Castelobruxo: Anos Dourados escrita por Carolina J Martins


Capítulo 18
Capítulo 6 - Embates


Notas iniciais do capítulo

Não consegui no fim de semana, mas aqui está! E, por favor, não fiquem bravos! Ainda não tive tempo, mas juro que li e vou responder cada comentário. É que eu quero dar uma resposta completa para todo mundo, então vocês terão que ter um pouquinho mais de paciência >.



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Os passos de Arlete eram apressados e o farfalhar da grama audível. A jiboia estava em seu pescoço e braços. A verdade era que era impressionante como ela vinha crescendo.

Até onde vai me levar? — ela perguntou.

— Até um lugar onde tenha menos gente. Não quero você assuste ninguém nem que ninguém te assuste.

Me assustar? — a cobra sibilou. – Eu não tenho medo de ninguém, humana!

Arlete resolveu ignorá-la desta vez. Estava de bom humor então achou simplesmente cantarolar alguma coisa.

Ela avisou Carmen não muito depois.

— Lete! – A amiga gritou, aproximando-se correndo, sua expressão meio assustada. – Lete, você não vai… Você vai soltar essa cobra de novo?

— Eu vou! – Ela exclamou, sorrindo. – Dá pra acreditar que faz um mês já? Acho que o tempo passa diferente aqui em Castelobruxo…

— Eu não tô é acreditando que você vai soltar essa coisa de novo…

— Bom, ela precisa se exercitar, Carmen – Arlete disse, fechando o rosto repentinamente, entendendo o que a amiga queria dizer. Ela adorava Carmen, era sua melhor amiga, mas sabia de seu desgosto pela jiboia. – Depois disso, eu vou alimentá-la e ela fica imóvel por dias pra digestão!

Carmen a seguiu pelo gramado, mas não disse mais nada. Arlete sabia que atraia atenção enquanto carregava a jiboia. Não era todo mundo que tinha uma jiboia de estimação. Na verdade, tirando a pele que Isabel Honorato Ávila carregava por aí às vezes, ela nunca tinha visto mais ninguém com nada relacionado a cobras.

E ela não conseguia pensar em uma razão plausível, a não quer puro preconceito.

Fez uma careta enquanto pensava nisso.

Sua amiga está bem?— A jiboia perguntou. – Ela parece um pouco ofegante.

— Então – Arlete começou de repente, percebendo que a cobra tinha razão. – Onde você estava?

— Ah, era isso que eu queria te contar! – Carmen disse, os olhos se arregalando novamente. – Eu tava na floresta, correndo um pouco, tomando um ar fresco… E encontrei um bruxo que eu nunca vi antes andando no meio das árvores. Eu sei que ele era um bruxo porque estava usando a varinha para afastar algumas plantas. Eu me aproximei, tomando cuidado para não chegar muito perto… Foi aí que uma coisa estranha aconteceu. – Carmen fez uma pausa, como que para aumentar o suspense. Arlete se aproximou, curiosa, sem querer perder qualquer detalhe – Ele fez uma transmissão mental! Eu ouvi, tenho certeza! Ele sabia que eu estava lá e mandou uma mensagem mental pra mim! Sabe o que isso quer dizer? Que ele é um lobisomem também!

— Mas eu achei você fosse a única aqui em Castelobruxo! – Arlete exclamou.

— Eu também! Minha avó me disse que era uma mistura de poderes raros e eu não conheço pessoa…

Mas Carmen se interrompeu. Isso porque, não muito distante delas, perto da entrada da frente da Pirâmide Principal, estava um grupo estranho, formado por não-alunos. Eram cinco, vestidos em roupas elegantes e de cores marcantes. Entre eles, dois homens de meia idade, altos e fortes, de braços cruzados e olhando feio tudo ao redor. Pareciam irmãos, e Arlete teria dificuldade em distingui-los se não fosse pela queimadura perto do queixo de um deles. Depois duas mulheres, uma branca de cabelos escuros e a outra dona de traços indígenas e cabelo curto; a primeira era mais velha, rodeando a casa dos cinquenta; a segunda em uma idade mais próxima dos alunos do último ano. E, fechando o grupo, estava um homem esguio e bonito, de pele clara, cabelo escuro comprido e preso em um rabo baixo. Uma barba enfeitava o rosto arrogante e seus olhos observavam o mundo de cima.

