Weight of Love escrita por Stormborn


Capítulo 13
The only heaven I'll be sent to


Notas iniciais do capítulo

Peço desculpas pela demora, mas se eu dissesse quantas vezes eu reescrevi esse capítulo do 0 vocês ficaria chocados.
Boa leitura (e aguenta coração!).



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/680946/chapter/13

— Qualidade da amostra comprometida. — Tsunade repetiu em voz alta quando o técnico de laboratório terminou de lhe resumir o conteúdo da ficha que agora estava em suas mãos. Ela olhou para o rapaz, esperando que ele confirmasse se tratar de um mal-entendido.

— Sinto muito, Tsunade-sama. — ele disse ao invés disso, se remexendo desconfortavelmente sobre os dois pés.

Tsunade releu o relatório de uma página sobre o exame toxicológico de Naruto Uzumaki e chamou por Shizune, que já se aproximava de sua mesa. Ela lhe estendeu o papel e esperou que terminasse de ler. A expressão de Shizune se metamorfoseou para a mesma que sustentara segundos atrás.

— A amostra era realmente do Naruto? Vocês não podem ter se confundido? — ela perguntou ao técnico.

— Não, não mesmo. A própria Sakura-san deixou as amostras no laboratório. Elas foram etiquetadas. Você conhece o procedimento, Shizune-senpai.

— Amostras? — Tsunade perguntou, curiosa. O relatório que lera era referente a uma única amostra de sangue. 

— Das três que chegaram, apenas essa pôde ser analisada. As outras estavam completamente contaminadas. 

— Contaminadas. — Tsunade zombou irritadamente. Sua mente já começava a criar conexões e teorias que faziam seu humor amargar de forma corrosiva, e ainda era muito cedo para arrumar uma boa garrafa de saquê e beber até esquecer que os problemas continuavam surgindo em sua vila como malditas pragas. — Pode se retirar. — ela dispensou o técnico, sem muita gentileza.

Ele se curvou brevemente em forma de respeito e correu para fora do escritório da Hokage; ninguém queria estar perto de Tsunade quando as veias de suas têmporas começavam a espasmar. Normalmente, Shizune teria lhe chamado a atenção pelo tom de voz que usara com o rapaz, mas até ela estava ocupada demais juntando os pontos para se importar com isso.

— Amostra comprometida… — Shizune revirou as palavras na boca, como se isso pudesse torná-las mais reais. — Quantas amostras a Sakura já colheu errado na vida?

Tsunade tamborilou exasperadamente o tampo de madeira da mesa. 

— Nenhuma. Nem mesmo quando começou o treinamento.

Shizune expirou profundamente, olhando nos olhos castanhos de sua mentora.

— Estou começando a acreditar em você, Tsunade-sama… alguma coisa realmente não cheira bem.

— Sakura simplesmente não comete esses erros. — Tsunade afirmou com convicção, uma última vez; ela precisava de Shizune na mesma página que ela. — Então alguém interferiu com as amostras sem que ela visse.

Shizune assentiu, provavelmente repensando tudo o que Tsunade lhe dissera em tons conspiratórios durante os últimos dias, enquanto ela ainda se mostrava reticente à ideia de que estavam recebendo declarações veladas de guerra. 

A Godaime abriu uma das gavetas de sua mesa e vasculhou até achar dois pequenos pergaminhos inutilizados. Ignorando o questionamento na expressão de Shizune, ela rasurou a mesma mensagem duas vezes e selou os pergaminhos com um rápido conjunto de selos. Meio segundo após fazer um sinal em direção a janela do escritório, um par de ANBU se materializou de joelhos ao lado de Shizune. 

— Preciso que entreguem isso para Hatake Kakashi e Uchiha Itachi. Sejam discretos. — ela jogou os objetos para os ANBU que, com a rapidez com que entraram, saíram da sala. Tsunade se levantou da cadeira com um suspiro, sentindo-se subitamente mais cansada do que antes.

— Tsunade-sama? — Shizune inquiriu.

— Vamos, Shizune, precisamos ir ao laboratório.

Shizune a seguiu da Torre da Hokage até o Hospital Geral de Konoha sem fazer mais perguntas, acreditando que o motivo da visita eram as amostras de qualidade duvidosa. Para ser honesta, Tsunade estava levemente curiosa para ver como elas haviam se contaminado, mas isso podia esperar. Elas não ficaram no escritório por outra razão.

Não havia como evitar; o senso de paranoia já não fazia mais cerimônias para tomá-la diante dos últimos acontecimentos. Como líder de uma grande nação, Tsunade aprendera logo cedo que desconfiar de tudo e todos era mandatório para garantir a segurança de seu povo, mas os anos de paz a haviam deixado relaxada.

Ter de reacender esse sentimento de perseguição não lhe caia bem, mas seu sexto sentido dizia que ela iria precisar, que o perigo estava muito mais próximo do que suas mãos tentavam alcançar. 

Mesmo nesse clima cru e asfixiante de incertezas, ela sabia que não deveria tentar decifrar todos os códigos sem ajuda. Havia shinobi, pessoas em quem ela confiaria suas costas nesses momentos difíceis. Shizune e Kakashi a ajudariam, e Itachi… bem, Tsunade só podia rezar para que tivesse feito um bom julgamento de caráter ao pensar no Uchiha como seu aliado.

A verdade era que ela estava apostando sem ver todas as cartas, e isso era perigoso.

Quando as duas médicas chegaram no Hospital, Tsunade dispensou as enfermeiras que se puseram a segui-las de forma solícita e guiou Shizune até o andar dos laboratórios. Elas passaram pela sala principal, onde o técnico que as visitara mais cedo certamente trabalhava, e a loira calou com apenas um olhar a tentativa de Shizune de questionar porque elas não havia parado.

Anos de parceria tornava a comunicação não verbal das duas um privilégio que Tsunade não cansava de exercer. Ela sempre podia contar com Shizune para seguir seus planos mesmo quando ela não os revelava por completo.

Elas andaram pelos extensos corredores brancos esterilizados até chegarem a ala mais distante possível do átrio, onde Tsunade ainda mantinha três salas laboratoriais alugadas sob o seu nome. Ela sabia que ninguém suspeitaria que elas usariam o espaço para qualquer coisa que não prática médica, e fora exatamente por isso que marcara uma reunião extraordinária com Kakashi e Itachi bem ali, debaixo do nariz de quem quer que estivesse sabotando seu Hospital.

