If I Die Young escrita por Kaya Levesque


Capítulo 5
Video Games


Notas iniciais do capítulo

Adivinha quem já tá postando de novoooooo?
Gente, novamente tô impressionada com o tanto de gente acompanhando, mas ao mesmo tempo, tô decepcionada com a quantidade de reviews. Tipo, com o tanto de gente aqui, era pra ter bem mais, né? Enfim, boa leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/680612/chapter/5

Lori: You're the best thing I ever did. And I love you.

(Killer Within, s03ep04)



Nos dias seguintes, Carl passou a ficar mais tempo conosco. Ele ia até a casa de Ron para ler, jogar video games, ou só fazer nada, e normalmente ficava até mais ou menos meio-dia, quando todos voltavam para suas próprias casas. Portanto, acabamos começando a conversar e descobri que ele era uma pessoa interessante para falar sobre arte por causa de paixão por HQs. Eu lhe mostrei algumas Graphic Novels e desenhos meus, para os quais o garoto sempre assentia adequadamente surpreso. Geralmente, depois do almoço, íamos à minha casa enquanto eu desenhava e sempre percebia que ele olhava para a tela, o que, embora me lisonjeasse, me fazia sentir um pouco pressionada. Também percebi que ele olhava para meu mural, onde a foto que eu tirara na festa ganhara um lugar especial.

Dois dias depois da festa, quando finalmente havíamos conseguido deixar a casa arrumada, decidi que faria uma visita a Aaron e Eric. Eles ficavam fora por tanto tempo que quase nunca tínhamos oportunidades para conversar. Talvez parte do problema residisse no fato de que eles não gostavam de ficar. As pessoas mais velhas sempre comentavam sobre eles, como, eu soubera, comentavam sobre mim quando os visitava. Aquilo era totalmente desnecessário, mas não me dei ao trabalho de ligar; já crescera lidando com o preconceito.

Por isso, às dez da manhã daquele dia, eu me encontrava na cozinha de casa sujando coisas para fazer torta de biscoito para eles. Era uma torta gelada, portanto, depois de pronta, ainda precisava ficar quatro horas no congelador, o que me deu tempo de ajudar Deanna e Reg com o almoço. Após uma leve refeição em família, onde todos continuavam (inclusive, surpreendentemente, Aiden) a falar sobre a festa, peguei a torta e fui para a casa de Aaron e Eric. Eles moravam na mesma rua que o grupo novo, e avistei alguns deles no caminho para lá. A senhora de cabelos grisalhos cujo nome eu ainda não descobrira acenou para mim do outro lado da rua, gesto que retribuí com um sorriso.

Parei à varanda e bati na porta algumas vezes. Logo, Aaron apareceu sorridente e abriu para mim, abraçando-me em seguida.

— Minha Monroe favorita! — exclamou ele, afastando-se. O homem dizia que meu nome devia ser Emily Green-Monroe por ter sido criada pela família. — Estávamos começando a pensar que você não vinha. Entra!

— Ficamos ocupados limpando tudo depois da festa — falei adentrando na casa arrumada. — Acredita que achamos um donut embaixo do sofá? Aiden deve ter botado lá, sei que ele não estava em seu perfeito juízo depois de umas doses de whisky. O que me faz lembrar: vocês nem apareceram!

Aaron deu um sorriso sem graça, e deu de ombros.

— Eric machucou o tornozelo e eu não queria que ele o forçasse.

— Tradução: vocês não quiseram aguentar os olhares desaprovadores das velhinhas — falei. Como não obtive resposta, apenas franzi os lábios. — Vocês não podem deixar que elas os impeçam de fazer o que gostam.

— Deixa pra lá — pediu ele. — É só que acabamos de chegar e queremos evitar o estresse.

Assenti, compreensiva. Era simplesmente ridículo que, depois de tudo que aconteceu, as pessoas ainda se preocupassem com casais como Aaron e Eric. Eu falaria com Deanna à respeito daquilo.

— E o que você tem aí? — perguntou Aaron, olhando para minhas mãos e claramente tentando mudar de assunto. Eu sorri.