Arlete sentiu um arrepio.

— Quem são aqueles? – Arlete perguntou, a mão cobrando a boca, os olhos voltados para Carmen, procurando uma resposta.

— Um deles é o homem que eu vi na floresta! – A lobisomem exclamou, os olhos se transformando em dourado. – É, definitivamente o homem que eu vi na floresta. Mas quem são eles? O que estão fazendo aqui?

— Talvez sejam professores…? – Arlete sugeriu.

— Professores? Nessa época do ano? – Carmen estalou a língua. – Nam. A menos que a Araci tenha feito uma demissão em massa.

A lobisomem mal falou em Araci, e a diretora cega saiu da pirâmide, acompanhada de perto por Jacinta. As duas começaram a cumprimentar os visitantes, e Carmen transformou as orelhas também.

O que está acontecendo, humana?— A cobra quis saber, a cabeça ficando mais próxima do ouvido de Arlete. – O que estamos olhando?

— Carmen acha que tem alguma coisa errada acontecendo. Um daqueles homens é bruxo e lobisomem. Ele estava bisbilhotando na floresta.

Ah! Isso pode ser sério— E desta vez não havia zombaria em sua voz. – Humanos raramente querem qualquer coisa de bom na floresta.

Carmen olhou estranho para Arlete. Talvez porque ela própria estava falando em uma língua que a amiga desconhecia. Mas ela logo balançou a cabeça e voltou a acompanhar as conversas ao longe.

— Hen – Carmen estava concentrada, as orelhas e os olhos espertos: – Não sei bem o que está acontecendo, mas a Jacinta não tá feliz. Parece que a mulher mais velha chama Ruth e já mandou várias cartas pra Jacinta… A outra mulher tá defendendo ela, perguntando se a Jacinta não percebeu as mudanças, as notícias nos jornais… – Carmen pareceu pensar um pouco, a testa franzida. – Quais notícias nos jornais?

Mas Arlete não tinha uma resposta. Ela nem sabia que os bruxos tinham jornais!

— Agora a Araci está dizendo que está impressionada por eles terem o apoio dos lobisomens, senhor… – Carmen parou, os olhos arregalados. – Eu sabia! Esse é o Lorenzo Navarrus, o sobrinho em quinto grau do meu avô! O que ele está fazendo aqui? Foi o meu vô o que mandou ele? – ela parecia chocada, sem entender direito o que estava acontecendo. Arlete estava dividida entre olhar o grupo a distância e olhar Carmen, inconformada.

Foi quando todos eles entraram na Pirâmide Principal, desaparecendo de vista.

— Lete! – Carmen se virou para a amiga, as sobrancelhas levantadas, a boca em formato de “o”. – Você percebeu o que acabou de acontecer?

Mas Arlete não foi mais capaz do que balbuciar algumas sílabas. Carmen parecia horrorizada, mas ela não sabia por quê.

— Eu não sei o que é, mas eles estão nos escondendo alguma coisa! – A lobisomem exclamou quando Arlete não disse nada. – E não acho que seja bom.

— Vamos então! – Arlete gritou, esquecendo completamente que pretendia levar a cobra para dar uma volta. A empolgação e a curiosidade tomam conta dela.

— Onde? – Carmen perguntou, confusa.

— Descobrir o que está acontecendo, claro! – Arlete pegou seu punho e lhe deu um puxão, mas a amiga não se mexeu. – Temos que descobrir o que está acontecendo!

Carmen pensou por um segundo, franziu a testa.

— Não sei não… Não é meio perigoso?

— Perigoso? – agora era Arlete que franzira a testa.

— É… Se nos pegarem… Isso não parece coisa pra gente, Arlete. Seja lá o que for, sei que os adultos vão resolver sozinhos.