Ela só podia esperar que os dois shinobi sentissem a urgência em sua mensagem e entrassem sem ser vistos ou chamar atenção.

Pouco mais de meia hora depois, os shinobi já estavam dentro de um dos laboratórios, olhando para Tsunade com níveis diferentes de apreensão enquanto ela usava de preciosos minutos para escolher suas palavras. Ela olhou de forma demorada para cada um dos participantes.

— Isole a área, Shizune. — ordenou, puxando uma cadeira para si.

— Sim, senhora. 

Shizune levantou as mãos e alguns selos depois, a sala estava protegida por uma barreira imperceptível de chakra. Kakashi se endireitou contra o balcão onde se apoiava, sua mão instintivamente se aproximando da bolsa em que carregava kunai e shuriken. Itachi ativou seu sharingan, varrendo discretamente os acessos da sala em busca de algo ou alguém que não deveria estar por perto.

Tsunade não pôde deixar de dar um sorriso enviesado, apesar das circunstâncias.

— A segurança de hoje vai ter de ser improvisada.

— De hoje? — Kakashi inclinou a cabeça para o lado.

— É. — a voz de Tsunade perdeu o pouco de humor que antes tinha. — Provavelmente teremos que nos ver nessas condições mais vezes. Temos alguns problemas para pensar.

— Que problemas?

Tsunade suspirou.

— Vou dar apenas os fatos, pois quero ouvir as teorias de vocês. Algum tempo atrás, tivemos um incidente próximo à fronteira com Yugakure, uma emboscada para um time de chuunin. Um dos rapazes teve de dar entrada no Hospital e um exame de rotina foi feito. A análise do sangue indicou a presença de uma substância desconhecida na corrente sanguínea. Ela foi propriamente decodificada e descobriu-se tratar-se de uma toxina. O shinobi, no entanto, não apresentou nenhuma reação adversa. Ele ainda está em observação, mas nada parece ter mudado.

A Hokage fez uma pequena pausa para que os shinobi pudessem absorver as informações. Ainda que ela tivesse optado por não dar detalhes muito técnicos, ambos sabiam o suficiente sobre o funcionamento de drogas no corpo humano para compreender os pontos que ela levantava. 

— A dosagem da droga era muito baixa? — Itachi perguntou em voz baixa.

— Não, pelo contrário. E antes que perguntem, sim, se tratava de uma toxina pela composição. 

Kakashi levou uma mão ao queixo, coçando-o sobre a máscara.

— Qual a explicação técnica para isso? — ele perguntou.

Tsunade olhou para Shizune.

— De duas uma, — a assistente começou. — a toxina se anulou por alguma combinação particular de agentes da composição ou foi neutralizada pelo próprio corpo antes que fizesse alguma coisa.

Kakashi não tinha como fazer um palpite então apenas assentiu, esperando que Tsunade continuasse. Itachi, no entanto, nunca parava de surpreendê-la com o quanto de tudo ele parecia saber, e não tardou em tirar a mesma conclusão que ela havia tirado ao analisar friamente esses dados.

— A toxina está em fase de testes. — ele afirmou mais do que perguntou. Tsunade mordeu o interior da bochecha para reprimir o sorriso de aprovação.

Shizune se virou para Itachi, os olhos pretos arregalados levemente em espanto. — Sim… — ela concordou, ainda que não precisasse.

Houve um minuto de silêncio em que todos colocaram as engrenagens para girar, tentando ver a situação de todos os ângulos possíveis. Tsunade observou Itachi com curiosidade; ela tinha a impressão de que ele já estava três passos a frente de todo mundo, mas se inibia de compartilhar suas conclusões iniciais por algum motivo.

Kakashi não compartilhava de seus sentimentos, no entanto.

— Estamos sendo usados como cobaias. — o Hatake deixou escapar, seu único olho visível enrugando num sorriso sem humor.

— Mas isso não faz sentido. — Shizune interviu. — Por que nos dar a oportunidade de conhecer o veneno antes que ele esteja pronto, quando isso pode nos dar uma vantagem para elaborar um antídoto quando sofrermos o ataque?

Tsunade estava prestes a responder, mas Itachi foi mais rápido:

— Nós não vamos ser os alvos do ataque. — Shizune e Kakashi lançaram um olhar de interrogação ao mais jovem da sala. Tsunade suspirou e se levantou da cadeira. Itachi sempre superava suas expectativas, e isso a frustrava ligeiramente; era perigoso subestimá-lo.

— Eles sabem que vamos criar um antídoto. — Tsunade contribuiu com a sua teoria. Itachi assentiu, mostrando que estavam em sintonia.

— Como podem saber disso?

— Sakura. — Itachi sussurrou, e Tsunade percebeu o tom de reverência que ele tentou esconder. — Ela tem a reputação de ser a melhor da área, e você, Shizune-senpai, também é conhecida pelo uso de venenos. — ele deu um pequeno sorriso para a médica.

— Ainda assim, — Shizune respondeu, seu rosto ganhando uma coloração avermelhada. — é muita loucura supor que uma nação arriscaria um incidente diplomático por um simples antídoto.

Tsunade assentiu. — Você tem razão. — mas não completou seu raciocínio. Ela se virou para Kakashi, e quando seus olhos se encontraram, ela soube que eles compartilhavam da mesma suspeita. E nenhum dos dois a falaria em voz alta, não naquele momento.

— Pode não ser uma nação. — Itachi explicou, seus lábios contraindo de leve. — Pode ser um grupo rebelde. Independente de quem seja, há a possibilidade de terem espiões aqui dentro para atualizá-los sobre o antídoto e até mesmo roubá-lo quando chegar a hora.

Ninguém ousou contrariar a ideia de que a vila havia sido comprometida. Àquela altura, já era uma certeza, pelo menos para Tsunade, que sabotagens internas estavam sendo feitas. O que acontecera com o quadro de missões e Naruto, posteriormente, não podia significar coincidências em meio a tantos fatos estranhos. 

Por falar em Naruto…

— Tenho motivos para crer que Naruto foi envenenado na última missão por essas mesmas pessoas. Pela gravidade de seus sintomas, eles devem estar chegando perto de uma versão final da droga. Devemos ficar em alerta máximo. — ela disse simplesmente, não querendo divulgar mais do que já havia feito no momento.

