegura. O quanto daquilo eu não podia ver, prever, compreender... Suspirei, com os pensamentos tempestivos apesar do cenário calmo.

Havíamos chegado a São Francisco há quase quatro horas. Quando chegamos, minha febre já havia baixado, a garganta melhorado e a dor de cabeça aliviado. Mesmo assim, a equipe insistira que eu descansasse para recobrar as forças para a missão, logo depois de contar para eles sobre o sonho. Não fui capaz de dormir, então apenas permaneci na cama por quase duas horas, com os pensamentos turbulentos castigando-me, a hiperatividade impedindo-me de ficar quieta, revirando de um lado a outro. As imagens do sonho com Jayden repassavam em minha mente, vez após outra trazendo lágrimas revoltadas aos meus olhos e um peso ao meu coração.  

Quando finalmente cansei de ficar deitada, fui até a lanchonete do hotel onde estávamos (um com uma aparência chique e localização isolada) e comprei algum lanche. Matei tempo inutilmente até tomar conhecimento de que estávamos perto de uma praia deserta. Peguei um xícara de café com leite e canela e fui até lá, onde sentei na areia.

Eu tinha muito no que pensar.

A última vez que havia sentado na praia daquela forma fora no Acampamento. Acontecera apenas alguns dias atrás, mas eu sentia como se fossem eras. De fato, muita coisa havia mudado. Naquela época, eu ainda tinha um pai, as coisas estavam até complicadas, mas as soluções eram claras, os únicos vilões eram os monstros, eu estava cercada de pessoas que eu conhecia bem... Mas, acho que foi a partir daí que o mundo virou de cabeça para baixo.

Jayden...

Uma criança transformada em uma máquina de morte e tortura. Ele ainda sofria preconceitos por não saberem sua descendência? Quantos inocentes ele foi forçado e ensinado a matar? Quem era aquele homem que ele chamava de “papa”? O que aconteceu com a mãe dele?

Todas essas perguntas engoliam umas às outras em uma sucessão perturbadora, enquanto nenhuma resposta surgia.

“O culpado” o pensamento ganhou força em minha mente, numa voz que quase não soava minha “O culpado é aquele homem. Precisa fazê-lo pagar”.

Eu senti a raiva que vinha sufocando dentro de mim se expandir com a lembrança das agressões contra Jayden.

— Ele fez coisas horríveis. – murmurei – Uma punição...

“Não pode ceder ao desejo de vingança” a fala de Ian ecoou em minha mente, e eu arregalei os olhos.

— Sem vingança... Não posso me tornar como eles... – era tudo o que eu conseguia organizar diante de meus pensamentos tempestuosos e confusos.

“Não é vingança, é justiça” a outra voz soava gélida “É fazer com que ele colha as consequências de seus atos”.

— Tem razão – concordei – É apenas dar o que ele merece.

“Matá-lo” a voz tornou a dizer “Que ele pague com a vida por ter feito Jayden sujar as mãos de sangue”.

Fiquei de pé.

— Mas...

“É a justiça” insistiu “Transformou Jayden em um assassino. Tem que morrer”.

Segurei a cabeça entre as mãos, suando frio, o peito explodindo em sentimentos conflituosos, todos eles me atingindo como tsunamis. Fui jogada de um lado a outro desesperadamente, atordoada.

— Tem que... morrer? – minha voz foi diminuindo.

As imagens de Jayden lutando apareceram: o garoto no dia da Reunião, os demônios após nossa luta, o homem no chão da cela, a família naquela sala...

“É justiça. Você tem que colocar um fim no que ele faz. Acabe com a vida dele”.

Minhas mãos agarraram meu cabelo, enquanto eu chorava em minha luta interna. Sim, se eu o matasse, talvez impedisse que ele fizesse mais algum mal a Jayden, talvez impedisse que outras crianças sofressem igual... Não é?

— Matar...

“Pelo menos você tem que sair ilesa” a voz de Ian interrompeu minha fala. Arregalei os olhos, os pensamentos se calaram por um instante, minha respiração arquejante parou de repente, meus braços penderam ao lado do corpo “Você carrega nessa mochila um demônio louco para te consumir”.

 - Daímonas... – murmurei, o coração disparado.

A risada de Daímonas ecoou, fazendo meus punhos se fecharem com força, em um misto de terror e raiva.

“Desta vez foi quase, huh? Te vejo depois, milady...”

— Saia da minha cabeça! – esbravejei, sacando Prostátida e brandindo-a no ar.

