Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 3
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Acordei ainda sonolenta com o barulho que as sereias faziam no templo do sono.  O templo era um ótimo lugar para pestanejar. O local era bem aberto, o chão era todo de corais macios. O templo ficava em uma torre não muito alta, mas que eram visíveis os primeiros raios solares nas manhãs. Ele tinha pilastras que sustentavam um teto aberto, havia bastantes cortinas nas pilastras, elas tinham ramas de flores enroscadas.

Espreguicei-me nos corais e resolvi levantar, as garotas estavam histéricas como se tivesse algo de importante acontecendo. Peguei uma rama de flores nas pilastras e amarrei meu cabelo em tranças. Olhei ao redor do templo e perguntei a Serlha, que era uma sereia de baixa estatura com pele negra e cabelos brancos. Tinha as mesmas cores de caudas que as sereias da nossa tribo: variações de azul para branco perolado. Decidi perguntar a ela, pois parecia a mais tranquila dentre as outras.

— O que está acontecendo aqui, Serlha? — perguntei ainda observando a movimentação das meninas.

— As sereias estão se arrumando para ir ao Coliseu. Daqui a pouco vão chegar às sereias vizinhas, não está lembrada?

— Era hoje? — falei com surpresa ainda abismada por ter esquecido.

— Sim. — Eu ia falar outra coisa, só que ela saiu nadando. Serlha nunca foi de conversar e interagir com as outras.

Nadei para fora do templo, observando superficialmente a tribo. Tudo estava mais limpo, o mármore branco dos templos estava mais aparente. Tinham lindas flores aquáticas nos templos em forma de ramas, havia mais cardumes de peixes multicoloridos nadando pelos caminhos da tribo.

Segui as sereias para o Coliseu. O lugar era feito de gelo, um gelo mágico que nunca derretia bastante parecido com cristais. O seu formato circular dava acesso a uma longa arquibancada e na entrada havia duas estátuas enormes de cristais gelados representando a deusa Amidh com seu rosto de medusa e uma enorme cauda cheia de barbatanas hidrodinâmicas. Na parte superior das arquibancadas frontais à entrada estava o balcão. Ficavam cinco cadeiras no nele e no parapeito havia o estandarte da nossa tribo com o brasão bordado, que era uma coroa de gelo com cinco pontas, também tinha várias ramas de flores decorando sendo movimentadas pelas águas.

O Coliseu era grande demais para apenas nossa tribo. Cada tribo tinha um Coliseu, e eles deveriam caber irmãs de todas as regiões. Todas se acomodavam nas arquibancadas, e embaixo do balcão ficavam as sereias mais velhas, elas não se misturavam muito com as mais novas. Quando a anciã Marissa entrou no local nadando para chegar seu trono, as sereias se curvaram.

— Bom dia, meninas! Estão ansiosas? — Ela brincou. Sua voz era audível para todas que estavam no Coliseu. As sereias responderam positivamente, e começaram a conversar entre si.

Sentei-me afastada das demais com tédio, deixei meus ombros caírem e escorei-me na arquibancada. Após um tempo, as sereias ainda conversavam e de repente, escuta-se um barulho estrondoso vindo do horizonte, a areia se ergueu na água formando uma fumaça.  As sereias guardiãs da tribo, que ficavam em torres separadas nas quatro regiões, soaram suas conchas de aviso. Olhei de desvio para a anciã em cima do balcão e vi que ela retribuía um olhar frio para mim. Ela virou a face para o horizonte ignorando-me e deu um sorriso amarelo.

— Garotas, recebam as irmãs da tribo Ferox — disse a anciã.

Todas as sereias que estavam sentadas nas arquibancadas olharam para a chegada da tribo Ferox. A poeira que subia havia ficado para trás dando espaço a várias serias montadas em tubarões gigantes selvagens e um enorme dragão marinho um pouco menor que o Coliseu.

