Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 17
Escritas em Sangue


Notas iniciais do capítulo

Vou tentar postar mais rápido possível.
Capítulo sem betagem, então já sabem né.
Se tiver erros me avisem♥



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Olhei para as rochas que estavam sendo banhadas pelo mar naquele mesmo lugar de sempre onde me encontrava com Héclyro. No entanto, ele não estava lá. Aproximei-me das pedras e me encostei em uma delas cravando minhas longas unhas nos musgos evitando que as ondas arrastassem meu corpo. Os ventos da madrugada batiam em meu corpo junto as espumas do mar. Guiei minha magia até a Rosa dos Ventos no pescoço dele tentando sinaliza-lo que eu estava a sua espera.

Não precisei me esforçar muito, pois vi uma luz na praia, visualizei com mais precisão quem estava junto a ela e era Héclyro andando rumo a entrada secreta do castelo nas muralhas indo embora. Nadei com todas as forças de minhas barbatanas e cheguei perto dele, realmente as ondas do mar estavam mais furiosas, quase não conseguia controlar meu sentido. Chamei seu nome e ele me notou nas ondas.

Ainda segurava comigo o baú de ouro branco de Marissa. Héclyro correu para cima de uma rocha que estava sendo chicoteada pelas águas salgadas do mar azul. Ele colocou aquela luz no chão e sentou-se perto de mim. Vestia roupas escuras e seu cabelo estava despenteado como de costume.

— Pensei que tu não virias hoje. — Ele tocou minha mão livre fazendo um carinho na região. — Já estavas partindo para o castelo.

— Não estava nos meus planos vir hoje, mas eu precisava conversar. — Coloquei o baú em cima das rochas.

Ergui meu tórax até próximo a Héclyro, senti todo aquele seu aroma amadeirado e notei sua barba por fazer. Ele segurou minha cintura com força e um breve arrepio se espalhou pelas minhas veias me fazendo deixar escapar um sorriso involuntário. Ele começou a levantar meu corpo para sentar em uma de suas pernas enquanto o resto da minha cauda ainda permanecia no mar.

Héclyro ainda mantinha suas mãos em minha cintura apertando-a, ele abriu seus lábios em um sorriso com malícia e depois começou a dar beijos em meu pescoço perto das minhas brânquias. Os pelos de seu rosto faziam minha pele de ouriçar a cada toque. Ergui meu colón para ele enquanto suas mãos agora percorriam minha pele apertando levemente.

Meus lábios foram selados pelos de Héclyro com pressão fazendo nossas línguas se mesclarem. Suas mãos desceram de meu pescoço para minha cauda apalpando-a. Sessei o beijo e fitei os olhos predadores dele sobre mim e minha boca facilitou a formação de um sorriso.

— Realmente é para ser só uma conversa, Héclyro. — Cortei os olhares cruzados e visualizei o baú.

— Desculpa, mas tu és irresistível para mim, Allysa. — Deu vários beijos meu pescoço carinhosamente voltando a me apertar novamente.

Peguei o baú, que até então não tinha aberto, e retirei todo o musgo dele. Héclyro observava o que eu fazia, mas ainda sim dava beijos em minha clavícula arrepiando a região com os pelos de sua face. Tentei abrir a trava, mas não conseguia, coloquei uma boa força, mas ainda sim estava complicado, ainda mais com ele me desconcentrando.

— Faças à moda antiga, Ally. — Ele tomou o baú de minhas mãos e bateu com força a parte superior em uma rocha quebrando o lacre.

— Não era minha intenção quebrá-lo, mas já que você fez isso... — Foquei minha visão no baú aberto e havia várias escritas lá dentro.

Retirei uma das algas escritas e desenrolei-a. As letras rudimentares estavam todas dispostas de forma irregular, passei os dedos sobre elas e comecei a ler.

“1432. d.Q.

Hoje percebo Bélyra bem mais próxima de mim. Ela vem mudando meus dias e se tornando uma pessoa de extrema importância para mim, nunca pensei que fossemos nos tornar amigas devido nossas diferenças de idades, pois minhas amigas sempre foram sereias mais antigas como eu. Admiro a bravura dela e como ela confiou em mim para contar como a morte de sua mãe era algo que a afetava muito, mesmo que ela não demonstrasse.”