Quando Shizune se preparou para completar o caso de Naruto, Tsunade se espreguiçou audivelmente antes que ela pudesse nem sequer abrir a boca. Ela ignorou a expressão desconfiada que adornou o rosto de Itachi e se virou para Kakashi:

— Você ainda me deve o relatório escrito da missão, Hatake. Escreva mais de três linhas dessa vez, ou eu juro que—

— Pode deixar, Tsunade-sama. — ele respondeu de forma divertida.

— Ainda preciso verificar algumas coisas sobre esses últimos acontecimentos, mas quero que pensem em tudo o que foi dito hoje para a próxima reunião. Fiquem de olhos abertos, e tentem descobrir o que está acontecendo nessa maldita vila antes que eu decida botar fogo em todos vocês.

Kakashi não precisou de um convite formal para se retirar do laboratório, e num segundo já não estava mais lá, deixando um rastro de fumaça como a única testemunha de sua presença prévia. Uchiha Itachi hesitou por um momento, sua linguagem corporal denunciando o conflito que borbulhava em sua cabeça. Tsunade novamente fingiu-se de cega, e esperou que o shinobi finalmente se decidisse pela retirada antes de suspirar profundamente. 

Shizune não tardou em expressar sua confusão.

— Por que não falou nada sobre os resultados que recebemos hoje, e nem das suas teorias sobre isso? 

— Porque, Shizune, — Tsunade começou com pesar. — preciso de Itachi do nosso lado, e tenho a ligeira impressão de que se compartilhasse o que penso nesse momento, ele não ficaria tão ansioso assim para nos ajudar.

 

[...]

 

Começava a anoitecer em Konoha, mas o ar continuava tão quente e opressivo que Sakura precisou olhar pela janela para realmente acreditar que o sol já tinha se posto. Ela deu um suspiro cansado e se jogou de volta na cadeira da sala, inclinando o pescoço para encarar as pás rodopiantes do ventilador.

Ela estava sentada há horas nessa mesma posição, o importantíssimo relatório médico que deveria estar lendo zombando de seu foco deplorável da mesa à sua frente. E a culpa era toda de Itachi.

Sakura simplesmente não conseguia afastar sua mente daquela floresta e dos pequenos nada que compunham a cena. A umidade grudando em sua pele, o forte odor das flores silvestres e a presença inteiramente masculina de Itachi. Ela ainda podia sentir a intensidade em seu olhar, o fogo que seu toque provocara, o formigar em seus dedos quando ela ficou há meio segundo de fazer o impensável…

E nada intoxicava mais do que os e se que ela se permitia fantasiar nas horas vagas.

— Você é uma tola, Haruno Sakura. — ela sussurrou para o vazio, fechando os olhos.

Mas não havia ninguém em sua casa para concordar com a ínfima parte cética de sua mente, e não pela primeira vez, Sakura percebeu que talvez estivesse próxima demais de ultrapassar o ponto de retorno da sanidade.

Ainda que isso a assustasse, ela não pôde deixar de sorrir diante das possibilidades.

Alguns minutos depois, Sakura desistiu de fingir que ainda seria produtiva naquele dia e se levantou da cadeira, ignorando a desordem que deixara na sua mesa de jantar. Seu corpo enfim superara a letargia do calor e ela se via agora tomada por uma energia e ânimo que não sabia como descarregar.

Bem, ela sempre podia recorrer a Ino para distraí-la de si mesma.

Sakura tomou seu tempo para escolher uma roupa que combinasse com o seu estado de espírito, optando no final por um vestido de verão que ela nem sequer usara ainda. Durante o banho, ela teve de se convencer de que não estava se produzindo para impressionar ninguém, mas a comichão que sentia ao pensar nele e em sua possível reação se a visse na peça de roupa vermelha fazia seu coração falhar algumas batidas teimosas.

A pior parte é que sua mente estava criando esperanças muito tolas para a noite, uma vez que era praticamente impossível que eles se esbarrassem em qualquer fim de mundo que Ino decidisse arrastá-la para.

Ao terminar, ela deu uma última olhada para o estado de guerra em que se encontrava sua casa e deu de ombros; hoje ela definitivamente não passaria sua noite limpando e organizando coisas compulsivamente. Ela queria se divertir, esvaziar a cabeça de coisas e pessoas que não a deixavam em paz.

Sakura se dirigiu até a última casa geminada da sua rua, onde Yamanaka Ino ainda morava com os pais, e bateu na porta apressadamente, se remexendo nos saltos baixos que não estava acostumada a usar. Nem um minuto depois, a porta se abriu.

— Sakura! — ela exclamou em surpresa, avaliando a aparência de Sakura com seus olhos incrivelmente azuis.

— Porca. — Sakura cumprimentou, sorrindo em divertimento.

Ino escancarou a porta de entrada e pôs uma mão na cintura. 

— Então hoje eu não preciso te arrastar para fora da toca, testuda?

— Hoje não. Espero que já esteja pronta, ou eu vou sem você.

Ino bufou e deu as costas para Sakura, voltando para dentro de casa. Sakura deu um passo à frente e se recostou no batente da porta, mordendo o lábio inferior para conter o sorriso infeccioso que ameaçava tomar conta de seu rosto.

Quem diria que ela terminaria aquele dia enfadonho de bom humor?

— Vai ficar parada aí? — Ino gritou de seu quarto.

— Vou. — Sakura gritou de volta. — Senão você vai demorar demais.

— Cuidado para não pegar um resfriado então, esse vestido está indecente demais até para mim.

Sakura sentiu as bochechas começarem a esquentar, mesmo sabendo que não passava de uma provocação de Ino. Era verdade que o vestido estava longe de se enquadrar em seus padrões… conservadores, como diria a loira, e mostrava muito mais de pele do que ela se sentia confortável por ser de alça fina, mas… ela não estava sendo ousada demais, estava?

— É brincadeira, Sakura. — Ino respondeu da porta do quarto quando a amiga não deu sinais de retrucar. — Você está incrível.

Ino voltou a sumir no final do corredor e perdeu o sorriso agradecido que Sakura lhe deu. Elas passaram alguns minutos trocando conversa aos gritos enquanto Ino terminava de se arrumar, e quando ela finalmente apareceu pronta na porta de casa, as duas se colocaram a andar lado a lado e sem pressa pelas ruas de Konoha.

