Águas Obscuras escrita por Alph


Capítulo 10
Tempo Escorrido


Notas iniciais do capítulo

Oi gente!
Me perdoem pela demora da atualização.
Estava acontecendo alguns probleminhas que acabaram me impedindo de atualizar a história.
Enfim, não gosto muito de enrolar, mas é necessário eu falar algumas coisinhas antes.
MUITOOOO OBRIGADO a Caah Lummy, Raven e Anne pelas incríveis recomendações que me mandaram, vocês são uma das melhores sereias da tribo!
Também fico muito agradecido pelos 119 comentários, nunca pensei que chegaria tão longe, pois para mim eu não conseguia ver que o livro chegaria a toda essa visibilidade pelo fato de que o tema abordado não ser muito popular.
Valeu mesmo a todos!
Comentem a história para ajudar a ter mais divulgação :D
ps: espero que gostem do que escrevi nesse capítulo, deu um certo trampo para caçar tantas informações legais para a cerimonia de finalização do Festival da Colheita.
Sério, vocês são os melhores.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/682683/chapter/10

 

Na hora em que as portas foram abertas, todos os anos de treinamento para a cerimônia de encerramento do Festival da Colheita após meus dezesseis anos foram esquecidos. Estava um completo branco em minha mente. Tentei de todas as formas fazer lembranças dos ensinamentos que a Marissa força a gente a aprender nas aulas de comportamento e respeito com as outras tribos.

Queria perguntar para Tamara como proceder, mas com todos olhando, inclusive ela e Lyria, eu sabia que não teria ninguém para me auxiliar. Coloquei meus braços por trás das costas e mantive o meu seio para frente com uma postura autoritária como eu havia visto nas edições anteriores. Tomei a frente e tentei acabar com o nervosismo que predominava em mim.

Os sons dos tambores estavam começando a soar lentamente com minha entrada. Tamara e Lyria vinham atrás, ambas jogavam na água pétalas de flores com as cores de todas as tribos presentes.

Todos os presentes ali já sabiam como tudo iria acontecer, pois desde que completamos dezesseis anos, somos guiadas a aprender a seguir a cerimônia corretamente, pois já somos aptas para participar do festival. O salão circular em tons brancos de mármore comportava as sereias que estavam sentadas em fileiras no formato do local formando um espiral de garotas em cima de tapeçarias tecidas pelas moças de Fertilitais com fios de algas, elas representavam toda a história do festival.

Os tritões ficavam sentados ao redor do grande altar de frente para os anciões em cima dele. Alguns dos rapazes tocavam os tambores calmamente, e o som ia ficando mais forte a partir do momento em que eu me aproximava pela passarela para o altar.

Sentia meu coração batendo fortemente enquanto eu olhava todos aqueles rostos pintados, menos os dos tritões. Minha paz de espírito tentava manter um equilíbrio entre lembranças de minha mãe e de tudo que estava acontecendo. A cada batida ritmada dos tambores, uma lembrança aparecia: Héclyro, minha mãe, o monstro e o festival. As sereias começaram a mover seus corpos para frente e para trás com cada sonoridade da musica.

Agora que eu já estava bem próxima do altar circular, as sereias emitiam sons tribais junto aos tambores. Fitei de soslaio Lyria, que sorria para mim, e Tamara que estava séria. Várias pétalas de flores flutuavam na água enquanto eu passava. Estava tudo muito bonito.

Ao chegar ao altar, vi os cinco anciões me observando. Cada um estava com um traje e pinturas de sua tribo, menos Marissa, pois ela era a anfitriã. Ela estava maravilhosa, seus longos cabelos cacheados estavam presos em a uma tira dourada. A parte humana de seu corpo estava toda coberta de algas douradas que grudavam com facilidade na pele, elas contrastavam na cor escura de Marissa. Querendo ou não, ela conseguia ser o foco, pois estava deslumbrante.

Lyria e Tamara logo se juntaram às sereias. O tritão, Hammys, estendeu as duas mãos para mim. Ele estava com uma armadura cinza de sua tribo, suas pálpebras estavam pintadas em uma faixa azul marinho.

Ao segurar suas mãos, olhei nos olhos azuis dele. Eu estava séria e ele também, tudo tinha que sair certo, não podia acontecer erros.  As brânquias no pescoço de Hammys estavam mais agitadas que as minhas, era notável que ele estava bastante nervoso.

— Bem vindos à cerimônia de encerramento do Festival da Colheita — falou Marissa. — Hoje estamos aqui para concluir mais um laço que vai gerar uma cria para nossa tribo.

Marissa estava atrás de um pedestal que ficavam do lado de duas estátuas de mármore de Amidh, elas soltavam um líquido negro pela boca. Marissa abriu uma grande escrita de algas antigas, Passagens Nifésis, ela contava toda a história de Tarem, cada tribo tinha o seu exemplar.

— Contemplem a escolhida da deusa Amidh, Allysa Mesdhia, portadora do dom da cura e com forte presença de magia em seu sangue e filha da finada grande guerreira Bélyra. — As palavras finais ecoaram em minha mente. — E o ganhador dessa edição do Festival da Colheita, Hammys Tamos, tritão caçador e destroçador de navios, filho do grande Tomquis Tamos. — O pai dele ergueu seu tórax no meio dos tritões e reverenciou o filho. Ele era quase igual ao filho, ambos tinham as mesmas feições.

Senti que minhas mãos estavam tremendo, então Hammys olhou para minha face e sorriu. As sereias estavam agitadas urrando e balançando os estandartes de suas tribos para eu e Hammys. Socorro.

— Peço agora silêncio a todos, pois daremos início à cerimônia de finalização. — Os tambores param de soar e as sereias se calaram ficando todos eretos sobre a água. — Obrigada. — Sorriu. — Como a constituição de Amidh prega, peço que todos comecem as cinco orações da fertilidade.