Aquela data era bem antiga, “1432 d.Q” representava a história depois da Queda dos Monstros Marinhos que haviam em grandes quantidades nos mares antes das sereias e tritões saírem nas caçadas deles para matá-los e defender nossos lares e também significava a reforma que as tribos passaram para melhor depois dos ataques tanto em arquitetura e costumes. Nunca imaginei que Marissa e minha mãe fossem tão velhas, já que nenhuma sereia era de falar sua idade.

Também jamais pensei que minha mãe fosse tão sentimental quanto a morte da minha avó, nenhuma das garotas da tribo falavam dela para mim, ela era muito antiga.  Naquela época eu nem era projeto de Amidh ainda. Jamais imaginei que Marissa e minha mãe fossem tão próximas. Voltei minha atenção a leitura ainda surpresa com tudo.

“1440 d.Q.

Bélyra vem ganhando muito destaque na nossa tribo, acho incrível sua capacidade de chamar atenção de todos e como ela está me ajudando a conseguir a atenção das outras também. Sou muito grata por Amidh ter feito nossa amizade ser tão forte a ponto de eu confiar meus problemas com minha mãe para ela também, pois não tinha a quem recorrer e sentia que aquilo corroía minha garganta de tanta raiva. Estava me sentindo muito só antes dela aparecer.”

“1475 c.Q.

Dedico essa escrita ao ódio que tenho da minha mãe por me forçar a ser uma sereia perfeita, ainda tenho bastante raiva dela por ter me trancado nos porões de gelo da tribo para me afastar de Bélyra. Mamãe afirmava que Bélyra tirava meu brilho para as outras sereias e para Amidh, pois ela tem um fanatismo gigante na nossa religião. Odeio essa cobrança dela, me sinto muito sufocada com sua pressão.”

Comecei a estranhar aquelas escritas, nunca imaginei que Marissa sofresse algo dessa forma, ainda mais pela mãe. Lia também para Héclyro e explicava algumas partes para ele dizendo quem eram as pessoas.  Peguei outra alga e comecei a lê-la.

“1502 c.Q.

Não posso mentir, estou muito feliz pela morte de minha mãe, eu deveria me sentir triste, mas já estava na hora dela partir. Não queria mais receber essa pressão dela, pois algo em meu interior me diz que nunca seria uma escolhida como ela tanto queria. Bélyra me consolou, mas de nada adiantou, pois ao invés de tristeza eu me sentia bem melhor.”

“1545 c.Q.

Bélyra foi escolhida para o Festival da Colheita, fiquei muito feliz e dessa vez ela disse que iria me ajudar a ganhar popularidade na tribo para eu poder competir para o posto de anciã de Neferice. Fiquei ao seu lado durante todo o festival ajudando ela com tudo e de todas as formas. Ainda não tenho palavras para descrever como me sinto feliz com a presença de Bélyra. Não sei o que fiz para merecer alguém tão especial.”

“1546 c.Q.

Bélyra teve uma linda sereia, seu nome Allysa, ser mãe estava realmente em seu sangue. Allysa é muito fofa e com seus bracinhos gordinhos ela gosta de brincar com meu cabelo. Agora que a cria dela nasceu, Bélyra deu mais atenção ainda para minha popularidade na tribo, não sei como agradecer ela por isso. Sempre estávamos muito juntas e ela não tem ideia de como me faz bem.”

“1547 c.Q.

A Santa Bancada das Sereias Antigas me chamou para uma reunião agora nesse final de ano sem a anciã da tribo, isso me deixou com medo. Elas estavam me incentivando a fazer a competição se acirrar, mas diziam que eu iria ganhar com certeza e que a antiga anciã não era mais a melhor opção para governar Neferice.”

