If I Die Young escrita por Kaya Levesque


Capítulo 11
Survivor


Notas iniciais do capítulo

Olá! Como vão? Eu estou muito feliz por ter voltado com apenas três dias de atraso. Quem mais teve uma primeira semana de aula muito bosta?
Gente, vocês viram Esquadrão Suicida? Eu vi mas não vou deixar minha opinião aqui porque não gosto de dar spoiler, mas que trilha sonora foi aquela?? Fiquei mortíssima.
Quero agradecer aos reviews no capítulo passado e lembrar pra vocês que papai do céu castiga quem lê sem comentar c: De qualquer forma, tô muito feliz com os números que a fic alcança a cada dia, principalmente as visualizações, e devo tudo a vocês, obrigada!
Esse capítulo é dedicado à Mrs Dreams por ser a pessoa que mais me atura falando sobre IIDY, além de me betar sempre que eu peço, obrigada por ser awesome mana. ♥
Sem mais delongas, boa leitura!
Survivor – Destiny's Child



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Abraham: You’re a survivor. You always were.

(Twice as far, s06ep14)

 

Maggie estava certa em sua previsão de três a cinco dias e acabei levando apenas quatro para me recuperar completamente e voltar para casa. No entanto, estranhamente, muita coisa aconteceu nesse meio-tempo.

Na manhã seguinte à minha conversa com Deanna, Enid se juntou ao rodízio. Ela estava lá quando acordei, dedilhando algumas notas desconhecidas no ukulele enquanto encarava a cortina, distraída. A garota sorriu para mim, animada ao me ver de olhos abertos, e tentei ignorar a sensação incômoda na boca do meu estômago, procurando não pensar sobre tudo que Carl me dissera.

— Bom dia, Bela Adormecida — disse ela. Sorri.

— Esse era pra ser seu presente de Natal — comentei, referindo-me ao ukulele. Ela assentiu.

— Eu soube — informou. — Mas Deanna achou que devia me entregar, uma vez que você não pôde.

— Ah — falei, desviando os olhos. Alguém havia tirado a agulha de meu braço e agora ela estava em minha mão esquerda. Franzi o rosto. — Ainda preciso disso?

Enid deu de ombros.

— Denise acha que sim — disse. Ela descansou o ukulele a seu lado e me encarou. — Eu sinto muito.

Assenti, devagar. Sabia que ela estava falando sobre Reg, mas não queria conversar sobre aquilo agora.

— Eu também — falei. — Como o Ron está?

A garota descansou as costas na cadeira.

— Triste — respondeu. — Com raiva. Às vezes ele fala como se quisesse se vingar de Rick.

Balancei a cabeça negativamente.

— Ron não faria isso — disse. — Ele não tentaria defender seu pai depois... do que ele fez.

Enid pareceu sentir que a conversa estava rumando para um assunto complicado, então pegou o ukulele no chão, posicionando-o em seus braços.

— Que tal um pouco de música? — perguntou.

Passamos o dia juntas. A garota cantou, falou sobre Ron e Mickey e entregou as HQs que me trouxera para passar o tempo. Como Enid não parecia ter mais nada pra fazer, ela cobriu os turnos de Rosita e Eric, e só saiu quando Deanna chegou. No final da tarde, eu nem pensava mais nas coisas que Carl dissera, nem sobre como me sentira quando ele falara sobre Enid.

Os outros dias foram a mesma coisa. Como Enid passava o dia comigo e Deanna passava parte da noite, logo o rodízio foi desfeito. As únicas pessoas que apareciam regularmente eram Denise e Maggie, apenas checando se eu estava bem. Quando meu enjoos foram embora de verdade, Maggie disse que eu não precisaria mais do soro.

Dois dias depois, Ron e Mickey voltaram para me visitar. Ron parecia muito abalado, com o rosto pálido e amarelado, como se não estivesse comendo regularmente. Mickey estava o mesmo, porém tinha um olhar vago estranho, e manteve os ombros tensos ao se sentar. No entanto, isso tudo foi esquecido quando começamos a conversar, e logo pareciamos os mesmos de antes.

Deanna era outra pessoa que estava agindo de fomar calculada perto de mim. Ela sempre sorria e dizia coisas gentis, mas eu sabia que a mulher estava péssima porque carregava aquele semblante preocupado. Eu o vira diversas vezes enquanto ela subia as escadas encarando os próprios pés antes de olhar e abrir um sorriso. Era quase como se, depois de subir aqueles degraus, a mulher se tornasse outra pessoa, um personagem a ser interpretado.

