Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 18
Entre a Luz e a Escuridão


Notas iniciais do capítulo

Desculpem pela demora, espero que gostem.
Se encontrarem um erro, já sabem o que fazer.
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Ao sair da cabine do meu ynai, toda aquela luz emanada para mim estava de algum jeito sendo absorvida por meu corpo e eu me sentia muito bem, era como se algo naquele ambiente me deixasse mais viva e forte.  Em seguida, Hammys segurou minha mão entrelaçando nossos dedos. Sua presença ali de certo modo me fazia bem por saber que não estava enfrentando aquilo tudo sozinha.

As garotas de nossa tribo formaram um batalhão na minha frente, levantando os belos estandartes de Neferice, enquanto a Santa Bancada Das Sereias Antigas vinha ao meu encontro com Marissa no fundo. Havia uma grande multidão ao nosso redor, as sereias estavam dissipadas pelo ambiente dando espaço para o batalhão passar.

Dei uma bela olhada no local, Divitias tinha uma arquitetura ousada e luxuosa com pedras negras que formavam grandiosos prédios em formas geométricas lineares seguradas por grossas colunas esculpidas com face das nossas divindades. Ao redor da praça onde estávamos dava para ver várias estátuas de deuses menores, muitos tecidos das janelas expostas das construções estavam esvoaçando pela maré junto a pequenas flores douradas.

Toda aquela arquitetura da tribo parecia se unir à aparência das sereias e dos animais que cercavam o ambiente. As mulheres tinham rostos angulares, peles escuras e traços marcantes. Suas caudas eram douradas e suas barbatanas vinham da clavícula descendo pelo corpo como véus. A maioria tinha cabelo cacheado e crespo, o que agregava uma homogeneidade com o lugar. Suas maquiagens eram carregadas e diferente da gente de Neferice, que gostávamos de andar sem muitos adereços nos nossos corpos; já elas estavam usando e abusando de muitas joias preciosas.

As sereias de Divitias estavam espaçadas se mesclando com os prédios, elas paradas pareciam estátuas de tão belas. As luzes do lugar eram emanadas pelas linhas dos templos feitos de pedra negra. Parecia que eu estava ali de novo pela primeira vez, pois a beleza daquele lugar era exótica e muito diferente da qual eu estava habituada.

— Sejam todas bem-vindas — pronunciou Ghiva, anciã de Divitias, com um sotaque rápido e áspero típico das divitianas. Ela estava com a mão erguida delicadamente em sinal de cortesia, a longa escadaria abaixo dela em contraste com as pedrarias que enfeitavam o seu corpo.  Ao seu lado estavam suas duas cobras marinhas de ouro e mais atrás a Santa Bancada Das Sereias Antigas de Divitias.

As sereias da nossa tribo passaram pela multidão e se acomodaram na frente da escadaria. Eu e Hammys avançamos rumo a Ghiva, todas as moças de Divitias fizeram mesura ao nos ver enquanto passávamos. Parei na frente dos degraus e esperei Marissa chegar. Ela subiu a escada e se posicionou ao lado da outra anciã, olhou para mim e moveu sua face um pouco para baixo deixando a entender que era para eu subir também, e assim eu fiz junto a Hammys.

— Espero que gostem da estadia em nossa tribo e que aproveitem da nossa Festa da Luz. —Ghiva virou-se para mim. — É um grande prazer tê-la conosco para prestigiar da nossa cultura. — Ela se posicionou novamente para a multidão e tocou minha barriga rapidamente sem virar seu rosto para mim, o que a princípio me assustou com aquele toque desprevenido. — Cuidem bem da escolhida e da cria que ela está carregando.

Ela era bem excêntrica, porque normalmente as pessoas não saem pegando na sua barriga sem sua autorização mesmo gestante, o que me espantou. Hammys pressionou os dedos em minha mão. Sorri em retribuição às palavras de Ghiva.

— Agora daremos início às festividades, por favor, sintam-se à vontade. —Ghiva nadou rumo um pequeno palanque onde havia alguns tronos na praça.

Nós a acompanhamos e, no horizonte, eu vi algumas sereias guiando os ynais retirando-os do ponto de onde chegamos. Sentei-me ao lado da anciã de Ghiva junto a Marissa e Hammys. Observei as moças se ajustando nas arquibancadas que estavam no local.