“1548 c.Q

Com o apoio da Santa Bancada das Sereias Antigas, as sereias me queriam no poder ainda mais com Bélyra ao meu lado, mas a bancada me pediu para acelerar as coisas, falaram para fazer algo em nome da tribo. Era algo que a anciã anterior não iria fazer e por isso a bancada queria sua retirada. Naquele momento eu entendi que não era a anciã que mandava em Neferice, mas sim a bancada, mas eu tive que fazer o que pediram para eu também ter o meu legado e não viver sempre na sombra de outras pessoas. Então uni o útil ao agradável.”

Era realmente perceptível que a anciã não tinha tanto poder no governo das tribos, já que a Santa Bancada das Sereias Antigas sempre estavam por trás de tudo auxiliando junto as bancadas das outras tribos, a anciã era apenas uma porta-voz do que elas queriam.

Acabaram as escritas, olhei para Héclyro e expliquei tudo ainda incrédula no que lia. Não entendia o que ela quis dizer com unir o útil ao agradável, mas tirei minhas conclusões de que aquilo não seria algo bom.

“1549 c.Q

Estou muito triste com a morte das minhas duas melhores amigas, Vinérya e Bélyra, as guardarei para sempre em meu coração. Cuidarei de Allysa como se fosse uma filha para mim, ainda mais que agora virei anciã da tribo.”

Isso só podia ser mentira, Marissa nunca me tratou como filha. Minhas expectativas de que foi ela que matou minha mãe só aumentavam pelo fato das últimas datas serem compatíveis com a idade em que eu perdi minha mãe, aos três anos de idade no ataque das sereias em Eryus. Mas eu não iria conseguir considerar aquelas algas como prova de algo, pois ela dizia ser muito amiga da minha mãe e gostar de mim o que iria com certeza me contradizer se eu a acusasse de algo tão grave.

A Santa Bancada das Sereias Antigas também estava ao lado de Marissa, e como elas tinham poderes absolutos, isso só reforçaria minha teoria de que era mais provável eu me sair mal do que ela.

No baú restou apenas outra escrita, era um desenho de Marissa com minha mãe, e a assinatura das duas estavam lá em baixo, ambas se abraçando. Héclyro pegou o desenho e averiguou e depois me encarou com os olhos semicerrados. Outra novidade, pois nunca que eu iria adivinhar habilidade de desenhar da Marissa.

— Todas vocês são assim?

— Assim como?

— Cheias de mistérios e de brigas cruzadas pelas costas?

— Pelo que parece, sim. — Sorri para ele notando aquele escárnio.

— Então seu povo não és tão diferente dos humanos, Allysa. — Héclyro franziu as sobrancelhas para mim.

Fiquei calada e refletindo sobre tudo que acontecia e no que Héclyro havia dito. Por mais que eu não quisesse concordar, sentia que era verdade. Amidh precisava retornar e levar a gente, não dava mais. Ainda com desenho em mãos, Héclyro ergueu perto do meu rosto e me olhou cortando minha linha de pensamentos junto ao som das ondas se rachando nas rochas junto as espumas do mar.

— Tu és muito parecida com ela. — Ele apontou para minha mãe ao lado de Marissa. — Perfeitas.

Sorri para ele, não queria deixar minha frustração estragar aquele meu momento de prazer. Fiquei mais um tempo beijando Héclyro e fazendo carinhos nele. Estava sendo um pouco complicado manter minha mente concentrada apenas em algo principalmente quando eu havia uma grande confusão acontecendo comigo.

Héclyro havia me perguntado sobre o tritão e como eu estava indo com ele, tentou não demonstrar uma raiva contida, mas era notável que seu maxilar trincado dizia tudo. Expliquei para ele sobre a consumação e detalhei como aconteceu. Ele realmente não gostava desse assunto, mas tentava de todas as formas compreender o que eu estava passando e aquilo me fazia feliz. Além do mais, de alguma forma, passar a aceitar aquele festival estava me fazendo sentir-me mais próxima de minha mãe, pois era como se eu estivesse passando pelas mesmas experiências e isso era uma forma em que eu me encontrava com ela.

Toquei minha barriga fazendo um carinho como seu eu estivesse ansiando para que tudo desse certo. Héclyro deixou seus dedos triscarem meu rosto e depois pousou seu polegar sobre meus lábios. E sorriu para mim.

