O Segredo da Lua escrita por F L Silva


Capítulo 5
Capítulo 5 - Inesperadamente Deslumbrante




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Uma névoa branca e espessa se formava à volta de Théo. Por um momento, ele ficou parado olhando ao redor sem saber em que lugar se encontrava. A sua frente, um corredor escuro começou a tomar forma, com portas nas laterais. Ele achou aquele local familiar, mas quando estava para recordar, a lembrança escapava dele, como se fugisse.

Por toda a extensão do corredor, Théo via vultos escuros passarem rapidamente por ele, indo de lá para cá, abrindo portas e fechando-as. Vozes também eram audíveis, porém ele não conseguia compreender o que elas diziam. Toda a cena que se desenrolava a sua frente era como um filme sendo passado de forma acelerada, adiantando para a melhor parte.

Enquanto olhava para tudo: os cartazes nas paredes, com os dizeres borrados, as pessoas passando rapidamente por ele enquanto conversavam e riam, ele decidiu se mover. Ao dar um passo para frente, de repente, tudo cessou. Era como se uma densa nuvem negra pairasse sobre o corredor. Os vultos sumiram, assim como as vozes. Ele se via sozinho, apenas ouvindo o bater de seu coração no peito.

E então veio os gritos. Gritos agonizantes e estridentes de fazer rasgar a garganta de quem os emitissem. Barulho de móveis sendo revirados saiu da porta no fim do corredor, do mesmo lugar de onde viera o grito.

Théo não queria, mas algo no seu subconsciente lhe dizia para avançar, ir à direção dos gritos. Suas pernas começaram a se movimentar de forma lenta e cautelosa a cada passo que dava. Os pelos de seus baços se erriçaram quando ele parou em frente à porta e segurou a maçaneta fria como gelo. Girou e abriu a porta. Instantaneamente ficou paralisado com o que viu a sua frente. Seu estômago se revirou, e a ânsia de vômito se manifestou. Queria dar meia volta e voltar para o corredor, mas não conseguia se movimentar. Seus pés fundiram-se ao chão como parte do piso.

Agora tudo fazia sentimento na mente de Théo; sabia exatamente o local onde se encontrava. A porta dera exatamente numa sala de aula. A sala que ele conhecia muito bem. A mesma sala em que ele há algumas semanas destruíra. O verdadeiro motivo de ser mandando para o Instituto São Diego.

Ele estava em sua antiga escola.

Mas não era o fato de estar de volta em sua antiga escola que o apavorava. Era o que ele via a sua frente: um garoto magro e esguio, com a camiseta rasgada. Seu rosto estava contorcido de raiva e medo, lágrimas escorriam por sua face corada de raiva. O cabelo loiro molhado de suor estava grudado na testa.

Ele estava fazendo exatamente o que Théo fizera da outra vez. Mesas estavam reviradas por toda a sala com cadeiras quebradas. Livros e demais materiais escolares estavam rasgados e jogados no chão. O computador que ficava sobre a mesa do professor, estava espatifado no chão em pedaços.

― Pare! Pare com isso! ― gritou Théo, se aproximando do garoto, tentando fazê-lo parar. ― Pare antes que eles veiam e veja! ― Cada palavra pronunciada lhe dava a sensação de que cacos de vidro estavam perfurando o interior sua garganta. Sentia um leve gosto amargo em sua boca. ― Pare... ― E tocou no ombro do garoto, fazendo-o se virar para ele. No mesmo momento, os olhos de Théo saltaram das órbitas e sua cabeça girou. Os olhos vazios e frios do garoto o encararam, com as pupilas dilatas. Théo deu um passo para trás, se afastando, e acabou por tropeçando em uma cadeira quebrada e caindo de bunda no chão. ― N-não... ― gaguejou sem compreender o que via. Pois o que estava diante de si, era ele mesmo, sua versão de algumas semanas atrás.

 Seu outro eu avançou para ele, com as pupilas dilatas encarando-o e os lábios cortados entreabertos, fazendo força para respirar.