Se todas as sereias e tritões dos mares não estivessem ali, eu teria revirado meus olhos, pois era um tédio ficar orando. Todos deram suas mãos começaram a oração. Fechei meus olhos e fingi que estava rezando, mas minha mente estava bem longe daquele salão.

— Agora, Allysa e Hammys, peguem essas adagas e façam o juramento. — Vasculhei minha mente de todas as formas tentando lembrar-me desse maldito juramento, era apenas uma frase e aquilo fugiu da minha cabeça. Hammys pegou a adaga que estava em cima do pedestal, ela era toda negra com pedras preciosas, mas sua lâmina era de vidro.

— Com seu sangue, eu juro entregar minha alma, a vida que carrego em meu corpo a ti, para que possamos gerar uma luz a nossa geração. — Ele passou a adaga na palma de minha mão direita cortando-a e depois deu um beijo em minha testa.

Ele me fitava esperando minha ação, mas eu estava em um completo branco, minha vontade era de sorrir de nervoso, mas quando olhei para Marissa, ela me reprovou.

— Com seu sangue... — Fechei os olhos e tentei me lembrar. — Eu juro a ti entregar o calor de meu corpo para gerar a luz da nossa geração. — Passei a adaga na palma da mão direita dele e o sangue logo se dissipou no mar. Provavelmente eu havia errado o juramento, mas resolvi prosseguir no improviso mesmo assim. Hammys estendeu suas mãos novamente e eu as segurei. Notei que ele havia feito um sorriso de deboche sabendo que improvisei. Esses cortes representavam que nosso sangue era a prova que estávamos entregue ao festival de corpo e alma.

— Agora tragam o tecido — disse Marissa. Os anciões trouxeram um grande tecido vermelho semelhante aos das cortinas das janelas, porém mais longo.

As sereias começaram a cantar novamente e os tambores voltaram a soar, os anciões entrelaçaram o tecido em nossas mãos. Depois que eles terminaram, um laço estava formado. Marissa falou algumas palavras na língua arcaica das primeiras sereias. Aquele pano e o corte representavam a união dos corpos em um só.

— Faremos agora as orações de sabedoria e cumplicidade. — Marissa abriu a escrita de alga e começou a ler algumas passagens.

Após alguns longos minutos escutando ela, Marissa mandou os anciões desenrolarem os tecidos de nossas mãos. Olhei para minha mão e o corte ainda estava lá, porém não estava sangrando.

— Agora tragam os presentes para o casal. — Os anciões de cada tribo, menos de Neferice, bateram palmas e algumas sereias entraram no templo com arcas e potes cheios de ouro, prata e presentes raros. Todos se sentaram observando a movimentação.

Logo os objetos preciosos lotavam a frente do altar. No início da passarela de entrada, uma sereia e um tritão estavam esperando. Marissa mandou que eles entrassem.

A sereia era uma moça de cabelo negro e maxilar largo com pele acinzentada e o tritão era um rapaz negro de cauda azulada. Ambos traziam caixas de vidro fosco com um objeto dentro de cada. Eles chegaram à frente do altar e se curvaram elevando as caixas para mim e Hammys.

— Faça as honras, Hammys — Marissa disse.

Ele abriu uma das caixas e tirou um colocar com um diamante e quatro pedras negras. Hammys o abriu e colocou em meu pescoço. O colocar representava os quatro deuses principais e o Arquiteto.

Abri a caixa que era direcionada a mim. Peguei um colar que também estava lá dentro, ele era de ouro negro com um pingente azul da cor dos olhos de Hammys. Seu colar referia-se a união dos corpos. Coloquei-o em seu pescoço e depois voltei a fitar Marissa.

— Vamos dar início às dez orações do Arquiteto e dos quatro deuses principais. Depois prosseguiremos com as regras da união. — Todos da sala ficaram eretos.

Novamente as orações foram feitas, o tempo estava passando lentamente. No momento eu estava querendo voltar para dentro da Vala do Exílio e conversar novamente com o grande monstro, queria me aventurar e encontrar Héclyro, mas nenhuma dessas opções estava ao meu alcance no momento. Depois que ela acabou todos voltaram a se sentar.

— Como sabem, temos regras a serem seguidas por ambos. — Marissa pegou um cálice de vidro, sorrindo, dentro dele tinha um líquido dourado, e igual o líquido que saía das estátuas de Amidh, eles não se dissipavam na água salgada.  — E como anciã, é minha obrigação passá-la a vocês.

Marissa pegou um pergaminho que estava dentro do pedestal e o abriu, pronunciando-o para todas as sereias e tritões que rapidamente ficaram eretos sobre a água.

— De acordo com as regras, a escolhida poderá ter até três meses para conhecer o tritão e consumar a união para dar início a gestação de uma cria. — Aquelas palavras se repetiam em minha cabeça junto à batida leve dos tambores. — O tritão deverá trazer alimento para a escolhida durante toda a gestação que durará sete meses. Deve ajudar ela em qualquer ação para que nada de ruim aconteça com Allysa nesse momento — falou Marissa. — Quando a cria nascer, se ela for sereia, ficará na nossa tribo, mas se for um tritão, deverá ser entregue ao progenitor e será levado para a tribo Niger Mare. Quando essa cria chegar aos seus dezesseis anos, ela será obrigada como todos aqui a participar do festival.

Ela continuou a falar de algumas regras sobre como seriam minhas obrigações e meus deveres, assim como os do tritão também. Quando Marissa acabou de ler o pergaminho, ela mandou Hammys prosseguir com a cerimônia.

Ele tirou minha coroa de gelo colocando-a em cima do pedestal. Hammys pegou o cálice com o líquido dourado e mergulhou seu polegar nele. Depois passou o dedo na raiz do meu cabelo descendo até a ponta de meu nariz.