— Então, — Ino começou. — o que tem em mente?

— Nada em específico. Só não quero ir para o pub. — ela adicionou antes que Ino pudesse sugeri-lo.

— Mas você ama o pub! — Ino retrucou, ligeiramente ofendida.

— Eu odeio o pub, Ino.

— Não foi isso que pareceu da última vez…

— Odeio tanto o lugar que precisei beber demais para tolerá-lo.

Ino deu uma sonora gargalhada, pondo uma mão no ombro da amiga.

— É uma pena então que seja para lá que eu vá te arrastar.

Sakura parou de andar para encará-la.

— Você marcou com alguém no pub, não foi? — ela perguntou, sua sobrancelha rosada franzindo.

— Claro. — ela disse, sua voz demonstrando nenhum arrependimento. — E ele tem um amigo bem bonitinho para você.

Sakura abriu a boca para retrucar, mas achou melhor guardar suas energias. Se Ino estava com a ideia fixa de ir para aquele lugar, então nada que Sakura dissesse surtiria algum efeito, e ela havia se arrumado demais para simplesmente voltar para casa porque música alta não era exatamente sua ideia de diversão máxima.

Ela soltou um som de exasperação e voltou a andar a passos apressados, deixando Ino para trás por uns segundos. Sakura não estava morrendo de vontade de conhecer ninguém ou muito menos ficar de vela enquanto Ino aproveitava seu ‘encontro’, mas pelo menos ela apreciava o prospecto de se sentar no bar e pedir mais bebidas do que aguentaria só para ter alguma desculpa para aparecer na porta da casa de…

Não, ela gritou internamente, pare com isso.

Sakura deixou que Ino conduzisse boa parte da conversa até o destino, optando por distrair sua mente com a infinidade de fofocas que a kunoichi reunira durante a semana. Seus olhos, no entanto, estavam viajando dentre os mares de pessoas sem que ela tivesse controle algum sobre isso, procurando por algum vislumbre que era inteiramente dele.

Sakura sentiu uma cotovelada nada gentil nas suas costelas e se virou para repreender Ino, mas as palavras morreram em sua boca quando ela percebeu o intenso olhar que a mulher dirigia para dentro do restaurante que acabavam de passar. Ela procurou alguma coisa fora do comum, mas nada lhe chamou atenção.

— O que foi? — ela quis saber, sua curiosidade despertando.

— Aquele não é o Sasuke-kun? — Ino perguntou, os olhos vidrados na mesa mais afastada da rua.

Ela esticou o pescoço para ter a mesma linha de visão de Ino e se surpreendeu quando percebeu que seus olhos haviam completamente ignorado Sasuke na primeira vez que ela varrera o lugar. Não que fosse inteiramente sua culpa; de preto da cabeça aos pés, Sasuke desaparecia no canto mais afastado do bar. Ela não podia ver seu rosto, mas por sua postura, ela tinha quase certeza que o objetivo dele era justamente ficar invisível.

Ela franziu o cenho em preocupação.

— O que ele está fazendo aqui, bebendo sozinho? — Ino perguntou, parecendo adivinhar seus pensamentos.

— Não sei, Ino.

Essa era a primeira vez em mais de uma semana que ela via Sasuke. Assim que o Time 7 pôs os pés em Konoha após a fracassada missão no País dos Pássaros, ele se afastou e voltou a rotina de fingir que eles não existiam por causa do clã. Sasuke nem ao menos visitara Naruto enquanto ele se recuperava da experiência de quase morte no hospital, e ainda que o loiro fingisse não se importar, o descaso de Sasuke o havia magoado de verdade.

Sakura ainda podia se lembrar dos olhares tristes que Naruto escondia quando percebia que era somente ela lhe visitando por mais um dia. Ela havia arrumado justificativas durante toda a semana para o comportamento infeliz de Sasuke, tudo para animar Naruto, mas ao vê-lo sozinho no bar aquela noite, Sakura teve a inquietante sensação de que talvez suas desculpas não estivessem tão longe da realidade; que talvez ele realmente estivesse com algum problema que o impedira de estar presente.

Ela segurou o braço de Ino com certa firmeza.

— Ino, — ela começou. — tudo bem você ir para o pub sem mim? Eu te procuro quando chegar.

A Yamanaka voltou a olhar para Sasuke antes de suspirar.

— Ele parece estar precisando de você mesmo. Mas vê se não me dá o cano, vou estar te esperando na pista de dança. E traga o Sasuke-kun, eu menti sobre o amigo ser bonitinho.

Sakura riu levemente em resposta.

— Pode deixar, porca.

Ela esperou até que a amiga já estivesse no final da rua para entrar no restaurante, indo em linha reta até o longo balcão de madeira que delimitava a área do bar. Sasuke, que antes estivera olhando para um ponto fixo na parede, se endireitou no banco e se virou para encará-la antes mesmo que ela parasse ao seu lado.

Nunca deixaria de admirá-la o modo como ele sempre parecia saber quando ela estava por perto.

— Sasuke. — ela cumprimentou com um pequeno sorriso, sentando-se ao lado dele.

Ele lhe dirigiu um demorado olhar críptico antes de assentir em resposta e virar o rosto na direção oposta, obscurecendo sua expressão com a franja. Sakura lutou para não mostrar o desapontamento que sentia ao ter sua presença quase ignorada.

— Vai querer alguma coisa, senhorita? — o atendente perguntou ao terminar de servir outros clientes.

— Um shot de vodka, por favor. — ela respondeu com a primeira bebida que veio em sua mente.

Sasuke a olhou em reprovação quando eles ficaram sozinhos novamente, mas Sakura não deixou de notar que o canto de seus lábios teimavam em curvar em divertimento. Ela sorriu, sentindo as bochechas tingirem um tom de vermelho.

— Eu gosto de vodka. — ela se justificou.

— Claro. — ele respondeu simplesmente, sua voz um pouco mais que um sussurro.

Sasuke esvaziou o copo que estava a sua frente num único gole, e Sakura se lembrou porquê estava ali.

— Por que está aqui sozinho?

— Eu queria beber.

— Você poderia ter me chamado para fazer companhia, ou ter arrastado o Naruto como você costumava fazer…

Sasuke deu um meio sorriso para ninguém em particular.