De repente, Théo sabia o que aconteceria a seguir.

― Não faça isso! ― tentou gritar, mas nenhum som conseguira emitir. Era como se tivesse perdido a voz.

O garoto magricela avançou mais para ele, parando aos seus pés. Enfiou a mão no bolso da jeans em farrapos e retirou uma caixa de fósforos. Riscou um palito e o jogou sobre uma pilha de papéis no chão, ateando fogo. Depois, olhou para Théo, com os olhos atravessando-o e riscou outro palito. Dessa vez jogou por cima de Théo, que na mesma hora tentou levantar-se, mas não conseguiu se mover. O fogo se espalhou por suas roupas.

De repente, sua cabeça girou, uma névoa branca tomando seu campo de visão, e uma vertigem torturante tomou posse de seu corpo. O vômito lhe subiu pela garganta e sentiu uma forte pancada na cabeça.

Então seus olhos se abriram.

* * *

Uma luz ofuscante vinha da sua direita. Por instinto, Théo tentou levantar a mão para frente do rosto, a fim de bloquear a luz que cegava-lhe os olhos, mas o movimento foi impedido quando percebeu que seu braço nem sequer se movera do lugar.

Era difícil enxergar o lugar onde estava, pois era como se uma cortina de cor branca e fina estivesse presa em seus olhos. Respirava com dificuldade, seu peito subindo e descendo lentamente ao inspirar e expirar o ar.

Demorou-se um pouco para sua visão se acostumar à claridade do ambiente, para enfim ele perceber que estava num quarto de hospital. Por um momento, a ideia de ter saído do instituto o animou, mesmo sendo na condição que estava. Mas será que havia ala hospitalar no instituto? Ele não se lembrava de Zoe falando nada a respeito.

Então ele se lembrou do sonho que tivera pouco antes de acordar. O sonho real que o fez ir parar naquele lugar. O sonho em que ele ficou de frente para si mesmo.

De um salto, ele estremeceu na cama.

― Não tente fazer esforço ― advertiu Zoe, que estava sentada na cama ao lado, à esquerda. Ele não a tinha percebido até aquele momento. Zoe tinha os cabelos vermelhos preso num rabo de cavalo desgrenhado e os óculos estavam tortos sobre o nariz, mas ainda vestia o uniforme escolar.

Théo tentou se lembrar do que exatamente aconteceu para ele acabar vindo parar ali, tentando juntar as peças do quebra-cabeça confuso em sua memória. Só o que sabia era que recebeu uma forte pancada que o fez cair e bater novamente a cabeça. Não sabia o que o acertou. Lembrava-se também que por sobre seus gritos de dor, alguém mais gritava, e de que alguém o pegou pelos braços, tirando-o do chão, mas não o reconheceu.

― Um dia ― falou Zoe.

― O quê? ― perguntou Théo, confuso.

― Você passou um dia desacordado.

Tudo isso?! ― exclamou, mal acreditando que tinha passado um dia apagado.

― Tá, eu exagerei ― ela deu de ombros. ― Faltas algumas horas para completar um dia.

― Ah ― Théo suspirou.

― A pancada foi muito forte. E enquanto você dormia, fizeram uma tomografia para ver se havia deixado alguma sequela, mas por sorte não causou nenhum dano permanente.

― Como assim, dano permanente?

― Demência, coisa do tipo. Apenas disseram que nos próximos dias você sentiria dor de cabeça com frequência.

Com isso Théo não se preocupou, pois já estava acostumado a sentir dores de cabeça com frequência desde criança.

― O que exatamente aconteceu?

― Eu não soube muito bem; não me contaram direito. Apenas sei o que os alunos espalharam, mas cada historia era diferente das outras. Mas ao que parece, o Bryan, que estava com a mão machucada, foi fazer o saque e a bola pegou de mal jeito e acabou indo na sua direção. Bateu na sua cabeça e depois você se chocou contra o chão e... ― sua voz foi morrendo enquanto mordia o lábio inferior e baixava os olhos.