Ghiva fez um gesto com sua mão e as luzes da tribo baixaram seu brilho. Logo em seguida sereias entraram no centro do local com pinturas douradas em seus corpos e em suas mãos havia véus que brilhavam na ausência da luz. Elas começaram uma dança que fazia seus quadris e ombros mexerem como se não tivessem ossos os erguendo, o que era muito fascinante.

Toda aquela apresentação era muito bem coreografada e, de repente, surgiam feixes de luz que eram escapados pelos véus fazendo com que muito brilho fosse emanado de seus movimentos corporais. Eles formavam a figura do símbolo da tribo de Divitias: uma medusa. Aos poucos, mais sereias estavam se juntando à dança fazendo com que fosse um grande espetáculo gracioso com uma música muito intensa.

A noite foi assim, muitos shows e entretenimento. Naquele momento em diante eu passei a entender o que realmente era a Festa das Luzes, Divitias conseguia trazer uma forte presença de vida, pelo menos foi o que eu sentia enquanto estava lá. Ficamos naquelas belas apresentações até as sereias começarem a se retirar para dormir, mas ainda assim a questão daquela arca na cabine do ynai separado estava martelando na minha cabeça.

 

 

Depois de muitas apresentações, lá estava eu, Hammys e Tamara em uma tenda dourada espetacular. Hammys foi o primeiro a pegar no sono. Eu queria conseguir ter essa facilidade dele para dormir. Tamara estava tirando meus adornos em frente a uma grande penteadeira feita de conchas, e Lyria não tinha vindo porque eu a dispensei. Cacei Damysis para me fazer companhia antes de ir para minha tenda, mas me disseram que ela também já havia ido dormir. Contudo, naquele instante minha cabeça só mantinha a idéia de querer estar perto de Héclyro abraçada a ele e conversando, passando mais uma madrugada ao seu lado.

— Eu gosto de estar perto de você — disse Tamara me tirando dos meus pensamentos. — Acho que eu devo desculpas a ti por ter sido tão estranha contigo quando você era mais nova. — Caramba, Tamara estava com a cabeça muito distante dali.

— É isso que você estava pensando? Isso faz tanto tempo... — Meus ombros caíram e deixei um sorriso de lado escapar enquanto batucava minhas unhas calmamente na penteadeira.

— Sei lá, queria ter baixado minhas barreiras contigo antes. Você é uma pessoa muito legal, Allysa, mesmo sendo meio inconsequente na maioria das vezes. — Ela estava desfazendo meu penteado. — Tipo, muito mesmo — ela enfatizou a palavra “muito” e arregalou os olhos.

— Também — falei quase em sussurro. Ainda tinha muita dificuldade de conseguir me abrir mais, no entanto, preferia demonstrar meu afeto em ações, porque em palavras eu era horrível.

— Sabe... gosto dessa sensação de estar perto de você e não me sentir pressionada a criar assunto ou ser obrigada a conversar por educação como faço com as outras sereias. — Tamara estava certa, quando eu estava perto dela ou de Damysis, eu conseguia passar uma tarde toda ao lado das duas sem conversar, mas não me sentia culpada por isso. Era como se a ausência de assunto não tornasse o momento constrangedor, ou seja, o silêncio não era algo ruim nem causava constrangimento entre nós três quando estávamos juntas.

— Também sinto isso, amiga — falei me olhando no espelho, e Tamara colocou sua cabeça na linha do meu pescoço e encarou o espelho comigo.

No reflexo do espelho, eu notei uma movimentação pela brecha dos tecidos da tenda: vi duas sereias carregando uma arca. Virei minha face para a abertura dos panos para averiguar aquilo melhor. Duas caçadoras de Neferice estava com aquele grandioso baú em mãos e entravam na floresta marinha densa de Divitias.  Voltei minha face em direção de Tamara, que não estava entendendo nada, e sorri para ela.

— Não estou gostando desse seu sorrisinho, Allysa. — Tamara fitou as sereias entrando na mata e depois de olhou com uma expressão de autoridade balançando a cabeça negativamente. — Você não vai fazer o que eu estou pensando que vai...

— Lembra que você disse que eu sou inconsequente?... Então adivinha quem vai desbravar a floresta de Divitias comigo?

— Não mesmo.

