If I Die Young escrita por Kaya Levesque


Capítulo 2
Paradise


Notas iniciais do capítulo

Olá! Esse capítulo finalmente tem tamanho de capítulo, embora eu tenha achado meio curto. Houve um salto temporal de alguns anos em relação ao prólogo, espero que não fique confuso. Quero agradecer a Khaleesi, Amélia e Mariana pelos reviews, vocês são mara ♡ Boa leitura!



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Beth: We can live here. We can live here for the rest of our lives.

(Inmates, s04ep10)

 

O quarto estava parcamente iluminado quando acordei, com feixes de luz passando pelas partes da janela que a cortina não cobria.  Levantei da cama sonolenta porém com pressa e olhei pela janela de vidro apressadamente, suspirando aliviada. Minha vista dava para algumas casas ocupadas de Alexandria, e já haviam pessoas na rua preparando-se para mais um dia na comunidade. De longe, pude ver Olivia e Denise envolvidas em uma conversa que parecia séria, e Sam e Jessie passando de mãos dadas em direção ao arsenal, provavelmente querendo pegar algo para a cozinha.

Após alguns anos, eu já deveria ter me acostumado com aquele tipo de visão. No entanto, toda manhã ao acordar, a primeira coisa que fazia era correr para a janela e me certificar de que tudo estava no lugar, porque em meus piores pesadelos, eu via as ruas de Alexandria tomadas por andarilhos.

Balancei a cabeça, tentando me livrar das lembranças do dia em que escapara de casa para voltar para Ohio com os Monroe. Eu não estava tão consciente quando topamos com o exército, então não lembrava de termos sido direcionados para Alexandria. Esse foi um dos maiores motivos para minha confusão quando chegamos, afinal, tinhamos outro destino em mente. No entanto, agora eu tinha certeza de que a comunidade era melhor do que Ohio. Alexandria era um condomínio planejado, "o início da sustentabilidade", com energia, água, esgoto e coisas básicas para sobrevivência. Deanna havia tornado-se uma líder em pouco tempo após a chegada, ganhando o respeito de todos. Com ajuda das poucas pessoas ali no começo, Reg havia cercado o lugar com muros e logo Aaron e Eric estavam lá fora em busca de novos habitantes.

Afastei-me da janela e fui me vestir. Como fomos alguns dos primeiros a chegar, conseguimos escolher as casas que achávamos mais bonitas, as que seriam as mais caras do condomínio. Fiz questão de ter um banheiro só pra mim no quarto porque conhecia Spencer e Aiden há pouco tempo e não estava preparada para dividir um banheiro com eles.

O quarto também me agradava, já mobilhado, como o resto da residência. Três paredes eram brancas e uma era rosa escuro, porque eu achava que aquelas cores deixavam o ambiente mais agradável. A cama ficava no centro, coberta com um edredom colorido, e com uma cômoda ao lado. Meu armário ficava na parede oposta à da janela, que era coberta por duas cortinas - uma branca, transparente, e uma rosa. Abaixo das vidraças, havia um banco acolchoado no qual eu sentava para ler em dias chuvosos.

No resto do cômodo, minhas coisas ficavam espalhadas organizada e agradavelmente. As tintas, telas e pincéis ficavam numa cesta ao lado do cavalete; os livros ficavam em prateleiras organizados em ordem alfabética pelo sobrenome do autor; e os CDs eram organizados por ordem de preferência ao lado do aparelho de som em minha escrivaninha. Os quadros que eu já pintara ficavam dispostos aleatóriamente pelas paredes, e meu preferido, um retrado do lago de Alexandria, ficava pendurado acima de minha cama.

Escovei os dentes e desfiz a trança em meu cabelo, deixando-o solto, embora fosse verão. Eu gostava de vê-los livres e espalhados ao redor de meu rosto, lembrando uma juba. Procurei algo para vestir em meu armário, decidindo-me por um jeans escuro e uma blusa xadrez azul.

Quando finalmente estava pronta, desci para o primeiro andar, onde os Monroe tomavam café-da-manhã. Deanna sorriu ao me ver, gesto que retribuí, animada.

— Bom dia — falei, sentando ao lado de Aiden e começando a me servir.

— Bom dia — respondeu Reg, distraído com algum esboço.