O monstro avançava com tudo, as sereias começaram a ficar assustadas. O dragão subiu as paredes do Coliseu, se arrastando pelo gelo e desceu pelas arquibancadas, toda vez que ele suspirava pelas brânquias milhares de bolhas saíam de suas narinas. Ele desceu as arquibancadas indo até arena central do local. O bicho começou a diminuir de tamanho, sendo acompanhado pelas exclamações altas de todas as sereias da nossa tribo, impressionadas com aquilo. As escamas diminuíram de tamanho, as barbatanas ventrais deram lugar a braços e as dorsais, a um longo cabelo negro.  Aos poucos, dentes se transformaram em um sorriso feroz e ameaçador. O dragão da tribo Ferox era uma sereia, e a julgar pela decoração em seu busto, as marcas em seus braços e o tamanho alongado de sua cauda, era a anciã que não via a quatro anos.

As sereias que vinham atrás do dragão se acomodaram nas arquibancadas com seus tubarões e estandartes com os brasões de sua tribo que era um tubarão de boca aberta. Todas tinham olhares ferozes e maxilares largos. A maioria tinha olhos completamente negros e longos cabelos lisos. Suas caudas variavam do cinza claro para o escuro e a pele das meninas era um branco acinzentado. E as barbatanas eram pequenas e afiadas, todas hidrodinâmicas com jeitos selvagens.

— Meninas, deem boas vindas à anciã Zarah. — Marissa se levantou do trono ficando ereta no balcão enquanto Zarah nadava até ela, abraçando-a. Após o abraço, elas se sentaram. — Como todas devem saber, a tribo Ferox é responsável por treinar os animais marinhos para servir as sereias. São ótimas domadoras.

Zarah era bem jovem assim como todas as meninas. Ela era alta e sua pele tinha um tom branco acinzentado como a maioria de sua tribo. A anciã possuía um nariz avantajado, seus olhos eram completamente negros, suas orelhas eram pontudas e usava uma coroa que se assemelhavam a uma coroa de folhas secas.

Fiquei fascinada com aqueles seres diferentes. Os tubarões que acompanhavam as sereias eram calmos e tinham mandíbulas enormes, realmente aquilo me atraía.

Novamente soam as conchas avisando novos visitantes, desta vez, não havia poeira. No horizonte se via várias sereias em cima de flores e conchas gigantes carregadas por cavalos-marinhos gigantes com longas barbatanas. Estavam levantando os estandartes que tinha um brasão de uma concha aberta e no meio dela havia uma flor de cinco pétalas.

Milhares de flores brotavam no chão da arena. Essas flores começaram a se materializar em uma sereia muito bonita, arrisco dizer que foi uma das mais bonitas que já vi.

— Meninas, recebam a tribo de Fertilitais e sua anciã Lia. — A anciã da tribo de Fertilitais subiu o balcão abraçando Marissa e Zarah. — Fertilitais é criadora de todas as plantas e corais marinhos e são especializadas no cultivo para o uso da magia.

Lia era bem jovem, usava uma coroa de flores exuberantes, algumas que eu nunca havia visto antes, raras e especiais. Seu corpo era pequeno e sua cauda tinha coloração vermelho salmão. Possuía lábios carnudos e pele corada. Seu cabelo ondulado castanho claro tinha flores adornadas nele.

As sereias da tribo Fertilitais adentraram as arquibancadas deixando os cavalos-marinhos do lado exterior do Coliseu. Quando elas nadavam flores saíam das suas costas.  Elas tinham uma aparência diferente, algumas tinham pele morena e outras tinham pele branca. A pele delas me lembrava bastante o humano que eu havia salvado. Seus cabelos variavam das cores, castanho claro para o ruivo. Elas carregavam várias flores nos cabelos. O corpo delas era bem delicado, tinham cinturas finas e quadris largos. Não possuíam barbatanas nos ombros, apenas nos quadris e as barbatanas desciam como um véu até o final de seus corpos. As cores das caudas daquela tribo variavam do rosa claro para o vermelho salmão. Os olhos de algumas eram verdes e de outras eram castanhas.

