O Segredo da Lua escrita por F L Silva


Capítulo 4
Capítulo 4 - Rebatendo com Força




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A quarta-feira passou tão rápido, que tudo que Théo conseguia se lembrar era de um imenso borrão de pessoas andando de lá para cá pelos corredores. Mal começara o dia e quando deu por conta, já estava sentado ao lado de Zoe no refeitório, jantando. Depois, voltou para seu quarto e fez as lições de matemática e química e foi dormir bem depois da meia-noite.

A manhã de quinta-feira se arrastou lentamente nos dois primeiros horários. Cada minuto que se alastrava era como se um dos neurônios de Théo queimassem, até que chegou a certo momento que lhe deu curto circuito e ele apagou. Mas não se demorou muito e ele já estava sendo acordado pela professora. Nos dois últimos tempos da aula da manhã, ele estava no vestiário masculino, bem afastado dos demais de sua turma. Teriam aula de educação física na quadra, mas não era exatamente isso que o assustava. Assustava-lhe era o fato de que Bryan também fazia essa aula com ele.

O único lado bom das aulas de educação física era que os alunos podiam usar as roupas que quisessem, desde que esta fosse proporcional para a aula e que lhe desse livre movimento de todo o corpo.

Para um dia de quadra, até que o céu estava limpo, com poucas nuvens. O ar úmido como quase todos os outros dias de inverno.

O treinador Perini era um homem baixo, com uma enorme barriga, pernas gordinhas e um rosto rechonchudo. Parecia que passava mais tempo comendo rosquinhas na sala dos professores do que fazendo exercício físico.

― Garotos! ― chamou o treinador, atraindo a atenção de todos os alunos que estavam na quadra, muitos deles, assim como Théo, estavam alongando o corpo. ― Como aquecimento, quero que deem vinte voltas ao redor da quadra. AGORA! ― gritou com toda força que sua voz ― já rouca por tanto gritar todos os dias ― lhe permitia.

― Ah, não. Esse velho gordo só pode estar de brincadeira ― resmungou alguém do seu lado. Quando Théo se virou para ver quem era, deu de cara com um garoto exibindo uma bela cabeleireira loura.

Juan.

Seus cabelos à luz do sol faziam-no parecer ouro puro. Théo chegou a semicerrar os olhos para poder olhar direito para ele.

― Temos a opção de recusar? ― perguntou Théo, mesmo sabendo a resposta.

― Quem dera ― riu Juan.

Vamos, vamos, vamos! ― dizia o treinador Perini, batendo as mãos, enquanto olhava ameaçadoramente para os alunos.

E então os alunos começaram a correr lentamente em volta da quadra. O treinador não parava de gritar, mandando-os correr mais rápido, e logo todos os garotos pareciam gazelas saltitantes correndo desembestados.

― Se eu estivesse em qualquer outro colégio ― dizia Juan, correndo ao lado de Théo ―, e o professor de educação física impusesse isso aqui que estamos fazendo, eu não aceitaria. Xingaria, socaria a cara dele, chutaria suas bolas, faria de tudo, mas não iria correr em volta da quadra. Principalmente se ela fosse enorme pra caralho como esta aqui.

― E depois de fazer tudo isso, provavelmente seria mandando para cá de todo jeito, onde teria que correr a força ― brincou Théo.

― É, você tem razão. Mas de qualquer modo, seria legal chutar as bolas do treinador Perini.

― Só iria dificultar a futura geração dele.

― Não acho que a sociedade esteja preparada para a procriação dele. Os filhos irão nascer tudo baixinhos e gordinhos, com orelhas de abano. Vão parecer com porcos.

― Isso se ele tiver relação sexual com alguém.

― Exatamente ― Juan riu. ― O que, com certeza, não tem. Por isso ele está sempre de mal humor. Não temos culpa se ele não transa e quer descontar sua raiva em nós.

A piada era patética, mas Théo riu.

― Sendo assim, quase todos os professores não transam.

― Essa é outra boa análise sua.

O suor começou a brotar pelos poros de Théo, enquanto tentava correr mantendo o mesmo ritmo dos demais. Logo sua nuca estava encharcada. Os músculos do corpo estavam quentes, e ele nem sentia mais frio, como sentira desde que acordou. Quando estava na décima terceira volta, começou a cansar pra valer, suas pernas ameaçando bambear e perder o equilíbrio. Estava com tanto calor que sentia como se estivesse correndo pelo deserto de Saara.

Ele parou por um único segundo para flexionar as pernas. Juan se voltou para ele na mesma hora.

― Acho melhor você continuar. Se o treinador ver você parado, não vai gostar nada. ― E apoiou a mão no ombro de Théo. Sob sua pele, Théo sentiu, era quente e ligeiramente confortável. Como um cobertor numa noite fria e gélida de um inverno rigoroso.

― E o que ele iria fazer? ― perguntou, desvencilhando da sensação que a mão de Juan lhe causara e já voltando a correr, mas não tão rápido como os demais. Juan e ele eram os últimos na fila de estudantes que corriam.

