Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 4
Sem rumo




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Virei minha cabeça atônita com a salva de palmas e olhares negativos que explodiam de todos os lados nas arquibancadas. Algumas sereias estrangeiras, sem exceção, aplaudiam entusiasticamente, no entanto, os olhares de reprovação das que moravam na tribo eram igualmente chocantes, embora previsíveis. Como assim? Eu? Isso não estava acontecendo.

Tentei me esquivar das irmãs e fugir, porém elas me seguraram com mais força. Anciã deu ordem às meninas que me prendiam para me levarem ao saguão interno do Coliseu. Olhei por cima dos ombros enquanto me arrastavam e a percepção de tempo parecia gradativamente mais lenta.

O saguão seguia o mesmo padrão de arquitetura do resto do Coliseu só que o gelo dele era mais opaco fazendo com que dificultasse a visualização das pessoas de fora olharem o interior do local. Havia estátuas de algumas das anciãs mais antigas e grandes pilastras de sustentação. Após alguns minutos sem entender o que estava acontecendo e por que estavam me forçando a estar lá, a anciã Marissa entrou pela porta da frente do salão com um largo sorriso embora obviamente forçado de um lado a outro. Vi sereias da tribo Fertilitais encheram o palco com seus instrumentos musicais e passaram a entreter a arquibancada, até a porta se fechar e interromper a visão.

— Parabéns, Allysa! Nossa deusa Amidh fez uma ótima escolha! — Ela me abraçou e eu retribuí friamente.

— Talvez não — a respondi, me afastando um pouco.

— Como ousa dizer isso, Allysa? Isso é um insulto a nossa deusa. — Ela me encarou incrédula.

— Tantas sereias mais aptas para isso, para... para... — Nadei um pouco mais para trás, me afastando da anciã. — B-bem, eu não estou pronta. Não sei se essa escolha foi correta, anciã.

Marissa lançou um olhar para as duas sereias que estavam à minha escolta e mandou-as saírem. Ficamos apenas nós duas e o silencio impactante pairou no ambiente. De repente, sua expressão sorridente se transformou em uma face séria e assustadora.

— Escute bem o que vou lhe dizer, querida. Você recebeu uma honra inestimável e está me dizendo que não é apta para esse enorme feito? Nenhuma das escolhidas passadas me disseram isso, e eu estou nesse cargo de anciã há muito tempo! Meu cargo de anciã depende da felicidade das escolhidas e de suas irmãs, mesmo que eu ache que você também não mereça esse presente divino, eu não estou com muita vontade de ser deposta pela deusa Amidh!

— Mas... mas...

—Sem “mas”! — Seu tom de voz estava elevado. Ela gesticulou com a mão para o lado como se estivesse cortando o assunto. O olhar duro foi o suficiente para me calar. — Você vai agora mesmo ao balcão dos anciões e vai acenar para todas aquelas sereias. Não podemos demonstrar fraqueza para as outras tribos, ou pior! Mostrar que nossa escolhida é uma vergonha na frente de todas aquelas sereias. Comporte-se, Allysa, faça o que eu mando.

— Você não está me perguntando o que eu quero! — retruquei com o tom mais elevado que o dela.

— A questão aqui não é o que você quer e sim, um bem comum para todas. Não quero humilhar nossa tribo em consequência de uma rebeldia sem causa sua, ou quebrar um ciclo de gerações por isso. Agora vamos lá para cima, sorrir, acenar e dizer que está tudo bem. — Ela me olhou friamente, e algo me dizia que o melhor que eu poderia fazer era obedecer.

Balancei a cabeça positivamente. Marissa nadou até a saída do saguão subindo para o balcão. Ela agarrou minha mão grosseiramente. Quando cheguei junto aos anciões que lá estavam, Marissa balançou seu cajado e um trono surgiu do gelo para sentar-me. As sereias da tribo Fertilitais terminaram sua apresentação, todos aplaudiram e Marissa foi à frente pronunciar sobre o festival que ocorreria.

— Agora que já está escurecendo, irmãs e irmãos, será servido o banquete e em seguida, comemorações pelo resto da noite para entretê-los.— Houve aplausos e gritos. — E amanhã nossa escolhida... — Ela olhou para mim seriamente. Levantei-me sorrindo para todos e acenei para a multidão. — Vai fazer a primeira seleção de tritões para o torneio. As nossas irmãs irão guiá-los para o pavilhão de Hidrazy onde vocês poderão se deliciar com os melhores peixes e carne humana dourada nos vulcões aquáticos do Sul ao som de uma boa música.