— Fiz a torta preferida de vocês.

— O que nós estamos esperando para atacar, então? — perguntou ele, indo para a cozinha e pegando pratos e garfos. Fui atrás, colocando a forma branca no balcão.

— Onde está Eric? — perguntei, percebendo que até então não o vira.

— Na garagem — respondeu Aaron distribuindo a torta nos pratos e colocando-a na geladeira depois. — Acho que você não soube ainda, mas ele está saindo de seu trabalho como recrutador.

Franzi as sobrancelhas, ajudando-o a carregar os outros dois pedaços para a garagem. Eu ainda não havia entendido por que Aaron colocara quatro pedaços em vez de três, mas decidi não perguntar - afinal Eric saindo de seu emprego era algo muito mais importante.

— Por quê?

— Não quero que ele se arrisque mais — respondeu Aaron simplesmente. — É muito perigoso. Ele concordou.

— E você vai sair sozinho agora? — perguntei. O homem sorriu.

— Acho que nós dois sabemos que sou mais inteligente que isso — respondeu ele. — Não, eu escolhi outro parceiro. Daryl vai começar a me acompanhar a partir de agora.

— Daryl? — perguntei, confusa. Quem?

Aaron apenas piscou e abriu a porta da garagem. Lá, Eric estava sentado com uma das pernas apoiadas num pufe, rindo de algo. Diante dele, havia um moto, e, ao lado dela, um homem de colete preto. Com um estalo, percebi que se tratava do homem que socara Nicholas, bem antes da festa. Ele tinha um pequeno sorriso no rosto, o que o deixava infimamente menos assustador.

— Daryl — chamou Aaron. — Esta é Emily.

O homem olhou para mim e pude observá-lo melhor. Ele tinha uma barba rala e cabelos lisos que, assim como os de Carl, precisavam de corte. Assentiu para mim, pouco confortável, e voltou para a moto que parecia consertar.

— Emily! — chamou Eric, animado. Coloquei os pratos numa mesa e fui em sua direção para abraçá-lo.

Em pouco tempo, estávamos conversando normalmente. Daryl mostrou-se muito fechado, embora fizesse comentários engraçados aqui e ali e risse dos meus. Aaron e Eric contaram histórias sobre a viagem, incluindo a perda do carro e todas as placas que eles colecionavam. Sorri pesarosa com aquilo; era uma bela coleção.

Às seis da tarde, decidi que era hora de ir. Já havíamos comido mais da metade da torta que, modéstia à parte, estava deliciosa, e eu estava pronta para ir para casa. Ia escurecer logo, e Deanna ficava preocupada quando eu chegava depois do pôr do sol.

— Eu acho que já vou indo — falei, após checar o relógio rapidamente. Daryl imitou o movimento, e, por sua expressão, ele não percebera que estava tão tarde.

— Tenho que ir também — anunciou, soltando as ferramentas.

Eric assentiu com certo pesar e começou a levantar com ajuda de Aaron.

— Vamos levar você até a porta — disse o homem.

Logo havíamos nos despedido dos dois e caminhávamos pelas ruas de Alexandria. Eu não estava mais preocupada em andar com Daryl, até porque ainda haviam várias pessoas na rua. No entanto, andar em silêncio era desconfortável, então comecei a pensar em tópicos para iniciar uma conversa. No entanto, antes que eu pudesse, Daryl disse:

— Emily. Não seria a Emily sobre a qual Carl vive falando?

Franzi a testa, surpresa.

— Carl fala sobre mim?

— Fala — disse ele. — Você, o filho do médico, o amigo dele e a outra menina. Edith?

— Enid — corrigi.

— Certo — disse ele. — É bom que ele tenha amigos normais pra variar. O garoto aguentou muita coisa.

Assenti, embora não fizesse ideia do que ele estava falando.

— Obrigada por aceitar acompanhar Aaron nas viagens — falei. — É muito perigoso, acho que fará diferença ter alguém experiente com ele. Além disso, acho que você se sente como eles, não é?

— Como assim? — perguntou o homem, desconfiado.