 

 

Estávamos nos aprofundando no interior das florestas dos arredores de Divitias. Eu me sentia muito pequena no meio daqueles grandiosos corais e algas marinhas que brilhavam no escuro, eles tinham um aspecto selvagem e exótico, mas muito bonito. Cada vez mais que adentrávamos naquele lugar, a vida marinha dali me surpreendia com seus animais, que também estavam brilhando, e com as gigantescas medusas, belas e perigosas que passavam por nós. Tamara observava também o local, mas ainda assim parecia mais atenta do que eu em seguir as sereias caçadoras.

— Estou começando a me arrepender de ser sua amiga — sussurrou. — Não sei por que ainda estou vindo até aqui.

— Está nada — respondi seguindo as sereias caçadoras. — Agora vem.

As sereias caçadoras pararam em frente a uma casa feita de blocos de pedras rústicas. A cabana estava coberta de musgo e bem escondida entre a mata. Escorei-me entre algumas rochas junto a Tamara e observei as mulheres entrando na cabana com a arca e, depois de alguns minutos lá dentro, elas saíram.

Uma das sereias caçadoras parou e eu percebi suas brânquias se moverem agitadamente. Ela olhou ao redor e depois virou-se para sua parceira.

— Estou sentindo a presença de sereias. — Ela se afastou nadando para nosso rumo. Meu estômago embrulhou e deixei meus ombros se arquearem. Comecei a ficar ansiosa e senti Tamara apertando meu pulso com força.

— Esquece isso. Deve ser uma dessas sereias da tribo daqui. — Ela puxou o braço da outra que vinha em minha direção e voltou a nadar rumo à saída da mata. — Vamos sair logo daqui, não gosto desse lugar selvagem.

A outra não parecia muito convencida, pois ainda olhava em minha direção, mas aos poucos foi se distanciando da cabana. Tamara ainda parecia muito nervosa, então esperei mais alguns minutos para que as caçadoras pudessem sair dali. Realmente eu não estava disposta a ter mais segredos escondidos de mim, então eu precisava muito saber o motivo daquela arca e o porquê de ela ter sido deixada aqui. 

Atravessei algumas algas que cobriam a visão da cabana. Tamara estava atrás de mim convencendo-me a desistir dessa ideia. Claramente rejeitei seus avisos. Sentia a palma das minhas mãos geladas e meu estômago revirou, mas era uma sensação boa como se aquilo que eu estava fazendo fosse muito errado, mas eu estava gostando. Posicionei-me rente à parede de rocha com pequenos símbolos entalhados, coberta de musgo. Minhas brânquias ficaram tensas, e tomei coragem suficiente para fazer a loucura de entrar.

Passei pela cortina de algas e segurava meu cabelo para não grudar nos corais incrustados na parede.  Vi o baú que as caçadoras carregavam encostado no chão perto de mesa de pedra. Estava muito escuro ali, havia apenas uma iluminação esverdeada, mas ainda assim dava para enxergar o ambiente. De repente, um cardume de peixes passou na minha frente, fazendo meu peito disparar com o susto. Nadei para trás e espantei Tamara, que sem querer bateu a cabeça em um coral, e eu esbarrei em uma tigela de metal com um liquido que não se dissipava na água, e acabou sujando minha mão.

Eu comecei a sacudir meus dedos para aquele líquido sair deles, mas não estava funcionando, e para me assustar ainda mais, uma voz tensa, forte e bela foi espalhada no local. Tentei guiar a minha face em direção ao som, mas eu não via nada.

— Quem está aí? — A voz era feminina com sotaque de Divitias e preenchia o lugar.

Eu e Tamara trocamos olhares nervosos, e ela meio que pediu para que eu falasse algo, apenas me encarando assustada. Eu queria muito ter coragem de dizer algo, mas nada saia de mim.

— Se apresente! — exigiu aumentando o tom da voz.

— Ally-s... Allysa e Tamara — sussurrei torcendo para que ela tivesse escutado, porque o pânico estava praticamente me deixando muda.

Um breve silencio ficou no ambiente. Meu medo não era dela, mas sim de estar invadindo um local que não era meu e como isso poderia gerar uma confusão, principalmente por eu não estar nos territórios de Neferice, mas sim nos de Divitias.

— A escolhida?

— Sim — respondi segurando o pulso de Tamara.

— Perdoe meus modos, escolhida, me chamo Vihar O’rys. — A dona da voz ainda permanecia nas sombras e, para minha surpresa, Vihar era a mesma sereia que estava conversando com Marissa no dia em que eu perdi meu colar. — Algum motivo em especial para tê-la aqui na minha cabana?