Novamente as conchas soavam, mas dessa vez não se via nenhuma sereia ao horizonte e sim uma neblina negra parecida com tinta de lula sobre o Coliseu. Dessa neblina saíram vários vultos negros caindo em cima das arquibancadas segurando estandartes bordados com os brasões de medusas, pois falam que nas florestas aquáticas de Divitias tem muitas medusas que brilham no escuro. Esses vultos davam forma a lindas sereias negras.

Essas mulheres tinham caudas amareladas. Eram lindas, tinham longos cabelos cacheados e crespos. Possuíam corpo avantajado e seus rostos usavam várias tintas que decoravam suas pálpebras e têmporas com cores quentes, puxando a linha de seus olhos exageradamente.

No meio da arena um líquido negro saía do chão. Esse líquido viscoso se materializava em uma sereia negra com um grande colar de pérolas em seu pescoço. Sua cauda era da cor amarelo claro, suas barbatanas vinham da clavícula descendo pelo seu corpo com um véu dourado. E do lado da sereia duas poças de um líquido dourado se formavam em duas cobras marinhas de ouro.

— Bem vinda, Ghiva. Bem vinda, tribo de Divitias. — Ghiva nadou até Marissa cumprimentando-a. — A tribo Divitias é dona de todas as jóias e materiais preciosos dos mares, também são grandes dominadoras da magia.

O Coliseu estava quase todo lotado, só faltava agora a presença dos tritões. O ambiente estava cheio de culturas diversas e rostos diferentes As sereias de nossa tribo iam até as convidadas para interagir com elas.

As conchas voltaram a emitir seu som chamando a atenção das garotas que logo viraram as faces observando a entrada do Coliseu.

Dessa vez eram os tritões que entravam em fileiras pela entrada do Coliseu, eles estavam em uma formação de batalhão carregando os estandartes com tridentes desenhados grosseiramente.

O líder deles vinha na frente com um tridente de metal prateado enorme em suas mãos. O tritão que estava à frente de todos era alto, mais alto do que qualquer sereia que eu já vi. Tinha um corpo avantajado, pele morena queimada. Seus olhos eram de um azul turquesa que combinava com seu cabelo longo que vinha até os ombros de cor clara. Sua cauda era gigante e cheia de barbatanas vorazes de tonalidade azul nublado.

O tritão logo subiu ao balcão. Enquanto o batalhão de tritões ficou parado no meio da arena em formação observando as garotas.  Olhei para o balcão observando a Marissa conversar alguma coisa no ouvido do líder dos tritões, depois ela se afastou e nadou um pouco a frente falando:

— Esse é Kai, líder dos tritões da tribo Niger Mare. — Marissa balançou seu cajado de cristal em direção as estátuas de Amidh. Então se formava um portão de gelo entre as duas esculturas fechando a entrada do Coliseu. — Tratem bem os tritões, meninas.

Os rapazes que chegaram logo saíram de suas posições ocupando os últimos lugares da arquibancada.  A maioria dos tritões tinha um porte esportivo e caudas com cores variadas do azul para o verde-marinho.  Cada um carregava um tridente com materiais diferenciados.

Um dos tritões me lembrou o humano cujo eu havia salvado. Ele tinha quase a mesma aparência, só mudavam a cor dos olhos. Por algum motivo minha cabeça sempre se perdia em devaneios que submetiam a imagem do rapaz que eu encontrei. Por mais que eu quisesse esquecer, eu não conseguia.

Marissa terminou de conversar com os anciões presentes e foi à frente do balcão. Ela observou a superfície da água, os raios brilhavam intensamente. Então a anciã apontou seu cajado para o chão de areia da arena. No meio do Coliseu uma bolha gigante de ar se formou, sua transparência foi ganhando uma cor negra. Dentro dessa bolha escura estavam contidos desenhos muito reais: as três estrelas, o sol, a lua e a Terra.  Esses desenhos eram o espaço e nele dava para notar que o alinhamento do Sol com a Lua estava próximo.