― Bem, pode-se dizer que você não iria ter a mínima vontade de dar mais dez voltas nessa quadra infernalmente grande.

― Achei que seria mais provável ficar em detenção, assim como a Sra. Morelo fez.

― Não. O treinador gosta de resolver tudo na hora, para mostrar a todos o que pode fazer. Ele adora fazer isso, não perde uma oportunidade. Ele sempre diz que não é por que ele é pequeno e gordinho que as pessoas podem rir da cara dele.

― Todos os professores aqui são mal humorados? ― indagou Théo, pois, de fato, todas as aulas que tivera até agora os professores eram bastante chatos e carrancudos.

― A maioria. Mas a causa disso não é salario baixo e tal, pois eles ganham muito bem. É como se eles recebessem ordem de serem severos com os alunos, já que isso aqui é um internato para adolescentes delinquentes ― disse, dando ênfase na última palavra.

― Você fala como se todos os internos fossem iguais ― falou Théo, com certa amargura, pois lá no fundo, mesmo por tudo que tenha feita para vim parar ali, não queria ser comparado aos demais.

― Mas do ponto de vista lógico, é. Para vir para cá, algo de grave você fez, caso contrário não estaria nesse resort cinco estrelas. A única coisa que nos diferencia é o crime que cometemos. Apenas isso.

Théo concordou e ficou calado, fitando o chão a sua frente, esperando ansiosamente que terminasse logo aquela correria.

― Há quanto tempo você está aqui? ― perguntou, não querendo acabar com a conversa. Conversar o fazia esquecer-se do esforço que estava fazendo para correr.

— Exatos nove meses. E ainda tenho mais alguns pela frente.

― Mas... ― começou a falar e logo Juan o interrompeu, já adivinhando o que Théo ia perguntar.

— Tráfico de drogas ― disse sem rodeios. ― Mas estou limpo. Acontece que como eu era novo na cidade, e não conhecia quase ninguém, então ficava difícil de me socializar, e acabei fazendo amizade com as pessoas erradas.

― Achei que realmente tinha batido o carro de seu pai...

― Essa é a resposta padrão quando alguém me pergunta o que fiz para vim parar aqui. Mas para você posso contar a verdade. Confio.

Théo não quis perguntar mais nada a respeito, por que sabia que ele não se sentia nem um pouco confortável falando de seu passado, e de sua drástica história de como veio parar no reformatório. Então ficou de boca fechada.

— E você?

— Hã... Destruir minha sala de aula, de minha antiga escola ― respondeu cautelosamente. A resposta não era inteiramente verdade, mas também não era inteiramente mentira.

— Isso não é uma coisa tão grave assim.

— Acho que deveria contar isso para o juiz.

E ambos permaneceram calados, enquanto davam as últimas voltas ao redor da quadra.

* * *

Depois de completado as vinte voltas, o treinador Perini juntou todos os alunos no centro da quadra. Em suas mãos carregava uma bola de vôlei e a rede para dividir a quadra em dois lados.

― Bryan e Lucca escolham suas esquipes ― falou o treinador enquanto se afastava para colocar a rede nos mastros.

― Eu começo puxando o time ― declarou Bryan, o maior de todos os alunos, olhando a volta para os garotos, até que parou o olhar sobre Théo. ― Quero o do purê-de-batata.

Com isso, todos os garotos desataram a rir. Assobios e olhares de esguelha preencheram o ambienta, já sentindo a densidade do clima mudar. Algo estava errado.

As bochechas de Théo coraram levemente de raiva e vergonha. Seus punhos fecharam-se lentamente, enquanto os olhos dourados se fixavam em Bryan.

― Melhor ser o do purê-de-batata, do que o mal depilado ― soltou sem se conter. Ele nunca fora de levar desafora para casa. Sempre foi de rebater.

Os garotos começaram a olhar entre si, se contendo para não rir.

― Ora, seu... ― rosnou Bryan, os olhos fulminando-o.

― Lucca, é sua vez de escolher alguém para sua equipe ― Juan interrompeu Bryan, tentando encerrar a discussão que iria seguir adiante.

― Escolho o Silas ― falou Lucca rapidamente, entendendo a deixa de Juan.

Quando terminaram de escolher os times, Théo foi para o lado esquerdo da quadra, na qual sua equipe jogaria. Em todo o momento, ficou se perguntando o porquê de Bryan o ter escolhido logo de primeira para seu time. Seria para zoar com ele? Na certa, ele estaria tramando algo contra. Théo não podia negar para si mesmo que no fundo estava com medo do que aconteceria a seguir.

Por sorte, Juan acabou por ficar no mesmo time que ele, o que o deixava mais confortável. Apenas um pouco, não muito.

Como Bryan foi escolhido pelo treinador para escolher sua equipe, isso o fazia de líder, assim, ele era quem delegava qual posição cada jogador ficaria. Théo acabou por ficando no canto esquerdo, bem de frente para rede. Tentou argumentar com o Bryan, se negando dizendo que não sabia jogar vôlei, e ele veio logo dizendo a mau gosto:

― Se não sabe jogar, saia. Ninguém quer você aqui mesmo.