— Terias coragem de abandonar tudo para vir morar aqui comigo? — perguntou algo totalmente fora de nexo naquele momento. Nossos narizes estavam encostados enquanto ele dava um sorriso de lado.

— Boa pergunta. — O não estava quase saindo da minha boca, mas não queria magoá-lo, no entanto não poderia mentir. — Não poderia, tenho um dever para com minha tribo que fui obrigada a assumi-lo. Talvez se eu não tivesse sido escolhida... Mas ainda sim amo muito o mar... Ai não sei, estou indecisa. É muito cedo para isso. — Meus ombros caíram e apertei meus dedos em nervosismo.   

— Te admiro muito por isso. — Héclyro beijou meu pescoço.

— Pelo que? — perguntei arqueando um de minhas sobrancelhas o encarando.

— Por saber priorizar as coisas. — Ele comprimiu os lábios e continuou. — Eu no teu lugar também daria preferência as responsabilidades, principalmente quando elas envolvem a vida de outras pessoas. Cresci tendo esse senso. — Ele colocou suas mãos em minha mandíbula e selou meus lábios. — Sou grato por tu estares na minha vida.

— Se você me conhecesse ano passado não diria isso, pois eu não ligava muito para essas coisas. — Olhei de soslaio para o horizonte evitando o contato com aqueles olhos negros dele.

— As pessoas mudam. — Voltei a encarar sua face. — Para mim o que importas és o agora, Allysa. Tu me importas no agora. — Beijou minha bochecha.  

Não falei nada por vergonha, mas retribui o carinho. Fechei o baú com o coração apertado, era como se tudo que tivesse acontecido em minha vida não fosse uma verdade. Era bom finalmente conhecer Marissa de uma forma indireta e entender o que ela passou mesmo que essa descoberta quase tivesse custado minha vida naquele templo dela à noite.  

Nunca entendi o motivo das sereias mais antigas cobrarem tanto de suas filhas um reconhecimento de todos. Ao mesmo tempo que parecíamos irmãs unidas pelo sangue e amor, aqueles laços eram corrompidos pelas disputas que uma tinha com a outra para alcançar um poder no seu próprio meio.

Pedi para Héclyro guardar aquele baú com ele, pois se as sereias caçadoras descobrissem ele lá no mar eu estaria muito ferrada, ainda mais sem a tranca. Ele aceitou e depois de um tempo juntos nos despedimos, a noite já dava indícios de que estaria a desaparecer, então voltei para a tribo junto a maré que estava baixando.

 

 

Alguns dias se passaram, guardei para mim a dor, a raiva e a dúvida que cada momento mais me consumiam deixando atado um nó em minha garganta. Preferi manter em segredo apenas entre mim, Damysis e Héclyro sobre o baú, talvez Tamara não me entendesse e achasse que fosse loucura da minha cabeça – o que poderia ser também -. Nesses dias que passaram eu quase não saia do santuário, pois estava indisposta com tudo que acontecia, minha sorte era que Hammys estavam me dando atenção a todo momento.

Havia perguntado para Tamara quem era Vihar em uma conversa descontraída entre nós, pensei que ela soubesse quem era, pois sempre conhecia muitas sereias importantes devido sua mãe, Natísys Elays, ser a chefe da Santa Bancada das Sereias Antigas. Ela tinha dito que só ouvira o nome por meio da mãe em algumas conversas.

Marissa ultimamente andava pela tribo com poucas palavras e cabeça baixa, seu olhar não carregava mais um brilho como antigamente. Até queria perguntar o que estava acontecendo com ela, mas não sabia como chegar nesse assunto, pois nunca fomos muito próximas. No entanto, eu recusava essa hipótese de dialogarmos sobre problemas delas simplesmente por lembrar das coisas dela que li em seu baú e elas estarem confundindo muito minhas ideias.

Sempre que minha mente voltava para lembranças negativas, era como se o rancor dentro de mim voltasse a me alertar dos erros das pessoas que me cercavam e por mais que eu tentasse esquecê-los, eles sempre voltavam e deixavam um aperto no coração e um gosto amargo em minha boca. Queria ser uma sereia menos rancorosa, mas acho que isso era do nosso sangue e seria difícil de mudar.