― Mão machucada o cacete! ― esbravejou Théo, com raiva. ― É claro que é mentira. Ele inventou isso como desculpa.

― Também achei que seria mentira. Bryan costuma perseguir os novatos, e parece que ele cismou em você.

Théo bufou revirando os olhos. Só o que me faltava agora! Ter um grandalhão me prosseguindo pra me bater.

Ele permaneceu calado, apenas olhando para o teto branco. A vida naquela escola era realmente difícil como pensava. Claro, ele sabia que não iria ser fácil, mas mesmo assim...

― E o que aconteceu depois? ― voltou a perguntar. ― Digo, depois que eu apaguei?

― Não sei ao certo, foi uma confusão. De repente, o Kalleo surgiu de algum lugar e começou a gritar com o Bryan, avançando para bater nele, e o treinador Perini e outros alunos tentaram afastá-los.

― Kalleo? ― repetiu Théo, pensando ter ouvido errado. Por um leve momento, sua pulsação acelerou. O que Kalleo estaria fazendo naquele momento? De onde saíra?

― Sim, ele mesmo. Enquanto a confusão se desenrolava, o Juan tentou tirar você do chão, mas Kalleo protestou, pegando você dos braços dele e o deitando de volta no chão, dizendo para não mexer em você até que alguém da enfermaria chegasse.

― Enfermaria? Quer dizer que ainda estou no instituto?

― Sim. Temos enfermeiras, e médicos são chamados sempre que precisam. Não é fácil sair daqui. É uma verdadeira prisão.

Enquanto Théo assimilava, não parava de pensar em Kalleo. De onde ele surgira? Ele não o tinha visto em nenhum lugar perto da quadra. Nem nas arquibancadas. E ele tinha ido confrontar o Bryan pelo o que ele fez a Théo? De repente, ele sentiu uma necessidade de ver Kalleo.

― Quando vou poder sair daqui? ― perguntou, se remexendo na cama.

― Não sei. Talvez ainda hoje, já que você não ficou gravemente ferido. A enfermeira disse que eu a avisasse assim que você acorda-se.

Zoe se pôs em pé, alisando a saia do uniforme.

― Vou chamá-la. Volto logo.

E saiu pela porta, deixando Théo sozinho.

* * *

Quando a enfermeira chegou para examinar Théo, disse que teria que ficar até o final do dia de observação, para ver se seu corpo não reagiria de alguma forma com a pancada que levou na cabeça.

Então, infelizmente, ele teve que ficar o dia todo olhando para o teto branco e deprimente da enfermaria. Tentou dormir um pouco, mas não deu certo. Já tinha dormido durante muito tempo.

Não tinha nada para fazer, a não ser esperar pelas visitas de Zoe, que retornava sempre nos intervalos. Se ao menos tivesse seu livro de Morte Súbita para ler, teria algo para fazer. Mas, obviamente, ele não tinha permissão de ir buscá-lo e nem iria pedir a Zoe para o fazer.

Durante o restante do dia, a cada vez que a porta da enfermaria se abria, Théo ficou na expectativa dele aparecer, mas era sempre a Zoe ou a enfermeira que apareciam.

Só depois que jantou sentado naquela cama de hospital, com um colchão duro como pedra, é que foi liberado para voltar ao seu dormitório. A enfermeira disse que caso ele sentisse qualquer coisa, fosse diretamente procurá-la.

Como se eu fosse realmente voltar se sentisse alguma coisa, pensou Théo, revirando os olhos. Ele odiava hospitais. Não era o tipo de ambiente que gostava de estar.

Zoe o ajudou a levá-lo até seu quarto, e enquanto andavam, Théo desejou que ninguém o visse, pois tinha certeza absoluta que todos naquele internato já sabiam do ocorrido e estavam comentando. Por sorte, todos pareciam estar no refeitório.

 Como sempre, Toby não se encontrava no quarto. Théo deitou-se em sua cama, afofando o travesseiro sob sua cabeça.