Hammys entregou o cálice para mim. Fiz o mesmo que ele, porém ao invés de descer até o seu nariz, eu deveria pintar seus lábios. Esse líquido que passamos em nossa face demonstrava que havíamos agradecido a benção de Amidh. Era basicamente como linhas de responsabilidade e saber.

Os anciões entregaram panos para que limpássemos nossos dedos. Depois voltamos a ficar de mãos dadas. Marissa logo prosseguiu mandando retirar o pedestal do centro do altar. Ficaram apenas as duas estátuas e nós. Marissa virou-se de costas balançando as mãos fazendo assim dois tronos de gelo aparecerem. Hammys colocou a coroa novamente em minha cabeça e sorriu de lado.

Marissa guiou-me até os tronos que eram todos esculpidos com detalhes tribais, e Hammys sentou-se ao meu lado direito. Marissa fez uma coisa que eu nunca pensei que faria: ela se curvou para mim e Hammys, depois todos fizeram o mesmo enquanto as batidas dos tambores estavam sendo soadas fortemente. Aquilo estava começando a ficar interessante.

 

 

A cerimônia foi finalizada, e depois aconteceu uma passeata pela tribo onde as sereias jogavam uma espécie de tinta dourada na água representando a finalização de um ciclo, as conchas e tambores foram soados, e seus sons eram alastrados por todo o local.

O final da passeata foi no Santuário de Encubação, elas jogaram inúmeras flores e guirlandas na porta do lugar. Me deixaram sozinha com Hammys. Sentei-me na cama e fitei-o. Fiquei sem saber o que fazer, não sabia como começar uma conversa nem nada do tipo, então esperei por ele.

— Que intenso, não é? — falou ele sentando-se ao meu lado.

— Nada que eu nunca tenha visto antes. — Forcei um sorriso amarelo.

— Então... Bem... — ele ficou embaraçado. — Queria dizer que não precisa ter pressa.  Eu irei esperar até quando você estiver disposta.

— Tudo bem — falei. Vendo um constrangimento no ar, tentei dar continuidade ao diálogo. — Bom... Fale-me de você.

— Sou um tritão não tão antigo, mas mais velho que você, pois participei da edição do festival em que estávamos a ser escolhidos por sua mãe. Fui recusado na primeira fase. — Ele sorriu.

— Então você gosta muito desse festival — falei.

— Gostar não é a palavra certa, estou aqui apenas pelos tesouros que ganharei depois e pela honra, e se a cria for um tritão, melhor ainda — disse ele.

— Que sincero. Quantas vezes você ganhou esse festival? — falei. Tentei ignorar a grosseria dele.

— É a minha primeira vez ganhando. — Ele trincou o maxilar. — Geralmente sou bastante sincero — disse ele. Nem havia percebido.

— Hammys, você poderiam ter conseguido seus tesouros e honras de outra forma ao invés de arriscar sua vida. Sei que é obrigado a participar do festival, mas podia ter fingido perder a primeira fase do Festival da Colheita para que pudesse ganhar seus ouros de outra forma. Talvez como um limpador de estábulos da sua tribo — falei sendo irônica, mas ele não pareceu gostar da brincadeira.

— Aí eu perderia a chance de poder dizer que fiquei com uma sereia. Os tritões que ganharam as edições passadas falam que a experiência é ótima. — Queria não ter ouvido aquela ultima parte, e também eu era agradecida mais ainda por não conhecer meu pai, pois se ele fosse igual a Hammys, eu iria querer distância. Que estúpido, pensei.

— Acho que você deve mais respeito às sereias, pois não somos um simples objeto para o sucesso ou seu bel-prazer — falei para ele, aquela conversa já estava me estressando. — Nós que damos vida a vocês, tritões.

— Eu tenho respeito às sereias, porém não acho que vocês sejam tudo isso. — Ele parecia agora balancear as palavras. — Enfim, não estou falando que você são objetos ou algo do tipo.

— Você está falando implicitamente. — Tentei parecer educada, mas estava ficando estressada com o que ele dizia. — Só lhe digo uma coisa: vocês estão aqui para nos ajudarem quando chamados. Todos nós somos iguais. Porém as sereias são a maioria nos mares então recomendo que tente parar de pensar apenas em tesouro e honra, pois esse festival é muito mais do que isso e você, agora, está aqui para me servir. Entendidos? — pronunciei calmamente e mantive minha postura ereta e meu rosto formigava.

— Sim, Allysa — disse Hammys. — Perdão.

Era estranho eu estar dando uma lição de moral sobre um festival do qual eu nem queria participar, mas Hammys estava me ofendendo indiretamente e eu não iria deixar isso de graça. O tempo foi passando, estávamos calados com um silêncio constrangedor, mexia nas pontas de meu cabelo enquanto Hammys nadava pelos cômodos do santuário.

— De longe eu acho que você é uma das sereias mais bonitas que eu já vi nessa tribo. — Ele me elogiou. — Você é bem parecida com sua mãe, eu te vi com oito anos perto de Marissa quando houve a edição do festival em Divitias.

— Hammys, não estou muito a fim de discutir sobre minha mãe — falei educadamente. Eu estava sempre na defensiva para conversar com ele, pois tinha receio do que poderia sair da boca dele.

— Sinto muito. — Sentou-se novamente ao meu lado e pude notar seu maxilar quadrado e suas sobrancelhas grossas melhor.

— Tudo bem. — Forcei um sorriso. — Então... Qual sua idade? — Mudei de assunto.

— Parei de contar depois dos meus cem anos. Percebi que não havia mais propósito. — Ele balançava a cauda para frente e para trás sentado na cama. — E a sua?

— Tenho vinte.

— Ainda freqüenta o templo de estudos, não é?