Aquela era uma boa pergunta, muito boa, tão boa que eu tinha medo de respondê-la de forma errada. “Ah, eu vim aqui porque sou curiosa e notei sereias caçadoras trazendo um baú para cá nesse buraco escuro cheio de algas” não seria uma resposta legal, então fiquei calada.

— Nós estávamos andando pela floresta para espairecer a mente, mas nos perdemos e vimos essa cabana — Tamara se pronunciou vendo que eu estava em silêncio. — Somos de Neferice.

— Tenho certeza que vocês conseguem inventar uma mentira melhor. — Minhas veias contraíram com a pressão e o nervosismo se instalou em mim com o que a dona daquela voz disse.

Aos poucos a iluminação do lugar ficou mais intensa com a luz esverdeada, a face de Vihar estava sendo evidenciada, lentamente, e quanto mais claro o ambiente ficava, mais daquela moça era mostrado. Aparentemente não era apenas uma mulher, mas sim duas, e uma delas estava de costas até que ela começou a nadar e notei que algo não estava certo.

— Falem! Qual o motivo da visita de vocês aqui? — ela perguntou colocando sua mão sobre a mesa batendo calmamente suas enormes unhas douradas sobre a mesa.

Tamara ia falar algo, mas a interrompi e falei a verdade.

— Segui as sereias caçadoras, pois eu estava curiosa em saber o conteúdo desse baú. — Fitei Tamara de soslaio. — Obriguei Tamara me seguir, pois não queria vir sozinha.

Observei que o líquido escuro havia saído de minha mão o que me deixou mais aliviada. Novamente houve silêncio no lugar, o único som agonizante que era emanado ali era as unhas da sereia batendo contra a mesa, e cada vez mais ele parecia mais alto.

Vihar atravessou a mesa, e eu notei que não tinha outra garota de costas para ela, mas que eram duas sereias juntas. Ambas estavam grudadas uma de costas para a outra. Sereia Falha.  Ela curvou seu corpo para baixo e notei a face da moça que estava atrás dela, seus olhos eram dourados por completo, sua expressão neutra marcada por lábios entreabertos e ela parecia que não estava consciente da minha presença.

Engraçado era que, no dia em que a vi, quando eu estava escondida embaixo da mesa, eu não tinha percebido as duas caudas, mas sim só uma. Naquele momento eu só estava me perguntando como ela conseguiu esconder o outro corpo e como sobreviveu por tanto tempo sendo sereia deficiente.

Vihar abriu o baú e levantou sua postura, voltando a me encarar com sobrancelhas marcadas friamente. Fitei o conteúdo dentro da arca: joias, ouro, muitas ervas mágicas aquáticas típicas de Neferice e coisas que eu não conseguia identificar.

— Satisfeita?

— Mas por qual motivo minha tribo te daria isso?

— Pagamento por prestação de serviços, querida. — Seus lábios carnudos mexiam-se vagarosamente enquanto falava.

— Posso saber quais serviços? — Me aproximei dela curvando minhas sobrancelhas.

— Acho que não te diz respeito, escolhida. — Ela passou suas mãos em seu cabelo negro cacheado afastando-o de sua face de cor escura. — Mas... para você não ter dado viagem perdida, a única coisa que posso te contar é que esse pagamento foi por um serviço que eu futuramente farei para sua tribo. — Ela sorriu mostrando sua perfeita arcada dentária.

Notei que Vihar deu espaço para o silêncio voltar, aparentemente desejando que fossemos embora, e foi o que eu fiz. Voltei meu corpo para a saída e Tamara tocou meu ombro encarando Vihar com uma sobrancelha levantada, mas ainda assim, sua cotidiana expressão era séria.

— Perdoe minha ignorância, mas como você está viva? — perguntou Tamara com um leve tom de grosseria.

— Como assim, querida? — questionou Vihar incrédula com o que escutava.

— Você... Você tem uma irmã grudada em suas costas, você é uma sereia falha... Isso não está certo.

A cabana ficou em silêncio novamente e o único som voltou a ser as unhas de Vihar arranhando a mesa mais bruscamente. Ela contorceu seu rosto fazendo expressão de nojo e fuzilou Tamara quase como se estivesse saturada de escutar aquelas perguntas de outras sereias.

— Sabe... — Ela foi se aproximando de Tamara lentamente. — Sereias “falhas” às vezes podem ser muito mais úteis do que sereias “normais” — ela enfatizava ambas as palavras em deboche.