Não querendo discutir, Théo voltou para seu lugar e deu graças a Deus por Juan estar posicionado bem atrás dele.

Então o jogo começou. Bryan foi o primeiro a sacar a bola e logo de cara marcou um ponto. O time de Lucca não teve nem tempo de se jogar para cima da bola e logo esta já estava no chão. No segundo saque, a bola começou a pular repetidamente por ambos os lados sobre a rede e, por sorte, nenhuma foi na direção de Théo. E quando veio, Juan se aproximou e desviou a bola para o jogador ao lado com facilidade.

Théo só tinha jogado voleibol uma única vez em toda sua vida. Tinha sido no sexto ano, e depois que a bola acertou em cheio sua cabeça, nunca mais se arriscou a jogar. Até aquele momento.

Vinte minutos depois, o placar estava de sete à quatro. Seu time estava ganhando. Nenhum dos sete pontos foi feito por Théo. Ele mal sequer tocara na bola.

O próximo saque foi do time oposto. Não se demorou muito para perceberem que o ponto fraco do time de Bryan era exatamente Théo. A bola foi lançada diretamente para ele, tão forte quanto as que Bryan sacava.

A bola estava a uma pequena distância quando ele se posicionou para impulsionar os braços para rebater a bola novamente para o outro lado, quando de repente, seu corpo se chocou contra outro, muito maior que o seu, e caiu para o lado.

― Sai da frente ― alguém rosnou.

Automaticamente, mãos se enlaçaram ao redor de Théo, ajudando-o a se levantar.

― Você está bem? ― era Juan.

― O que aconteceu? ― perguntou atordoado.

― Bryan se jogou em cima de você para rebater a bola ― respondeu com amargura.

No mesmo instante, a veia na têmpora de Théo pulsou. Correndo na direção do Bryan, que agora comemorava o ponto que acabara de fazer, o empurrou para o chão, pegando-o de surpresa. Estava pronto para se jogar em cima dele e começar a socar seu rosto, quando Juan percebeu o que ia acontecer e puxou Théo para trás. Bryan, recuperado da surpresa, se levantou no mesmo instante, com o rosto vermelho como uma pimenta, e partiu para cima de Théo. Na mesma hora, também foi segurado pelos outros alunos.

― O que é isso? ― rosnou o treinador Perini, se aproximando logo depois de soar o apito. ― Parecem duas crianças brigando. Larguem eles ― disse para Juan e o garoto que segurara Bryan. Depois se aproximou dos dois, bem perto de seus rostos, e sibilou: ― Se eu ver as crianças brigando novamente, irão se arrepender de terem nascido.

― Mas, foi ele...

― Não me interessa ― o treinador cortou Théo. ― Voltem a jogar agora.

E segundos depois todos estavam novamente entretidos com a partida.

Théo tentou deixar de lado a raiva por Bryan, tentando canalizá-la no jogo, mas parecia impossível.

O time de Lucca sacou novamente e a bola veio em sua direção. Dessa vez, Bryan não interveio. Théo movimentou-se para rebater. A bola bateu em suas mãos, causando levemente um tremor por seus braços, por causa da força do impacto. O passo de Théo apenas fez a bola ser arremessada para o alto, e sabendo que não poderia tocar novamente na bola, afastou-se. No mesmo momento Juan veio para cima, e no instante certo avançou e rebateu a bola para o outro lado da rede, marcando mais um ponto.

― Obrigado ― murmurou para ele.

― Ah, que nada ― Juan sorriu.

— Vamos lá! Vamos lá! — gritou Bryan. — Ainda não ganhamos, seus trouxas!

Argh! Não o suporto! — exclamou Juan olhando para Bryan.

— Bem-vindo ao clube ― desdenhou.

Com o ponto, era novamente a vez de Bryan sacar. Théo se posicionou em frente a rede e aguardou. Sua respiração estava ofegante e o seu rosto, nuca e pescoço suavam.

― Lá vai! ― gritou Bryan, arremessando, e um calafrio se espalhou pela espinha de Théo.

Num piscar de olhos, Théo caiu estatelado no chão com uma forte pancada na cabeça, de fazer o cérebro sair pela boca. A lateral de seu corpo se chocou contra o concreto duro da quadra. Não conseguia mover os braços ou pernas, sua visão rapidamente escureceu com pontinhos pretos aparecendo diante de seus olhos. O mundo à volta se apagava lentamente com a dor lancinante dominando sua cabeça.

Seus ouvidos tiniram, e tudo parecia queimar. Um grito agoniante escapou de sua garganta.

O treinador Perini tocou o apito, enquanto Théo perdia os sentidos. Passos parecia ecoar dentro de sua cabeça. Rostos distorcidos entravam em desfoque em seu campo de visão. Murmúrios de vozes ainda eram audíveis, e se sobrepondo as demais, gritos estridentes. Mas Théo não conseguia compreender o que diziam.

Braços enlaçaram seu corpo, erguendo-o do chão, e tudo o que ele viu antes de sua visão rodar e apagar, foi um par de olhos de um cinza tão profundo como nuvens num dia de tempestade.


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