― Obrigado ― falou para Zoe, agradecendo-a por tudo que ela tinha feito por ele. E ele percebeu que Zoe era de fato sua amiga, mesmo não a conhecendo muito bem. Ela se preocupara com ele o suficiente para ir visitá-lo na enfermaria.

― Ah, por nada ― respondeu, abrindo um sorriso complacente. ― Você vai ficar bem, sozinho aqui?

― Sim. Vou tentar dormir um pouco.

― Se você quiser, eu posso ficar um pouco...

― Não precisa. Sério. ― Definitivamente, Théo não precisava de uma babá para ficar com ele em seu quarto enquanto ele adormecia. Ele estava se sentindo bem, apenas um pouco cansado por não ter feito nada o dia todo.

― O.K., então. Eu vou jantar no refeitório. Até mais. ― E abriu a porta do quarto.

Théo apenas acenou com a cabeça enquanto ela ia embora.

Por um tempo, ele ficou de olhos fechados, esperando o sono chegar, mas sem sucesso. Desistindo, sentou-se na cama e olhou a sua volta. Não tinha nada para fazer (coisa que seria resolvida num instante se ele estivesse com seu celular). Optou então por reler o único livro que trouxera.

De alguma forma estranha, aquele livro o fazia se sentir psicologicamente melhor. Talvez por que a sua situação no internato não chegasse nem perto da vida que os personagens no livro levavam. Principalmente a vida de Krystal Weedon e o pequeno Robbie.

Ler aquele livro o fazia ver como realmente eram as vidas das pessoas no mundo verdadeiramente real.

Théo não sabia exatamente quanto tempo passou lendo, só sabia que não conseguia desviar os olhos das páginas amareladas, e nem sequer ouviu quando alguém bateu à porta do quarto.

Na quarta batida, levantou os olhos do livro, marcou a página em que parou com um marcador e o colocou sobre a mesinha de cama.

― Entre ― falou, já sabendo que a porta não estava trancada.

Era ele. Théo soube mesmo antes de ver seu rosto. Era como se pudesse sentir sua presença. Uma leve camada de choque que percorria pelo ar sempre que ele estava por perto. Rapidamente, os batimentos de seu coração aceleraram, sua respiração ficando entrecortada.

Ele não vestia o uniforme escolar do instituto. Estava com uma calça jeans, camiseta cinza, e usava chinelos de borracha. Seu cabelo ainda estava molhado do banho. Mesmo simples como estava, ainda permanecia com aquele jeito deslumbrante que só ele possuía.

― Oi, Théo ― disse ele, pronunciando seu nome lentamente. Ele permaneceu em pé aos pés da cama com as mãos nos bolsos.

― Kalleo ― respondeu Théo, se ajeitando na cama e sentando-se de pernas cruzadas.

― Posso? ― Ele apontou com a cabeça o outro lado da cama.

― Ah, sim. Claro.

E sentou-se, encostando-se à parede, enquanto vagava o olhar por todo o quarto.

― Bonito quarto ― disse depois de um tempo em silêncio.

― É igual a todos os outros.

― É, eu sei. ― Ele riu. Um sorriso tímido e encantador que fazia suas covinhas nas bochechas se aprofundarem. ― Falta de assunto.

Théo mordeu o lábio inferior, desviando os olhos dele. Olhar para Kalleo lhe causava uma estranha sensação de quentura em seu corpo. E além do mais, não queria ser pego olhando para ele novamente como na aula de artes. Se bem que tinha sido divertido o jogo de encarar.

Ele esperou que Kalleo dissesse algo, mas ele continuou calado, apenas olhando para a parede do quarto a sua frente, com os olhos vagos. De vez em quanto, Théo via seu pomo de adão subir e descer; ele estava engolindo em seco. Talvez estivesse pensando no que dizer. Ele não sabia. Era um tanto difícil de decifrar. Como um código do qual, por mais que tentasse, jamais conseguiria desvendar. A menos, claro, que Kalleo quisesse que ele desvendasse. E era exatamente isso o que o atraía em Kalleo. Esse poço de mistério que ele era.