— Não era uma boa opção. — ele respondeu, não muito gentilmente. 

Sakura se remexeu desconfortavelmente no banco. 

— Pensei que estivéssemos bem.

Sakura odiou o modo como sua voz falhou no último segundo, refletindo o ligeiro desapontamento que sentia pelas palavras de Sasuke. O Uchiha, parecendo arrependido, deu um suspiro audível e se virou para encará-la; seus olhos escuros tinham uma suavidade que Sasuke parecia reservar somente para ela, às vezes.

Isso teria feito seu estômago flutuar alguns anos atrás.

— E estamos. — ele garantiu, e não havia falsidade em sua voz. 

Sakura deu um pequeno sorriso em resposta, realmente olhando para Sasuke dessa vez. Seu cabelo estava ligeiramente mais comprido do que ele costumava usar, e as pontas repicadas mais rebeldes. Suas feições, que não haviam mudado muita coisa desde que se tornara adolescente, agora tinham uma sombra quase permanente que o fazia parecer cinco anos mais velho. 

Ele ainda era um homem muito bonito, mas…

— Você veio me procurar ou me achou por acaso? — Sasuke perguntou em seu tom suave, sem desviar os olhos dos seus.

— Aa, eu estava passando pelo restaurante e te vi.

Sasuke deixou escapar um riso curto, sardônico. 

O rapaz detrás do bar voltou com o seu pedido e ela agarrou a oportunidade de desviar do olhar abrasivo de Sasuke. Sakura não estava exatamente acostumada a beber - e seus últimos incidentes com bebida estavam de prova que ela não tinha a melhor das tolerâncias -, mas ela não hesitou em tomar a vodka em um único gole.

Ela tinha o pressentimento de que precisaria de toda e qualquer gota de coragem líquida aquela noite.

— Sakura. — Sasuke chamou, lentamente. Ela fez um sinal para que ele continuasse, mas ainda não voltou a encará-lo. — Por que você está aqui?

Ela ponderou a pergunta por um segundo. — Você parecia sozinho. E eu passei a semana toda preocupada com você, Sasuke. — Sakura deslizou no banco do bar, ficando de frente para ele; seu joelho desnudo se chocou com o jeans áspero que ele vestia, mas foi ele quem recuou e colocou distância entre os dois. 

Sakura queria confrontá-lo sobre sua ausência durante a semana, seu descaso com a saúde do melhor amigo, mas esse não era o lugar nem o momento adequado, então ela apenas mordeu a língua e procurou por algum sinal em seus olhos escuros que ele havia entendido a raiz da sua preocupação.

Houve um lampejo de culpa em seu olhar que durou menos de um segundo, mas foi o suficiente para que Sakura percebesse que ele sabia ao que ela se referia, e que não se sentia orgulhoso pelo feito; isso a fez relaxar no mesmo instante. Era só uma questão de confrontá-lo na hora certa para obter as respostas que queria. 

Ela não usaria seu estado de visível fragilidade contra ele.

— Você não precisa de preocupar. — ele disse em voz baixa. 

Sakura inclinou a cabeça, um pequeno sorriso se formando no canto de seus lábios. — Eu sempre vou me preocupar, Sasuke. — sem pensar, ela apertou o braço de Sasuke de forma tranquilizadora.

Sasuke olhou para onde suas peles faziam contato, depois para Sakura. A intensidade em seu olhar a fez se sentir desconfortável, e ela retirou sua mão tão rapidamente quanto a colocou. 

A ironia da situação não falhou em lhe estapear no rosto. Que ele olhasse para ela daquele jeito havia sido seu objetivo de vida por muitos e muitos anos. E ali estava ela, sem nenhum interesse mais em ser o objeto do desejo e afeição de Sasuke. 

— As coisas mudaram. — ele disse suavemente.

Sakura sentiu uma comichão de simplesmente fingir que não sabia sobre o que ele estava se referindo, mas o que Itachi falara sobre ela precisar ser honesta não a deixava continuar fugindo.

— Sim. — ela concordou. — Espero que minha amizade seja o suficiente para você. — Sakura sussurrou.

Os olhos de Sasuke se arregalaram ligeiramente; ele claramente não esperara uma confirmação tão honesta e final quanto essa. Ainda que ela não se arrependesse de finalmente falar o que havia segurado por um bom tempo, vê-lo pego de surpresa e lutando contra a inabilidade de não demonstrar a pontada de dor que sentira,  fizera parte dela não conseguir resistir a culpa de estar do outro lado da moeda dessa vez.

Agora era ela quem rejeitava ele.

De uma vez por todas.

Porque a verdade que a fazia se revirar durante o sono e sonhar acordada durante as manhãs era uma só: seu coração já tinha um novo horizonte. Um novo porto para talvez, quem sabe, chamar de seu.

E, agora, ela se sentia plenamente confortável para admitir isso.

— Me desculpe, Sasuke. — Sakura se levantou do banco e endireitou a saia do vestido vermelho. Ela hesitou por um momento, esperando que ele dissesse alguma coisa em resposta, mas quando ele continuou em silêncio, ela deu de costas e saiu do restaurante sem olhar para trás.

A temperatura havia diminuído durante seu refúgio no estabelecimento, e uma rajada de vento particularmente forte e gelado a trouxe de volta a realidade. Ela poderia mentir e dizer que o clima mudara para acompanhar seu humor, mas, na verdade, ela estava longe de se sentir qualquer coisa muito distante de aliviada.

A culpa que lhe tomara minutos atrás parecia tão distante quanto qualquer passado que tivera com Sasuke, carregada para longe junto das folhas que rodopiavam por Konoha. Era a sua vez de ser a sua prioridade, fosse egoísmo ou não.

Sakura olhou para a direção do pub que Ino frequentava. Para o céu coberto de nuvens carregadas. Para o leste, onde ela sabia que com quinze minutos de caminhada alcaçaria o destino que seu coração desesperadamente gritava para ela perseguir.

A Haruno sorriu, virando para o caminho oposto ao que sua amiga loira tomara mais cedo - se desculpando mentalmente com Ino por não cumprir sua promessa de encontrá-la depois -, procurando por uma assinatura de chakra que agora lhe era familiar. Para seu espanto, ele não estava muito distante da sua própria localização.