— Vamos lá, Carmen! Eu não posso ir sozinha, é você que consegue ouvir o que eles estão dizendo, não eu! Além disso, você é parte Navarrus também, não é? Não quer saber do que eles estão fazendo?

Arlete tentou puxá-la novamente, mas não deu certo.

— Sabe, quando e se for necessário, eles vão avisar a gente… – A lobisomem tentou argumentar.

— Carmen! Vamos!

Na terceira puxada, a lobisomem cedeu. Ela estava preocupada, mas Arlete fora convincente o suficiente. Assim, as duas correram pelos jardins de Castelobruxo, contornando a Pirâmide Principal e entrando pela porta da frente, normalmente só usada no primeiro dia de aula.

Arlete não ouvia nada e pediu para Carmen ir a frente. Ela fechou a cara, mas fez o gosto da amiga, guiando os passos das duas.

O grupo estranho passou pelo Salão Principal, que, naquele momento de pós-almoço, parecia vazio e sombrio, apesar dos desenhos em ouro do teto e das árvores cheias de vida e cor. Então Araci e Jacinta os levaram por um corredor perto da mesa dos professores e por onde os alunos não tinham permissão de entrar.

Carmen eventualmente virava para trás, olhando para a cobra e para amiga, quase como se não soubesse bem o que estava fazendo, mas Arlete lhe transmitia o melhor olhar encorajador que podia. Assim, elas continuaram.

A lobisomem pediu que ela ficasse calada e não fizesse barulho a maior parte do tempo, e foi o que Arlete também passou para a cobra, que parara de sibilar. Elas temiam que os sentidos apurados de Lorenzo pudessem captá-las. E, mesmo que não tenha feito muita coisa, Arlete ficou olhando para Carmen e seus passos suaves, para o jeito com que ela parecia deslizar por aí, quase como se não tocasse o chão. Seus movimentos eram ligeiros e certeiros, seus olhos e ouvidos transformados afiados.

Não era de se surpreender que os animais ficassem desconfortáveis em sua presença: principalmente daquele jeito, com a massa de cabelo castanho caindo nas costas, a pele dourada ornando com os olhos, os dentes da frente levemente separados e as pernas esguias. Carmen era bela e letal.

As garotas e a cobra seguram os adultos de uma distância segura por todo aquele corredor estreito, fazendo várias curvas e parecendo entrar cada vez mais fundo em um labirinto. Arlete se perguntou onde iriam parar no fim.

— Não – Carmen murmurou em certo momento, enquanto estavam escondidas em uma curva do corredor. – Não, não. – Ela rodou várias vezes, ficou na ponta dos pés, transformou o nariz em focinho e farejou o ar. – Égua!

— Que foi? – Arlete perguntou, preocupada.

— Parece que estão mangando comigo! – Carmen exclamou, irritada, o rosto ficando vermelho. – É como se eles tivessem simplesmente entrado por uma parede e desaparecido! – Ela puxou o ar profundamente – Nenhum som, nenhum cheiro… Nada! Perdi eles.

— Ai, não! Você acha que eles realmente entraram por alguma parede? Daí não tenha mais nada que dê pra gente fazer. – Suspirou, deixando então que a curiosidade perguntasse: – Mas, me diga, o que foi que ouviu até aqui?

— Não muito, na verdade… – Carmen confessou enquanto faziam o caminho inverso pelo corredor, de volta ao Salão Principal: – A Ruth conversou com a Jacinta e a Araci na maior parte do tempo. Parece que estão querendo algum tipo de aliança com Castelobruxo… A Jacinta é contra, mas a Araci disse que não deviam chegar a nenhuma decisão precipitada… Do que você acha que eles estão falando?

— Não sei… – Arlete colocou a mão no queixo, pensando melhor. Virou-se então para a cobra: – O que você acha? Aqueles caras queriam algum tipo de aliança com Castelobruxo.

Eu que sei das coisas humanas… No fundo animal, pelo menos, o máximo que poderia acontecer é uma aliança por alimento ou segurança.

