Castelobruxo: Anos Dourados escrita por Carolina J Martins


Capítulo 1
Ano I - Capítulo 1 - Os Lobos de Carolina


Notas iniciais do capítulo

Saudações, bem-vindos a essa humilde fanfiction! Desde que ouvi falar que existia uma escola de magia no Brasil quis escrever sobre, e agora que a J. K. divulgou mais informações resolvi escrever.
Espero que gostem tanto quanto eu!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/680362/chapter/1

A garota estreitou os olhos, procurando algo no meio da mata. O sol a impedia de enxergar direito, mas o primo tinha que estar ali em algum lugar, não podia simplesmente ter desaparecido. Ele sempre fora mais rápido do que ela, é verdade, mas apenas porque era mais velho…

            Crack.

            Ela virou-se para a origem do som, um graveto quebrando ruidosamente. Não foi rápida o bastante. Só teve tempo de se atirar no chão antes da criatura saltar por sobre sua cabeça e cair majestosamente a sua frente.

            Era difícil descrevê-lo. Parecia uma mistura de humano com lobo-guará, com a cabeça igual a do animal, porém com os olhos dourados de uma áurea mística. Seu corpo também era humanoide, porém coberto por pelos espessos. Suas quatro patas estavam apoiadas no chão, seu corpo curvado.

            O animal a encarou demoradamente, a cauda balançando devagar, sua expressão quase zombando dela. A morena se levantou, rindo, apesar dos joelhos ralados. Mesmo que ela estivesse de pé e ele abaixado, ele era mais alto.

            – Você acha que é tão bom assim? Vamos ver do que é capaz!

            Uma corrida até a cachoeira, senhorita Carmen Lúcia? A voz ecoou em sua mente, sem que ninguém a tivesse dito em voz alta.

            – Só se conseguir me alcançar! – Ela gritou ao mesmo tempo em que saltava o mais alto que podia. No lugar da garota, outra dessa criatura, quase tão grande quanto a primeira, caiu no chão, disparando até a cachoeira.

            Ele não ficou muito para trás. Passado o choque em ver a prima fazendo algo tão repentino, também disparou mata adentro.

            Carmen Lúcia já estava longe. Com suas patas fortes, era capaz de correr muito mais do que um humano normal. O vento batia em seu rosto, agitando os pelos do corpo inteiro. Abaixo de si, podia sentir a terra e os gravetos e folhas quebrando conforme passava. O cheiro da chuva de dois dias atrás preenchia seus pulmões, mesclando-se com aromas das plantas e animais silvestres. Ouvia tudo, sentia tudo. Estava perfeitamente conectada à mata. Como ela adorava aquela sensação: liberdade, poder e harmonia.

            E, o melhor, sentia o primo ainda longe.

            Ele sempre fora mais rápido, mas talvez, dessa vez, ela conseguisse levar a melhor.

            A verdade era que ela vinha praticando. Sempre que podia, escapava para a Chapada das Mesas, correndo por horas intermináveis, cada vez mais depressa, cada vez aprimorando mais sua forma transformada.

            Duvidava que o primo tivesse a mesma oportunidade morando na cidade grande.

            Não cante vitória antes da hora!

            De repente estavam lado a lado. De onde ele viera e como o fizera sem que ela percebesse era difícil saber. Carmen Lúcia lhe dirigiu um olhar rápido. Quase podia ouvir a risada dele atingindo suas orelhas aguçadas.

            Acelerou mais ainda, forçando os músculos do corpo inteiro ao limite. Não sabia bem o que um humano brichote veria se encontrasse os primos correndo, mas certamente saberia que se tratava de algo sobrenatural.

            Porém, mesmo com todo o empenho dela, o primo, com seus catorze anos contra seus onze, ainda era mais velho e mais forte. Aos poucos foi ganhando a dianteira.

            É o melhor que consegue fazer? Ele provocou.

            Carmen Lúcia sentiu vontade de revidar, porém não disse nada. Uma pontinha de raiva surgia no meio de toda sua animação.