A sensação opressora e gélida que a presença de Daímonas me deixou, e foi só aí que eu a percebi. Furiosa com o quão facilmente me deixei levar, golpeei com força o coqueiro mais próximo, e minha lâmina penetrou até metade do tronco.

— Mas o que...?

Ouvi a voz atrás de mim e institivamente apontei o fio da espada para a garganta da pessoa. Só então percebi que era Ian. Ele parecia ter acabado de sair do mar. Exceto pela espada em suas costas, estava com o corpo e as roupas encharcados e o cabelo molhado caindo sobre os olhos, que pareciam ainda mais intensos ali na praia. Mas eu não tinha cabeça para pensar sobre como ele se encaixava no cenário naquele momento. Estava transtornada de mais para isso.

— Ian, ele estava na minha cabeça! – falei, deixando transparecer a minha raiva e abaixando minha espada – Aquele demônio maldito!

— O que? Do que você está falando? – ele franziu a testa – Aliás, o que está fazendo aqui? Você está doente, devia estar descansando.

— Eu estou bem! – retruquei, ainda em um tom alterado – Foi a voz em minha cabeça que...

— Está alucinando. –  interrompeu, tocando minha testa para checar a temperatura – Ainda está ardendo em febre.

— Eu não estou alucinando! – afastei sua mão com um tapa, e tentei falar mais claramente ao perceber que estava muito aflita, respirando fundo – Daímonas. Ele estava falando comigo, tentando me convencer a me vingar...

Ian deu um passo para trás.

— Invocou o Livro?!

— Não, seu idiota! Ele estava na minha cabeça, como no dia do Restaurante. – apertei o cabo de Prostátida – Ele queria me convencer de que eu preciso matar o responsável por tornar Jayden um monstro. Exatamente o tipo de pensamento que tive no dia da luta... Basicamente, ele usou meus próprios pensamentos contra mim, e eu quase cedi... – ergui a lâmina e golpeei o coqueiro de novo – Droga! Droga!

Estava ficando cansada daquilo. Lutar contra qualquer um era fácil, guerrear contra minhas emoções era um desafio ao qual eu demorara, mas acabara por me acostumar. No entanto, se agora tinha que travar uma luta contra meus próprios pensamentos... Daímonas usara a razão contra mim. “Justiça” e “Vingança”. Ele tentara argumentar comigo que eram a mesma coisa. Tentara usar contra mim o pensamento de não deixar que mais ninguém acabasse da mesma forma que Jayden. E eu, já tão abalada com um turbilhão de problemas e sentimentos, tolamente me deixei levar por suas induções.

— Droga!

O que eu podia fazer para evitar sucumbir? Se mesmo minha mente, aquilo em que eu confiava tanto, fazia agora parte do campo de batalha? “Ah, chega!” pensei “Isso é justamente o que ele quer. Se eu começar a me descontrolar, só vou dar a ele mais chances. Preciso parar de pensar nisso por enquanto”.

— Ei...

Virei a espada para o pescoço Ian novamente e ele interrompeu a fala.

— Vamos treinar. – falei – Pega sua espada.

Ele revirou os olhos e afastou minha lâmina com o dedo.

— Você está doente. – disse – Tem que descansar.

— Eu não vou descansar!

— Não seja mimada, novata.

— Não, Ian, você não entende! – interrompi – Eu não consigo descansar! Vez após outra, eu vejo imagens de um garotinho massacrando uma família com um olhar satisfeito no rosto! Vez após outra, pensamentos de ódio me invadem, enquanto eu me pergunto quem são os verdadeiros inimigos! E agora eu quase vendi minha alma ao eidolon preso na Página! Eu tenho um demônio para purificar, uma criança para salvar, uma Família para limpar, inimigos para deter, um laço para formar, habilidades para desenvolver e ainda um monte de gente poderosa querendo me matar! Como se não bastasse não ter ideia de como realizar isso tudo, eu estou sendo tentada a me tornar uma alma vingativa! Eu sei que você me quer o mais longe possível de você, mas no momento eu não vou te dar outra escolha, então cala a boca e luta comigo!

Parti para cima dele com um arco vertical sem esperar por uma resposta. Ian sacou sua espada no último instante e interceptou meu golpe com firmeza, mas não revidou. Tornei a atacar. Um arco diagonal, outro horizontal, uma estocada direta... Ele defendia sem esforço enquanto eu colocava toda a minha força nos golpes. O choque das nossas armas produzia um som vivo e pesado, ao mesmo tempo que se ouvia o ressoar das ondas do mar. Golpeei vez após outra, movendo-me de minha posição, os pés se enterrando e carregando a areia, mas Ian permaneceu esquivando-se e aparando minha lâmina.