— A cobra acha que tem alguma coisa a ver com alimento ou segurança… – Arlete traduziu para Carmen. – Ei, o Sergio ano passado não falou que o clã Navarrus tinha uma parceria com a escola? De fornecer pelos para as varinhas?

— Sim, verdade… – Mas Carmen ainda tinha o rosto fechado, como se estivesse pensando. – Mas não sei. Não parecia algo tão simples assim, sabe? Consegue manter segredo, Lete? – A lobisomem diminuiu um tom enquanto atravessam o Salão Principal: – Na reunião do clã desse ano meu primo disse que achava que tinha alguma coisa estranha acontecendo. E eu ouvi meus pais discutindo algumas vezes de noite… As palavras que eles usaram pareciam iguais as que a Ruth usou hoje. Talvez tenha alguma conexão…? – A frase saiu como uma pergunta, como se Carmen não tivesse certeza. Ela franziu a testa por alguns momentos. Então sacudiu a cabeça – Não. A gente não devia se meter nisso.

— Não! – Arlete protestou. – Claro que a gente devia se meter nisso! Parece legal. – Por algum motivo, Arlete não achava que nada daquilo parecia tão sério quanto Carmen fazia parecer. Talvez fosse um novo evento que estavam organizando na escola em parceria com aqueles cinco. – Acho que a gente possa ir até o escritório da Araci de noite e… – Arlete se interrompeu, lembrando: – Não posso hoje. Tenho reunião do Clube Brichote.

— Você tem o quê? – Carmen perguntou, os olhos se abrindo mais do que o normal.

— Reunião do Clube Brichote – Arlete continuou, com casualidade. – Hoje é sexta-feira.

— Achei que tinha desistido disso depois dos espelhos mágicos do pai do Vicente.

— Bom, por um tempo. – Ela continuou. – Mas lembra do que eu te falei sobre o meu espelhangui? – A menina reforçou a palavra, na esperança de que Carmen começasse a usá-la também. – Que eu consegui entrar no Google por alguns momentos? Acho que deve haver algum jeito de acessar a internet daqui de dentro, eu consegui uma vez! Só tenho que descobrir como…

— Arlete – Carmen começou com cuidado, sem olhar diretamente para a amiga – Eu sei que você acha que entrou na internet brichote…

— Eu sei que entrei.

— Mas já faz mais um mês e nós já testamos todos os jeitos possíveis. Não tem como você ter entrado na internet a não ser que exista uma falha na barreira, o que é impossível!

— Eu pensei nisso! E se existir mesmo uma falha? – Arlete sorria de orelhas a orelha – Como um ponto fraco na barreira que fica mudando de lugar sempre? Seria possível, não?

Carmen sorriu para ela, mas não havia empolgação nenhuma. Ao contrário, Arlete identificou o que ela achou ser pena. De repente não estava mais tão animada.

— Eu sei que é difícil acreditar…

— Não, Carmen – a menina fechou o rosto. – Eu não sou louca. Sei o que eu vi. Você vai ver.

Carmen abriu um sorriso um pouco maior. Desta vez não era um sorriso de pena.

— Tudo bem. Quem sou eu pra dizer qualquer coisa se você tem tanta certeza.

— Você vai ver – ela repetiu, sentindo a determinação dentro de si e voltando a se animar. – Não é, cobra?

— Eu não sei do que vocês estão falando.

Por fim, estavam perto o bastante da porta principal para ouvir o som de chuva do lado de fora. Elas olharam para fora e confirmaram que estava chovendo forte lá fora. E, enquanto Carmen achava graça, Arlete rolou os olhos. Será que a chuva em Castelobruxo não podia dar uma folga às vezes?

 

 

Dara ainda não dormira, e Carmen acordara quando Arlete se pôs de pé. Era quase meia-noite, pelo menos Soso, Bola e Érico estariam esperando por ela. Ela chamara Aurélio também, mas não sabia se ele iria descer.

—  Onde você vai? – Dara, deitada em sua cama com a ponta da varinha acessa, desviou a atenção de seu livro para perguntar.

— Eu?