— Os planos pra expansão? — perguntei. Há algumas semanas, Deanna vinha falando sobre expandir os muros, mas eu não via ninguém trabalhando naquilo. O homem negou.

— Apenas um esboço para reforçar os muros.

— Posso ver depois?

— Claro — respondeu Reg, sorrindo. Ele gostava do meu interesse por arquitetura.

— O que vocês vão fazer hoje? — perguntou Deanna.

— Vou com Nicholas e Heath checar um lugar que Scott encontrou — respondeu Aiden. — É perto daqui, devemos estar de volta à tarde.

— O que tem lá? — perguntou Spencer. Aiden deu de ombros.

— Armas — respondeu. — Munição também.

— Posso ir? — perguntou Spencer. Aiden sorriu de canto.

— Pode, se eu não tiver que cobrir sua bunda o tempo inteiro.

— Olha a língua — ralhou Deanna, olhando-me de lado.

— Tudo bem — falei. — Eu sei o que é uma bunda.

Aiden e Spencer riram e sua mãe os acompanhou, após balançar a cabeça. Reg apertou os lábios, escondendo o sorriso.

— E você Emily, o que vai fazer hoje? — perguntou o homem.

— Vou ficar com Ron e Mickey — respondi. — A não ser que Deanna precise de ajuda com algo.

— Não, pode ir — disse ela. — Acho que Jessie vai ficar feliz em recebê-la, ela deve ficar cansada de estar rodeada por homens o tempo inteiro.

Eu ri.

— Tudo bem — falei.

Pelo resto da refeição, Spencer e Aiden falaram animados sobre a ronda, com os comentários ocasionais de Deanna. Reg estava muito concentrado no desenho, mas de vez em quando erguia a cabeça quando o assunto o interessava. Depois que todos haviam acabado de comer, segui os Monroe até os portões, onde Heath e Nicholas tinham um carro pronto para a viagem.

— Spencer vai conosco hoje — informou Aiden.

— Ótimo — disse Heath. — Quanto mais, melhor. Bom dia, Ems.

— Bom dia — respondi, sorrindo. — Boa sorte hoje.

— Obrigado — disse ele. — Algum pedido? Tinta ou livros?

— Hoje não — falei. — Aiden disse que vocês estão atrás de munição, não quero que desviem a rota.

— Tudo bem — disse Heath, virando-se para falar com Deanna.

Fiquei de pé ali, observando enquanto eles se organizavam para a saída. O carro estava cheio de provisões, com vários tipos direfentes de armas que me fizeram franzir os lábios. Eu nunca encostara numa arma antes, e pretendia continuar daquele jeito.

Finalmente, eles estavam prontos para partir, e me despedi de todos antes de ir em direção à casa de Ron. Eu imaginava que Jessie já devia ter chegado, então toquei a campainha e esperei à soleira da porta. A mulher abriu e sorriu para mim, mostrando as covinhas em suas bochechas. Jessie era uma mulher bonita; talvez um pouco cansada, mas ainda com um ar jovial.

— Bom dia, Emily — disse ela.

— Bom dia — respondi, sorrindo também. — O Ron está?

— Sim, está lá em cima com o Mickey. Entra.

A loira abriu espaço para que eu passasse e adentrei na casa, subindo as escadas de dois em dois degraus. Eu ia tanto naquela casa que já a conhecia como a minha própria, então segui para o quarto de Ron, abrindo a porta sem hesitar.

— Bom dia! — cantarolei. Os garotos resmungaram em resposta, muito concentrados no vídeo game, e contornei a cama, aproximando-se da janela.

— Não se atreva — disse Mickey pausadamente. Ele sabia que eu estava prestes a abrir as cortinas.

— Está escuro — reclamei.

— Exatamente — falou Ron. O garoto ainda usava pijamas, mas eu já o conhecia há tanto tempo que ele mal se importava com o que vestia na minha frente.

Franzi os lábios, jogando-me na cama desarrumada do rapaz para ler um gibi, mesmo com o ambiente mal iluminado. Ron tinha diversas HQs que eu gostava de ler por uma simples razão: os desenhos. Eu gostava de observar os traços diferentes de cada artista e aperfeiçoar o meu próprio com base nos deles. E, claro, as histórias não eram ruins.