Automaticamente, Théo sentiu-se repreendido e envergonhado por esse pensamento. Logo desviou o olhar para a janela, encarando a escuridão da noite.

Kalleo pigarreou:

― E como você está?

― Bem, obrigado. E você? ― falou meio sem jeito, olhando para Kalleo, parando seus olhos nos lábios finos e rosados do garoto. Não se demorou muito para desviar o olhar.

O que diabos estou fazendo?!, repreendeu-se mentalmente.

― Bem, também. Totalmente pronto para outra pancada? ― perguntou, puxando assunto.

Théo riu.

― Acho que sim, porém, não estou a fim de ganhar outra.

E Kalleo sorriu lhe acompanhando. Seus olhos pareciam cintilar ao olhar para os de Théo.

Pela primeira vez, Théo sentiu o clima no quarto aconchegante. Desde que chegara ao reformatório e ficava em seu quarto, sentia a estranha sensação de estar sendo sufocado, com o ar úmido pesando sobre seu corpo. Agora, com Kalleo ali do seu lado, chegava a ser estranhamente convidativo.

― O que aconteceu? ― perguntou Théo, pegando Kalleo de surpresa.

― Como assim? ― perguntou, franzindo o cenho.

― Quando desmaiei na quadra... ― começou. ― Eu não me lembro de nada do que aconteceu. Só sei o que Zoe me contou, e o que ela acha ser verdade.

― Ah, isso. ― Comprimindo os lábios, ele continuou: ― O Bryan acertou sua cabeça de propósito. Mas conseguiu se livrar de uma punição do treinador Perini, fingindo que estava com a mão machucada quando arremessou. Ele está até com ela enfaixada, agora. Canalha... ― cuspiu a última palavra, fazendo cara feia.

― Era o que eu esperava. E depois? ― perguntou, querendo saber mais.

― Depois você foi levado para a enfermaria, e só ― respondeu, desviando o olhar.

― Mas não foi só isso o que aconteceu ― insistiu Théo. Sabia que tinha mais. Que teve participação de Kalleo. E ele parecia querer evitar contar isso. Mas... por qual motivo? ― Lembro de que quando estava no chão, ouvir gritos de alguém brigando. E podia jurar que quando me tiraram do chão, foram os seus olhos que eu vi ― falou com afinco, olhando fixamente para Kalleo. ― E o mais estranho é que durante toda a aula, não vi você em lugar algum, nem nas arquibancadas. Você simplesmente surgiu do nada.

No mesmo instante, Kalleo baixou o rosto, suas bochechas corando levemente. Depois, levantou o rosto, respirou fundo, e disse:

― Sim, é verdade. Fui eu. ― Dando de ombros, prosseguiu: ― Eu tinha acabado de chegar à quadra, quando vi o Bryan arremessando a bola de propósito em você. Assim que você caiu, eu corri para o Bryan e comecei a gritar com ele, dizendo que tinha ido longe demais com essas brincadeiras. Ele começou a rebater o que eu dizia, e teríamos trocado alguns socos, se o treinador não tivesse interferido. Depois que me afastei, vi o Gabriel Juan levantando você do chão, e na mesma hora o mandei por você de volta ao chão. É perigoso mover alguém de qualquer jeito após ter levado uma forte pancada. Ele obedeceu e logo depois o médico e a enfermeira chegaram e levaram você para a enfermaria.

Théo mordeu o lábio inferior olhando para suas mãos no colo. Então Kalleo não estava em algum lugar escondido nas arquibancadas. Tinha chegado ao exato momento em que toda a confusão começara. De repente, sentiu-se como se seu corpo fosse um balão de ar e alguém tivesse enfiado uma agulha, secando-o.

― Obrigado ― disse Théo.

― Não foi nada. Eu teria feito isso por qualquer um. Não suporto injustiça, e o Bryan já foi longe demais com tudo isso.

A palavra qualquer um acertou Théo como um soco no estômago. Perguntou-se o porquê de se sentir assim, mas não soube explicar.