O que ele estaria fazendo nas ocupadas ruas comerciais de Konoha uma hora dessas, ainda mais sozinho? Ele não parecia o tipo que saia para festejar que nem ela e Ino. Estaria ele indo se encontrar com alguém? Sakura balançou a cabeça e apressou o passo na sua direção; ela não deixaria que suas incertezas a atrapalhassem. 

Não mais.

Ela o alcançou pouquíssimo tempo depois, e sua mente instantaneamente começou a se descontrolar. Ela ainda não sabia o que falar. Sakura estivera tão focada em simplesmente diminuir a distância entre eles que agora, olhando em seu rosto tranquilo, ela não fazia ideia de como começar.

Uchiha Itachi estava recostado contra a parede de uma casa de chá, os olhos fechados e os braços cruzados sob o peito. Ele parecia relaxado, até mesmo absorto em pensamentos. Sakura tomou alguns segundos suspensos no ar para admirar sua aparência pela milionésima vez.

Era tão mais fácil para sua sanidade quando ele não retribuía seu olhar com aqueles olhos desconcertantemente intensos…

Ela se esforçou para se aproximar sem alertá-lo, conscientemente mascarando seu chakra e andando quase na ponta dos pés - até mesmo ninjas tinham dificuldade de controlar o barulho de salto contra o asfalto -, mas foi só chegar perto o suficiente para discernir suas feições que Sakura percebeu estar se fazendo de tola. 

Ele estava sorrindo de uma maneira que fazia seu estômago afogar em borboletas e sua bochecha corar.

De uma maneira que quase soletrava que ele já sabia que ela estava por perto.

Ele abriu os olhos e inclinou a cabeça em saudação, o sorriso ainda no lugar.

— Sakura.

— Itachi. — ela respondeu, seus lábios se juntando num bico contra a sua vontade. — Esperando alguém?

Sakura deixou a pergunta escapar e mordeu o lábio inferior levemente. Por sorte, ele não perceberia a esperança a que ela se agarrava de ouvir uma resposta negativa. Itachi, no entanto, sempre parecia ler as entrelinhas quando se tratava de suas intenções. Ele se afastou da parede e descruzou os braços, quase a convidando para entrar no seu espaço pessoal.

Não sem admiração, Sakura percebeu estar se tornando um tanto proficiente na arte de ler Uchiha Itachi.

— Eu ia me encontrar com o meu time, mas aparentemente Shisui me deu o endereço errado… — ele disse suavemente.

— Errado? — ela repetiu, não conseguindo reprimir o alívio de se manifestar na forma de um sorriso infeccioso.

Itachi dirigiu um rápido olhar para seus lábios e encontrou seus olhos verdes, quase se desculpando por perder o foco por um segundo. O sorriso de Sakura apenas aumentou em resposta, seus dedos coçando para sentir os dele. 

Era bom finalmente ser capaz de ver que talvez (talvez, pois ela ainda não se permitia sonhar tão alto assim) ele estivesse tão desconcertado com o que estava acontecendo entre eles quanto ela.

— Shisui tem o hábito de fazer isso para passar tempo sozinho com a nossa companheira de time. — ele bufou, ainda que não aparentasse estar nada irritado com a situação.

— Shisui gosta dela? — Sakura perguntou, incrédula. Shisui flertava tanto com ela - ainda que em forma de brincadeira - que ela nem sequer cogitara a possibilidade dele ter afeições por alguém.

— Desde que eu o conheço.

— Inacreditável.

Itachi parecia achar sua surpresa um tanto cômica, mas ela não podia evitar. Não era como se ela conhecesse Shisui tão bem assim para saber dos detalhes de sua vida amorosa. Se pensasse racionalmente, talvez ela deveria ter imaginado isso. Shisui se interessava demais pelo seu próprio relacionamento (inexistente) com Itachi para não ser um romântico enrustido.

Sakura riu abertamente, mas algo naquela situação a perturbou mesmo que minimamente.

Será que… será que Itachi já passara por isso? Será que Itachi já se apaixonara, assim como seu melhor amigo? 

Quando ela ficou em silêncio por muito tempo, Itachi a olhou interrogativamente, as sobrancelhas quase franzindo em preocupação ou dúvida. Ela balançou a cabeça de leve para aquietá-lo e pôs uma mão no quadril, ignorando os pensamentos anteriores.

Essa não era a hora para isso.

— E você não se incomoda de ser deixado de lado? — ela quis saber.

Ele não pareceu cem por cento convencido de que não havia nada a perturbando, e ela sabia que hora ou outra teria de matar a nova curiosidade diretamente com ele, mas ficou grata quando ele apenas seguiu o novo ruma da conversa e deu de ombros.

— Não exatamente, eles são cansativos demais. — ele disse, sem muita gentileza.

Sakura não pôde deixar de rir, lembrando-se da dinâmica do seu próprio time. Shisui, embora não fosse nada parecido com Naruto, podia ser igualmente intenso e, como dissera Itachi, cansativo de se acompanhar, especialmente para pessoas mais introspectivas como ele e até mesmo ela.

— Sua companheira de time deve ser uma santa para conseguir aguentar o Shisui e você. — ela disse num tom divertido, piscando um olho para Itachi.

Ele imediatamente ergueu uma sobrancelha.

— Ela causa mais problemas que o Shisui. Você deveria me elogiar por ainda não ter matado nenhum dos dois.

— Você deveria agradecer por não ter os meus companheiros de time.

Ele fingiu tomar um tempo para pensar, assentindo posteriormente. 

— Você tem razão.

Sakura sorriu e o puxou pela manga da camisa comprida para andar ao seu lado. Ela ignorou o olhar curioso que ele lhe lançou, escondendo a bochecha avermelhada com a franja. Ela estava começando a ficar nervosa de ficar parada no meio da rua, completamente presa no charme dele, exposta para qualquer um que passasse perceber seu nível de queda.

Não que ela sentisse qualquer vergonha dos próprios sentimentos. Eles só eram novos demais para que ela quisesse dividir com estranhos. Era uma coisa que ela, por enquanto, queria guardar para si e para o objeto de suas afeições.

Bem, isso se ela conseguisse transformar em palavras a abstração que corria por suas veias.

