Pararam, junto à música. A mão dele no baixo de suas costas, os corpos levemente inclinados. Sentiu a respiração suavemente ofegante contra seu rosto enrubescido.

Sua mão, em um dos ombros do rapaz, apertaram-no, em uma vergonha discreta.

- Por hoje está bom! – anunciou uma voz feminina.

Aprumaram o corpo, trocando sorrisos.

- Os dois formam uma ótima dupla! – a moça, sentada ao piano, comentou, levantando-se.

- Obrigada – a mulher disse, tímida.

- Eu criei um casal imbatível pro concurso de dança! – animou-se, batendo palmas.

- Também não é assim... – o rapaz falou, hesitante.

- Claro que são! Vocês são tão fofos juntos! E, aliás, parece que são um só!

- Bem – a outra começou, olhando o relógio na parede -, preciso ir, se não vou chegar atrasada na faculdade.

- Ok, mas não esqueça que amanhã temos outro ensaio.

- Não esquecerei – jogou por sobre os ombros as palavras, enquanto arrumava sua mochila.

Após despedir-se brevemente, pôs-se a andar mais depressa.

Os olhos azuis a sustentar os seus não lhe abandonavam a lembrança.

A segurança dele ao dançar lhe incomodava.

Ou será que seu incômodo com isto lhe incomodava mais?

Ela sabia dançar! Tão bem quanto ele!

Tinha de se lembrar disso todas as vezes que saía dos ensaios.

Ter encontrado alguém que fazia, tão bem quanto ela, o que ela tanto amava fazia-a sentir-se descartável. Como se seu talento fosse igual a tantos outros. Como se sua dança não fosse mais essencial.

Queria poder fazer arte tão bem quanto seu companheiro. Queria nunca tê-lo conhecido para não sentir aquela incapacidade, aquele tormento, aquela impotência.

Não podia sentir aquilo. Dançavam juntos, faziam arte juntos. Não podia ser fraca a ponto de querer-lhe mal, de querer-lhe longe de si. Eram uma dupla, e uma dupla eram apenas um.