— Acho que ela não quis dizer que você é inútil, Vihar — esclareci e visualizei Tamara. — É que geralmente no nascimento de sereias falhas... — Vihar lançou um olhar frio — são mortas pelas anciãs. Não é algo convencional de se ver nas tribos.

— Deve ser por isso que eu não estou na tribo, mas sim na floresta. Não é mesmo? — Ela revirou os olhos e movimentou seu corpo que tinha bastantes adornos dourados.

— Mas ainda assim isso não responde minha pergunta — retrucou Tamara. — Anciãs matariam independentemente, pois além de você ser sereia falha também é uma sereia com irmã gêmea grudada nas costas. — Tamara me observou de soslaio. — Você sabe o que dizem de sereias gêmeas, não é, Allysa? — Ela me fitou com um olhar provocativo.

Eu não sabia, nunca tinha ouvido nenhuma sereia comentar, mas de sereias falhas já, pois todos os Festivais da Colheita que fui eu escutava as moças rezando para Amidh, pedindo para a cria não nascer falha, ou seja, com alguma deficiência.  Então balancei minha cabeça negativamente para Tamara.

— Ally, as anciãs matam sereias gêmeas ao nascer, pois dizem que uma das sereias é o lado totalmente racional e a outra é o instinto selvagem. E elas não podem viver desse jeito, pois uma sereia precisa do equilíbrio da racionalidade e do instinto selvagem para se alimentar. — Tamara fitou Vihar. — Ou seja, uma das irmãs vai ser muito humanizada e a outra vai ser uma sereia selvagem. — Ela se aproximou de mim. — Vamos sair daqui, além de gêmeas elas são grudadas, não sabemos como ela pode agir conosco e você está esperando uma cria, precisa de proteção — sussurrou para mim já passando pelas cortinas de algas, e eu a acompanhei.

— Sabe o que é engraçado? É a ignorância em matar sereias falhas só por causa de que elas nascem diferentes das demais... O que nos torna diferente de vocês só porque algumas das sereias falhas nascem sem braços ou com cauda deformada? — Vihar falou em um tom audível, fazendo com que nós duas parássemos de sair da cabana e a encarássemos. Aquilo me atingiu, pois eu estava entendendo o que ela estava dizendo e mesmo que eu não fosse falha, eu sabia como era se sentir deslocada. — Só não me mataram ao nascer porque fora recebida uma mensagem dos deuses no templo da magia exigindo que eu não morresse, mas sim minha mãe em meu lugar.

— E o que você tem de tão especial para isso? — perguntou Tamara ainda em tom provocativo, já que ela sempre gostava de seguir as regras.

— Eu sou guardiã da magia no sangue das sereias das quatro tribos femininas. Eu e minha irmã nascemos grudadas, isso fez com que nossa racionalidade e instinto selvagem fossem balanceados. Mesmo que minha irmã não fale, ela também tem esse equilíbrio.

— Guardiã da magia no sangue? Como assim? — Aproximei de Vihar.

— Isso não é espalhado nas tribos, pois é algo muito antigo, é da mesma época em que Amidh tirou a maldição das sereias que fora jogada pela deusa esposa do deus de quem Amidh era amante. — Vihar virou-se costas e deu para observar melhor sua irmã gêmea nos encarando com seus olhos dourados iguais aos de Vihar. Ela estava nadando para os fundos da cabana, e a seguimos. — Sabe... Amidh se relacionou com esse deus casado, e ela ficou grávida depois de tudo que aconteceu. No dia em que a filha de Amidh nasceu, foi chamada de deusa menor da magia e coincidentemente eu nasci junto, pois era na mesma época que foi meu Festival da Colheita.

— Quantos anos você tem? — questionei espantada.

— Parei de contar depois dos meus seiscentos... — Geralmente sereias chegam até quinhentos, e, segundo o que ela estava falando, ela deveria ter mais de mil anos.

Ao chegarmos aos fundos da cabana, nos deparamos com uma clareira no meio da floresta aquática que iluminava o ambiente, pois alguns corais brilhavam no escuro. Eu e Tamara ficamos receosas de continuar a nadar, pois Vihar estava indo mais adentro.