— Até os meus cinquenta anos, sim. — Sorri de lado.

Continuamos com a conversa forçada, pois tudo estava meio tenso depois que ele iniciou super mal o diálogo comigo. Hammys conseguia falava algumas coisas chatas, mas eu cortava-o. Estava me dando um nervoso de ter de dividindo o mesmo espaço com ele durante dez meses. Havia pensado que quando eu havia visto ele anteriormente, ele fosse uma pessoa mais agradável, mas havia começando a achar que estava errada. Sempre julguei as pessoas à primeira vista, o que é errado, mas era algo que eu fazia para me defender.

Horas se passaram, a manhã dava espaço à tarde. Hammys estada disperso sobre a cama conversando comigo, ele me dizia como era a tribo Niger Mare, dos tritões, falava que era toda construída com resto de embarcações naufragadas e com muitos campos de treinamento. Ele gesticulava bastante enquanto conversava. Hammys fazia sinais com as mãos enquanto explicava sobre quando destruíram grandiosos navios.

Hammys só falava de si mesmo e de suas conquistas, eu apenas concordava e fazia cara de surpresa e dava respostas curtas fingindo um falso interesse, então graças a Amidh, a porta do santuário foi aberta.

— Estou atrapalhando? — falou Damysis.

— Não — respondi rapidamente.

— Vim avisar que as sereias e os tritões já estão se despedindo da tribo. Eles já voltar a suas regiões, então Tamara mandou lhe chamar com Hammys para ir se despedir.

— Vamos, Allysa? — Hammys havia se levantado da cama e estendendo a mão para mim.

— Sim. — Segurei a mão dele.

 

 

Chegamos aos limites de Neferice onde se encontravam várias sereias montadas em tubarões e cavalos-marinhos gigantes. Todos ali presentes olhavam para um palanque onde estava Marissa. Subi junto a Hammys e fiquei ao lado dela.

Como prometido a Tamara, eu iria demonstrar que estava comprometida com o festival. De frente para a multidão, estendi minha mão para Hammys entrelaçando nossos dedos perto de minha cauda. Marissa se despedia fazendo um discurso sobre tudo que iria acontecer e que iria informar às tribos.

 Todas as sereias gritavam e levantavam seus estandartes, e os tritões levantavam seus tridentes quando viram que eu e Hammys demos nossas mãos.

— Quando essa cria nascer, todas as tribos serão avisadas com Peixes-peregrinos sobre seu sexo. — Ela terminou o discurso, encarou meu gesto com Hammys e sorriu. Peixes-peregrinos são como espíritos do mar, eles servem a Amidh. Eles têm o corpo semelhante ao de um humano, mas sua cabeça tem presas e os olhos são completamente negros, brânquias ficam nas suas costelas e as barbatanas nos braços. São muito velozes e brilham no escuro. Eles são treinados pelas sereias de Ferox, pois são encontrados nos mares selvagens e depois de domados são vendidos para outras tribos.  

 

 

Todas as tribos antes de partirem, despediram-se e agradeciam pela estadia as sereias de nossa região. Quando elas se foram, Marissa ficou a minha frente e de Hammys e nos levou para o Templo da Anciã. Ela nos deu um abraço rápido e segurou nossos ombros nos guiando até duas cadeiras, ambas feitas de corais branco, elas ficavam de frente a uma grandiosa mesa de mármore entalhada com desenhos do Festival da Colheita.

O Templo seguia os mesmos padrões da tribo, ele era enorme, cheio de pilastras com flores enroscadas. Tinha várias prateleiras com pergaminhos. Vários símbolos que representavam a nossa religião nas paredes. Atrás de sua mesa havia uma grandiosa estátua de Amidh feita de gelo. Grandiosas janelas com panos que flutuavam com a movimentação da água. E o chão era de um mármore cinza, de fato era um dos templos mais luxuosos da tribo.  Marissa sentou-se em no fim da mesa em sua cadeira e olhou para nós.

— De longe vocês são um dos casais mais bonitos que já vi em todas as edições. — Aquilo soou bastante falso, mas relevei, já que ela tinha de demonstrar afeto pelo menos para Hammys, pois eu a conhecia. — Gostei do seu gesto, Allysa, em segurar a mão de Hammys, não esperava isso de você. — Nem eu. Segurei um sorriso de deboche. Fiz mais por Tamara.

Marissa levantou-se de sua cadeira e foi até o outro cômodo do templo. Eu e Hammys trocamos olhares de dúvidas e quando ela votou com um enorme e velho pergaminho.

Marissa me dava desgosto só de ficar perto dela, eu estava louca para sair dali e retirar toda a ornamentação que colocaram em mim. É meio complicado nadar com algo grande em cima da sua cabeça. Ela colocou o pergaminho sobre a mesa e consigo trouxe um pedaço de madeira muito pequeno e escuro. Julguei que serviria para escrever na alga.

Ela entregou o graveto para Hammys enquanto abria o longo pergaminho. Ela não falava nada, mas de uma de suas mãos surgiu um pedaço de gelo, aquele era o dom dela, ela conseguia fazer gelo. Era um dom comum entre as sereias, porém Marissa também tinha magia no sangue e isso a tornava muito forte.

Ela colocou o pedaço de gelo em cima do pergaminho sobre a mesa para que o pedaço de alga não saísse flutuando sobre as águas, então mandou Hammys assinar um espaço.

— Aqui, querido — falou ela enquanto apontava com o dedo o espaço desejado. — Esse pergaminho é o mais recente. — Ainda parecia velho do mesmo jeito. — O antigo foi reescrito para esse a um tempinho, pois faz milênios que o usávamos e havia começado a se despedaçar.

Hammys terminou de assinar seu nome e depois passou o pedaço de madeira para mim. Naquele pergaminho eu conseguia ver o nome de todas as sereias da nossa tribo que participaram do festival, inclusive o de minha mãe e do outro lado o de meu pai que eu nunca conheci.