— Como um excluído — esclareci. — Não me leve a mal, mas você não parece o tipo que se adapta rápido a uma vida normal depois de ver o que viu lá — indiquei os muros pelos quais passávamos.

— Hum — disse ele. — Eu acho.

— Mas isso é bom — falei — pelo menos está ajudando Aaron. E o resto da comunidade, então obrigada.

Daryl assentiu, mas não prolongou o assunto porque estávamos chegando à casa de seu grupo. Na varanda, vi Carl, Rick e Judith observando a paisagem noturna sem nos notarem.

— Tchau — disse a Daryl, sorrindo. Ele apenas assentiu e subiu os degraus para entrar na casa.

Os outros finalmente nos viram e Carl acenou para mim, ao passo que Rick me olhou, parecendo, de certa forma, intrigado. Acenei de volta para Carl e segui meu caminho para casa.

Naquela noite, dormi depois de ouvir alguns CDs esboçando uma floresta florida como na primavera. Passava das sete da noite, mas eu estava com tanto sono que nem tentei ficar acordada até mais tarde.

No dia seguinte, mesmo que quisesse, eu não poderia ter feito muita coisa do lado de fora. Ao olhar pela janela, vi a chuva forte que caía sobre Alexandria, fazendo a maioria dos habitante ficar dentro de casa. Os meninos estavam no rodízio no novo sistema da guarda, Reg estava em seu escritório, e Deanna estava trabalhando com Maggie, cuja presença era constante em nossa casa, então aproveitei a calma para limpar meu quarto. Depois de uma faxina rápida (afinal eu nunca deixava a sujeira se acumular), peguei meu exemplar de Alice no País das Maravilhas e o reli pela milésima vez durante toda a manhã. Sentei no banco da janela e, de vez em quando, observava a chuva escorrendo pelo vidro embaçado antes de retomar a leitura.

Após terminar, decidi que faria o almoço. Há tempos que eu não fazia uma refeição de verdade - não só as porcarias de sempre - e fiz espaguete com almôndegas. Maggie comeu conosco, ao contrário de Aiden e Spencer, e descobri que gostava dela. Era uma garota simpática que sempre tinha coisas gentis pra dizer, embora, por alguma razão, parecesse ter certa dificuldade em comer carne. Ela olhava para as almôndegas com certa dúvida e parecia mastigá-las hesitante, como se considerasse cuspir fora. Fiquei tentada a perguntar se ela achou o gosto estranho, mas decidi que não o faria.

Depois da refeição, voltei a meu quarto para desenhar. Comecei apenas a esboçar um rosto levemente, sem saber muito bem o que estava fazendo, e notei que a chuva finalmente diminuía. Guardei o desenho numa gaveta e aproximei-me da janela, afastando as cortinas. As nuvens cor de chumbo estavam começando a se dissipar lentamente, apenas a tempo de mostrarem o pôr do sol.

Fechei as cortinas e peguei um casaco preto, calçando os sapatos e pegando a polaroid ao passar pela estante do quarto. Desci as escadas rapidamente e saí sem que ninguém me visse. Logo, estava andando sozinha por Alexandria até meu lugar preferido: o lago. Sentei num banco e comecei a tirar fotos do crepúsculo refletido na água.

Estava tão distraída que não notei que alguém se aproximava atrás de mim. Só percebi quando ele se sentou no banco e sorriu para mim.

— Noah — falei, surpresa. — Tudo bem?

O garoto assentiu.

— Só um meio cansado — disse. — Aiden é um pouco exigente, né?

— Por quê?

— Ele nos fez passar o dia treinando para a próxima vez que sairmos — esclareceu Noah. — Bom, eu e Tara; Glenn não foi convidado. Acho que Aiden o teria tirado da equipe se Deanna não houvesse insistido para que ficasse.

Franzi a testa, baixando os olhos para a polaroid; não sabia disso. Para mim, Glenn e Aiden haviam feito as pazes na festa.

— Olha, não me leve a mal, mas ele não parece ter muita experiência lá fora — continuou Noah. — E ele age como se fosse o único que sabe das coisas. Isso é irritante.