Spencer também passava para me ver, e eu podia dizer que ele estava se esforçando muito menos que a mãe. O rapaz sempre parecia distraído e com a fala desnecessariamente lenta, o que me preocupava. Ele às vezes se perdia no meio da frase e encarava a parede até retomar o rumo da conversa. Perguntei a Maggie sobre isso e ela disse que era apenas uma reação pós-traumática, nada permanente.

Então, depois de dias usando aquela camisola com uma abertura atrás, depois de várias refeições limitadas, depois de quatro noites mal-dormidas, finalmente eu estava livre para voltar para casa. Precisei da ajuda de Spencer para descer as escadas, mas andei sozinha porta afora e estava cantarolando ao entrar na residência dos Monroe.

No último dia de meu confinamento – Denise sugeriu que eu passasse mais um dia dentro de casa, apenas para ter certeza que estava bem de verdade – eu estava fazendo um bolo na cozinha ouvindo um CD qualquer quando a campainha tocou. Deixei o cômodo e fui até a porta, abrindo-a para Rosita.

— Oi — falei, um pouco surpresa. Por algum motivo, esperava Ron e Mickey.

Rosita sorriu vagamente para mim e abri espaço para que entrasse.

— Oi — respondeu. — Como você está?

— Bem — falei. — Ainde me sinto um pouco tonta de vez em quando, mas Denise me deu um remédio para a dor de cabeça. Ela disse que se não melhorar eu devia voltar lá.

Rosita bufou, rolando os olhos, e ergui as sobrancelhas, confusa. Ela cruzou os braços e franziu os lábios.

— Mesmo que Denise seja a pessoa mais qualificada para cuidar desse tipo de coisa, ela não é tão qualificada assim — disse.

— Ela tenta — protestei, defendendo a loira. — Foi tudo muito rápido, não é como se ela soubesse que, de uma hora para outra, teria de assumir a enfermaria.

Rosita me encarou, medindo minha expressão, e alguns segundos se passaram antes que ela desse de ombros e se encostasse na parede.

— Não vim aqui falar sobre isso — disse. — Quero falar daquilo que você me pediu quando foi visitar Tara.

Assenti, sentindo o estômago revirar um pouco.

— Como ela está? — perguntei. — Não a vi ainda.

— Se recuperando — informou. — Deve demorar alguns dias antes de estar bem o suficiente para ajudar, mas está quase lá. Voltando ao assunto, acho que devíamos começar a ter aquelas aulas amanhã.

Senti o choque atravessar meu rosto e fiz o máximo para disfarçar.

— Já?

Rosita assentiu.

— Eu conversei com Deanna — disse. — Ela reagiu bem, considerando tudo o que aconteceu, embora estivesse um pouco relutante de início. Eu a convenci que seria uma boa distração para você, com tudo o que anda acontecendo, e ela topou.

— Simples assim? — perguntei.

— Simples assim — respondeu Rosita. — Eu sei ser persuasiva.

Fiquei calada por alguns momentos. Por mais que eu a houvesse procurado para aprender a usar armas, achava que isso só aconteceria num futuro distante. Agora que começaria no dia seguinte, não tinha mais tanta certeza assim do que queria.

— Tudo bem — falei, mesmo que contra minha vontade. Não podia viver de adiar as coisas.

Rosita sorriu novamente para mim, dessa vez com mais vontade, e começou a andar para a porta.

— Amanhã, às oito, nos portões — marcou. — Vamos lá pra fora.

Assenti, ainda em choque, enquanto ela saía. Suspirei ao ouvir a porta ser fechada e encarei a pintura do outro lado da sala, distraída. Com um estalo, percebi que fora a que Carl elogiara no dia da festa, a da rosa, e estranhei não tê-lo visto ainda. Eric dissera que ele fora me visitar quando eu estava apagada, mas não havia aparecido desde então.

Balancei a cabeça, tentando tirá-lo de minha mente, e voltei à cozinha, disposta a terminar meu bolo. Depois daquilo, a tarde passou depressa, sem grandes acontecimentos. Me queimei tirando o bolo do forno; comi dois pedaços antes de ficar cheia; e reli Alice no País das Maravilhas na poltrona em que estava quando o primeiro black out aconteceu.