 

 

Barulhos exteriores do Santuário de Encubação me fizeram acordar. Cocei meus olhos e bati as mãos ao redor da cama caçando o corpo de Hammys que não estava lá. Levantei-me e fui até a janela, vi uma grande movimentação de longe na praça da tribo. Estava me distraindo com aquela visão e levei um susto quando Hammys abriu a porta com força me fazendo olhando seu rosto.

— Até que enfim acordou. — Ele colocou a mão em meu ombro.

— Ainda está cedo.

— Não mesmo, você que dormiu muito.

Voltei a sentar na cama e passei minhas mãos no meu cabelo relaxando o coro cabeludo ainda assimilando as coisas que me aconteciam. Achei que logo sentiria os sintomas que as três sereias escolhidas me falaram quando fui pintada por elas, mas até aquele momento tudo estava normal. Achei que foram poucos dias para ter notado alguma diferença.

— O que é tudo aquilo ali fora?

— Pensei que você soubesse. — Hammys escorou-se na cama.

— Não estou muito atenta aos assuntos da tribo. — Mordi o lábio inferior.

— Marissa anunciou ontem que as sereias deveriam arrumar locomoções, pois iremos para Divitias, vai ter uma Festa da Luz e a anciã de lá conta com a presença da escolhida e de tua tribo.

— Ai que preguiça — resmunguei. — Já fui em Divitias, a viagem é um pouco longa isso cansa.

— Você vive com preguiça, Allysa. — Ele cutucou minha costela. — Também já fui lá competir para um Festival da Colheita, mas nem passei na primeira fase. — Sorriu de canto.

— Fui pelo mesmo motivo, mas ainda era muito pequena, acho que com quatro ou oito anos... Não me recordo.

Hammys passou a mão em minha barriga fazendo carinho e depois sorriu. Ele voltou a me falar das escritas novas que recebeu de seu querido tritão.  A história dos dois era tão bonita, eles têm quase um século de diferença de idade, mas pelo que Hammys me dizia, os dois se davam tão muito bem e o pai dele também gostava muito do rapaz. Fiquei tão feliz por ele, aquilo me fazia acreditar que de alguma forma eu um dia ainda teria um final feliz também.

— Vou ter que arrumar algo? — perguntei com a voz cansada.

— Óbvio que não, Ally. — Ele revirou os olhos. — Lyria e Tamara já fizeram isso para você hoje mais cedo.  Acho eu, que elas ainda virão aqui novamente te arrumar para ir.

Dito e feito, depois de alguns minutos elas apareceram e me produziram. Coloram tecidos brancos em meu corpo e joias em formatos de medusas. Elas me falaram que era uma forma de cortesia para Divitias, já que a cor branca e o símbolo da medusa eram a representação da sua tribo. Fizeram um penteado muito bonito trançado com meu longo cabelo, demorou um pouco já que as correntes marinhas não estavam ajudando.

Eu achei estranha essa viagem tão repentina, mas iria aproveitá-la para ver se eu iria encontrar Vihar em Divitias, já que ela disse que era de lá. Talvez ela pudesse esclarecer do que se tratava aquela conversa com Marissa, pois eu tinha absoluta certeza que eu estava envolvida no meio, visto que, elas citaram meu nome e falaram da minha consumação. Então para mim, de alguma forma, tudo estava interligado.

As coisas estavam tão instantâneas ultimamente, as notícias vinham até mim e eu tinha preguiça de contestá-las, pois sabia que eu teria que fazê-las da mesma forma, querendo ou não, então passei apenas a aceitar. Levaram-me para o local de desembarque da tribo onde havia vários ynais. O local era uma área retangular aberta com várias pilastras de mármore com flores ao redor ouro encrustado. Havia uma longa pista para a saída dos animais, eles estavam espalhados por ela esperando as ordens das sereias.