— Ele pode ser irritante às vezes — concordei. Ergui o rosto para o lago e pude ver os muros por cima das casas. — Você devia sair — sugeri. — Já que não gosta, não precisa fazer rondas.

— Todos temos que ter trabalhos — disse ele.

— Você pode ajudar Reg — sugeri, sem pensar no que dizia. No entanto, no minuto que aquilo saiu da minha boca, percebi que seria uma ideia ótima. Assim, Noah não precisaria ficar com Aiden e Reg ganharia um ajudante de verdade - todos sabíamos que eu não era lá muito proativa. Noah riu.

— Seria bom aprender um pouco sobre arquitetura — disse ele. — Mas não quero deixar de fazer rondas.

— Você pode ser um aprendiz, como eu — falei. — E poderá ajudar muito mais, porque é mais velho.

Noah não respondeu imediatamente. Então, depois de uma longa pausa, ele assentiu.

— Vou falar com ele — prometeu. Sorri.

— Eu já vou indo — disse, me levantando. — Até amanhã?

Ele sorriu.

— Nos esbarramos por aí — disse.

***

Às onze horas do outro dia, Carl chegou à casa de Ron. A manhã viera ensolarada, embora um pouco fria, o que anunciava a chegada do outono. Mickey não fora porque pegara um resfriado após um banho de chuva acidental, e Enid não dava notícias desde o dia anterior, então estávamos só Ron e eu quando o garoto bateu na porta do quarto. Nem o olhamos direito, muito concentrados no jogo de luta, mas notei que ele não se sentia tão desconfortável quanto nos primeiros dias, uma vez que logo pegou uma HQ e sentou para ler.

Logo, Carl e Ron estavam jogando enquanto eu conversava com os dois, ajudando-os ocasionalmente. Depois eu venci de Ron de novo e o garoto se retirou para ver se a mãe havia deixado o almoço feito antes de sair, então comecei a jogar com Carl. Após três vitórias minhas consecutivas, o rosto do garoto estava vermelho e ele me olhava, inconformado.

— Você está roubando! — reclamou. Coloquei uma mão sobre o peito, fingindo-me de ofendida.

— Eu não roubo — falei, sorrindo. Ele balançou a cabeça.

— Você não pode ser tão boa assim — disse olhando o controle em sua mão, emburrado.

De repente vi a mesma cena que presenciara durante anos. Meus primos choramingando quando eu aprendi a andar de bicicleta mais rápido que eles; Mickey reclamando para Deanna quando eu ganhava na sinuca; Ron com raiva quando eu lhe dava uma surra em todos os video games. Meu sorriso se apagou.

— Então — falei, com a voz controlada — Se eu ganhar de você em algo tipicamente masculino é porque estou roubando.

Carl me encarou.

— Não foi isso que eu disse — defendeu-se ele. — Só...

— Eu sei o que você disse — sibilei com o mesmo tom cortante que usara em Aiden no outro dia.

Carl novamente me olhou incrédulo e ia responder, mas naquele momento, Ron voltou com um cachorro-quente meio comido e molho no queixo. Ele nos olhou com uma expressão confusa diante da óbvia tensão entre nós e ergueu as sobrancelhas.

— Tudo bem aqui?

Olhei para o outro lado e Carl resmungou um sim, mas aquilo não convenceu Ron. Ele continuava confuso.

— Então, hum, na próxima somos nós dois? — perguntou para Carl.

— Claro — respondeu ele.

— Tudo bem Ems?

Deixei o controle no chão e me levantei, pegando meu casaco em cima da cama.

— Tanto faz — falei, saindo do quarto e descendo as escadas antes que ele pudesse perguntar mais alguma coisa.

Saí sem falar com Jessie ou Sam porque não vi nenhum dos dois, e logo estava vagando por Alexandria, zangada.

Depois de andar alguns quarteirões sem destino certo, notei, pelo canto do olho, um movimento à minha direita e virei a cabeça. Enid estava saido de trás de uma das casas que ficava perto do muro, novamente com aquela mochila estranha nas costas e terra nas mãos.

