Sobre a Família

“Querida May,

A este ponto, você já deve ter chegado a se questionar sobre esse assunto, então devo explicar como nós, Greno, interagimos com o mundo mortal e os demais semideuses.

Sendo direto, nós apenas nos aproximamos o suficiente para manter uma qualidade de vida boa. Relacionamentos além do profissional ou do necessário para manter as aparências são desencorajados. “Temos uma guerra para travar. Distrair-nos não é uma opção”, é o que dizem.

Os Greno são, em sua maioria, ricos no mundo mortal. Grandes empresários, no geral, mas muitos de nós também servem no exército, ou em agências como CIA ou FBI. Nunca deixamos muita abertura para uma vida pública. Essa é uma tradição que veio se fortalecendo ao longo de gerações. No início, na antiguidade, os Greno foram amplamente ativos no mundo mortal, como na fundação da Grécia, em guerras como Tróia ou grandes acontecimentos. Mas, com a passagem de centenas de anos, nossa reclusão foi aumentando, até chegarmos ao ponto em que estamos, em que apagamos até mesmo nossa existência dos registros históricos.

A anonimidade é supervalorizada, e os Greno que se destacam publicamente causam preocupação, podem ser alvos de preconceito, ou mesmo chegam a ser repreendidos pelo Conselho. Não posso dizer que tudo isso é completamente sem sentido. Com inimigos como os nossos, aparecer muito apresenta perigo não só para si, como também para a família toda.

Mas gerações se passaram e nós levamos o que era uma precaução a um nível completamente diferente. E, em nossa exclusão, muitos de nossos valores se perderam, ou simplesmente cravaram-se no seio da família, tornando-se regras antiquadas e desnecessárias.

Digo isso, May, não porque sou capaz de ver o que eles não veem, mas porque minha criação foi um pouco diferente do convencional. Apesar de ter treinado no Japão e na Alemanha por períodos curtos, nunca deixei de morar em São Francisco, já que mamãe queria que eu assumisse a escola de música quando crescesse.

É incomum termos Greno nesse ramo, já que ele exige muito contato com o mundo exterior, mas mamãe foi uma exceção porque a escola foi um presente de meu pai, Apolo. Mais tarde, ela também adotou um mortal, o que teria causado um alvoroço se ela não fosse uma mulher tão astuta. De alguma forma, ela conseguiu a aprovação de Apolo e de Lady Hera para adotar seu tio Henry. Meu pai tinha apreço por sua genialidade musical, e a senhora do Olimpo compadeceu-se da criança que perdeu a família. Diante da aprovação dos deuses, o Conselho só pôde aceitar obedientemente e, lentamente, foram esquecendo o assunto.

Tudo isso me proporcionou um grande contato com o mundo fora dos conceitos da Família. Além disso, aos quinze anos, fui treinar no Acampamento Meio-Sangue por alguns meses. Ter consciência das diferenças entre os dois mundos foi importantíssimo para mim, e guiou toda a minha vida. Depois de ter aquela visão... Bom, eu seriamente acredito que foi uma série incrível e pouco convencional de acontecimentos ao longo de anos que nos trouxe ao ponto onde nos encontramos.

Deixando isso de lado, resumirei para você algumas regras sobre o contato com o mundo mortal. Claro, algumas delas são regras não-ditas, mas bem vivas:

1 – As relações profissionais mortais um “mal necessário”;

2 – Um ou dois amigos mortais são um bom jeito de não levantar suspeitas, mas é importante não se apegar. Afinal, muita proximidade significar perigo para eles e para nós;

3 – Relacionamentos amorosos com mortais são tabu e terminantemente proibidos. Quanto a com os demais semideuses, é fortemente desencorajado e gera muitos problemas, mas não há lei contra isso (não queremos insultar os deuses ao rejeitar seus filhos, não é?);

4 – Apesar do que eu falei no último tópico, nós realmente não temos um bom relacionamento com o Acampamento Meio-Sangue, e mandar os filhos para treinar lá gera preconceito e confusão. Eu talvez tenha piorado isso (uma história que fica pra depois);

Se houver algo que ainda não esclareci aqui, sinta-se à vontade para perguntar aos seus companheiros de equipe. Conheço-os bem, e tenho confiança em dizer que são boas crianças. Você só precisa convencê-los a enfrentar as mudanças necessárias. Sim, mudanças. Eu já devo ter deixado transparecer o suficiente, May, mas vou dizer com todas as letras agora: coloco sobre você as minhas esperanças de que a Família seja redimida.

Todos esses preconceitos, essas regras sem sentido e essas imposições exageradas... Elas nos fazem mais mal que bem. Você, aquela que experimentou o mundo mortal, que está livre desses ideais distorcidos, aquela que quebrou todas as tradições... Você é a pessoa certa para salvar os Greno. May, remova-nos do nosso exílio, de nosso mundo fechado. Os Greno se prenderam tanto à Guerra que esqueceram de se dar um motivo para lutar. Sem ter o que proteger além de suas tradições, eles se agarraram a elas. Você precisa mostrar-lhes o mundo, e creio que os seus colegas de equipe seriam um bom começo. Afinal, sua líder é ninguém menos que a Herdeira do Conselho.

Com amor,

Papai.”

 Alguém Em Seu Presente

“Querida May,

Há alguém que você conhece hoje (ou que ainda vai conhecer) sobre quem eu gostaria de lhe falar. Preciso dizer o que você tem que saber sem revelar de mais, então espero que compreenda a forma indireta com que escreverei.

Um grande amigo meu teve dois filhos. O caminho que essas duas crianças vão trilhar é difícil, então saiba desde já que estará lidando com duas pessoas que conhecem bem a luta e o sofrimento. E essas duas coisas, minha filha, podem fazer aflorar tanto o melhor quanto o pior de alguém. A dor só machuca enquanto não nos acostumamos a ela. Mas, quando estamos acostumados, não é aí que nos tornamos insensíveis? Algumas pessoas constroem proteções para si mesmas desta forma, mas acabam se machucando ainda mais.

Tenha paciência e seja gentil com os Greno que encontrar. A maioria deles experimentou um mundo cruel o suficiente o suficiente torná-los insensíveis. Também seja esperta. Não importa o que os transformou, alguns deles também podem ser monstros cruéis.

Quanto aos filhos do meu amigo... Você precisará da ajuda deles. Posso ver que o seu relacionamento com o mais velho será interessante. Seja paciente com ele, querida. Ele se importa muito com você, mas acho que se sente culpado de mais para se expressar. Vocês certamente vão ajudar um ao outro.

Todos os membros da sua equipe, como já te falei, são boas pessoas. Eu mesmo trabalhei bastante para permitir que vocês ficassem juntos, e agora deixo o resto com você. Ganhe-os. Se conseguir acessar o coração deles, se conseguir mostrar a eles o mundo em que vive e os valores que te ensinei, com certeza conseguirá fazer com toda a Família.

Sinto muito colocar todo esse peso sobre seus ombros, mas saiba que nunca duvidei de você. Você é uma garota forte, May, assim como sua mãe.

Eu te amo

Papai.”