— Não, a Carmen – Dara apontou para a lobisomem deitada com o travesseiro na cabeça. – Claro que você, Arlete!

— Bom, eu... – ela hesitou por alguns momentos. O propósito do Clube Brichote era que devia ser secreto. Imaginou o que aconteceria se Jacinta ficasse sabendo... ou, pior, Araci. Mas então se lembrou de com quem estava falando. Dara era sua amiga.  Sorriu – Estou indo pro Clube Brichote!

— Arlete! – Carmen reclamou, sentando-se. – Não vai acordar o andar inteiro!

Arlete encolheu os ombros, percebendo o quanto falara alto.

— Me desculpem.

— Clube Brichote? Que é isso? – Dara perguntou, interessada, seus olhos brilhando tanto quanto os de Arlete.

Arlete sorriu.

— É um clube secreto voltado para trazer Wi-Fi pra dentro da escola.

— Uaí-faí? Que isso?

— Wi-Fi. – Arlete repetiu. Dara continuou a olhando e esperando por uma explicação. – Ai, caramba! Você não sabe o que é Wi-Fi!

Era compreensível. Pelo que Dara lhes falaram, seus pais eram bruxos, ela vivera entre bruxos desde que nascera. Seu conhecimento sobre brichotes devia ser limitado. Mesmo assim, Arlete achava que todo mundo conhecia Wi-Fi. Foi um choque saber que não.

— É tipo uma conexão... Tipo, uma rede... Como eu explico? Tem a ver com internet, sabe? Ai, Deus, você não sabe... Carmen!

— Shh! – Ela pediu. –  Você está quase gritando de novo. – Suspirou, virando para Dara. – Internet é uma espécie de rede invisível. Cada pessoa tem um fio que se conecta com um celular ou computador. Você sabe, aqueles aparelhos parecidos com os nosso espelhos. Assim, é possível enviar informações para todo mundo através do seu fio e receber informação de todo mundo do mesmo jeito. O problema é que é uma tecnologia brichote. E a barreira de proteção do El Dorado bloqueia a entrada de qualquer tecnologia brochote.

— Ah! – a clareza chegara aos olhos de Dara. Arlete agradeceu Carmen. – Por isso o clube é secreto! Vocês então quebrando regras diretamente! Ou pelo menos tentando…

— Mais ou menos – Arlete disse. – É que essa regra é ruim. Regras ruins devem ser quebradas – Ela disse, olhando para Carmen e repetindo as palavras que já lhe dissera um dia.

— Bem dito – Dara abriu um sorriso. – Quer que vá com você?

Arlete avaliou Dara por alguns segundo, então sorriu.

— Claro! Todo mundo é bem-vindo no Clube Brichote!

— Legal. – Ela sorriu também. – Só vou me trocar…

— Não precisa. Todo mundo desce de pijama mesmo.

— Ah, beleza – Dara se colocou de pé, esticando o pijama amassado. – Você vem, Carmen?

Arlete olhou para Carmen. Sabia que ela não gostava do Clube Brichote, mas uma vez ela já a acompanharam. Talvez nessa noite de novo…

Seria bom ter suas amigas reunidas.

— Nam – Ela simplesmente respondeu, voltando a se deitar. – Já me meti em confusões o suficiente hoje. E, desta vez, você não precisa dos meus sentidos, Lete.

Arlete suspirou.

— Tudo bem… Não vamos demorar. – Então olhou para Dara – Vamos?

Arlete apanhou alguns pergaminhos e uma penas, e as duas saíram do dormitório tentando não fazer barulho, pisando nas pontas dos pés. Tomaram o elevador sendo o mais discretas possível e, quando ele parou no andar seis, prenderam a respiração, temendo o pior.

— Ah, oi! – Soso disse, saltando da escuridão. Seus cabelos curtos e azuis balançavam e seu rosto era marcado pelos óculos fundos – Tudo bom com vocêx?

— Oi, Soso! – Arlete a cumprimentou. – Tudo sim e você?

— Amiga nova? – perguntou, apontando para Dara.

— Essa é a Dandara. – Apresentou. – E essa é a Soso, atacante das Araras Azuis.