            A cachoeira já estava à vista, com suas águas cristalinas e seu som ensurdecedor. O primo estava na frente, mas não tanto, se conseguisse acelerar só um pouco…

            Só um pouquinho…

            ­Desista, Lulu.

            E o primo pulou um segundo antes dela, ambos se transformando no ar, dando cambalhotas e caindo já no formato humano na lagoa.

            Emergiram, rindo, as roupas e os cabelos molhados.

            – Pensei que tinha dito que estava praticando! – Ele lhe dirigia aquele sorriso debochado típico, falando mais alto do que o som da cachoeira.

            – Hen-hein. – Ela se fingiu ofendida, mas no fundo estava se divertido também. – Pode mangar o quanto quiser, Danilo. Vamos ver quem vai rir por último!
            E, ao dizer isso, Carmen Lúcia jogou água nele, nadando para longe sem esperar o troco.

            Ela mergulhou, sentindo a ardência nos joelhos ralados começando a diminuir.

            A garota foi cada vez mais fundo, Danilo atrás de si. Os peixes se afastavam antes mesmo de eles se aproximarem, sentindo a presença dos predadores.

            Mas eles não se importavam. Carmen Lúcia e Danilo continuaram nadando no meio dos peixes, emergindo eventualmente e rindo.

            Fazia um ano desde que não se viam, e a garota estava feliz em ter o primo de volta. Antigamente eles se encontravam com mais frequência, mas depois que os pais de Danilo resolveram se mudar para São Luís, eles só se encontravam durante as reuniões anuais do clã Acheu, quando a família toda, vinda de todos os lugares do Maranhão e Tocantins, se reunia em Carolina. Carmen Lúcia adorava as reuniões do clã. A casa ficava sempre muito mais animada.

            – Acho que devíamos voltar – Danilo disse em certo ponto, depois de sacudir a cabeça e fazer água voar no rosto de Carmen Lúcia. – Sua mãe vai ficar brava se não voltarmos logo, está escurecendo.

            Ela riu da preocupação dele.

            – Eu costumo ficar o dia inteiro fora! Relaxa. Mainha sabe que eu estou bem. – Carmen Lúcia começou a boiar na água, o corpo solto. – Espera. Não é a minha mãe que vai ficar brava se não voltarmos. Você está com medo! – Danilo fechou a cara, Carmen riu mais alto. – Você é um lobisomem guará! Devia se sentir confortável no escuro… Ou será que todo o tempo que tem passado em São Luís deixou seus instintos fracos?

            Danilo puxou seu pé, fazendo-a perder o equilíbrio e afundar.

            – Eu ainda sou mais rápido, Lulu. – Ele sorriu, porém Carmen Lúcia sabia que sua pose arrogante começava a falhar. – Como estão os joelhos ralados, falando nisso?

            Sua cicatrização acelerada já cuidara disso, e os joelhos estavam curados, porém ela não respondeu. Riu alto, nadando em direção à beira da lagoa.

            – Onde você tá indo? – Danilo perguntou enquanto nadava na direção da prima.

            – Estou indo pra casa, não é isso que queria? – Ela se sentou fora da água, tirando o excesso de seus cabelos longos e escuros.

            – Eu não estou com medo – Mesmo assim, ele já saia da água também.

            Carmen Lúcia riu.

            – Hen-hein. – Ela se levantou, tentando secar a roupa. – Sei…

            Danilo olhou para seus joelhos e arqueou as sobrancelhas.

            – Que foi?

            – Achei que tivesse ralado os joelhos quando caiu.

            – Cicatrização acelerada, lembra? – ela olhou para o primo, um pouco espantada com a observação. – Parece que estou falando com um humano brichote e que você nunca viu nada parecido…

            – Você se cura rápido – ele murmurou, porém foi alto o bastante para Carmen Lúcia ouvir.

            – E você não? Quanto tempo leva para se curar? – Ele sorriu para ela, ainda empenhado em se secar, porém não passou despercebido à garota que Danilo não respondeu sua pergunta. Achou engraçado.

            Eles não conversaram mais. Ambos tentavam secar as roupas até que Danilo teve a ideia de se transformar e tentar se chacoalhar, o que apenas deixou Carmen Lúcia mais molhada. Ela sorriu, transformando-se também e imitando o primo.