Quando eu menos esperei, estava me preparando para dormir em meu quarto pela primeira vez desde Reg. Lembrei como me acordara naquela manhã fria, preocupada com Ron e Pete; da minha conversa com Carter; de ficar no lago com Carl. Voltei a pensar nele e em por que ele ainda não havia ido me ver, começando a me sentir muito chateada com o garoto.

Dormi um sono inquieto cheio de sonhos escuros e sem sentido, nada como na enfermaria, onde eu tomava remédios que não me permitiam sonhar. Quando pensava estar acordada, descobria que não, e acabei sentada no escuro diversas vezes, relutando em fechar os olhos, porque não queria voltar a ser uma prisioneira em minha própria cabeça. Também acordei diversas vezes com a sensação de estar caindo, o que indicava “espasmo hípnico”, distúrbio sobre o qual Denise havia me alertado quando acordei da mesma maneira em uma noite que ela me olhava. Ela disse que tinha algo a ver com o sistema nervoso, mas tornei a cair no sono assim que ela começou a explicar.

Pela manhã, eu estava me sentindo um completo lixo. O dia estava novamente muito frio, assim como a noite, e isso não me deu nem um pingo de ânimo. Quase não levantei da cama, considerando dar o bolo em Rosita, mas me forcei a ficar de pé, olhar pela janela e me vestir. Desci as escadas lentamente, tentando adiar ao máximo o encontro com a mulher nos portões da comunidade.

Quando cheguei na sala, percebi o quanto a casa estava silenciosa. Não devia passar das oito da manhã, e, no entanto, todos os cômodos pareciam vazios. O silêncio que parecia emanar do ambiente era sufocante e senti um nó em minha garganta ao lembrar o quão barulhenta a casa costumava ser.

Saí porta afora sem olhar para trás, feliz em deixar o ambiente opressor. As ruas pareciam mais vazias que o normal, com um ar mais triste e melancólico, ou talvez fosse desse jeito para mim porque era assim que eu me sentia. Caminhei sentindo o ar frio entrar em minha jaqueta e tentando evitar contato visual com as pessoas que encontrava. Finalmente entendi por que Enid detestava quando eu demonstrava pelo menos um pouco de pena dela: era irritante ver todos olhando pra mim como se eu fosse um cachorrinho abandonado que eles teriam de tomar conta; eu podia tomar conta de mim mesma.

Encontrei Rosita no portão, com uma mochila grande de aparência pesada nas costas, e conversando com Heath e Annie. Sorri ao vê-los pela primeira vez em semanas, mas meu sorriso diminuiu um pouco ao ver as expressões de piedade em seus rostos. Forcei-me a prosseguir, andando até o homem e abraçando-o primeiro. Ele retribuiu com alguns tapinhas desajeitados em minhas costas – afinal Heath nunca fora muito o tipo que gostava de contato físico – e logo passei para Annie, que acariciou meus cabelos como se eu fosse uma criancinha. Tentei não deixar aquilo me incomodar e logo me desvencilhei, olhando-os. Ambos pareciam bem para duas pessoas que haviam passado algum tempo lá fora, e fiquei feliz ao perceber que nenhum parecia ter ferimentos mais graves que alguns arranhões.

— Como vocês estão? — perguntei. — Onde está Scott?

— Estamos bem, todos nós — Annie apressou-se em responder. — Conseguimos algumas coisas na ronda que você deve gostar.

Sorri e Heath assentiu com ânimo exagerado.

— Tem papel pra impressão, telas, livros... — começou. De repente sua expressão mudou e ele balançou a cabeça negativamente. — Desculpe — disse, sem parecer estar falando comigo. — Olhe, eu sinto muito pelo que aconteceu com Reg. Foi realmente, realmente uma merda. Espero que você fique bem.

Meu sorriso diminuiu até sumir e balancei a cabeça. Estava prestes a dizer qualquer coisa apenas para não mostrar o quanto estava desconfortável, quando Rosita me salvou:

— Emily — chamou. — Temos que ir.

Assenti e lancei um olhar como pedido de desculpas a Annie e Heath antes de me virar e rumar para o portão com a mulher.

Senti as pontas de meus dedos tremerem um pouco ao perceber que essa seria a primeira vez em anos que eu passava por aqueles portões. Holly, a mulher de cabelos curtos e loiros, abriu para nós e Rosita saiu sem hesitar, mas admirei a paisagem por alguns segundos antes de considerar prosseguir.