Finalmente, após três partidas ganhas por Mickey, os garotos estavam prontos para largar o jogo. Ron desapareceu no banheiro por algum tempo e voltou devidamente vestido, penteando o cabelo com os dedos.

— Antes tarde do que nunca — comentei, sentando-me. — O que vamos fazer agora?

— Vamos jogar sinuca na minha casa — sugeriu Mickey.

— E seu pai? — perguntei. O pai de Mickey não gostava quando íamos à sua garagem porque fazíamos muito barulho.

— Ele trabalha até tarde hoje — disse o garoto.

— Legal — comentou Ron. — Vamos.

Andamos até as escadas, que descemos correndo e logo estávamos no primeiro andar.

— Onde é o incêndio? — perguntou Jessie.

— Na garagem do Mickey — disse Ron, saindo antes que a mulher pudesse nos impedir de ir. Jessie sabia que o pai de Mickey não gostava que fôssemos lá.

Pelo resto da manhã, nos revezamos jogando sinuca, até o pai de Mickey chegar de surpresa e nos expulsar gentilmente. Estávamos indo para uma das casas vazias onde costumávamos ficar, quando o portão se abriu.

Olhei, esperando ver Aiden e Spencer, mas não era isso que estava atrás das grades. À distância, pude distinguir a forma de uma pessoa mais ou menos da minha altura, talvez um pouco mais alta, com um casaco vermelho sujo. Ao notar o tamanho dos cabelos do recém-chegado, percebi: era uma menina.

Me animei imediatamente. Não que eu não gostasse de Ron e Mickey, mas eles não eram interessados nas mesmas coisas que eu - pintura, jardinagem e tal. Certo, eles liam, mas apenas HQs, não livros de verdade, então eu acabava me sentindo um pouco solitária.

Logo, Deanna aproximou-se da garota e começou a escoltá-la para nossa casa. Pensei em ir atrás, mas decidi que a menina devia estar cansada e confusa, então deixei para depois.

— Vamos — chamei.

— Não vai confraternizar? — perguntou Mickey.

— Agora não.

Andamos até a casa onde havíamos deixado algumas coisas, como HQs e jogos de tabuleiro. Eu preferia muito mais aqueles tipos do que video games, não por que eu fosse ruim (ganhava de Ron e Mickey com facilidade), mas porque jogos de tabuleiro eram mais interativos. Além disso, as ilustrações geralmente eram bonitas.

Foi ali que ficamos, até Jessie aparecer para chamar Ron para o almoço. Mickey foi para sua casa, enquanto o outro garoto me chamou para comer com sua família. Pete não estava em casa, porque passava o dia no escritório, então foi uma refeição tranquila com Jessie, Ron, e o pequeno Sam, membro mais novo da família.

Ron me levou até a porta depois do almoço, e caminhei sozinha até minha casa. Era assim que eu gostava de andar: só. Daquele modo, podia observar cada detalhe dos lugares onde passava sem interrupções de outras pessoas.

Ao abrir a porta, vi Deanna sentada no sofá examinando alguns papéis. Ela sorriu ao me ver.

— A garota está no quarto de hóspedes — informou. — Pensei que podia ficar um pouco conosco até se acostumar com o pessoal.

— Ótimo — falei, assentindo enquanto sorria. Ela ia morar conosco! Tudo bem que era provisório, mas seria maravilhoso. — Ela já comeu alguma coisa?

— Não — disse Deanna, voltando para os papéis, pensativa. — Ela não disse uma só palavra desde que chegou.

Franzi as sobrancelhas.

— Ela deve estar faminta — ponderei. — Posso fazer cupcakes? Aposto que tem um bom tempo desde que ela comeu um.

— Claro — respondeu Deanna. — Você devia lhe dar algums roupas também, acho que ela só tem as que está usando.

— Certo.

E então fui para a cozinha fazer os bolinhos. Uma coisa boa do tédio era que você aprendia praticamente tudo nele, então meus cupcakes eram alguns dos melhores da comunidade - modéstia a parte, claro. Era uma receita simples, rápida, e fiz oito, pretendendo dar apenas quatro para a garota. Coloquei-os no forno e corri para arrumar uma mochila com as roupas que daria a ela, voltando quando o cronômetro zerou, apitando. Enquanto os bolinhos esfriavam, fiz a cobertura e passei neles, colocando-os num prato e pendurando a mochila no ombro direito.