Assinei meu nome e entreguei a longa folha para Marissa, ela averiguou as assinaturas e enrolou o pergaminho novamente e a guardou no outro cômodo. Quando voltou, ela nos fitou.

— Alguma dúvida sobre o festival ou sobre as regras? — disse Marissa.

—Sim. Como ficam minhas aulas de história, as de aperfeiçoamento do dom e magia... — Tentei lembrar-me de outras. — E os ensinos de combates? Ainda não completei cinquenta anos, não posso sair assim do templo de estudos — dizia compassadamente olhando para Marissa.

— Allysa, você pode ir para as aulas, mas não é obrigada. E duvido muito que queira ir. — Marissa sorriu de lado, eu também duvidava que fosse. — Devia ter prestado mais atenção quando eu passava nas salas do templo de estudos para ensinar vocês os comportamentos e obrigações da escolhida. — Como ela sabia usar os argumentos certos nas horas erradas? É nisso que dá nadar nos recifes de corais enquanto tem aula. — Você já presenciou quatro festivais, acho que deveria saber pelo menos um pouco do que ocorre.

Talvez eu devesse falar mais alguma coisa, só que eu não queria estender a conversa, apenas queria sair dali de perto dela.

— Querem que eu repasse as regras ou vocês compreenderam tudo? — perguntou Marissa.

— Não precisa — disse Hammys. Marissa encarou-me como se esperasse a minha resposta. Apenas balancei a cabeça negativamente como confirmação.

— Ótimo! Hammys, aproveite a estadia. Enquanto a você, Allysa, evite confusões e faça honra ao nome de sua família, pois as sereias de sua geração sempre foram muito competentes. — Ela forçou um sorriso amarelo. — Só frisando, amores, em três meses eu já quero estar avisando as outras tribos sobre a consumação da união. — Credo. — Se isso não ocorrer, já sabem sobre as punições. — Ela me encarou novamente. — Allysa, você já pode ir. Quero conversar mais um pouco com Hammys, Kai, o ancião dos tritões me passou umas referências sobre você, e eu queria confirmá-las.

Nem precisou falar duas vezes, me direcionei até a porta, porém fui interrompida.

— Não vai se despedir corretamente, Allysa? — Notei ironia em sua voz.

— Foi um prazer conversar com a senhora, obrigada pela sua atenção. — Reverenciei Marissa, mas eu queria mesmo era meter o bloco de gelo que estava em cima da mesa na cabeça dela.

— Obrigada, querida. — Ela pressionou os olhos fazendo uma careta fofa bem falsa. — Tchau. — Marissa gesticulou com seus dedos para eu ir logo.

Quando abri a porta, Tamara e Lyria escutavam a conversa, não próximas do gelo da porta do templo, pois seus ouvidos conseguiam escutar a longas distâncias. Marissa logo avistou ambas e falou:

— Lyria, venha cá meu bem. — Lyria nadou até ela e ficou ereta perto da mesa olhando Marissa, ela estava com os cabelos trançados e ainda estava com as pinturas do festival. — Tamara e Allysa, podem ir. — Palavras delicadas para saíam daqui.

Fechei a portada e fui até Tamara. Nadei um pouco para longe do templo enquanto ela vinha atrás de mim. Virei-me para ela e sorri.

— Que feio, escutando conversa alheia e ainda fica me seguindo. — Fiz expressões de ironia pressionando minhas pálpebras.

— Calada, Allysa, não estava fazendo isso. — Os cabelos dela estavam soltos com várias tranças, ela havia retirado todas as pinturas de seu corpo.

— Então o que estava fazendo lá perto da porta, colega?

— Estudos aprofundados de como você se socializa mal com a nossa anciã, e eu não sou sua colega — disse Tamara. Ela fez um sorriso de lábios fechados e depois mudou sua expressão para uma de curiosidade. Tamara se aproximou e foi nadando comigo até algumas pilastras quebradas de mármore afastadas de alguns templos da tribo. — Eu queria te parabenizar pelo gesto que fez hoje na despedida das sereias.

— Fiz o necessário. Aliás, novamente obrigada por não ter me denunciado.

— Allysa, tudo bem. Apenas prossiga com suas obrigações.

Ela parecia querer fazer outra pergunta, mas se podava, aparentava temer a resposta ou algo do tipo. Tamara olhava para os lados para se certificar de que não havia ninguém.

— Desde ontem eu fiquei curiosa... — Ela olhou para o chão evitando contato visual enquanto nadávamos sem rumo. — Como você conheceu aquele humano? Você não sente vontade de matá-lo?

— Conheci na penúltima vez em que fomos à caçada — falei. — Não, não sinto vontade de matar ele. Quer dizer... Bem... eu senti a princípio quando eu tentei afogar ele para depois comer sua carne, mas quando eu o vi ferido, eu senti dó ao invés de querer ferir ele. Porém o cheiro dele e escutar seu coração batendo, são bem tentadores para mim. — Uma perfeita confusa.

— Como assim? Nós conseguimos controlar esse lado selvagem, mas como assim você consegue manter um diálogo com ele? — perguntou incrédula.

— De certa forma, eu acho que gosto um pouco dele, não sei ao certo dizer o que é, mas eu sinto algo. — Pressionei minhas têmporas. — É estranho, muito estranho.

— Ele não quis lhe fazer algum mal quando soube que foi a gente que matou os marujos da embarcação?

— A princípio sim, mas depois as coisas ficaram diferentes. — Eu não queria de jeito nenhum falar para alguém sobre Héclyro, mas por algum motivo eu me sentia a vontade para dizer sobre ele para Tamara. — E fiz o feitiço da rosa dos ventos.

