If I Die Young escrita por Kaya Levesque


Capítulo 6
Cruel World


Notas iniciais do capítulo

Olá! Tudo bom com vocês? Antes de tudo, quero agredecer os 2024 views e 47 leitorxs que a fic tem até agora, amo todo mundo! (Até as fantasmas.)
Gente, foca aqui. Olha, essa rotina de postar regularmente, não vou mentir não: adoro. Porém, contudo, todavia, significa que logo a fic estará entrando em uma nova fase. Portanto, embora eu tenha tentado esticar essa parte calminha da fic, não vai dar mais pra segurar não, e quando vier, vem que nem eu: com tudo.
No mais, obrigada pelos reviews deliciosos da Giu Grimes e Astérope (a razão pra ter capítulo hoje) e também quero agradecer à tal da Mrs Dreams que tá lendo sem comentar essa viada. Falando na bixa, ela tá com uma fic muuuuito foda que tem o mesmo nome desse capítulo, depois vão lá que vocês não vão se arrepender: https://fanfiction.com.br/historia/675256/Cruel_World
Enfim, vou parar de falar e boa leitura ♥



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Beth: I hate goodbyes.

(30 days without an accident, s04ep01)

 

Alguns dias depois, eu estava lendo na sala quando a luz piscou várias vezes e apagou. Já era noite, então ficamos completamente no escuro, e ouvi um baque no andar de cima, o que significava que alguém devia ter derrubado algo. Aiden grunhiu alto no banheiro do primeiro andar, onde tomava banho.

— Emily? — ouvi a voz de Deanna.

— Aqui na sala — respondi encarando a escuridão completa. Eu conseguia ver a silhueta dos móveis e parte do meu pijama branco com a luz fraca que vinha da rua. — O que aconteceu?

— Faltou energia — respondeu Spencer, aparecendo na porta da cozinha e me fazendo soltar um gritinho. — Calma — acrescentou ele, rindo.

Franzi a testa, agora preocupada. Em todos os anos que eu vivera em Alexandria, nada assim havia acontecido. Será que isso significava que o sistema da comunidade estava dando defeito? E se ficássemos sem energia para sempre?

Logo, todos os membros da família Monroe estavam na sala, embora eu só pudesse ver suas silhuetas. Spencer parecia comer alguma coisa sentado no braço do sofá; Deanna desceu as escadas com Reg, apressada; e Aiden saiu do banheiro vestindo a blusa e passando a mão nos cabelos.

Fui na cozinha para pegar um pacote de velas que guardávamos no armário e uma caixa de fósforos. Distribuí as velas entre eles, acendendo-as, e coloquei mais algumas espalhadas pela sala enquanto os outros saíam para conversar com os vizinhos.

Ao deixar a casa, já com uma vela em mãos, deparei-me com vários membros da comunidade cercando Deanna e querendo saber o que acontecera. Aparentemente, a energia só acabara em metade de Alexandria e as pessoas estavam confusas.

Logo, notei três pessoas conversando em grupo e andei até eles, presumindo serem Ron, Mickey e Enid. Seria a primeira vez que os veria em alguns dias, porque estivera trabalhando com Maggie e ajudando Deanna.

Ao me aproximar, percebi que estava certa sobre Mickey e Enid, mas a terceira pessoa era Carl. Imediatamente, senti-me envergonhada por estar de pijama e pantufas de coelinhos. Quer dizer, eu não ligava para os meninos porque os conhecia desde pequena, e Enid não prestava atenção nessas coisas, mas Carl era um desconhecido.

— Nossa, o Fantasma do Natal Passado — disse Mickey ao me ver com a vela em mãos. Rolei os olhos para ele e assenti para os outros, percebendo que não tinha motivo para ficar com vergonha: todos estavam de pijama. Inclusive, anotei mentalmente para zoar Mickey, que vestira um robe.

— O que aconteceu? — perguntou Carl, olhando enquanto seu pai, Maggie e Glenn falavam com Deanna. Logo, eles fizeram sinal para Eugene, que se aproximou, hesitante.

— Alguma falha na rede elétrica — falei. — Onde está Ron? — perguntei, notando Jessie ali perto com Pete, sem os meninos.

— Dormindo — respondeu Enid. — Ele e Sam nem se mexeram.

Assenti e ouvi Deanna atrás de mim chamar a atenção de todos:

— Pessoal, houve uma pequena falha na rede se energia, mas já temos uma solução para isso — disse ela. — Peço que todos voltem para suas casas para esperar que resolvamos o problema. Obrigada.