O silêncio os engolfou novamente feito uma nuvem negra, na qual os sufocava, e não permitia ninguém falar. Théo odiava momentos assim. Nunca fora bom em puxar assunto; sempre teve pouco contato com as pessoas.

― Sabe... ― começou Kalleo. ― Sei lá, é meio estranho dizer isso... Mas tenho uma grande necessidade de te ajudar e defender quando for preciso... É como se você meu irmão.

― Eu entendo ― disse Théo, sentindo a boca amargando.

― Nossa, acabei de me lembrar que nem te conheço direito ― disse sorrindo de forma envergonhada. ― Então... de onde você é? Qual sua idade?

― Tenho 17 e sou daqui mesmo de São Paulo. E você? ― disse Théo, desanimado. O sono lhe alcançando mais rápido do que esperava.

— Igualmente. Com quem você mora?

― Com algumas dezenas de psicopatas, igual a você ― falou rindo.

― Reformulando a pergunta: Com quem você morava antes? ― disse rindo também.

― Com ambos meus pais.

― Irmãos?

― Infelizmente, nenhum ― disse torcendo a boca. Sempre quis ter um irmão, mas seus pais nunca foram de acordo com essa ideia. Achavam que um filho era o suficiente. ― Você tem?

― Tenho uma mais nova. Um amor de pessoa. ― Ele fez uma careta.

― Saudades dela? ― perguntou, tentando decifrar o significado de sua careta.

― Muita.

Théo não perguntou mais nada referente a isso, por que sabia, assim como Kalleo, como era sentir saudades de uma pessoa que amava e não poder vê-la todos os dias como de costume.

― E seus pais?

― Bem... Minha mãe morreu durante o parto de minha irmã quando eu tinha sete anos. Dois anos depois, meu pai acabou morrendo, mas não antes de se casar novamente. ― Nos olhos de Kalleo, Théo podia os ver ficando inócuos e vazios. Queria poder abraçar o garoto e dizer que sabia como ele se sentia, mas não o fez. A timidez falou mais alto que sua vontade.

― Sinto muito ― foi tudo o que conseguiu dizer.

― Não sinta, Théo. Já me conformei, e, além do mais, já se passou muito tempo.

― Mas mesmo assim, a presença dos pais sempre fará falta.

― Esperto você. E tem razão.

Théo corou. Odiava isso. Não gostava nem um pouco de corar feito um camarão quando ficava envergonhado. Isso sempre ficava estampado em sua cara, e não suportava, por que lhe fazia se sentir nu de uma maneira estranha. Como se ficasse visível para todos.

— O que está lendo? — perguntou ele, se referindo para o livro sobre a mesinha de cama. Théo o pegou, e entregou a ele, para que pudesse ver de perto.

― Morte Súbita ― falou. ― Meu livro favorito.

― E por que ele é seu livro favorito?

— Por que... ele é diferente de todos os outros que já li. Um mundo totalmente real, onde não foge da realidade. Realidade, muitas vezes, que nem os próprios seres humanos querem enxergar. Só quem já leu, entende o que quero dizer.

— Posso ler? — pediu.

— Claro... Só não sei se você vai gostar. É um assunto meio pesado.

— Adoro livros de assunto pesado. — Ele sorriu.

Eles conversaram por mais um pouco, sobre o assunto do livro, e dos quais temas eles mais gostavam. Théo achava incrivelmente ótimo conversar com ele. Fazia-o esquecer de tudo a sua volta, assim como ler um livro lhe causava. Mas falar com Kalleo, era muito melhor que ler.

Depois do que se pareceu horas, Kalleo se levantou da cama, espreguiçando-se, com o livro em mãos.

― Já está tarde e tenho que ir.

― Ah... tudo bem ― falou Théo, infeliz, não querendo que Kalleo fosse embora, mas com vergonha de pedir para ele ficar mais um pouco.

― Assim que terminar de ler o livro, eu o entrego. Sei que é o único passatempo que você tem aqui. ― E piscou o olho, enquanto saía do quarto, apagando a luz ao sair e deixando Théo no escuro, sentindo-se novamente sufocado pelo quarto.


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