Fintei uma vertical e mudei para uma horizontal de última hora, obrigando-o a segurar a espada com ambas as mãos para fazer resistência à força que eu agora impunha à arma contra sua lâmina.

— Baka. – ele murmurou – Você vai piorar desse jeito! Esqueceu que temos uma missão importante amanhã? Porque não entende que precisamos que descanse?

— Não me xinga em japonês. E é você quem não entende. – dei um sorriso desafiador – Pois bem, então! Já que insiste nessa história de descansar, vamos fazer o seguinte: se você conseguir me cansar o suficiente, farei como diz e voltarei pro hotel para repousar até a missão.

Vi seus olhos faiscarem e ele impôs mais força com sua espada.

— Está assim tão confiante para me desafiar? Se eu quisesse, acabaria essa luta agora mesmo.

 - Acha que eu não sei? – devolvi, sem recuar Prostátida – Se fosse uma simples questão de me vencer, gastar energia nesse combate seria desperdício. Mas aqui podemos satisfazer os interesses de ambos: esgote-me, acabe com minhas energias e eu farei o que disser. Se fizer isso, talvez eu consiga dormir... Até lá, vou descontar toda a minha raiva em você. Mas... Se me derrotar antes que minhas energias se esgotem, você perde, e eu... – abri um sorriso diante da ideia que cruzou minha mente – Eu terei vencido, portanto terei direito a um sonho sobre o seu passado.

Ele assumiu uma expressão séria, perfurando-me com o olhar.

— Você...

— Claro, concordando ou não, eu não pretendo parar agora que comecei.

Com a expressão feroz, Ian deslizou sua lâmina pela minha, fazendo-as produzir um som agudo e batendo-a contra o guarda-mão de Prostátida. Ele rapidamente girou a mão e me fez perder a firmeza, obrigando-me a recuar.

— Muito bem, novata. – disse, enquanto eu me recuperava da surpresa – Vou fazer como diz. Mas é melhor que esteja preparada, pois não pretendo facilitar para você.

Eu avancei, fazendo-o se esquivar de um arco horizontal. Ele devolveu com o mesmo golpe, obrigando-me a mudar de direção rapidamente para me defender. Antes mesmo que eu pudesse firmar minha posição após o impacto, ele já descia sua espada para a minha cabeça. Desviei para a direita e tentei dar uma cotovelada em seu lado com o braço esquerdo, mas Ian girou o corpo e usou o pé para me fazer perder o equilíbrio.

Quase caí de costas, mas consegui me recuperar e fazer um movimento desajeitado para desviar uma estocada direta. A lâmina de Prostátida correu com um som agudo pelo fio da espada de Ian, antes de a força dele me obrigar a recuar.

Andei alguns passos para trás, colocando certa distância entre nós dois, já com a respiração arquejante. Até agora, só havia enfrentado Greno desarmados, o que não me deixava em muita desvantagem. Mas, de fato, segurando uma arma, aqueles caras estavam em um nível completamente diferente.

Meus pensamentos sobre Daímonas e Jayden começaram a se calar, lentamente sendo substituídos em ideias e estratégias para subjugar Ian. Sorri. E, com essa expressão no rosto, parti para cima dele novamente, esperando poder por um fim às minhas confusões cansativas por pelo menos alguns momentos.

 

 

Minhas pernas tremiam, incapazes de aguentar mais, minha mão estava formando calos, meu rosto estava coberto de suor e sujo de areia, todo o meu corpo clamava, sem energia. Caí de joelhos no chão, soltando Prostátida e respirando pesadamente, desesperada por ar. Apesar de minha mente protestar, querendo continuar a luta, eu estava de fato esgotada: Ian atingira seu objetivo, o que só fez crescer minha frustração. Nem por um segundo eu havia estado perto de derrotá-lo. E, no fim, eu estava incapaz até mesmo de permanecer de pé.

A única satisfação estava no brilho de Prostátida: havia se intensificado muito mais, pulsando como se a lâmina estivesse ansiosa por chegar ao ápice para enfim formarmos nosso laço. Isso só fazia com que eu desejasse ainda mais poder continuar a luta.

Olhei para cima, de onde Ian me encarava. Seu corpo também estava molhado, mas eu não sabia dizer se ainda era a água do mar ou se ele havia suado. Pensar que talvez fosse a segunda opção me agradava mais.