Olhei para Enid e percebi que Olivia acenava para ela, chamando-a para casa. A garota sorriu brevemente para mim e foi se juntar à mulher, com quem começou a caminhar, aparentemente em silêncio.

— Mickey — chamou Paula. Ele murmurou um “tchau” rápido e foi se juntar à mãe, deixando-me só com Carl.

Um silêncio estranho caiu sobre nós, como se os dois quisessem conversar mas não soubessem como puxar assunto. Pensei em falar o que estivera fazendo com Maggie nos últimos dias, mas talvez aquela não fosse a melhor hora. Antes que eu pudesse começar a zoar o robe de Mickey, Carl disse:

— Onde você esteve?

E lá estava o assunto que eu queria evitar. Pelo menos por hora era bom que ele não soubesse, pois eu não tinha certeza de como o garoto reagiria. Talvez me achasse metida e nunca mais quisesse falar comigo novamente.

— Ajudando Deanna — respondi por fim. — Desculpe nunca mais ter aparecido pra chutar a sua bunda nos video games.

Ele rolou os olhos. Logo, notei Rick se aproximar enquanto Maggie e Glenn se afastavam com Eugene.

— Emily — o homem acenou com a cabeça.

— Boa noite, sr. Grimes.

Rick me lançou um olhar divertido, como se achasse estranho ser chamado daquela maneira, e notei Carl me encarar do mesmo modo.

— O quê? — perguntei, na defensiva. — Eu sou educada.

O garoto riu e seu pai deu um sorriso.

— Está na hora de entrar — disse para Carl. Ele assentiu.

— Boa noite, Emily.

— Boa noite — falei. Naquele momento, as luzes da casa piscaram e acenderam. Ouvi alguns aplusos nas casas mais próximas, que também já tinham energia, e sorri, soprando a vela.

Carl e Rick se afastaram e voltei para dentro. Ninguém conversou muito depois daquilo, mas, enquanto subia para meu quarto, ouvi vozes no escritório de Deanna, o que significava que ela estava dicutindo o problema com mais alguém.

No dia seguinte, acordei mais cedo do que o normal incomumente disposta. Tão disposta que, após escovar os dentes, vesti um casaco, coloquei meu iPod no bolso e saí de casa para pegar minha bicicleta na garagem. A pobre Bertha estava com teias de aranha, e prometi a mim mesma que a usaria mais.

Logo, eu estava pedalando pela comunidade ouvindo A-Ha. Mickey costumava reclamar que eu só ouvia música de velho, mas não era minha culpa se todas as músicas que ele ouvia eram ridículas. Além disso, Reg sempre dizia que eu tinha uma alma velha, coisa que eu gostava de repetir. Às vezes eu me pegava pensando se, caso o mundo não ouvesse acabado, as músicas seriam melhores. Provavelmente não.

Depois de dar duas voltas ao redor de Alexandria, eu estava com calor e faminta. Voltei para casa e, ao seguir para a garagem, percebi uma comoção estranha. Uma van estava parada em frente ao portão, e, ao me aproximar, notei que haviam algumas pessoas ali.

— Emily! — chamou Deanna. — Bem na hora de dar tchau.

Me aproximei, hesitante.

— O que está acontecendo? — perguntei.

— Aiden vai sair com um grupo — respondeu Reg. — É algo para a rede elétrica.

Assenti, observando os outros. Glenn estava lá, assim como Tara, Maggie, o próprio Aiden, e Noah, quem eu vi estendendo uma arma para um Eugene nervoso. O homem olhou para o objeto e balançou a cabeça.

— Ah, não, obrigado.

— Pega logo — disse Nicholas indo em direção à van.

— Vamos, você precisa se proteger — disse Noah.

— Não se eu não for — retrucou Eugene.

— Não vamos dirigir até lá e voltar com a merda errada — disse Aiden. Pelo canto do olho, notei Deanna encarando com desaprovação.

— É uma dúzia dessas — disse Eugene, erguendo o objeto retangular que tinha em mãos. — São todas parecidas. — Ele olhou em volta, como se temesse que não acreditassem nele. — Vai ser a merda certa; eu vou instalar essa merda. E aí a rede vai estar operando direito novamente.