Olhei para esquerda em direção a Tamara e a vi toda ansiosa. Os anciãos que estavam em cima do balcão ficaram silenciosos. De repente parece que todos os oceanos cessaram seus sons.

Desviei minha atenção para a bolha negra e vi que o alinhamento havia começado. Os anciões desceram do balcão e ficaram ao redor da bolha, eles ergueram suas cabeças e deram as mãos. Todas as sereias olhavam com atenção para o centro da arena. 

A superfície do mar ficou escura, o posicionamento solar havia começado. Lua se interpôs entre nosso planeta Tarem e o Sol, ocultando totalmente a sua luz. O Coliseu ficou escuro, não se via nada em todos os lugares.

Só conseguia ver a bolha que mostrava eclipse. A Lua cobriu os brilhos do Sol. De repente uma dor enorme veio à tona em meu corpo.

Não contive o grito, saiu agudo e sofrido. Senti como se meu corpo fosse serrado ao meio. Ouvi meus ossos estralarem, meu quadril estava dilatando rapidamente. Meus seios doíam como se estivessem sendo arrancados. Minha coluna parecia estar se abrindo, minhas brânquias pareciam dobrar de tamanho no pescoço.

Quando a dor finalmente havia diminuído, minha cauda parecia que estava sendo arrastada para o centro da arena. Grudei minhas unhas no gelo das arquibancadas, mas foram tentativas fracassadas de me prender. Não consegui ver nada, pois estava muito escuro. Os raios solares começaram a brilhar em meio à escuridão, eu estava completamente perdida no meio da arena. O Sol voltou a brilhar como antes, olhei ao redor e vi que todos olhavam para mim.

Percebi que os anciões reverenciavam alguma coisa, mas eu não fazia a menor ideia do que era. A nova deusa havia sido escolhida? Onde ela estava? Olhei em volta e toda a arquibancada parecia chocada e nervosa. Ao tentar nadar, notei algo estranho.

 Minha cauda não era a que eu conhecia ter, agora, em sua lateral, símbolos tribais estavam marcados, eram azuis brilhavam representando a fertilidade de uma sereia escolhida. Estendi minhas mãos e percebi que as membranas que me ajudava a nadar entre meus dedos tinham um brilho excepcional.

Olhei para todos no Coliseu, minha cabeça estava doendo em um emaranhado de duvidas. Olhar todos aqueles povos me observando me assustava, queria gritar mais. Virava minha cabeça para todos os lados em busca de alguma resposta, mas só via sereias e tritões conversando entre si e depois olhando para mim. Pareciam que todos estavam me julgando, principalmente as garotas de minha tribo.

Minha face queimava de raiva, passei meus dedos em minha testa tentando amenizar minha agonia. Minha vontade era de arranhar o rosto de Marissa com minhas garras. Formei um V em minhas linhas de expressões da acima das sobrancelhas, semicerrei meus olhos e minha vontade era de fugir ou de bater no mais próximo.

Sereias guardiãs de todas as tribos vinham em minha direção com buquê de flores e corais. Virei-me para os anciões e me dei conta do que estava acontecendo. Não. Não é possível.

— Irmãs! Reverenciem a sua deusa! — Marissa sorriu com falsidade em seu olhar.


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Notas finais do capítulo

Caso não estejam curtindo a narração somente em primeira pessoa só comentar. Não quero que a visão dela seja chata para alguns.
Obrigado a todos que abriram o capítulo para ler. Caso tenha gostado ou não, deixe sua crítica aqui nos comentários.

Caso tenha gostado comente aqui em baixo.
Obrigado por estar acompanhando a história. Continue nadando com a nossa tribo!

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