Os ynais eram animais bem grandes e serviam de meio de transporte, sua pele era lisa, negra e brilhante. Seus olhos eram pretos e refletiam a luz, tinham dentes ferozes e sua aparência era nada agradável, mas obedeciam às sereias. Deve ter dado muito trabalho para retirar eles do estabulo da tribo, pensei. Eles eram domesticados em Ferox e vendidos para as outras tribos. Suas nadadeiras pareciam asas ferozes e sua cauda era similar de uma sereia.

Seu corpo negro contrastava com o branco da tribo e a armadura de ouro branco que eles usavam. Em cada deles havia seis assentos acolchoados com corais. No entanto, no ynai da Santa Bancada das Sereias Antigas e de Marissa seu conforto era maior, pois os bancos eram fechados com um teto de ouro e entalhado com detalhes da tribo. Por sorte eu e Hammys recebemos um exclusivo semelhante aos da anciã.

Passei a mão carinhosamente no meu ynai perto de suas brânquias. Sua grande cabeça virou-se fuzilando-me com seus olhos negros, mas ele logo a abaixou, receosamente fiz um carinho sentindo sua pele lisa e ele pareceu gostar. Hammys foi tirar-me de perto dele com medo de algo e o animal fez um rugido feroz, senti um arrepio em minha espinha e notei que Hammys tencionou os ombros. Ele me chamou de louca e me deu uma bronca, depois fomos para os assentos e fechamos a porta, os bancos atrás da minha cabine estavam com baús de tecidos e joias, fitei Hammys e revirei os olhos fazendo ele sorrir.

Observei da janela e vi que todos os ynais já estavam ocupados. Tinha uma grande multidão atrás. Guiei minha visão em meio as garotas e vi sereias caçadoras colocando um baú dentro de outro ynai afastado dos demais. Ele tinha uma cabine como o meu e de Marissa. Elas pareciam querer que ninguém visse o que carregavam. Semicerrei os olhos imaginando o que teria em seu interior. Depois disso as sereias caçadoras se acomodaram nos bancos em seu interior junto aquela arca.

Com certeza eu iria averiguar aquilo depois, pois era estranho, já que nas viagens as sereias faziam de tudo para levar menos coisas possíveis devido ao peso nas costas dos animais. Voltei a encarar as garotas da tribo e sorri acenando. Elas retribuíam em vibrações levantando o estandarte de Neferice, que era preto com desenho de uma coroa nele.

Haviam três sereias que tinham o dom de conversar com animais marinhos na frente da caravana, cada uma delas ocupava um ynai diferente de assento único. Elas soltavam grunhidos estranhos e depois traduziram para gente avisando que estavam fazendo nossa partida.

 Os ynais estavam inquietos e fervorosos. Em um segundo grunhido alto das sereias, eles levantaram suas gigantescas nadadeiras, batendo elas no chão andando pela areia até conseguir velocidade para subir nas correntezas. O meu ynai me fez sentir um balance divertido dentro da cabine. Eles começaram a erguer seus peitorais, e em um impulso tomar uma grande velocidade dando rasantes. Grandes rastros de poeiras eram deixados na água espantando também os peixes que passam por eles.

Hammys segurava-se na janela com força e eu estava aproveitando aquele balance, era bem contagiante. Ele me fuzilou com um olhar incrédulo no que via. Ergui minhas mãos para o alto e sorri. Para quem lutou por mim em três provas de resistência, ele parecia bem medroso, pensei. Vi da janela toda a multidão de sereias agitadas em cima dos ynais que nadavam sobre a nossa tribo, ela de longe era muito linda e minúscula.

Depois de um tempo com os ynais nadando em uma grande altura, quando chegamos no oceano mais aberto eles deram um rasante na areia, fazendo com que novamente mais poeira fosse levantada. Seus corpos criavam grandes rastros no mar devido ao seu peso, o modo que eles nadavam era tão veloz e muito gracioso, mas ainda sim carregam um ar de força. Todos os animais seguiam os três outros que iam na frente guiando o caminho.

 

 

Naquele momento, Hammys já estava bem mais calmo, pois já estávamos mais equilibrados dentro da cabine.  Olhei da janela e percebi que havíamos subido novamente, aquela parte do oceano era bem deserta e quase sem peixes, conseguia ver apenas silhuetas de baleias bem distantes. As horas foram se passando rapidamente e aquela viagem parecia bem menos tediosa, pois eu e Hammys conversamos sobre assuntos aleatórios que faziam com que não houvesse tédio entre nós.