            No momento seguinte tinham saltado no ar, apoiando as quatro patas no chão e estavam correndo para longe, lado a lado.

            A chácara dos Acheu, onde Carmen Lúcia morava e onde todo o clã estava instalado no momento, não ficava muito longe da Chapada das Mesas. Os primos mantiveram um ritmo bom e não demoraram muito para chegar lá, voltando às formas humanas, a respiração alterada.

            Os dois continuaram correndo pelo gramado sem parar, atravessando o pomar em direção à casa pintada de um amarelo borrado e que começava a enfrentar os danos causados pelo tempo.

            Mesmo que por fora parecesse apenas uma casa pequena e térrea, por dentro as coisas eram diferentes. Assim que Carmen Lúcia e Danilo atravessaram a porta se viram em um charmoso hall de entrada com um tapete colorido, uma mesa cheia de flores e um grande quadro da família toda reunida, que se movia como se tivesse vida própria e se ampliava magicamente conforme o clã crescia. Lá estavam todos representados desde os tataravós de Carmen Lúcia até os dias atuais. Ela própria feita de tinta acenou quando os primos entraram.

            Ligados diretamente com o hall havia um banheiro simples e, do outro lado, uma sala enorme, de onde se ligava um segundo andar. Foi para a sala que eles se dirigiram, onde dois sofás e a cadeira de inclinar eram quase totalmente ocupados pelos tios Cláudio e Gisele, os pais de Carmen Lúcia, o primo Nicolas, as primas em segundo e terceiro grau Valentina e Laís, o marido grande e alto desta, e, por fim, a pequena e enrugada vó Carminha.

            – Chegamos! – Carmen Lúcia anunciou para ninguém em particular, e todos na sala se voltaram para eles.

            Todos estavam conversando alto e rindo, mas quando Carmen Lúcia falou, os sorrisos morreram. Um silêncio incômodo preencheu o ar. A garota podia sentir as emoções dos familiares divididas: preocupação, incerteza e agitação, estavam presentes em doses iguais.

            Havia alguma coisa errada.

            Carmen Lúcia simplesmente não sabia como reagir.

            – Tudo bem? – Danilo, atrás da prima, perguntou, sentindo tanto quanto ela o clima estranho que se formara.

            De repente foi como se todos estivessem saindo de um transe. Tio Cláudio e tia Gisele sorriram, Nicolas riu do cabelo desarrumado do irmão recém-chegado, os pais de Carmen Lúcia perguntaram se tudo tinha corrido bem, Laís cochichou alguma coisa que fez o marido rir. Carmen Lúcia quase achou que havia entendido errado e que imaginara o momento estranho, porém Valentina apenas olhou para baixo, desconfortável. Sabia que Valentina era uma péssima mentirosa.

            Estava a ponto de se aproximar da prima e confrontá-la sobre o ocorrido quando a vó Carminha se levantou de sua cadeira de inclinar e se aproximou rapidamente da neta, pegando suas mãos.

            – Tu me ajuda com o jantar? – A avó tinha um sorriso bondoso e sincero. – Muitas bocas pra alimentar, tu sabe…

            – Eu ajudo também! – Laís se ofereceu.

            E, juntas, as três foram para a cozinha, o cômodo logo depois da sala. Normalmente Carmen Lúcia não gostava de cozinhar, mas não podia negar um pedido da avó. A menina recebera o nome das avós e, das duas, sempre tivera uma afinidade maior com a vó Carminha, apesar de ela ser bruxa, não lobisomem.

A senhora fora a responsável pelo feitiço que fazia a casa parecer maior por dentro do que por fora e pelo quadro mágico no hall de entrada. Também vivia agitando a varinha por aí, na tentativa inútil de manter a casa arrumada. Mesmo depois de todos aqueles anos, algumas vezes ela parecia um pouco perdida por ser a única bruxa na família, ainda mais depois que fora morar com o filho, a esposa e as netas após a morte do marido. Apesar disso, Carmen Lúcia sempre se divertia com ela, ainda mais quando ela resolvia contar as histórias de sua juventude.