À minha esquerda, depois de um gramado mal-cuidado, havia a casa cuja metade de trás desabara em uma temprestade; além dela, diversas casas destruídas demais para que Deanna considerasse colocá-las como parte da comunidade se dispunham ao redor. À frente, quilômetros e quilômetros de estrada se estendiam até serem engolidos pela floresta, que também estava maior e mais espessa. E à minha direita, as árvores abriam caminho em forma de uma pequena trilha, quase invisível, e supus que fosse a que iríamos seguir. Encarei-a antes de respirar fundo e dar o passo à frente que me tiraria de Alexandria.

Segui Rosita por dentro da mata sempre procurando manter menos de um metro de distância entre nós. A sensação de sair da proteção garantida dos muros era de desconforto completo, e desejei voltar assim que ouvi o primeiro ruído suspeito. Trinquei o maxilar e forcei-me a continuar andando, mantendo os olhos apenas na bolsa grande da mulher à minha frente, até que ela parou subitamente.

— O que foi? — sussurrei.

Movi-me para o lado, tentando ver o que nos havia impedido de prosseguir, e senti minha garganta fechar totalmente, arrependendo-me do ato.

Era um andarilho. O primeiro que eu via em muito, muito tempo, e era horrível. O que um dia fora uma mulher esbelta de cabelos loiros, agora não passava de um corpo reanimado atado a uma árvore com feridas purulentas espalhadas pela pele cinza. Seus olhos eram de um verde brilhante e doentio, nada como o tom das íris de Enid, e ela se movia para a frente e para trás, como se fosse puxar forte o suficiente para quebrar os grilhões que a prendiam. Olhando para baixo em seu corpo, notei que as pernas estavam em carne viva e havia um rasgo na altura de seu umbigo, por onde algo escapava; desviei o olhar antes que identificasse a parte de sua anatomia que saía pelo corte.

Passado o choque inicial, percebi algo em sua testa. Aproximei-me, hesitante, tanto pelo medo, quanto pela aversão que cada terminação nervosa em meu corpo tinha por aquela mulher, e olhei para o ponto acima de suas sobrancelhas, franzindo o rosto.

— Que porra é essa? — perguntei, ainda sussurrando.

Rosita aproximou-se e vi minha expressão replicada em seu rosto. Ela olhou com atenção e inclinou a cabeça para o lado, confusa.

— Parece um W — disse.

Balancei a cabeça em concordância, e outro pensamento me ocorreu. Algo que fez meu estômago revirar e o medo me invadir novamente.

— Quais as chances de isso ter sido acidental? — indaguei.

— Menos três por cento — murmurou Rosita. Arquejei longamente, arregalando os olhos e ela percebeu. — Está amarrada — disse. — O que significa que alguém a matou e deixou para se transformar.

— Ainda bem que não comi nada hoje — comentei.

— Desculpe — pediu Rosita. — É só que... depois que algum tempo aqui fora, esse tipo de coisa não é mais tão chocante. Há várias razões para uma pessoa querer fazer isso. Quem sabe? Talvez essa dona fosse uma assassina.

Quase ri de sua tentativa patética de me tranquilizar.

— Ficou pior — informei.

Rosita deu de ombros, balançando a cabeça, e colocou a bolsa no chão, começando a remexer nela. De lá, tirou uma bainha preta de uns bons trinta centímetros e puxou a faca guardada na mesma.

— Essa é uma faca de caça — informou. — Você pode ver que uma parte tem uma serra e a outra, não. Esse lado — ela indicou o lado direito da faca, que tinha alguns dentes — É muito útil caso você queira cortar, por exemplo, um galho. A ponta é afiada, então é mais fácil de entrar na cabeça, porque vai romper o crânio com mais facilidade.

Assenti ao receber as informações e peguei a faca quando ela me estendeu. A lâmina era prata brilhante, nem mesmo riscada, dando a impressão de que nunca fora usada antes. Precisei de alguns segundos até descobrir o modo que o cabo de madeira negra se encaixaria melhor em minha mão, e quando consegui, descobri que não era tão desconfortável segurá-la quanto pensei; não era mais pesada que uma faca de cozinha normal, e lembrei do que Maggie dissera sobre o estrago que lâminas domésticas podiam causar. Estremeci de leve, reação que passou batida por Rosita.