Assim que todos os anciões desceram junto de suas tribos para o pavilhão de Hidrazy, Marissa convocou duas sereias para se juntarem ao balcão. Eu não estava prestando atenção nos acontecimentos até me deparar com a enorme cara de desgosto de Tamara. Ela olhou fundo nos meus olhos e, em seguida, curvou-se. Fiquei espantada. A anciã quebrou o silêncio:

— Garotas, devido ao empenho e potencial que vocês mostraram ter durante a preparação, serão as damas de companhia de Allysa, ficarão perto dela e ao seu dispor sempre que ela precisar. E agora vocês vão arrumá-la para se apresentar no pavilhão de Hidrazy. Levem-na para o Santuário de Encubação e cuidem bem dela. Essa luz vai guiar vocês até lá. — Ela balançou seu cajado soltando um brilho leve que começou a se mover pelo local.

Nunca me senti tão desconfortável como estava agora. Era como se eu não tivesse voz, vontade, como se eu não fosse nem mesmo alguém. De uma hora para outra minha vida havia virado de ponta à cabeça e eu estava destinada a... A gerar uma vida? A dar continuidade a uma geração? A escolher um tritão? Eu não tinha maturidade para isso, eu não tinha nem mesmo vontade.

Saímos do Coliseu chegando até uma área mais isolada onde ficava o Santuário de Encubação, então esse brilho se apagou.

A estrutura do local era bem diferente, era uma caverna feita de mármore branco da baía das almas por fora e flores, musgos e algas a enfeitavam. Havia duas estátuas medianas de Amidh feitas de mármore em cima de duas estrelas do mar. O portal de entrada era feito de cristais de gelo.

Ao entrarmos na caverna, vi que por dentro era bem mais luxuoso. Era um espaço aberto, tudo feito de mármore branco, muitos tecidos descendo de grandes pilastras com flores enroscadas caindo sobre eles. Nos arredores daquele santuário havia uma grande cama de corais macios de cor rosa salmão, e a iluminação suave branca vinha das luzes mágica. Duas enormes janelas em forma de arcos davam vista para o recife de corais. Aquele local era uma acomodação muito calorosa, tinha livros velhos de algas claras em uma estante perto da cama. Várias almofadas enormes estavam dispersas no meio do quarto. Havia alguns vasos de flores e estátuas de escolhidas anteriores, e uma dessas estátuas era minha mãe. 

A estátua de minha mãe era grande, tinha feições minhas como rosto um pouco quadrado, nariz empinado e lábios carnudos. Lembro-me pouco dela, só sei que ela foi bastante respeitada e admirada por todas as sereias das gerações anteriores. Era uma das mais cotadas para a futura anciã, disputava com Marissa. Só queria saber como ela morreu, havia poucas explicações. A única e a mais plausível era de que ela foi engolida pelo monstro da Vala do Exílio.

Também não sei muito sobre esse mostro, mas as sereias mais antigas falavam que ele invadiu a tribo uma vez. Elas diziam que ele é um monstro marinho que também anda na terra. Um dos maiores monstros que elas já viram, sereias mais fortes da nossa tribo lutaram com ele o dia todo para que ele não acabasse com todas nós.

Falavam que ele tinha patas com nadadeiras e corpo de ser escamoso gigantesco. E minha mãe lutou junto a Marissa na batalha para enfrentar esse monstro.

As damas de companhia ficaram deslumbradas com a arquitetura do local. Era surpreendente para mim, também, embora eu não estivesse tão entusiasmada com aquilo quanto elas. Uma das portas dava acesso a um cômodo quente, com uma fonte termal e neblina suave. O quarto era circular e no centro tinha pedras quentes que saíam bolhas. Uma placa na parede informava na língua arcaica das sereias que deitar-se nas pedras e relaxar no calor era favorável à fertilidade.

— Realmente, você tem sorte, Allysa. — falou Tamara que adentrava o cômodo junto a mim.

— Realmente, não sei se isso é sorte. — Saí do cômodo circular. Tamara resmungou em voz baixa pelas minhas costas. Então virei para ela e esbocei uma feição ríspida.

Sentei-me na cama e as duas damas de companhia pararam à minha frente. Olhei para Tamara e depois para outra sereia, tentei lembrar-me do nome dela, só que não me vinha à cabeça.