— Você é está louca? — Ela arregalou os olhos. — Você não pode fazer esses feitiços de proteção a um humano, mesmo que seja um dos feitiços mais amadores que tem.

— Não queria que ele fosse ferido por ninguém. — Aquelas palavras saíram involuntariamente, como se não fosse eu que tivesse falado.

Tamara ficou calada pesando aquelas palavras tentando achar um equilíbrio. Ela sempre fora muito racional e eu emotiva, talvez ela tivesse medo de falar algo que não devia para mim.

— Allysa, essa ligação não vai se dar apenas por esse feitiço de proteção. — Ela enfatizou a palavra proteção como se o feitiço não fosse muita coisa. — Essa magia só serve para isso, por isso que é uma das mais fáceis. Esse feitiço não inibe que você queira matar ele. Certeza que o rapaz é um tritão exilado?

Obviamente se ele fosse um tritão eu teria visto a cauda quando ele entrasse na água. Cheguei mais próxima de Tamara e rangi os dentes pressionando as mãos, queria falar tudo para ela, mas tive receio. Porém sabia que era melhor abrir o jogo com ela, pois se descobrisse sozinha, seria pior.

— Eu tenho praticamente quase certeza de que a mãe dele seja uma sereia — falei sussurrando enquanto estava segurando seus ombros. — E não, ele não é um tritão.

— Isso é loucura. Não tem como uma sereia engravidar de um humano, isso é impossível. — Ela olhava ligeiramente para esquerda e direita sem mexer a cabeça tentando achar uma resposta. — Como você sabe disso?

Expliquei para ela sobre como eu estava me sentindo no dia em que eu tentei entender meus sentimentos e fui à biblioteca, que depois achei a área proibida encontrando um pergaminho com o nome das sereias exiladas. Tamara estava incrédula a tudo que eu dizia como se fosse tolice.

Também disse para ela sobre o sobrenome Fahíerys e que menti para Héclyro dizendo que o primeiro nome estava riscado, pois tive receio que ele fosse brigar com a mãe dele ou algo do tipo.

— E qual é o primeiro nome dela?

— Talísya.

Tamara fez silêncio como se tentasse buscar uma resposta correta para me dar. Ela passou suas mãos na face esfregando-a com força.

— O festival é um controle de natalidade das sereias, é impossível que uma exilada venha a ter uma cria.

Continuamos a conversa, Tamara me perguntava várias coisas, e na maioria das vezes eu não conseguia ter uma resposta concreta. Ela tentava me compreender e me dava conselhos.

— Como ele é contigo? — Essa pergunta me surpreendeu.

— Bem... — Sorri involuntariamente e ela notou isso, procurei palavras para falar sobre ele. — Ele é educado, muito mesmo. Fala de uma maneira estranha e é inteligente... Parece ser muito dedicado...

— Santa Amidh... Esse humano está mexendo contig... — Tamara foi cortada.

— Humano? — falou Damysis que havia aparecido do nada. Por um momento aquilo me aliviou, pois antes fosse ela do que a Lyria, ou pior, o Hammys. — Você está conversando com um humano, Allysa?

— Damysis... Ah... — Tamara travou.

— Como você nos encontrou? — falei.

— Estava brincando com um teryfi e vi vocês duas de costas e vim ao encontro, mas não sabia que você está metida com humanos, Allysa. Aliás, não é difícil de te achar, você é a única que está com panos pretos quilométricos se destacando. — Teryfi são animais aquáticos quase do tamanho de uma sereia, são amigáveis e muito inteligentes, seu corpo é de couro e possuí quatro olhos, sua face é triangular e ele brilha sozinho, geralmente usado para levar objetos pequenos de uma tribo a outra. — Quem é?

— Conheci há um tempo — falei para Damysis, Tamara estava abismada por eu ter dito aquilo para Damysis, mas eu sabia que podia confiar.

— Você gosta de nadar no limite do perigo, não é, Allysa? — Damysis sorriu sendo irônica. Ela se aproximou de mim e de Tamara. — Me conte mais, não irei espalhar para ninguém, mesmo você sendo extremamente errada — disse ela pressionando as suas bochechas contra os olhos.

Continuamos a conversar. Expliquei tudo para Damysis, ela não me julgava, apenas brincava com algumas partes, diferente de Tamara, Damysis era muito mais aberta e brincalhona, sempre disposta a me entender.

Damysis fazia cara de malícia e depois dava sua opinião totalmente irrelevante. O diálogo se estendeu com dúvidas e brincadeiras até a o anoitecer. Era como se eu tirasse o peso de um segredo que estava me destruindo aos poucos, eu precisava conversar e desabafar com as pessoas. Tamara resolveu que já era hora de que eu deveria ir para o santuário encontrar Hammys. 

 

 

As luzes mágicas já circulavam a tribo e todas as sereias já estava indo para os templos do sono se arrumar para dormir. Quando cheguei ao santuário, vi Hammys sentado em uma das almofadas no chão lendo alguns pergaminhos. Fiquei assustada e tentei disfarçar, pois eu estava achando que aquelas escritas eram as mesmas que eu estava lendo com Héclyro algumas noites atrás. 

Aproximei-me por trás de Hammys lentamente tentando ler o que estava escrito. O alívio foi instantâneo quando aquelas histórias eram sobre uma guerra contra monstros marinhos. Quase deixei escapar um sorriso, mas segurei.

— Achei que não iria vir mais. Acho deveria dizer onde estava, já que agora estamos juntos perante os deuses — disse ele enquanto lia me assustando, pois não havia nem virado a face para me encarar.

— Acho que não lhe devo satisfações — falei tentando não ser grossa, mas foi inevitável. — Pode ficar calmo, não irei fugir. — Sorri de lado.

— Se você está dizendo. — Ele enrolou os pergaminhos e me observou.