— Você tem que mirar para o cérebro — informou ela. — Andarilhos não são tão fáceis de derrubar quanto nós somos, então não morrem com, digamos, uma facada nos pulmões. Por isso, é sempre importante analisar o andarilho antes de tentar matá-lo, mesmo que rapidamente. Aqui — Rosita pegou a própria faca e caminhou silenciosamente em direção à mulher, colocando a lâmina em sua têmpora. — Essa parte geralmente é mais frágil, assim como os olhos e o pescoço. — Ela moveu a faca para o topo da cabeça, fazendo o cadáver se esticar mais ainda em sua direção. — Aqui não é um ponto aconselhável porque, dependendo do estado de decomposição, requer mais força bruta, coisa que você não parece ter de sobra, sinto muito.

Dei de ombros, apertando a faca a ponto de deixar os nós de meus dedos amarelos para que ela não visse minha mãos trêmulas. Eu ainda não havia parado de pensar nos motivos que levariam alguém a fazer algo como aquilo e estava ficando cada vez mais nervosa.

— Tudo bem, é verdade.

Rosita sorriu.

— Então, quer fazer as honras? — perguntou.

Senti como se houvesse levado um susto e meu estômago se contraiu de nojo.

— Tem certeza? — questionei, hesitante. A garota ergueu uma sobrancelha.

— Era você quem queria aprender, não era?

Engoli em seco discretamente, olhando-a. Era verdade, eu havia pedido, mas não sabia que mataria um errante logo na primeira saída. Não sabia nem que iríamos sair. Desviei os olhos para encarar algumas raízes de árvore que haviam crescido se sobrepondo, evitando contato visual. Rosita suspirou.

— Olhe, eu sei que você passou por muita coisa nos últimos dias — disse. — Primeiro Aiden, depois Reg e seu choque... mas você não pode viver com medo de se arriscar. Em algum ponto, vai ter que começar a lidar com as mudanças.

Olhei para ela, apoiando o peso do corpo na perna direita.

— Não tenho medo de mudar — falei. — Tenho medo do que as mudanças trazem. Quer dizer, preste atenção no que está acontecendo — pedi, e a mulher apenas continuou a me encarar. — As coisas mudaram com vocês chegando, e Noah e Aiden morreram. E aí mudaram de novo, depois daquela briga, e Reg se foi, e o pai do meu melhor amigo virou um assassino. É demais pra processar em apenas alguns dias...

Enquanto falava, percebi que minha garganta começava a ficar mais e mais embargada, fazendo minha voz soar mais grave e fanha. Senti algumas lágrimas escorrerem de meus olhos e fiquei feliz ao olhar para Rosita e perceber que não havia nenhum resquício de pena em seu rosto.

— Nem sempre mudanças trazem coisas ruins, Emily — disse ela. — Pense bem: se nós não houvéssemos chegado a Alexandria, você nunca teria conhecido Noah, Maggie ou Carl. Se Rick e Pete não houvessem brigado, seu melhor amigo e a mãe dele ainda estariam apanhando em casa.

Assenti, passando uma mão pelo rosto para me livrar das lágrimas; eu não havia pensado por esse ângulo.

— Agora, sobre essa aqui — Rosita continuou, indicando o andarilho. — Por que você não pensa que está dando um descanso a ela? Uma saída dessa existência triste?

Apertei os lábios, balançando a cabeça, e caminhei na direção da mulher atada à arvore. Ela grunhiu, mostrando-me seus dentes podres e se inclinando em minha direção e parei a cerca de quinze centímetros de distância.

— Segure o pescoço com cuidado — instruiu Rosita. Movi minha mão esquerda hesitante para a garganta dela, apoiando o polegar e o indicador nos ossos de seu maxilar. — E agora perfure a têmpora.

Ergui a faca, repirando fundo e me arrependendo quando o cheiro de morte chegou em minhas narinas. Decidi segurar o fôlego e cravei a lâmina em seu crânio após mais alguns instantes de protela. O osso se partiu sob a lâmina e sangue escorreu do ferimento ao passo que ela parava de se mover imediatamente.

— Tire a faca devagar pra não se sujar — aconselhou Rosita. — Vai sair bastante sangue.

Soltei a respiração, engolindo em seco ao imaginar me sujar com o sangue dela, mas obedeci Rosita e tirei a mão esquerda de sua garganta, usando-a para segurar o crânio enquanto puxava o cabo. Durante o processo, temi infantilmente no que aconteceria caso ela ainda estivesse viva e me atacasse quando eu removesse a faca; aquilo quase me fez rir. No momento em que a lâmina saiu por completo, sangue escuro, quase negro passou a jorrar do corte para as roupas dela e me afastei o mais rápido que pude, deviando os olhos. Rosita deu algumas batidinhas carinhosas em meu ombro.