Noah apenas o olhou com tédio e tornou a estender a arma para Eugene, que a pegou, desajeitado. Ri de sua reação. Ele não era o tipo que tentava ser engraçado, mas conseguia mesmo assim.

— Pegou tudo? — perguntou Reg para Aiden.

— Kit de primeiros socorros, lista telefônica — informou ele — Glenn fez a lista de controle, então estamos bem. Juro.

— Eu sei, eu sei — disse Reg. — Estou apenas preocupado. Foi por isso que construí esse muro em primeiro lugar.

Nós rimos e Aiden se aproximou para abraçar Deanna.

— Amo você — disse ela.

— Cuide-se, pai — disse o rapaz. Reg balançou a cabeça.

— Eu devia estar dizendo isso pra você.

Aiden riu e se aproximou apara me abraçar.

— Juízo — disse ele. Rolei os olhos.

— Por favor. Tenho mais juízo que você e Spencer juntos. — Nós rimos. Depois que pedi desculpas, as coisas entre nós voltaram a ser como eram e eu estava feliz que fosse assim. — Tome cuidado lá. — Acrescentei.

Ele assentiu e entrou na van, sendo seguido por Nicholas, Eugene e Tara. Essa última acenou para mim e sorri para ela. Enquanto observava Glenn e Maggie se despedirem, senti uma batidinha no meu ombro.

— Ei — disse Noah.

— Oi — falei. — Tenha cuidado.

— Não se preocupe, fizemos isso milhares de vezes.

Dei de ombros.

— Eu sei — falei. — É só para não perder o costume.

Ele riu e eu o acompanhei.

— Noah — chamou Glenn, indo na van.

— Até mais — disse o rapaz.

— Até — respondi.

Reg olhou para o carro e suspirou.

— A rede elétrica era um protótipo — disse. — Estou surpreso que demorou tanto para pifar.

— Vamos arrumar — prometeu Glenn.

— Estamos perdendo a luz, venham — disse Aiden do banco do motorista.

Guardei a velha Bertha na garagem enquanto ouvia Deanna falar com Glenn e logo estava de volta, me postando de pé ao lado de Maggie para ver a van partir. Haviam andado poucos metros quando um dos famosos mixes de Aiden começou a tocar alto. Eu ri.

— Ótimo — comentei. — Outro mix.

Maggie riu. Quando o carro se afastou o suficiente, vimos o prédio que havia se tornado a nova igreja. Na porta, o padre, com quem eu nunca realmente falara, observava o grupo partir com o rosto livre de expressão. Deanna e Reg acenaram para ele e o homem apenas assentiu, voltando para dentro.

Enquanto o casal Monroe entrava em casa, Maggie e eu ainda ficamos mais alguns minutos do lado de fora em silêncio.

— Ei — chamou ela, de repente. — Posso ver como está ficando aquela coisa? Você já começou a colorir, certo?

— Ah, sim — falei. — Está ficando ótimo, modéstia à parte.

Ela riu.

— Mas que tal um café da manhã antes, hein? — perguntei. — Eu saí sem comer nada hoje.

— Claro — disse ela.

Entramos na casa e fomos direto para a cozinha, onde nos pusemos ao trabalho. Peguei ovos e bacon na geladeira enquanto Maggie fazia massa para panquecas e logo tínhamos uma refeição completa. Comemos enquanto conversávamos bobagens, e, por um momento, senti como se Maggie fosse da minha idade. Se fosse, definitivamente seria mais acessível que Enid.

Depois de colocar a cozinha em ordem, fomos ao meu quarto, onde eu guardara nosso trabalho em progresso na gaveta. Estava numa pasta para que não manchasse e eu havia separado uma moldura marrom que combinava com a cor que eu estava usando para pintar o cabelo dela. Tirei a folha cuidadosamente e mostrei para Maggie, que olhou com assombro.

— Está igual! — exclamou. — Como você faz isso?

— Acredite, está me dando muito trabalho — falei. — Eu simplesmente não estava conseguindo colocar os olhos dela direito até ontem à noite.

— É lindo — disse Maggie. — E essas cores, parece uma fotografia de verdade.

Dei de ombros.

— Falta apenas terminar os cabelos. Estão do tamanho certo?

— Eram um pouco maiores, mas acho que Carl não vai notar — respondeu ela. — Não se preocupe, está ótimo.

— Obrigada — falei, orgulhosa do meu trabalho. — Escuta, vocês vão precisar de ajuda agora? Porque eu ainda tenho que terminar de colorir, colocar no porta-retratos e embrulhar...