— Qual teu nome? — Encarei-a. Ela tinha um longo cabelo ondulado loiro, pele extremamente clara, sua esclera do olho era completamente negra. Tinha lábios carnudos rosados e as maçãs de seu rosto eram muito saltadas e avermelhadas. Seu corpo era magro, e sua calda era de um branco perolado meio rosa.

— Lyria, minha senhora. — falou com uma voz suave e aveludada.

— Me chame de Allysa. — Levantei-me da cama e nadei pelo quarto.

— Já era para a senh... Você estar no pavilhão, Allysa. — Lyria falou me fuzilando com seus olhos negros — Vem, vamos te arrumar.

As damas buscaram adereços de antigas escolhidas em baús velhos e cobertos por musgo. Elas decoraram os fios de cabelo com madrepérolas e uma tiara de cristais de gelo foi colocada na minha testa. Pérolas foram coladas em toda a extensão da cauda e um tecido transparente feito dos peixes sedas cobria dos meus ombros até minha cauda com total transparência, ele tinha cor branca e pequenos cristais de gelo pendurados junto às pérolas. Por último, um colar arcaico de ouro branco com diamantes de gelo nórdico utilizado por todas as escolhidas foi colocado em meu pescoço, era enorme e cobria meu pescoço até os ombros. Eu nadei até um espelho e vi o reflexo de uma sereia que não se parecia comigo.

O pavilhão de Hidrazy estava cheio. Ele era gigantesco. Sua iluminação era mais amarelada, tinha luzes mágicas que subiam e desciam ao redor das mesas. Tinha longas pilastras de mármore branco com flores enroscadas e estátuas de gelo dos deuses. Ele era aberto ao ar livre. O Pavilhão era retangular com uma passarela no meio das mesas até os tronos de gelo dos anciões que ficavam no final dele do local de frente para as mesas. No centro deles tinha um trono vago e atrás desse trono tinha uma estátua grande de Amidh feita de gelo.

Eu estava sentada em um trono central enquanto Marissa, erguida, dava mais um de seus discursos sobre “a escolhida pela deusa Amidh e a programação dos próximos dias”. Eu queria nadar para longe de tudo aquilo. Queria fugir. Ir a algum lugar onde ninguém me encontrasse, ir de encontro ao humano que salvei...

Prendi a respiração. Marissa terminou seu discurso e todos começaram a aplaudir. Os olhares ambiciosos dos tritões pairavam sobre mim e meu estômago se revirou. Algum deles em breve teria que ser escolhido por mim.

— Você nasceu para isso — sussurrou Marissa no meu ouvido tentando mudar minha opinião.

— Não. Fui obrigada a isso. — rebati sem encará-la. Forcei um sorriso na direção dos aplausos.

A noite percorreu arrastada e lenta, teve dança, canções e teatro. Dispensei minhas damas de companhias e fui para o Santuário. Quando me deitei na cama, minha cabeça me fez lembrar o rapaz que havia conhecido em terra firme. Algo me fazia querer vê-lo novamente. Esperei todas as luzes mágicas da tribo de apagarem para eu sair pelas janelas do quarto até a superfície.

Queria muito vê-lo, pois eu queria ver se ele estava melhor após o ocorrido. Ultimamente meus devaneios sempre caiam sobre ele. Talvez minha ação de ter salvado ele fosse erronia, mas ele tinha algo que não se assemelhava aos humanos, algo que chamava minha atenção.

 

 

O céu estava escuro, fui nadando pelas águas até as orlas da cidade mais próxima. Concentrei-me para achá-lo com minha mágica. Senti a rosa dos ventos dele pulsando sobre a pele e com minha mágica de rastreamento consegui senti-lo. Nadei calmamente até a pedra mais próxima da praia que estava coberta de musgo e conchas.

Minha vontade no momento era comer aquela carne, aquele cheiro me enlouquecia. Ele estava vestido com tecidos exagerados de tons azuis e dourado, seu cabelo estava para trás. Ele se levantou da areia me olhando incrédulo.

— Você?! — Ele me olhou abismado, sua face estava sem expressões, mas logo ele apresentou certo aborrecimento.

 


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Notas finais do capítulo

Cap: betado por Reet
Vamos começar a desenrolar essa história?
Se a narração em primeira pessoa como Allysa estiver ficando monótona e chata, avisem! Poderei por novos pontos de vistas na história.
Caso tenha gostado comente aqui em baixo.

Obrigado por estar acompanhando a história. Continue nadando com a nossa tribo!

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