            Entre as histórias preferidas de Carmen Lúcia estavam as de Castelobruxo. Vó Carminha passara sete anos na escola de magia e só guardava boas lembranças do local. Contava sobre os amigos que deixara para trás e das bagunças que os garotos do ano dela aprontavam. Ria-se sempre no final, saudosa dos tempos de escola.

            Ela contava também sobre como conhecera o avô de Carmen Lúcia, Elias Acheu, e como dividia sua vida em duas fases: antes dos lobisomens e depois dos lobisomens. Eles haviam se apaixonado logo depois que ela deixara Castelobruxo, jovens tolos e apressados, inexperientes no amor. No começo a jovem Carminha se assustara em saber que namorava um lobisomem, mas depois se acostumou com a ideia e aprendeu a conviver com as diferenças. Tiveram quatro filhos, e os quatro herdaram a licantropia do pai.

            Carmen Lúcia sabia que normalmente o sangue lupino era mais forte do que o bruxo. Sabia também que o avô de sua mãe igualmente fora um bruxo, mas tal como a vó Carminha, todos seus filhos haviam manifestado apenas o gene do lobisomem.

            – Me passa o leite, pequena. – Vó Carminha pediu enquanto fazia um molho, e a garota lhe entregou o que foi pedido. A senhora lhe dirigiu um sorriso afetuoso. – Sabe, deve ser muito útil ter esse superolfato de vocês. Sempre sabem quando a comida está estragada.

            – Hem-hein. – Carmen Lúcia não estava prestando muita atenção enquanto se concentrava em cortar uma cebola sem chorar, apesar de os olhos estarem ardendo.

            ­– Mas ser uma bruxa tem suas vantagens também. – Vó Carminha apanhou rapidamente sua varinha, murmurou algumas palavras e a faca que Carmen Lúcia estava segurando voou de sua mão, cortando rapidamente a cebola. – Muito útil, não?

            A senhora parecia orgulhosa de si mesma, então Carmen Lúcia lhe forçou um sorriso. Achava legal a magia da avó, porém algumas vezes se sentia um pouco ofendida quando ela tentava mostrar que ser uma bruxa era melhor do que ser lobisomem. Era como se não passasse um dia em que não olhasse para a prole e seus descendentes, procurando pelo menor sinal de um deles havia puxado a ela. Era a única coisa que a chateava na avó.

            Laís estava um pouco afastada, mas Carmen Lúcia sabia que ouvia tudo com a audição aguçada. Era a filha mais nova de uma das tias-avós da garota e, apesar de inúmeras tentativas, não conseguira engravidar ainda, apesar de já estar beirando os quarenta. Quando era pequena, Carmen Lúcia achava que o interesse que Laís demonstrava nela era apenas porque gostava dela; depois começou a achar que ela refletia na prima mais nova o desejo de ter um filho; atualmente sabia muito bem que ela simplesmente se interessava mais do que devia na vida de todo mundo.

            – E a escola? – Vó Carminha perguntou, mudando de assunto de repente. – Tuas aulas voltam logo?

            Carmen Lúcia não respondeu de imediato. Pensou no ano anterior e toda a dificuldade com a escola. Era verdade que faltara mais vezes do que aparecera nas aulas, muito mais preocupada em correr na Chapada das Mesas para ganhar de Danilo durante as férias do que estudar matemática ou ciências. Alguns professores brichotes chegaram a ligar perguntando por que Carmen Lúcia faltava tanto, mas alguns feitiços de confusão da vó Carminha haviam resolvido o problema. A família não se preocupava muito com as aulas que Carmen Lúcia perdia: as coisas brichotes não eram tão importantes.

            Ela lembrou também que em menos de um mês entraria no Ensino Fundamental II. Como se trocar o nome do ensino o fizesse assim tão diferente…

            – Esse ano tu não vai poder faltar tanto, pequena. Não posso confundir os professores brichotes pra sempre.

            Carmen Lúcia não concordava, mas já tivera essa conversa com os pais e não precisava da avó para lembrá-la disso. Por mais inútil que as aulas fossem, eles haviam passado por tudo aquilo e não viam porque a filha não devia também.