— Pode ficar tranquila — interrompeu Maggie. Ela começou a ir para a porta, mas parou no meio do caminho. — Sabe, acho que se você entregar hoje ou amanhã vai estar bem a tempo do Natal.

Meu olhar se iluminou.

— É verdade! — exclamei, só então percebendo quão perto estávamos da festa. Os natais em Alexandria sempre eram festas mais em família, mas isso não me impedia de passar um pedacinho do dia com todos que eu gostava. Por exemplo: passava a manhã na casa dos Anderson, então visitava Aaron e Eric e jogava conversa fora com Denise ou Olivia. Seria o primeiro Natal de Enid na comunidade, e eu certamente faria algo para ela.

É por isso que, depois de finalmente terminar o presente de Judith e Carl, tirei Deanna de seu serviço por alguns minutos para perguntar-lhe sobre o ukulele. Afinal de contas ninguém em casa tocava o instrumento, e parecia fazer Enid feliz, então, com a permissão de Deanna, o coloquei numa caixa e a cobri com papel de presente. Sorri ao ver o resultado e pensar na reação da garota ao receber o pacote; aquele seria um dos melhores natais em Alexandria.

Após ter terminado todo o trabalho e arrumado a bagunça, sentei no banco da janela para ler. O Sol estava se pondo quando ouvi a van se aproximar da frente da casa, o que indicava que o grupo havia chegado da ronda. Aquilo não me distraiu da leitura, mas, alguns minutos depois, ouvi um grito vindo do primeiro andar.

Não foi um daqueles gritinhos que se dá quando alguém se assusta, nem um berro de medo, mas sim um guincho de dor que me faz largar o livro e ir para a porta quase que num pulo. Desci as escadas para a sala de dois em dois degraus, e a cena que vi ficou marcada em minha memória.

Ajoelhada no chão, Deanna chorava, amparada por Reg. Spencer esfregava a cabeça de costas para mim, Glenn e Maggie se abraçavam num canto e Rick encarava os próprios sapatos, aparentemente sem saber o que fazer, ao lado da mulher negra de dreads, cujo nome eu ainda não sabia. Os dois foram os únicos a me ver nos pés da escada olhando o que acontecia, confusa. Afinal de contas, o que havia acontecido? Onde estavam os que foram na ronda? Olhando em volta, eu não via Tara, Eugene, Nicholas, Noah ou Aiden. Aiden.

E foi aí que me acertou. Deanna chorando no chão, Reg abraçando-a com lágrimas nos olhos, Spencer soluçando em frente a janela...

Olhei para Rick, esperando que ele dissesse algo que me provasse errada, ou algo assim, mas ele apenas caminhou para mim do mesmo modo que meu pai caminhara anos atrás. “Emily” dissera ele, ajoelhado à minha frente. “Sua avó se foi.”

— Emily — disse Rick, ajoelhando-se. — Aiden...

Mas eu não o deixei terminar. Me sustentei trêmula no corrimão e sentei num degrau, abraçando meus joelhos e chorando feito um bebê. Aiden, o mesmo que havia estado comigo desde o começo de tudo, a quem eu considerava um irmão, mesmo com todas as falhas, estava morto.

E, como acontecera no dia em que minha avó morreu, nada nem ninguém pôde me fazer sentir melhor.

 

***

Passei o resto do dia e a noite na cama. A mulher, cujo nome eu descobrira ser Michonne, me levou para o andar de cima, me enfiou embaixo do chuveiro e só me deixou sair quando parei de chorar. Ela me colocou entorpecida na cama, e, em algum lugar do meu cérebro, registrei o quanto a mulher parecia com minha mãe.

Mais tarde, descobri que não fora apenas Aiden que partira: Noah também. O garoto calado e simpático que eu conhecera há poucos dias saíra para nunca mais voltar. Nunca mais nos esbarraríamos por Alexandria; eu não o ouviria reclamando que Aiden era mandão; não o veria rindo com Tara sobre alguma piada boba. Até mais, dissera ele.

Meu sono não foi tranquilo. Eu não passava noites tão angustiantes assim desde que chegara à comunidade sem meus pais e totalmente desprotegida, pois não haviam muros. Foi aí que meu medo de ver as ruas tomadas por andarilhos surgiu; eu tinha certeza de que eles viriam, entrariam em casa, subiriam as escadas e me encontrariam.