Itachi captava as coisas com certa rapidez, e não foi necessário que ela explicasse seus motivos. Eles passaram a andar pelas ruas de Konoha, conversando sobre vários nadas e trocando olhares e sorrisos que faziam Sakura flutuar. Durante um bom tempo, ela nem ao menos percebeu que ainda segurava a manga dele. Ele, como o bom cavalheiro que era, apenas deu um sorriso de conforto quando ela reparou e deu um semi-gritinho de horror e se desvencilhou como se ele estivesse incendiando.

Quando a quietude da noite de Konoha nos bairros mais afastados foi interrompida pelo estrondo da tempestade que finalmente mostrava as caras, e as primeiras gotas pesadas de chuva começaram a cair sem aviso, Sakura foi lembrada do lamentavelmente fino e curto demais vestido que usava. Em segundos, ela já estava ensopada, sua pele tremendo levemente pelo frio.

Itachi fez o possível para mantê-la o mais protegida possível da chuva ao servir de escudo humano com sua altura, mas seus esforços só acabaram por ensopá-lo tanto quanto ela enquanto eles procuravam pela proteção mais próxima. Eles entraram numa das vielas da rua e encostaram na parede para o toldo de um dos prédios separá-los da chuva.

Durante toda a odisseia, Sakura não parou de rir.

— O que foi? — ele perguntou, curioso, olhando para ela.

Ela levou uma mão a boca para esconder seu acesso de riso.

— É claro que isso tinha que acontecer. — ela disse, de forma críptica.

Itachi a olhou por entre os fios escuros que teimavam em grudar no seu resto, e Sakura teve de se forçar a respirar. Ele era tão absurdamente bonito que deveria ser ilegal. Seus cílios, compridos e volumosos, pesavam com as gotas de chuva, escurecendo seu olhar. Mas não era só isso que fazia uma sensação conhecida se arrastar perigosamente perto do seu centro.

Era o jeito como ele lhe olhava, como se ela fosse… bem, ela não conseguia exatamente decifrar seu olhar naquele momento.

— No que você está pensando? — ela perguntou num sussurro.

O Uchiha ficou em silêncio por um doloroso momento. O agressivo tamborilar da chuva contra as calhas, em total sincronia com os batimentos de Sakura, a única certeza. Ele então, muito calma e deliberadamente, dando-a todo tempo do mundo para fugir se quisesse, levou as pontas dos dedos para o pescoço pálido dela.

Seus dedos estavam gelados, e um arrepio correu pelas costas de Sakura, fazendo ela se remexer contra a parede. A iniciativa de Itachi a teria chocado mais se tivesse vindo dias atrás. Agora, o tic-tac do cronômetro que pairava sobre suas cabeças estava silencioso, e o tempo que eles tinham para pisar em ovos havia se encerrado. 

Não era mais uma questão de quando, mas quem.

Ela estivera confidente que seria ela durante a noite toda; a chuva, é claro, se encarregara de aniquilar as certezas e equilibrar o placar.

Encorajado pela falta de resistência de Sakura, Itachi muito leve e lentamente escorregou a ponta de seus dedos pela extensão do pescoço de Sakura, numa carícia quase etérea. Ele desceu até chegar no início do vale dos seios de Sakura, e a kunoichi teve de reprimir um suspiro quando ele parou.

— Seu vestido… era muito bonito.

Itachi disse subitamente, sua voz tão baixa que ela precisou se aproximar para ouvi-lo melhor. Com a movimentação, sem querer, ela acabou aprisionando a mão que Itachi mantinha nela entre seu peito e a camisa ensopada dele. Seu embaraço foi instantâneo, e coloriu seu rosto da mesma cor que o vestido que ele se referia.

Ele deu um sorriso de canto e deu um passo para trás, deixando seu braço cair de volta para o seu lado. Sakura imediatamente sentiu falta do contato.

— Você está pensando no meu vestido? — ela perguntou sem pensar.

Itachi inclinou a cabeça, os cílios obscurecendo ainda mais a visão que Sakura tinha de seus olhos escuros.

— Entre outras coisas. — ele sussurrou.

Ela sabia que estava entrando em território perigoso com aquela linha de conversa, uma vez que Itachi parecia recuar toda vez que um dos dois ultrapassava demais os limites do aceitável - que a cada dia se tornavam mais e mais tolerantes, ela não pôde deixar de notar - mas era difícil de se importar quando um calor teimava em se espalhar pela trilha que ele deixara em seu corpo.

— Entre outras coisas… — ela repetiu em voz baixa, mordiscando o lábio inferior. — Itachi, eu tenho três perguntas para você. — ela disse, sua voz adquirindo uma seriedade que parecia contrastar com o modo como eles ainda se olhavam.

— Vá em frente. — ele incentivou, voltando a encostar na parede ao lado dela. Ela ficou subitamente grata pela distância que a permitia raciocinar com mais clareza.

Sakura suspirou.

— Você sabe que Sasuke e eu já tivemos um relacionamento?

Se ele foi pego de surpresa pela pergunta, nada em sua postura denunciou. Itachi suspirou inaudivelmente e levou as mãos ao cabelo emaranhado. Ele puxou o elástico que ainda mantinha suas mechas no lugar e as soltou; algumas grudaram no seu pescoço molhado, outras em sua camisa.

Se Sakura pudesse, ela teria parado o tempo bem naquele instante. 

Era a primeira vez que ela o via de cabelo solto.

Antes que ela pudesse se controlar, ela viu sua mão indo em direção aos fios escuros que escorriam livremente. Itachi a lançou um de seus típicos olhares intensos que fazia seus dedos dos pés se curvarem, e deixou que ela deixasse seus dedos correrem em padrões aleatórios até chegarem na base do pescoço dele.

— Foi o que eu presumi da situação. — ele respondeu, sua voz ligeiramente rouca. 

Ela fechou os olhos para disfarçar o efeito que ele tinha sobre ela.

— E você sabe porque não deu certo?

— Tenho um palpite.

Sakura se afastou da parede e se colocou na frente de Itachi, sua mão direita ainda emaranhada em seu longo cabelo escuro. Ainda que ela fosse mais baixa, e mais vulnerável nessa situação, ela se sentia no controle do jogo de poder. Seu aperto era de jeito algum ameaçador, mas só dela estar tão próxima de seu ponto cego, um lugar que literalmente poderia matá-lo se ela aplicasse a quantidade certa de chakra, de alguma forma a encorajava a continuar o que estava fazendo.