            “Se misturar, ser invisível. As pessoas vão começar a notar que tu nunca está na escola”, o pai dissera.

            Ela não concordava com nada daquilo, mas não havia o que ser feito: teria que aprender uma coisa ou duas na escola brichote.

            – Tu está animada? – A avó perguntou. Carmen Lúcia se perguntou por que ela estava estendendo tanto o assunto. – É uma fase nova, certo?

            – Hen-hein.

            Vó Carminha parara de mexer o molho e agora olhava para a neta. Seus olhos brilhavam como estrelas, e ela parecia tão contente… Carmen Lúcia ia perguntar o que estava acontecendo quando sua irmã mais nova Emília, sua prima Heloísa e o pequeno Elias Neto entraram na cozinha correndo e fazendo barulho.

            – Lulu! – Emília se abraçou forte à irmã. Ela estava correndo de Heloísa, porém ria alto. – Me salva!

            Emília tinha apenas seis anos, porém era tão travessa quanto a própria Carmen Lúcia fora na idade dela. Ainda não conseguia controlar bem as transformações, mas estava melhorando rápido, querendo ser capaz de acompanhar a mais velha.

As duas irmãs eram muito parecidas, e Carmen Lúcia facilmente se tornou um exemplo para ela. Ambas compartilhavam dos mesmos cabelos escuros e volumosos, a pele bronzeada, os olhos curiosos. Não só isso, mas também costumam concordar sobre a maioria das coisas. Algumas vezes Carmen Lúcia não tinha certeza se Emília e ela apenas tinham ideias iguais ou se a irmã estava fazendo o possível para se parecer mais com ela.

            Já Heloísa era a irmã mais nova de Danilo, porém ainda era um ano mais velha que Carmen Lúcia. Ela vinha segurando Elias Neto, de apenas três anos e filho do outro tio delas, como um saco de batatas sobre o ombro.

            O pequeno estava às gargalhadas.

            – Eu vou pegar você também! – A prima brincou.

            – Não, não! – Emília se escondia atrás de Carmen Lúcia, segurando-se tão firme que quase a derrubava. – Não deixe, Lulu!

            – Se acalme, Lia! – Ela também riu.

            – Faça de novo, Helô! – Elias Neto pediu. – Faça de novo!

            Carmen Lúcia não sabia o que era “fazer de novo”, porém logo entendeu. Sorrindo aquele sorriso debochado que compartilhava com o irmão, Heloísa mudou sua forma e a criatura enorme ficou ali ereta no meio da cozinha, ainda segurando um animado Elias Neto.

            Emília olhou animada para Carmen Lúcia, e ela entendeu o que a irmã queria. Colocou-a nos ombros e mudou a forma também, tornando-se tão alta quanto Heloísa.

            – Não aqui! – Vó Carminha gritou. – Não sei o que há com vocês! Vão deixar pelos pela cozinha inteira. Não, não. Podem voltar a ser humanas.

            Não é nossa culpa se a vó não consegue se transformar… Carmen Lúcia ouviu Heloísa reclamando, porém ambas voltaram depressa à forma humana.

            – Me desculpe, vó. – Heloísa disse. Nenhuma das crianças ria mais. Laís, que não se metera ainda, tinha os olhos arregalados.

            – Tudo bem. – Vó Carminha suspirou, colocando a mão na cabeça. Agitou a varinha mais uma vez, tirando o molho da panela e fazendo com que ele caísse sobre as várias fatias de carne. – Por que não vão brincar pra lá? Você também, Laís. Eu posso acabar isso sozinha. Obrigada pela ajuda.

            Ela parecia decepcionada. Olhou longamente para Carmen Lúcia e suspirou de novo. Talvez, quando chamara pela menina, não esperasse que tantas pessoas fossem as interromper. Mesmo sabendo que havia alguma coisa não dita perturbando a avó, Carmen Lúcia saiu da cozinha junto com a irmã e os primos, voltando para a sala que parecia ainda mais movimentada do que quando a deixara.