Ficamos alguns minutos parados sem conversar e depois ele aproximou-se de mim. Tocou meus ombros e sorriu.

— Quer ajuda para tirar todos esses tecidos? — Balancei a cabeça positivamente e me direcionei ao segundo como do santuário junto a ele.

Enquanto Hammys tirava os tecidos de meu corpo e a armadura, eu tirava toda a maquiagem com uma poção mágica de Fertilitais. Deixei apenas o colar que ele havia me dado na celebração. Nós conversávamos sobre coisas banais, ele era um tritão muito rude e às vezes bruto.

— Queria saber se você está disposta a me mostrar as redondezas da sua tribo mais tarde... — Ele tocou meus ombros. Queria muito que ele tirasse as mãos dali.

— Pode ser amanhã? Estou muito cansada. — Tirei toda a maquiagem do meu rosto enquanto me olhava no espelho. — Espero que não se importe.

— Tudo bem. Entendo. — Ele saiu do cômodo onde eu estava, mas se reclinou no portal me observando. — Você estava muito bonita hoje.

— Obrigada. Você também.

O tempo foi passando me deitei na cama. Com toda certeza do mundo eu iria aproveitar esse meu período de escolhida para não estudar. Amidh me livre.

Achei que Hammys iria dormir nos corais e nas almofadas no centro do santuário, mas pelo contrário, ele foi ficar ao meu lado na cama. Queria jogar minha cauda afastando-o dali, mas não iria ser mais chata do que já estava sendo. Aliás, eu também só estava esperando ele dormir para que eu pudesse ir ao encontro de Héclyro.

 

 

 

Quando acordei do meu breve descanso, notei que tudo estava escuro e que as luzes da tribo já haviam se apagado. Toquei um dos ombros de Hammys, ele fazia um barulho estranho enquanto dormia, e notei que ele tinha o sono pesado.

Escapei pelas janelas do segundo cômodo como de costume e fui ao encontro de Héclyro. Dessa vez eu tomei mais cuidado para que ninguém me pegasse, observava atenciosamente cada local. Quando cheguei à superfície, fui ao lugar onde estava sempre me encontrando com Héclyro.

Dessa vez, ele que estava a minha espera sentado na mesma rocha de ontem. Os tecidos que cobriam seu corpo era de cor cinza e preta, ele usava a mesma capa de sempre. Elis, seu animal de estimação, estava deitado na areia da praia. Héclyro estava com algo nas mãos que chamou atenção. Seu cheiro ludibriante se misturava ao da maresia criando um aroma extremamente tentador em minha garganta.

Escorei-me em uma rocha coberta de musgos próxima a ele. Notei aquele mesmo objeto de sempre que fazia uma luz alaranjada. Ele estava sem sua espada, pelo menos eu não havia notado ela.

Deixei que Héclyro me visse, e logo suas expressões mudaram, ele parecia ter ficado mais contente. Ouvi as batidas do coração dele ficarem mais fortes.

— Pensei que não viesse. — Ele se levantou, pulando as rochas até ficar de frente a mim. Eu teria recuado, mas suas aproximações tão repentinas não estavam mais me deixando apreensiva.

— Eu disse que viria.

— Tu havias dito que talvez não fosse vir. Então resolvi não criar tantas expectativas. — Quando ele foi pular na última pedra que estava entre eu e ele, Héclyro desabou da rocha caindo sobre a água. Não sabia como reagir, mas nadei até ele. — Sempre desastrado — falou a si mesmo.

— Está tudo bem? — perguntei de frente a ele.

— Estaria melhor se a água fosse quente. — Héclyro havia tentado levantar-se na rocha apoiando os cotovelos na pedra.

Ele estava tentando suspender todo o seu peso nos cotovelos de frente a mim, porém uma onda veio e rapidamente açoitou minhas costas me jogando contra ele. Héclyro segurou minha cintura com os braços e sorriu enquanto nossos corpos estavam pressionados um contra o outro. Ele estava com a respiração ofegante em minha clavícula, então julguei que minhas brânquias também estivessem com a movimentação acelerada.

— Bem... — Recuei rapidamente e Héclyro abriu seus braços permitindo meu afastamento, meu rosto ficou quente e minha vergonha foi nas alturas. Certamente essa foi a primeira vez em que eu estive tão perto do corpo de Héclyro desde quando eu havia salvado ele da morte. — Me desculpe.

— Eu que peço-lhe perdão. — O silêncio predominou e apenas ficamos parados um contra o outro.

 Notei que logo ele tentou mudar de assunto evitando o constrangimento, pois por mais que estivéssemos afastados, ainda assim estávamos próximos, e ele estava escorado na água contra uma rocha.

— Bem... Eu havia trazido algo para ti, mas está na areia junto a Elis. Espere só um segundo que irei buscá-lo.

Héclyro afastou-se de mim e foi nadando até a praia, tive receio que ele ficasse com muito frio. Eu estava muito constrangida com o que aconteceu, mas ao mesmo tempo eu havia gostado de forma branda.

Ele voltou com algo em mãos, não sabia ao certo o que era, mas era bastante semelhante às escritas da nossa tribo. Agora sua roupa estava encharcada e percebi que ele batia o queixo contra os dentes superiores tremente. Ele forçou um sorriso de lábios fechados para mim.

— Isso é um livro. — Ele sentou-se na rocha me observando. Ergui meu corpo e fiquei próxima a ele.

— Para que serve?

— Ele serve para contar histórias, para guiar ou até mesmo para elevar seus conhecimentos. — Ele entregou-me o livro, passei a mão sobre a capa rígida avermelhada e depois olhei para Héclyro. — Abra-o.

Quando abri o livro, logo notei que havia palavras escritas, era bem diferente das nossas. Passei meus dedos pelos sinais e senti toda a textura. Era bem diferente dos pergaminhos da tribo. Eu adorava passar algumas horas escondida na biblioteca lendo histórias que sereias escreviam quando eu não estava me aventurando pela tribo.