Soltei um riso de deboche.

— Ah, que idiotice, não? – consegui falar, cansada – Desafiar o neto de Poseidon para uma luta justamente na praia...? Acho que eu não estava mesmo pensando direito...

Ele não respondeu.

— Ei... Como...? – resmunguei coisas sem nexo – Eu não tinha chance mesmo...

Caí deitada na areia, sem forças e disposta a dormir ali mesmo. Com minha mente lentamente trabalhando formas de vencê-lo uma próxima vez, fui aos poucos me deixando levar à inconsciência.

— Baka... – ouvi a voz de Ian em um murmúrio, quase como se ele quisesse evitar ser ouvido – Você perdeu no momento em que demonstrou interesse pelo meu passado. Mas eu nunca... Nunca vou te deixar vê-lo.

Perguntei-me o motivo por trás daquelas palavras. Mais uma vez, o passado de Ian parecia algo misterioso de mais. No entanto, ao contrário da última vez em que pensei isso, naquele momento a conclusão não me atraía, não instigava minha curiosidade. A experiência anterior fora forte o suficiente para me manter quieta quanto a isso por um tempo.

— Ian-kun? – uma voz mais distante soou, e reconheci ser Izumi. Ela pareceu chegar mais perto antes de dizer: – Mas o que aconteceu com May-san? O que fez com ela?

Eu me movi para me levantar, mas meus músculos protestaram e só fui capaz de girar na areia, ficando de barriga para cima e encarando os dois enquanto respirava fundo.

— Quase uma hora de luta, foi o que aconteceu, Izumi Nee-san. – Ian respondeu – Essa garota insistiu que só descansaria se eu a cansasse, e esse foi o resultado.

— Desculpe, Izumi. – murmurei – Eu estava ativa de mais para ficar quieta.

A líder suspirou.

— Ah, vocês dois... – disse, e então se virou para ele – Mas talvez isso seja bom, já que ela não estava mesmo conseguindo dormir. Agora é melhor voltar ao hotel e recuperar as forças o quanto antes. Ainda esta noite precisamos discutir os preparativos finais para a festa de amanhã.

Concordei.

— Eu vou. – falei – Assim que conseguir me mover.

Ela abriu um sorriso divertido, e então olhou para Ian.

— Ian-kun, pode jogar um pouco de água nela para limpar seu corpo?

Ele a olhou.

— Sem ser do mar? – sua voz soou preguiçosa.

— Exatamente.

O garoto suspirou. Ele embainhou a espada e fechou os punhos ao lado do corpo, fechando também os olhos. Após três minutos inteiros nessa posição sem que eu notasse nenhuma mudança, algo como uma chuva leve começou a cair sobre mim, molhando meu corpo e carregando para longe a areia, limpando até mesmo o meu cabelo. Izumi me fez ficar de pé com sua ajuda, até que as últimas gotas de água parassem.

— Como...?

— As habilidades dele se ligam com a água em geral, não apenas com o mar ou os rios. – ela explicou – Com algum esforço, ele pode controlar as moléculas de água no ar, quase da mesma forma que faz com seu corpo. Apesar de isso exigir bastante energia.

Ian acenou com a mão e fiquei seca.

— Okay... – falei – Eu não posso negar que isso é muito legal.

A líder olhou para o garoto.

— Bom, obrigada, Ian-kun. Vou levar May-san para o quarto agora, e acho que você também deve ir recobrar suas forças. – falou – Passarei no quarto de vocês, meninos, mais tarde para chamar para uma breve reunião.

— Sim, Nee-san.

Com isso, nós duas fomos engolidas pelas sombras, e a próxima coisa de que me lembro é de estar deitada na cama mais confortável em que já estive por toda a minha vida, entregando-me a um sono pesado e – para o meu alívio – sem sonhos.

 

 


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Notas finais do capítulo

Eu de novo! :3
Então, agora sabemos que Quíron não estava brincando quando disse "resistir às induções dele" ao explicar para a May como purificar Daímonas. O que acham? Como a May vai lidar com mais esse desafio? Gostaram do capítulo? Dúvidas, críticas, sugestões, expectativas? Deixa um comentário me contando tudo (porque eu adoro perder o sono com a inspiração que vem com os os comments de vocês ♥ )!
Ainda não decidi o nome do próximo capítulo, mas devo postar no próximo fim de semana.
Então, até mais. pessoinhas lindas ^^