— Ah! Eu vi você no jogo. Você foi bem! – Dara elogiou.

— Obrigada! – Soso agradeceu – Bonito nome o seu.

— E eu adorei seu cabelo! – Dara exclamou. – Eu gosto de azul.

— Obrigada. Eu gosto também.

As duas trocaram um olhar cúmplice. Arlete não entendeu bem porquê. Era verdade Dara gostava de azul, afinal, sendo daltônica, azul era a única cor que conseguia ver corretamente. Até as cores do seu time de suspenobol tiveram que ser trocadas para que ela não confundisse os jogadores durante o jogo. Mas, até onde Arlete sabia, Soso não era daltônica. Não houve muito tempo para pensar mais novo assunto, já que logo as porta do elevador se abriam.

Assim que chegaram à Sala Comunal Leste, Arlete percebeu que os quadros nas paredes olhavam para elas. Normalmente ela não prestava muita atenções aos quadros, retratos de bruxos e bruxas famosos e antigos, mas, agora que a sala estava vazia, sem as conversas habituais dos outros alunos, todas aquelas pessoas de tinta eram uma visão um pouco perturbadora.

Perguntara-se algumas vezes o quanto eles sabiam sobre o Clube Brichote e porque nunca haviam contado para nenhum professor.

As três garotas desceram pelo alçapão, andando pelo túnel e chegando onde deveriam encontrar os garotos, mas nenhum deles estava lá ainda.

— Você devia fazer o teste para as Araras Azuis ano que vem – Soso disse para Dara. – A Carmen não queria no começo, mas está indo super bem. Ela é uma jogadora nata!

— Obrigada pelo convite – Dara estava apoiada na parede, absolutamente confortável, como se sempre fizesse aqui. – Mas eu já jogo suspenobol. Sou dos Vira-latas.

— Um bom jogo também… – Soso comentou, mas não parecia muito sincera. – E você, Arlete? Que eu saiba, você não está em nenhum time ou clube. Quero dizer… Tirando o Clube Brichote.

— Ah, eu não acho que os esportes são pra mim. – Ela confessou, fazendo uma careta. – Eu pensei em me juntar ao clube de música, mas acabou não dando certo… Quem sabe ano que vem.

Era verdade. Arlete até vira o papel que aceitava inscrições para o clube, mas mudara de ideia. Não sabia dizer ao certo porque, mas sentira que talvez não fosse ser a melhor coisa a se fazer.

Érico e Bola não demoraram muito para chegar depois. Como o esperado, Aurélio não apareceu. Talvez tivesse desistido da ideia, talvez achasse que sair no meio da noite por um caso perdido não valesse a pena, talvez só achasse tudo aquilo muito arriscado.

— Boa noite, garotos! – Arlete os cumprimentou, sorrindo. – Vamos começar. Soso, você pode registrar a reunião? – Ela assentiu, então Arlete lhe entregou os pergaminhos e a pena. Com um gesto da varinha de Soso, os dois voaram no ar, e a pena começou a escrever magicamente tudo o que falavam.

Satisfeita com o pequeno grupo que reunira, Arlete começou a lhes explicar tudo sobre o espelhangui e sobre sua experiência de algumas semanas antes, quando, por milagre, conseguira acessar a internet. Soso e Bola haviam ficado impressionados, mas Érico permaneceu neutro. Somente um pouco depois, quando Arlete disse que não parecia ser necessário quebrar a barreira para usar Wi-Fi foi que ele se manifestou:

— Como assim? – exclamara, parecendo contrariado. – Qual o propósito então desse clube se não quebrarmos a barreira?

— O propósito sempre foi trazer tecnologia brichote para dentro da escola, Érico – Arlete começou, um pouco assustada com sua reação.

Os olhos escuros de Érico se estreitaram em fendas.

— Não… Eu aguentei esse clube com um nome ridículo, eu acordei fora do meu horário e eu gastei horas na biblioteca para que não seja necessário quebrar a barreira? Não. Não vai ser assim que vai ser, mestiça. Não vai jogar meu esforço no lixo!