— Eu não era o suficiente. — ela disse, sem quebrar o contato visual.

Os lábios dele se contorceram numa expressão de desagrado, e ela sabia que era dirigido a Sasuke, não ela. Isso fez seu coração dar um pulo. Por favor, por favor, que eu seja o suficiente para você, ela pensou, e sua mão instintivamente apertou na base do cabelo dele.

Se isso o incomodou, ele não demonstrou.

— Então, Itachi… — ela sussurrou, ficando na ponta dos pés. Quase não era o suficiente para que ela alcançasse seus lábios se quisesse. — você faria diferente? Você lutaria por mim?

Itachi a encarou por um longo minuto, compreendendo o peso que havia sido levantado entre eles, a porta que subitamente se abrira. Estaria ele pronto para atavessá-la? Sakura julgara pelo andamento das conversas e pelo jeito como ele a olhava que talvez ela tivesse uma oportunidade de não se queimar, mas sempre existia a possibilidade dela ter lido tudo completamente errado e ter se deixado levar por um momento de cego triunfo.

De novo.

Por um momento agonizante, ela conseguiu sentir as batidas rápidas e dolorosas do próprio coração contra o peito. Ali estava ela, entregando seu coração de bandeja para mais um Uchiha. E não havia um pingo de arrependimento misturado as gotas de chuva em seu corpo.

Por favor, por favor…

— Você me fez quatro perguntas, Sakura, não três. — foi a sua resposta, reproduzindo o mesmo tom sério que ela usara.

— O que… — ela afrouxou a mão que segurava seus cabelos, os pés perdendo o equilíbrio e voltando para a posição original. Não era essa a resposta que ele deveria ter dado! O que ela havia feito de errado? Ela…

Itachi deu um passo para frente, colando seus corpos molhados. Ela não esperava pelo contato e recuou instintivamente para fora da cobertura, voltando a se molhar debaixo da tempestade implacável. Ela partiu os lábios em surpresa, soltando uma exclamação abafada pelo barulho ensurdecedor do seu coração, da chuva, quem sabe uma mistura dos dois.

Ele a seguiu e voltou a colar seu corpo no dela, colocando uma mão firme em sua cintura para mantê-la no lugar dessa vez. A água escorria por seu rosto, nublando parcialmente sua visão numa mistura de luzes brilhantes, cabelo rosa escuro e Itachi. E era a coisa mais bonita que ela já tinha visto.

Por uma razão ou outra, ela sentiu seus olhos se comprimirem com a vontade de chorar, seus lábios tremendo pelo frio e sentimento que ela não conseguia nomear. Ela suspirou o nome dele, e o som se perdeu antes mesmo de sair de sua garganta. Itachi soltou um grunhido puramente masculino e a levantou sem muito esforço com o braço que estava em sua cintura.

Ele estava reclamando o controle do jogo que ela lhe roubara. 

Um calor se reuniu no seu corpo apesar do frio que sentia.

— Sakura, eu só tenho uma pergunta para você. — ele jogou suas palavras contra ela.

Ela envolveu o pescoço dele com seus braços para se equilibrar melhor. Não foi difícil decidir que ela preferia eles desse jeito, com ela podendo olhar bem no âmago de seus olhos encantadores.

— Vá em frente. — ela sussurrou.

Você está preparada para lutar por mim? — Sakura franziu o cenho e inclinou a cabeça, mas antes que pudesse pôr em palavras a sua dúvida, Itachi levou sua mão livre para o cabelo ensopado dela e o afastou do rosto, deixando seu dedão pressionado contra o seu lábio inferior por alguns segundos. — Porque você vai ter que. O que eu te disse outro dia foi sério, Sakura. Eu nunca deixaria ninguém me impedir de ficar com você. Você pode dizer o mesmo?

Sakura estava grata pela chuva que caia, escondendo as lágrimas que caiam livremente de seus olhos agora.

— Sim, Itachi. — ela disse, sua voz trêmula, seu corpo lutando contra os arrepios. — Eu quero estar com você. — ela formou as palavras, mas elas se recusaram a sair. Ela só podia esperar que ele tivesse conseguido lê-las em seus lábios.

— Que bom, — ele disse de forma séria, gentilmente apoiando a testa contra a dela. Ela fechou os olhos diante do sentimento tão puro e intenso que viu nos olhos dele. — porque eu gosto de você, Sakura. 

Sakura sorriu, sentindo o coração falhar por um instante. Ela havia tomado apenas um gole de bebida, mas se sentia mais alta do que nunca. Ela estava bêbada dele, do quanto seu coração parecia se encher mais e mais daquele sentimento único que ela só conseguia reservar para ele.

Itachi afastou a testa da dela e ela abriu os olhos num protesto silencioso; Sakura ainda não estava pronta para se separar dele. Ela estava disposta a ficar de cama o dia seguinte inteiro se isso apenas significasse que ela poderia passar o resto da noite exatamente assim, agarrada a Itachi debaixo de uma chuva torrencial.

Ele sorriu em resposta e levantou os lábios para encontrar sua testa. O contato fez sua pele formigar. Ela sentiu seu braço afrouxar o aperto que a mantinha suspensa, colada ao torso dele, e sentiu um leve tremor tomar conta do seu corpo. O momento estava deslizando por entre seus dedos.

Impulsivamente, Sakura abriu as pernas e as enroscou no quadril de Itachi antes que ele a colocasse no chão, fazendo um choque correr pelo seu corpo pelo súbito contato íntimo entre suas coxas e a lateral da perna dele. Seus olhos verdes grudaram nos dele, e seu sorriso aumentou quando ela viu genuína surpresa passar pelas feições de Itachi.

Aparentemente, ela ainda conseguia pegá-lo desprevenido.

— Eu quero que você me beije, Uchiha Itachi. — ela murmurou, os lábios muito próximos dos dele.

Itachi nem ao menos hesitou em acatar seu desejo.

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

FINALMENTE! *sons de fogos de artifício ao fundo*
Não faço mais promessas quanto a postagem porque elas sempre explodem na minha cara mas fica, vai ter bolo.
Sempre bom lembrar que a classificação dessa história é +16 e talvez, quem seja, ela faça sentido no próximo capítulo.
Até mais, e se cuidem!