— Com o meu nascimento e o nascimento da deusa menor, Amidh presenteou algumas sereias com a magia no sangue, e a benção caiu sobre Divitias primeiro e depois foi espalhada pelas outras tribos. — No chão do local vimos uma cor dourada pulsando entre a terra como se fossem veias no solo, e Vihar continuava indo mais adentro na mata. — Essa magia tinha que ser controlada, então a mensagem enviada no templo no meu nascimento explicava tudo isso para a anciã daquela época. Você deve ter se sentido mais forte quando chegou aqui, principalmente por ser escolhida, não é mesmo?

— Sim.

— Isso é porque a magia pulsa em Divitias e se espalha para o resto das tribos. Aqui é mais forte, e eu a controlo. — Chegamos a um local com uma estátua feita de raízes de uma mulher. Ela pulsava um brilho dourado de sua cabeça, ia descendo por todo o corpo e depois para o solo em forma de veias. — Foi exatamente nesse local onde a benção da magia no sangue caiu.

Eu comecei a tentar ligar as peças de tudo o que ela dizia. Tamara parecia bem assustada. Era muito estranho notar aquelas veias douradas no chão pulsando. Tudo que Vihar falava parecia ter muito sentido.

— Para você ter uma noção, foi eu que trancafiei aquele monstro na vala da sua tribo. — Vihar tocou na estátua, e as veias ao redor de seus olhos começaram a pulsar uma cor dourada também junto às raízes. — A Santa Bancada das Sereias Antigas da sua tribo me mandou trancá-lo, pois sabiam que ele não estava morto. As sereias estavam cansadas de lutar, então aparentemente ele apenas havia apagado, as moças com o dom de controlar a água arrastaram para a vala, e eu fiz a magia que selou aquele lugar.

Tudo estava se encaixando perfeitamente, e eu conhecia Eryus e sabia que o que ela dizia era verdade.

— E por que sua mãe teve que morrer? — interrogou Tamara.

— Eu não sei. Uma vida por um bem maior, talvez. — Ela sorriu.

— Por que nem todas as sereias têm magia no sangue? — perguntei. — Você é imortal?

— Não sei, a magia seleciona quem quer... Algumas sereias têm apenas o dom, algumas têm apenas a magia no sangue, outras têm os dois e outras não têm nada. — Ela saiu de perto da estátua e me observou. — Não sei se sou imortal, mas estou viva até hoje.

— Você se alimenta?

— Sim, espero as sobras caírem da superfície. Geralmente as sereias não estão habituadas a me verem, então eu evito circular perto delas e, quando preciso fazer isso, eu uso um manto e peço para minha irmã erguer a cauda. — Isso explica como ela escondeu a irmã dela no templo da Marissa.

— Já que você é guardiã da magia no mar, por que não se aproveita disso e vira uma anciã?

— A ignorância das sereias em ver uma sereia falha no poder seria enorme a ponto de me matarem, o que iria fazê-las perder a magia, mas pelo menos não teriam de ver alguém com outra pessoa grudada nas costas no poder. — Nadamos de volta para a cabana. — Prefiro me manter isolada e prestar serviços para as tribos e para sereias que precisam da minha magia.

Fomos até a porta da frente da cabana já em despedida, pois logo iria amanhecer, e as sereias iriam perceber minha ausência.

— Você não vai mesmo me dizer quais são seus serviços para minha tribo? A Santa Bancada das Sereias Antigas ainda te pagam por ter selado o Monstro da Vala do Exílio?

— Você verá meus serviços em breve, escolhida. E não, Natísys, a coordenadora da santa bancada da sua tribo, já me pagou tudo.

Olhei para Tamara e vi que ela também estava surpresa em saber que sua mãe, Natísys, era conivente com a falsa morte de Eryus. Dirigi-me à saída junto a Tamara com certa pressa, era muita coisa para assimilar.

— Antes de irmos, me responda só mais essa pergunta. — Vihar consentiu. — Como chegou tão rápido em Neferice no dia do ataque? — questionou Tamara.

— Estava prestando meus serviços. — Ela sorriu e desapareceu nas sombras da cabana.

Nadamos de volta para Divitias, pois aquele era o penúltimo dia e tínhamos que aproveitar um pouco mais das festividades. Passamos a volta toda conversando sobre quão estranho era ter conhecimento de todas aquelas informações que Vihar passou.


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Notas finais do capítulo

Quem gostou bate palmas, quem não gostou paciência.
Se tiver erros, me avisem por favor.
Obrigado a todos que abriram o capítulo para ler.

Caso tenha gostado comente aqui em baixo.
Obrigado por estar acompanhando a história. Continue nadando com a nossa tribo!
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