Por um momento pareceu que ele ia avançar para Arlete. Ela, em estado de choque, não teria reagido a tempo. Não entendia. O que estava acontecendo com Érico? O propósito do grupo sempre fora trazer Wi-Fi para Castelobruxo!

Felizmente, Dara e Bola pensaram rápido. Estado um de cada lado, os dois entraram na frente de Arlete, protegendo-a com seus corpos. Nenhum dos dois era mais alto do que Érico, mas, juntos, eram mais fortes. Ainda mais que haviam pegado suas varinhas em movimentos idênticos.

— Toma cuidado com o que diz para minha amiga – Dara avisou, os braços cruzados.

— Se acalma, Érico. – a voz de Bola era baixa, deixando claro um tom de ameaça – Não vamos brigar.

Érico, o mais alto do grupo, com seus cabelos claros e olhos escuros, havia parado. Ele olhou rapidamente para todos, cerrando os punhos e então voltando pelo caminho de onde viera, sem dizer mais nenhuma palavra.

— Me desculpem, eu… – Arlete não sabia o que dizer. Mal sabia explicar o que acontecera. Ela conhece Érico no ano anterior, enquanto conversava Aurélio sobre o clube e ele havia se interessado. Apesar de saber que Érico vinha de uma família completamente bruxa, ele achara que seu interesse se assemelhava ao de Dara. Mais curiosidade do que real necessidade.

Nunca imaginara que ele pensava de tal jeito.

— Não se desculpe – Dara disse, olhando para ela. Então apontou para o fim do corredor – Ele é que devia pedir desculpas! Que idiota!

— O que importa é que acabou tudo bem – Bola disse, respirando fundo e guardando a varinha – Eu não sou muito bom em duelos, na verdade.

Felipe e Hugo podiam ser babacas, mas Bola era uma pessoa ótima. Arlete olhou para ele e sorriu. Quando conversaram com ele sobre o clube, ele lhe contara que não estava mais andando com os dois. Melhor pra Bola.

— Caramba, o que foi o que aconteceu? – Soso perguntou – Eu não sabia que esse moleque podia ser tão retardado! Quer dizer, já ouvi algumax garotax falando que ele era estranho, que não conversava com ninguém, mas isso? Uau.

Depois disso, todos concordaram que não havia mais clima para continuar qualquer reunião. Combinaram que iriam tentar descobrir porque o espelhangui de Arlete funcionara antes e que iriam se reunir novamente dali uma semana.

Soso, Dara e Arlete pegaram o elevador novamente.

— As coisas ficaram um pouco intensas lá embaixo, não é? – Soso voltou a falar. – Toma – ela lhe entregou o pergaminho e a pena – Quase esqueci de te devolver.

Arlete os aceitou e desejou boa noite à Soso quando ela desceu antes dela. Dara ainda comentou alguma coisa sobre quem Érico achava que era e que direito achava que tinha de fazer qualquer coisa. Imagina! Se estivesse sozinhos, talvez batesse em Arlete!

Mas a própria Arlete não tinha uma opinião formada sobre tudo isso. Érico era um babaca, sabia, tal como Hugo e Felipe, mas seu ataque não parecia fazer sentido…

Pra que queria quebrar a barreira tanto assim?

Ela não colocou suas preocupações em voz alta, mas, depois de Dara ter deitado, ela ainda pegou o pergaminho onde estavam anotadas todas as falas do encontro e leu a parte da briga novamente, procurando uma razão.

Foi quando percebeu que Érico a chamara de mestiça.

Claro, sabia que era uma mestiça agora, sabia que Jorge Guimarães não era seu pai, mas ninguém mais sabia. Todos achavam que ela era uma nascida brichote, mesmo seus amigos mais próximos, ninguém podia ter dito nada a ele.

Foi dormir pensando nisso.

Como Érico sabia que ela era mestiça?


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Notas finais do capítulo

Obrigada por terem lido até aqui! Obrigada, Lotte, pelo apoio!
Espero que tenham gostado e que cometem também :D
Até o próximo!



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