Quando coloquei minha cabeça para fora da janela, notei que começou a surgir corais diferentes do que eu estava habituada, a temperatura da água havia elevado bastante e meu corpo resfriou-se tentando se adaptar. Os brilhos solares haviam diminuído e a tarde estava passando deixando a noite dar seus primeiros sinais da escuridão. Algumas medusas afastavam-se quando os ynais avançavam. As três sereias que guiavam a caravana grunhiram algo e os animais deram um forte rasante nos corais fazendo muitos peixes se espantarem e pedaços da floresta marinha se quebrar com a velocidade em que as nadadeiras passavam. Hammys agarrou o teto da cabine e a borda da janela com a repentina abaixada dos animais.

Arqueei a sobrancelha para Hammys, tentei entender o motivo de estarmos nadando pela floresta marinha, já que quanto mais avançávamos, mais fechada e maiores estavam ficando as matas e os corais. Eles realmente começaram a ficar gigantescos de formas inusitadas. Quando era criança e tinha vindo para Divitias, mas não era muito de perceber essas diferenças, mas agora eu estava dando mais atenção a essas mudanças.

— Por que estamos dentro da mata e não acima dela? — perguntei achando estranho aquilo. — Se estivéssemos nadando sob ela seria mais fácil de achar a tribo.

— Até onde eu sei, as divitianas fizeram uma magia forte na proteção da tribo para que nenhum mal acontecesse a elas. — Hammys colocou a cabeça fora da janela e depois arregalou os olhos com a velocidade. — O único meio de entrar em Divitias é pela mata fechada, pois o caminho sob a floresta marinha engana. Segundo lendas os corais e algas mudam de lugar para confundir sua cabeça e fazer você se perder e não achar a tribo e nem a saída da mata — falou com a respiração tensa. —  Isso aqui está indo muito rápido — resmungou.

— Que genial. — Da vontade, né Neferice?, pensei ironicamente. — Devem ter usado uma mágica muito forte para isso. Na nossa tribo só tem um campo de proteção para convidados e isso suga muito nossa magia. E quando estamos em período de reforço dele, que geralmente ocorre a cada sete anos, faltamos é sair mortas do ritual. — Sorri para ele. — Eu gosto dessa velocidade, me faz sentir mais viva.

— Isso não deve ser nada para elas, já que diferente das outras tribos, aqui tem muito mais sereias que tem domínio da magia. — Ele tentava relaxar as brânquias. — Allysa, você não bate muito bem da cabeça. — Gargalhei.

Concordei nos ambos aspectos. Em Divitias haviam muitas sereias que tinham magia no sangue devido a uma benção que receberam no passado – da qual não sabia do que se tratava, pois cochilava nas aulas-, eram raras as que não nasciam com ela nos festivais que eram sediados.

A tarde já havia acabado, o mar começou a ficar totalmente escuro, os ynais cortavam as matas em uma velocidade extremamente alta que me faziam nem perceber que estávamos em movimento. Em seguida uma grande luz invadiu nossa cabine em um flash. Tampei meus olhos e depois os abri calmamente visualizando Hammys atônita devido ao brilho agressivo que foi emanado para nós.

Nosso ynai rapidamente entrou em repouso fazendo-me sentir um baque contra o banco. Hammys resmungava do nosso meio de transporte, mas eu estava achando uma aventura muito legal e aquela viagem foi bem mais rápida do que eu pensava que iria ser, tinha levado apenas metade do dia. Depois de alguns minutos uma sereia caçadora abriu a porta da nossa cabine e o ambiente emanava muita luminosidade, nem parecia que estava de noite. Hammys segurou minha mão e descemos juntos da cabine finalmente chegando em Divitias.


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Notas finais do capítulo

Quem gostou bate palmas, quem não gostou paciência.
Se tiver erros, me avisem por favor.
Obrigado a todos que abriram o capítulo para ler.

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