— Emily! — exclamou, surpresa, tentando esconder a sujeira em seu corpo. — Hum. Viu o Ron?

— Em casa — falei.

Ela assentiu, claramente sem jeito.

— Vou até lá então — disse. — Você vem?

— Não — respondi, seca, mais brava ainda porque sabia que ela estava escondendo algo de mim. Ela assentiu e começou a ir em direção à casa de Ron. — Enid — chamei. A garota se virou. — Talvez você queira tirar a lama das mãos. Jessie não gosta de sujeira.

E me virei, andando na direção oposta e deixando-a sozinha na rua.

Depois de dar várias voltas, acabei sentada no banco do lago vendo o sol se pôr. Estava mais calma, planejando me desculpar com Enid e explicar o que realmente havia acontecido no quarto de Ron para Carl e comecei a refletir sobre o por que andava tão emocionalmente descontrolada nos últimos dias. Geralmente, eu era calma e gentil, mas algo estava me fazendo ficar com raiva facilmente, e isso me incomodava.

O Sol havia sumido completamente, deixando apenas um céu colorido para trás. Eu estava começando a pensar em ir para casa quando ouvi alguém se aproximar. Carl sentou a meu lado no banco falou baixinho.

— Oi.

Assenti.

— Enid disse que eu poderia te encontrar aqui.

Grunhi em concordância. Ele olhou para a água pelo que pareceu um longo tempo antes de falar novamente.

— Me desculpe por ter dito aquilo — pediu. — Eu não quis te ofender.

Balancei a cabeça.

— Desculpe também, eu exagerei — falei. — É só que... eu passei a minha vida inteira ouvindo os garotos reclamarem quando eu era melhor do que eles em alguma coisa, e isso cansa —expliquei. — Claro que nenhum deles nunca me acusou de roubar — lancei-lhe um olhar torto de brincadeira. Ele riu, sem graça.

— Desculpe — pediu novamente. — Posso mudar de assunto? — perguntou ele. Dei de ombros. — Onde você aprendeu a cantar?

Eu o olhei com um meio sorriso no rosto.

— Eu sou uma cantora de chuveiro, caso não tenha percebido.

Ele assentiu, sério.

— Eu achei aquele dueto bonito — disse. — Claro que ouvi mais a voz da Enid do que a sua...

Soquei seu braço, mas estava rindo, e ele também.

— Tudo bem, tudo bem — disse. — Mas a música era bonita. Onde aprendeu?

— Minha mãe cantava pra mim.

— Ah — disse Carl, parecendo subitamente desconfortável. Ele devia ter percebido que eu morava com os Monroe por uma razão. — Sinto muito, eu não quis tocar no assunto.

— Ah, tudo bem — falei. — Quer dizer, sim, é triste. Mas eu gosto de falar sobre meus pais. Mantém a memória viva.

Ele me olhou, intrigado.

— Eu nunca pensei desse jeito — disse. — Só evito falar sobre eles e pronto.

— Isso não é bom — franzi os lábios. — Não se pode enterrar essas coisas. Minha avó dizia que você morre duas vezes: quando seu coração para de bater e quando dizem seu nome pela última vez.

— Hum — disse ele, simplesmente. — Então como ela era? Sua mãe?

Eu sorri com a lembrança.

— Ah, ela era linda — falei. — Tinha o cabelo preto, a pele mais escura que a minha e era pequena e magrela. Os olhos dela eram gigantes, e o rosto, fino, como se ela tivesse acabado de pular fora de um filme do Tim Burton. Ela era a melhor cantora do mundo pra mim, e sempre levava giz de cera quando saía comigo caso eu ficasse muito chata.

Carl riu.

— E seu pai?

— Ele era grande. Não gordo, mas grande, o oposto de minha mãe. O cabelo vivia raspado, mas ele usava dreads quando mais novo, minha avó me mostrou algumas fotos de faculdade dele... eu ainda as tenho, mamãe me deu todos os álbuns da família. Ele era engraçado, mas à primeira vista, sério. Me ensinou a jogar sinuca e baseball.