            Seu pai, tio Paulino e tio Cláudio conversavam alto, Nicolas despenteava o cabelo de um emburrado Danilo, tia Milena ralhava com a filha Juliana enquanto Valentina lhes dirigia olhares incômodos. Sentados no sofá estavam sua mãe e duas outras primas, também rindo.

            Laís voltou a se juntar ao marido; Carmen Lúcia, segurando a mão de Emília, passou perto do pai e dos tios enquanto seguia Heloísa em direção a Nicolas e Danilo do outro lado da sala.

            – Estou te dizendo, aquela Ana Jansen é louca – tio Cláudio dizia enquanto os irmãos riam.

            Carmen Lúcia não sabia quem era Ana Jansen, porém não se interessou muito em saber.

            – Que família barulhenta, não é? – Heloísa reclamou para a prima, colocando Elias Neto no chão e o levando pela mão.

            – É da natureza deles. – Carmen Lúcia comentou, sorrindo. Adorava aquela agitação – Além disso, não se veem faz muito tempo.

            – Acho que você tem razão… – Então ela olhou para frente e sorriu já perto o bastante para ser ouvida pelos irmãos mais velhos, que pareciam empenhados em acertar um ao outro. – Ei, o que vocês babacas estão fazendo?

            – Nada. – Nicolas respondeu prontamente, ambos ficando eretos. – Só uma brincadeira de irmãos.

            Carmen Lúcia riu. Nicolas e Danilo estavam sempre se provocando. Vó Carminha dizia que seus filhos também viviam se metendo em disputas amigáveis quando jovens. Ela não parecia aprovar o comportamento, mas o pai de Carmen Lúcia e os irmãos apenas riram e diziam que era saudável haver alguma competição fraterna. Carmen Lúcia não sabia bem em quem ela acreditava.

            – Vó Carminha está terminando o jantar – Heloísa anunciou, contente. – E, depois disso, vamos receber os muiraquitãs.

            – Não sei por que está tão animada com os muiraquitãs… – Danilo fechou a cara. – Eu não gosto quase nada deles.

            – Porque eles são bonitos! – Heloísa disse, sorrindo. – Combinam com tudo…

            – O que é um muirara? – Elias Neto puxou o braço de Heloísa e olhou atento para ela, tentando se fazer ouvir por sobre a confusão de vozes.

            – Um muiraquitã é a razão de nos reunirmos todos os anos! Sem os muiraquitãs… – A prima começou a explicar, mas foi interrompida. De repente a tia Lívia entrou na sala:

            – Ítalo e Silas estão brigando! – ela gritou, fazendo todos se calarem. Então desapareceu, enquanto os outros tentavam sair da sala ao mesmo tempo e ver o que estava acontecendo.

            Carmen Lúcia olhou para os primos e para a irmã. Todos pareciam inquietos; Nicolas e Danilo pareciam animados. Heloísa colocou Elias Neto nas costas de novo.

            – Segure firme minha mão – Carmen Lúcia disse para a irmã, enquanto os seis seguiam os adultos para onde seus parentes brigavam, sem entender bem o que acontecia.

            Não era incomum que brigas estourassem nas reuniões anuais do clã, ainda mais com tanta gente em um mesmo lugar por tanto tempo. Carmen Lúcia gostava da família grande toda reunida.

            Tudo ficava bem mais agitado.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Brichote de acordo com o Dicionário Online de Português: s.m. Pej. Antigo. Nome dado aos estrangeiros para demonstrar falta de consideração.Fiquei um bom tempo procurando um nome que parecesse adequado. Como a J. K. disse que nos EUA eles usam o termo não-mágicos para os simples humanos, eu supôs que era diferente em cada continente.Sim, antes que perguntem, os lobisomens guará são diferentes dos europeus (como o Lupin). Ainda vou explicar melhor, mas vale dizer que os lobisomens guará nascessem assim e não há possibilidade de transmissão por mordida.Espero que tenham gostado! Aceito todos os comentários (críticas, sugestões, dúvidas, elogios)!O próximo capítulo sai quando eu tiver o primeiro comentário. Afinal, não vou continuar postando se ninguém estiver lendo.Espero ver vocês logos! :DAté!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Castelobruxo: Anos Dourados" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.