Por esse motivo, no dia seguinte quando Spencer veio me chamar, eu não queria sair da cama. Tudo que queria era deitar ali para sempre, mas sabia que devia isso a eles, então levantei e vesti uma das únicas peças de cor preta que tinha em meu armário, um vestido na altura do joelho. Coloquei também um casaco cinza chumbo, por fazer frio, e óculos escuros, para esconder as olheiras, e, possivelmente, as lágrimas.

Ao descer para a sala, fui notada por Deanna, que tinha uma expressão dura até me ver. Seu rosto se suavizou e a mulher caminhou para me abraçar. Pronto. Apenas aquele pequeno gesto me obrigou a trincar os dentes para não desabar novamente.

Finalmente, eu e os três membros restantes da família Monroe saímos da casa a cerimônia simbólica. As ruas estavam silenciosas e andávamos mais silenciosos ainda, como se ninguém soubesse o que dizer para o outro.

Ao chegarmos no cemitério, grande parte do grupo de Noah estava lá, bem como boa parte da comunidade já nos esperava. Várias pessoas foram falar com Deanna e Reg, e Spencer foi ser consolado por seus amigos, me deixando sozinha.

Olhei em volta e avistei Carl com seu pai me olhando. Perto deles, Mickey e Enid faziam o mesmo, mas apenas Ron, parado longe, veio falar comigo. Ele me abraçou, e logo Jessie se aproximou com Sam e Pete. A mulher passou uma mão em meus cabelos e seu marido manteve a cabeça baixa.

Quando me separei de Ron, Sam me cutucou e me ajoelhei à sua frente.

— Oi, Sam — falei, com a voz trêmula. — O que você tem aí? — perguntei, referindo-me à folha de papel em sua mão. Ele estendeu para mim um desenho de duas pessoas com asas. Uma estava pintada de bege e tinha cabelos castanhos e a outra estava pintada de marrom.

— Eu perguntei pra minha mãe pra onde as pessoas vão quando morrem — falou ele. — Ela disse que vão pro céu, então desenhei seus amigos indo pro céu. Eles têm asas — o garoto apontou para as asas no desenho — para chegarem lá mais rápido.

Fiz o possível para segurar o choro depois disso e apenas assenti, sorrindo para Sam. Jessie de ve ter percebido, porque tirou o garoto de perto, alegando que a cerimônia ia começar. Todos eles saíram, menos Ron, que ficou ao meu lado o tempo inteiro.

Logo, Mickey e Enid, um de cada vez, vieram falar comigo. Mickey me deu um abraço desajeitado e disse que sentia muito, ao passo que Enid me abraçou por longos minutos, e pelo modo que ela o fez, soube que sabia exatamente como eu me sentia.

A cerimônia foi um borrão. Padre Gabriel falou algo sobre luto e missão na terra, mas vou mentir se disser que prestei atenção. Estava apenas esperando que aquilo acabasse para que eu pudesse voltar para minha cama, onde estava quente e não ventava.

Então, finalmente, estava acabado. As pessoas passavam por mim murmurando palavras de conforto e eu sorria brevemente para elas. Eric me deu um abraço e lamentou que Aaron não estivesse aqui; Denise disse que se eu precisasse de alguém para conversar, ela estaria à disposição; e Nicholas me desejou seus pêsames. Depois que ele saiu de perto, não entendi bem a razão, mas vi Glenn, Eugene, Rick, Maggie e Carol olhando-o ameaçadoramente. Então percebi que havia alguém com quem eu ainda não falara.

— Ron — chamei. — Pode ir na frente. Ainda vou ficar um pouco.

Ele franziu as sobrancelhas.

— Tem certeza? — perguntou. Assenti. Ele me deu um último sorriso, então se afastou, sendo seguido por Mickey e Enid.

Uma vez que eles não estavam mais à vista, andei até onde o grupo de Rick se encontrava. Nem mesmo me dei ao trabalho de falar com todos, apenas dei alguns sorrisos sem graça, mas fui direto para quem eu realmente queria conversar:

— Posso falar com você? — perguntei para Glenn. Ele me olhou, surpreso, assim como o resto do grupo, mas sustentei seu olhar.

— Claro — disse ele. O homem apertou a mão de Maggie brevemente e indicou o caminho para o lago.

Caminhamos em silêncio por alguns minutos até o banco. Depois que nos sentamos, ainda esperei antes de falar, procurando as palavras certas.