Inevitavelmente, suspirei, sentindo-me nostálgica. Mesmo depois que disse tudo aquilo, ainda levou um tempo para Carl começar a falar.

— Minha mãe era forte, eu acho. Quer dizer, ela tomou conta de mim no começo de tudo isso acreditando que meu pai estava morto. Procurou conforto em... outras pessoas... mas nunca me deixou de lado. Acho que esqueci disso mais pro fim...

Franzi as sobrancelhas, mas tentei não demonstrar que estava com pena. Enid odiava quando eu sentia pena dela, e Carl devia ser do mesmo jeito.

— O objetivo é lembrar das coisas boas — esclareci. — O que ela fazia que te deixava feliz?

Ele pensou um pouco.

— Ela me buscava todo dia na escola, mesmo quando todos os meus amigos iam embora sozinhos. Eu ficava com vergonha.

Nós rimos.

— Só fico triste por não ter nenhuma foto dela. Acho que Judith devia saber como era sua mãe.

Assenti, melancólica, e olhei para o céu, constatando que estava totalmente escuro.

— Está ficando tarde — comentei, levantando. — Deanna não gosta quando chego depois das seis.

Carl assentiu.

— Obrigada, hum, pela conversa — disse, voltando a soar desconfortável. Dei de ombros, sorrindo.

— A qualquer hora.

Ele assentiu, encarando os próprios sapatos, mas logo ergueu os olhos, sorrindo.

— Amanhã acho bom você vir com tudo — disse. — Porque vou ganhar de você em todas as partidas.

Dei uma gargalhada e balancei a cabeça com pena.

— Nos seus sonhos — disse, antes de me virar e começar a voltar para casa. Eu ainda estava sorrindo quando cheguei.

Na manhã seguinte, acabei salvando Carl de se humilhar novamente e fiquei em casa, ajudando Maggie a ler relatórios de todos os departamentos da comunidade. Foi mais legal do que eu esperava, embora um pouco cansativo.

Em determinado ponto, Deanna saiu para fazer um café, deixando-me sozinha com Maggie. Olhei para ela, então olhei por cima do ombro, para a porta, e voltei para a moça.

— Então — comecei, pensando em como abordar o tema que me deixara curiosa desde a noite passada. — Qual era o nome da mãe de Carl?

Maggie me olhou, confusa, e percebi algo mais em seu olhar. Era quase como se eu não devesse falar sobre aquilo, então decidi acrescentar, envergonhada:

— Estávamos conversando sobre isso ontem, eu e ele.

Ela assentiu lentamente antes de voltar para seus papéis.

— Lori.

Balancei a cabeça, mas eu ia precisar de um pouco mais que aquilo, então decidi forçar mais um pouco.

— Como ela era? Tipo... fisicamente.

Maggie novamente me olhou daquele jeito, fazendo-me sentir inadequada.

— Por que tantas perguntas?

Suspirei. Lá se ia minha discrição.

— Eles não têm fotos dela — falei. — Nenhumazinha, nada. Fico pensando na Judith. Ela vai gostar de saber como sua mãe era.

Maggie assentiu, ainda confusa.

— E você quer... o quê, escrever pra ela? Sabe que podemos fazer isso.

— Eu não escrevo — respondi, resignada. — Eu desenho.

Maggie ergueu as sobrancelhas e continuei.

— Eu sei desenhar, você viu. Fiz um retrato realista de Reg e ficou ótimo, as pessoas confundem com uma fotografia, por isso nem comentam. Acho que, se você me ajudar, consigo desenhar a Lily.

Maggie deu uma risadinha.

— Lori — corrigiu. — E, sim, vou ajudar. Acho que Lori gostaria que Judith soubesse como ela era.

Sorrimos uma para a outra e continuamos a ler os relatórios em silêncio.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Admito que não gostei tanto assim, acho que podia ter sido melhor, mas o que conta é a opinião de vocês, né? O que acharam do gif? Não consigo parar de elogiar a atriz da Emily gnt, socorro, fkhglfhkfl. Deixem reviews! Beijinhos e até o próximo capítulo!