— Muito bem — disse. — Vamos continuar.

Assenti, feliz em dar as costas e deixar o corpo para trás, e voltamos a andar.

Segui Rosita por mais alguns minutos até estarmos numa clareira de grama baixa, e logo estávamos praticando tiro ao alvo com os próprios troncos de árvores. A arma era dez vezes mais difícil de manusear do que a faca porque era pesada, desconfortável e me fez socar meu próprio nariz com o impacto do primeiro tiro que disparei. A bala ricocheteou e não atingiu Rosita nos pés por muito pouco; a garota deu um pulinho para se afastar que me fez rir por algum tempo.

No entanto, lá pela hora do almoço, eu havia acertado sete de dez alvos, um em movimento. No momento em que acertei o tronco que Rosita pendurara em uma corda e colocara para balançar de um lado para o outro, senti algo parecido com alegria, só que um pouco mais feroz; era uma sensação boa, para variar um pouco.

Depois do fim do treino, voltamos à comunidade em silêncio. Rosita se despediu nos portões, marcando outra aula para dali a dois dias, porque aparentemente ela teria compromisso na próxima manhã. Apenas assenti, voltando para casa.

Fiquei feliz ao ouvir alguns barulhos vindos do escritório ao entrar na casa, mas decidi não importunar Deanna. Apenas subi para meu quarto, disposta a tomar um banho para tirar todo aquele cheiro de andarilho de mim, e foi o que fiz.

Ao terminar, sentei na cama penteando os cabelos, e encarei as paredes de meu quarto, percebendo que não conseguia ficar ali por muito tempo. Não era só o quarto, mas a casa inteira me dava um aperto no peito que parecia empurrar-me porta afora, e não foi diferente à tarde, depois que desci para comer. Saí da casa dos Monroe deixando Deanna ainda em seu escritório, provavelmente sem nem notar que eu chegara, e comecei a andar para o único lugar no qual sabia que conseguiria ficar.

O lago estava reluzente por causa do sol, que voltara a brilhar. Rumei para meu banco favorito, embaixo do pessegueiro, e só então percebi que havia alguém lá. Desacelerei o passo, em dúvida se queria ir até lá; afinal de contas, Carl não tinha ido me ver por algum motivo, talvez estivesse me evitando. Só de pensar que aquilo podia ter algo a ver com Enid, senti meu estômago queimar de maneira totalmente incômoda com algum tipo de raiva primitiva, e comecei a ir embora.

— Emily — chamou ele.

Virei-me e o garoto me olhava, parecendo envergonhado.

— Oi — falei, sem fazer menção de me sentar.

— Você está melhor? — perguntou.

— Sim.

— Você vai sentar?

— Não.

Ele franziu as sobrancelhas, levantando-se e pondo as mãos nos bolsos do casaco.

— Desculpe por não ter ido te visitar — pediu. — É só que... bastante coisa aconteceu desde Aiden e eu pensei que você precisaria de algum espaço. Meus pêsames, de qualquer forma.

Assenti, baixando os olhos para a água e suspirei, melancólica.

— Eu costumava pensar que ele teria filhos — soltei. — Aiden. Ele casaria com alguma garota legal, talvez Holly ou Francine, e eles dariam netos a Deanna e Reg.

Tornei a olhar para cima, encarando Carl, que sustentou meu olhar.

— Sinto muito — disse ele.

— Acho que as coisas não acontecem como o planejado — comentei.

Dei as costas ao garoto, e andei na direção oposta, esperando que ele soubesse que não me referia apenas a Aiden e Reg.


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Notas finais do capítulo

Vocês viram que esse capítulo não teve gif nem banner, mas esse negocinho chamado aesthetic (sei escrever mas não sei falar) que a Amélia Maravilha fez pra mim há um tempo. O ideal seria postá-lo no Tumblr da fic, mas como a fic não tem Tumblr, vai ser aqui, mesmo ficando tão grande. Caso estejam curiosos, eu não pretendo fazer um Tumblr pra IIDY, porque tendo em vista que aqui só existe uma personagem original, seria sem sentido.
Enfim, estou ansiosa para saber o que vocês acharam! Vi que várias pessoas estavam curiosas a respeito das aulas com a Rosita, e esse capítulo ficou bem mais animado que o passado, então espero receber mais reviews. :)
Beijinhos e até o próximo capítulo! ♥