— Eu te trouxe aqui pra perguntar algo que esteve me atormentando — comecei. Tentei buscar algum eufemismo, mas apenas desisti, optando por ser direta: — Como eles morreram?

Glenn não devolveu meu olhar e deixou passarem-se vários minutos antes de responder:

— Aiden estava atirando em alguns andarilhos — começou. — Estava tudo bem, até que ele atirou em um que tinha algumas granadas presas ao peito. E aí eu não sei bem o que aconteceu, porque a explosão me deixou cego e surdo por alguns minutos, mas quando recobrei os sentidos, ele estava preso a uma parede pelos estilhaços e Tara estava ferida. — Ele deu uma pausa. — Ela está na enfermaria até agora, Rosita não apareceu porque ficou cuidando dela... de qualquer forma, quando tentamos tirá-lo de lá, ele gritou muito. Disse que devíamos deixá-lo. Disse também que... — ele deu uma pausa, como se estivesse pensando se devia ou não me contar. — Disse que nós sabíamos o que estávamos fazendo lá fora. E haviam muitos andarilhos vindo, então tivemos que ir embora.

Glenn parou enquanto eu assimilava o que ele havia me contado. As lágrimas tornaram a escorrer, silenciosas dessa vez, e sequei o rosto com a manga do casaco.

— Eu espero — começou Glenn novamente. — Espero que não nos culpe. Se não tivéssemos deixado Aiden, teríamos morrido, todos nós.

— Tudo bem — falei. — Se ele estava preso, acho que... vocês realmente deviam ter ido embora.

Ficamos em silêncio por mais alguns minutos enquanto eu controlava o choro. Por fim, quando comecei a sentir que meus olhos estavam inchando de novo, percebi que ele não havia falado de Noah.

— O que aconteceu com Noah? — perguntei.

Glenn puxou o ar como se aquilo fosse difícil. Certamente era, mas ele aparentava também estar com raiva de algo.

— Tem certeza de que quer saber? — perguntou, como se esperasse que eu dissesse não. Assenti positivamente e ele me olhou nos olhos. — Emily, não quero lhe colocar contra ninguém. E saiba que eu não estaria contando isso se Carl e Maggie não falassem tão bem de você.

Continuei esperando enquanto ele pensava em como começar.

— Estávamos correndo para a saída da frente. Era uma porta giratória, e, de algum modo, acabamos presos lá, Noah e eu de um lado, e Nicholas do outro. Eu ia começar a tentar quebrar o vidro, mas Nicholas... surtou. Ele saiu, e enquanto abria a porta para seu lado, deixava também uma brecha para que os andarilhos nos alcançassem. E eles puxaram Noah...

Ele se interrompeu quando viu minha expressão totalmente incrédula. Eu sentia um turbilhão de coisas, mas tudo que pude fazer foi olhar para o homem e sibilar:

— Matou o Noah?

— Idiretamente? — perguntou Glenn. — Sim.

— E você também quase morreu por causa dele?

— Emily — disse Glen em tom de aviso. — Você não pode falar pra ninguém que eu lhe contei isso. Ninguém, entendeu? Nem mesmo Deanna.

— Mas ela tem que saber — falei. — Ele precisa ser punido.

— Ela tem que saber, sim, mas não agora — cortou Glenn. — Agora ela está com raiva e chateada e está acreditando que a culpa é nossa. O que acha que ela vai pensar se você chegar e contar tudo o que eu te falei? — Ele parou um pouco, então desviou os olhos para o lago. — Vai pensar que estamos usando você.

Assenti, compreendendo. Por hora, precisava guardar aquele segredo, e eu conseguiria fazer aquilo.

— Tudo bem. Não vou contar nada.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Só pra avisar que meu Wordzinho tá bugado e eu estou sem corretor, então se acharem algum erro, me avisem.
Vocês viram que esse capítulo está sem gif. Isso é porque meu aniversário foi alguns dias atrás (dia 04, esqueci de comentar) e a maravilhosa da Amélia me prometeu um banner bem gostoso de presente. Vocês viram como o resultado ficou mara né? Obrigada por ser incrível, Amélia! ♥
O que acharam da reação da Emily às mortes? Tadinha, nem sabe o que a espera... Perceberam que eu gosto de uma frase da Beth que é uma beleza, né? É isso mesmo gente, adorava ela.
Enfim, beijinhos e até o próximo capítulo!