Parei à porta do quarto de hóspedes no fim do corredor, pensando se devia entrar de uma vez - afinal de contas era minha casa, certo? No entanto, decidi que seria mais educado bater antes, e foi o que fiz.

Esperei alguns instantes, sem obter resposta, e bati novamente. Na terceira vez, porém, abandonei a educação e abri a porta, pensando se algo teria acontecido com a garota.

Ela estava lá, encolhida contra a parede oposta, segurando uma lamparina como se fosse me bater com ela. De perto, pude observá-la melhor. Estava suja, com as roupas velhas e rasgadas, e era muito magra, mas ainda assim era bonita. Seus cabelos castanhos eram lisos e tinham alguns reflexos mais claros na luz do meio-dia, que também parecia deixar seus olhos ainda mais verdes. Suas bochechas eram um pouco grandes, fazendo com que ela se parecesse com um esquilo, mas achei charmoso. Hesitei novamente, então entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim.

— Oi — falei, sorrindo. — Sou Emily, moro aqui também.

Não houve resposta. Ela continuava olhando-me como se eu fosse uma ameaça. Continuei:

— Eu soube que você não tem roupas, então separei algumas, acho que usamos o mesmo tamanho. — Coloquei a bolsa na cama em movimentos lentos para não assustá-la e segurei o prato com as duas mãos. — Fiz cupcakes, caso esteja com fome.

Esperei alguma reação dela, que me encarou por alguns momentos antes de soltar o abajur. Coloquei o prato na cama, empurrando levemente para perto dela e recuando em seguida.

A garota pegou um bolinho e recuou como eu, dando mordidas ferozes na massa. Observei enquanto ela comia um após o outro até ter acabado os quatro e me olhou. Sorri.

— Uau — falei. — Isso deve ter sido algum tipo de recorde de tempo. Eu te daria mais, mas ouvi que se você passa muito tempo sem comer, não pode comer muito de uma vez, e esses cupcakes não são as coisas mais saudáveis do mundo, então...

Ela baixou os olhos para as migalhas no prato vazio e encarou a bolsa de roupas.

— Eu vou te deixar olhar as roupas sozinha — disse, inclinando-me para pegar o prato sujo. — Pode me avisar se precisar de mais alguma coisa, meu quarto é no fim do corredor.

Virei-me para sair, mas antes de chegar à porta, ouvi um sussurro atrás de mim.

— Enid.

Parei de andar, me virando para encará-la.

— Como disse?

— Enid — repetiu ela. — Meu nome.

Sorri para ela cautelosa e lentamente.

 

 — Então até mais, Enid.

Saí do quarto, fechando a porta atrás de mim, e desci as escadas, animada. Pela janela da cozinha, pude ver Aiden, Heath, Spencer e Nicholas voltando da ronda e Deanna conversando com eles.

Saí da casa, andando pela rua asfaltada até onde o pequeno grupo acabara de se dispersar. Deanna foi a única que me notou vindo.

— Como foi com ela?

— Bem — falei. — Ela é legal.

A mulher assentiu.

— Vou fazer uma entrevista com ela assim que começar a falar.

— Não sei se é necessário — discordei. — Quer dizer, ela estava sozinha, certo? Não deve ser perigosa.

Deanna balançou a cabeça.

— Não posso deixar qualquer um entrar aqui Emily, você sabe.

Pensei naquilo por alguns instantes. Enid parecia inofensiva e arredia, quase como um bicho machucado, e eu queria que ela se sentisse bem em Alexandria.

— Talvez eu possa fazer — sugeri. — A entrevista, digo. Acho que ela gosta de mim.

Deanna ponderou.

— Pode ser — disse por fim.

E eu sorri, animada com as possibilidades. Acho que o maior motivo que me levou a gostar de Enid no começo foi o fato de que ela era uma garota. Finalmente eu teria alguém da minha idade para conversar, e poderia dizer qualquer coisa, como nunca pude fazer com Ron e Mickey. Eu não estava mais sozinha.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Primeiro gif da fic, essa é a Emily. Beijinhos e nos vemos nos reviews!