— Ele está no meu idioma e essas folhas contam para nós sobre o que o escritor quer passar. — Tentei ler aquelas palavras, mas era bem diferente do que eu estava habituada.

— Leia para mim. — Entreguei o livro para ele, senti o toque de seus dedos gelados em minha mão quando dei o objeto. Seus olhos negros brilhavam para mim, senti aquele breve toque instigar sentidos em meu corpo.

Ele começou a ler o livro. A cada folha que passava, ele me mostrava as letras e palavras. Após alguns minutos, eu estava começado a entender melhor o que era algumas daquelas letras, era automático, não sei explicar como, contudo eu achava que era semelhante ao nosso aprendizado das outras línguas. Rapidamente nós, sereias e tritões, conseguíamos entender idiomas diferentes.

Héclyro narrava todo o livro para mim. Ele falava sobre a história de um homem que iria salvar uma princesa de um dragão. O livro não era tão grande e logo ele havia terminado de ler.

— É teu — falou ele.

— Oi? — Não entendi o motivo daquele presente.

— É para ti. É um presente, Allysa. Quero que tu fiques com o livro. — Ele colocou a mão sobre minha cauda e novamente sentido outro arrepio em meu corpo. — Ficarei muito feliz se tu aceitares.

— Será um prazer. — Peguei o livro e coloquei ao meu lado. Logo eu iria entender todo o idioma escrito de Héclyro. — Muito obrigada. Não trouxe nada em troca para você.

— Não quero que tu retribuas esse presente. — Ele parecia querer falar mais alguma coisa, porém segurou-se. — Aliás, belo colar. Você que fez?

— Não, ganhei hoje não finalização do festival. — Toquei com uma das mãos o colar, mas meus olhos focavam o livro. — Um tritão que me deu.

— É o rapaz que ganhou aquele evento que tu me dissera? — Ele parecia ter ficado mais sério.

— Sim, mas é meio que uma obrigação ele me dar isso. Não significa muita coisa para mim. — E realmente não significava nada.

Héclyro resmungou algo, mas eu não havia entendido, então tentei contornar a situação, parecia que ele estava pesando a importância dos presentes e fazendo uma comparação entre o de Hammys com o dele. Fiquei calada e olhei de soslaio da neblina que se formava no rochedo do castelo de Héclyro. Estava pensando em que palavras usar para que ele não ficasse sério comigo.

— Para mim, esse livro é bem mais interessante — falei calmamente. Tenho muitas joias lá na tribo literalmente o presente de Hammys não era um dos mais importantes, mas um livro daquele jeito era algo que eu nunca havia visto.

Quando eu falei aquilo, o rosto de Héclyro franziu as grossas sobrancelhas e suas expressões sérias se amenizaram. Continuamos a conversar sobre o livro, ele me falava que havia uma biblioteca em seu castelo com muito mais livros e que poderia trazer alguns para lermos. Era perceptível como ele estava com frio enquanto falava, pois seus lábios e nariz estavam mais vermelhos do que de costume.

Ele também parecia se ofender facilmente quando eu citava algo sobre o Hammys, mas logo eu contornava a situação e fazia ele se sentir melhor. Não entendia o motivo de ele ficar tão sensível com esse assunto, mas eu relevava. Sorrateiramente eu percebi que ele havia se aproximado mais de mim. Héclyro tocou seu ombro no meu e notei a rosa dos ventos em seu pescoço.

— Allysa, por que teu corpo é tão quente? — perguntou ele, enquanto cortava-me de meus devaneios.

— Meu corpo não tem uma temperatura estável, ou seja, ele se esquenta ou esfria a partir do ambiente ou da emoção. — Só percebi que falei o que não devia, depois de ter dito. — Por isso que ele fica quente, pois a água é muito gelada. — Menti, mas também era um pouco de verdade, porém ele não ficava tão quente assim só por causa da água.

— Posso senti-lo? — falou Héclyro. Amidh, me ajuda

— Sim. — Héclyro se aproximou mais um pouco virando seu rosto contra o meu, ele passou sua mão em meu maxilar alisando-o.

Eu havia pensando que iria ficar só nisso, porém ele foi um pouco a frente do limite que eu não havia estabelecido. Héclyro passou o polegar em meus lábios e depois o alisou na curva de meus olhos. O tórax de Héclyro havia se inclinado mais em minha direção. Deitei meu rosto sobre sua mão.

De início as duas mãos seguravam minhas bochechas, mas depois passaram segurar minha nuca enquanto a outra afagava minha face acariciando minhas têmporas. Fechei meus olhos e de repente senti um contato diferente. Algo molhado, mas suave estava tocando meu rosto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então? Gostaram?
Como foi o natal de vocês?
Como foi o ano novo de vocês?
O que mais gostaram no capítulos?
O que esperar do Héclyro e da Ally?
Qual signo de vocês?

Cap: betado por Reyna Voronova
Se verem erros, me avisem por favor.
Obrigado a todos que abriram o capítulo para ler.

Caso tenha gostado comente aqui em baixo.
Obrigado por estar acompanhando a história. Continue nadando com a nossa tribo!
Venha fazer o quiz para saber qual tribo você mais se identifica: http://aguasobscuras.weebly.com/
Fanpage no facebook: https://www.facebook.com/aguasobscuraslivro/
Tumblr da história: http://aguas-obscuras.tumblr.com/
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=fJigg3RRqmU&feature=youtu.be (indisponível)
• Posters de divulgação: http://imgur.com/pYwpxoQ.png
http://i.imgur.com/kNnCocS.png
• Mapas dos territórios onde a história se passa:
http://imgur.com/a/oLcBB



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Águas Obscuras" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.