Silver escrita por Isabelle


Capítulo 7
Capítulo 6 - Wade


Notas iniciais do capítulo

"Eu não quero seu corpo
Mas eu odeio pensar em você com outra pessoa
Nosso amor ficou frio
Você entrelaçou sua alma com a de outra pessoa"
— The 1975



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O telefone no meu ouvido cuspia palavras enquanto eu apenas afirmava com a cabeça e ria para Charlie que estava em minha frente comendo. Ela tinha pedido algum tipo de salada japonesa estranha porque eu não reconhecia, quando eu a chamei para almoçar aquele dia mais cedo não esperava que ela me arrastaria para um restaurante japonês do outro lado da cidade. Eu esperava que nós dois descêssemos e almoçássemos no restaurante dois quarteirões para cima do prédio, mas bem, agora estava ali, comendo um arroz primavera, porque parecia ser a única coisa que não tinha coisas cruas, enquanto escutava Alex me acusar de o que ele chamava de crimes contra o seu melhor amigo.

— Você só saí com a Charlie agora. — Ele disse, e eu revirei os olhos.

— Alex saí um dia com a garota, e ontem a levei embora mais cedo da festa, qual o…

— Não, o problema é que quero que você fique mais tempo com seus melhores amigos. — O som de vitimismo em sua voz era nítido. — Quero que saiamos, nós, os caras, sem que Charlie esteja no meio.

— Alex, Charlie nunca saiu conosco e eu agradeço a Deus por isso porque isso a assustaria, mas você só quer que eu vá porque sempre me usa de alguma forma para conseguir ficar com suas meninas. — Charlie estava tomando seu corpo de água, e tentando decifrar as coisas que Alex falava no celular. — Ela só está aqui porque vamos devolver as coisas do namorado estúpido dela.

— O que? — Charlie disse, com um olhar nada amigável. O olhar dela saiu de seu prato e encontrou meus olhos. Eu não havia contado aquilo para ela. Não queria que ela ficasse assustada. Havia pedido para ela organizar todas as coisas dele numa caixa, mas não havia a avisado que iriamos devolvê-las após o almoço.

— Tudo bem, Wade. — a voz tentava fazer eu me sentir culpado — A vida é cheia de ciclos e uma hora você vai precisar de mim...

Charlie pareceu ter escutado porque ela teve que fazer uma cara engraçada para não cuspir a água em mim por conta da risada entalada na garganta. Eu a encarei, e me lembrei da noite anterior. O calor do corpo de Charlie pressionado contra o meu, sua boca tão próxima a minha. Mas logo dissipei aqueles pensamentos da minha cabeça. Não podia pensar naquilo. Tinha sido uma noite de bebedeira para tentar fazer com que ela não pensasse naquele idiota que seu ex era.

— Alex, o que você acha de sairmos essa noite — tentei não parecer rude com as próximas palavras, mas provavelmente não tive êxito — sem a Charlie, por algumas horas por que é domingo?

Uma atendente veio sorridente perguntar se precisávamos de algo e Charlie apenas pediu pela conta. A moça abriu um sorriso, e olhou para mim de relance. Charlie ergueu as sobrancelhas de uma forma engraçada após isso, como se estivéssemos no ensino médio, e eu revirei os olhos, após ver aquele gesto.

— Eu acho ótimo — a sua voz veio imediatamente em resposta — E não venha fingir que você tem que fazer algo amanhã porque ambos sabemos que você está desempregado.

— Consegui o emprego, seu idiota. — Revirei os olhos.

— Oh meu Deus, isso significa que agora vai começar a pagar quando for sair com a gente?

— Cala a boca, Alex. — Disse, mas ele estava rindo alegremente ao outro lado da linha.

— Mas então até as oito. — Ele disse e desligou.

Guardei o celular no bolso e novamente voltei a encarar Charlie que parecia meio dispersar em seus pensamentos. Ela tinha o costume de fazer isso bastante. Parar com o olhar para o nada e deixar que eles se percam na imensidão. Ela tinha um pensamento tumultuado, quase tanto quanto o meu.

A atendente voltou, entregou a conta para mim, e após pegar o dinheiro de Charlie e juntar com o meu, entreguei para a garçonete. Agradeci com um meio sorriso e tenho quase certeza que ela me deu uma piscadinha em retribuição, contudo, eu não tinha certeza.

— Está pronta para devolver as coisas? — Levantei, mas recebi um olhar inseguro.

— Sobre esse assunto, eu não acho uma coisa boa fazer isso hoje. — Ela sorriu com um sorriso vago.

— Está com medo? — Perguntei, tinha certeza que ela estava. Aquilo era um passo extremamente grande, e eu não deveria forçar ela a fazer isso.

O olhar dela não encontrou o meu, ela apenas recolheu sua bolsa e todos os seus outros itens da mesa e suspirou profundamente antes de se virar para mim, e me encarar. Lá estava, as lágrimas que ameaçavam escorrer, mas continuavam firme ali em seus olhos.

— Só vamos para casa, tudo bem? — Saiu andando em minha frente.

Charlie dirigiu em silencio, enquanto eu apenas encarava toda a paisagem a nossa volta. Tentei puxar assunto com ela algumas vezes, mas ela apenas dava sorrisinhos ou acenos com a cabeça. Ela realmente não queria falar comigo, e tinha quase certeza que a culpa era toda minha. O que eu podia fazer? Ela estava magoada e eu só queria ajudá-la a sair daquela situação. Ninguém merecia ficar sofrendo por uma pessoa que nem ao menos está se preocupando para seus sentimentos.

Liguei o som do carro, e ela nem ao menos olhou para mim. Canção para não voltar começou a tocar e eu comecei a tamborilar meus dedos pela minha perna. Charlie soltou outro suspiro pesado, e apertou o botão para passar. Uma música em uma voz feminina começou a tocar de uma forma animada e isso fez com que o olhar dela se fechasse de uma forma que eu nunca havia visto. Parecia que havia raiva borbulhando dentro dela, mas preferi ficar em silencio a falar qualquer coisa e receber uma resposta dura.

As coisas de seu ex namorado estavam no porta-malas, e eu tinha certeza que ela estava bem decidida a não esquecer tudo aquilo, quando o carro virou em uma esquina que eu sabia que nos levaria a faculdade, ou as republicas que estavam a sua volta. Mudei meu olhar para Charlie e vi que ela estava apavorada, mas, ao mesmo tempo, determinada. Ela podia ser uma total desconhecida por mim, contudo, eu já admirava totalmente. Ela tinha aquela força no olhar que eu sempre admirei, não importa em quem fosse.

Minutos depois estávamos na porta da republica, e Charlie tinha mãos tremendo. Quis poder falar algumas palavras confortantes para ela, mas não conseguia. Não tinha nada que pudesse falar naquele momento.

— Não consigo fazer isso, Wade. — Ela pressionou os lábios um contra o outro, impedindo de chorar. — Não consigo, meu Deus. — Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. — Wade, eu reconheço que quer fazer isso por mim, e eu queria muito ser essa menina corajosa que você ve em mim, mas a verdade é que eu estou com muito medo. — Os olhos dela encontraram o meu. — Eu não consigo fazer isso. Se eu fizer vai significar que os dois anos da minha vida que eu passei com ele vão apenas ser uma mancha no passado, só uma imagem borrada e eu não quero isso. Eu quero ele de volta. Quero que ele chore e fale que está arrependido por mim, mas eu sei que ele não vai.

— Eu sei muito bem como é isso, Charlie. — Tracei o caminho da onde minha mão estava até a dela, e deixei que suas mãos repousasse nas minhas. — As vezes a gente tem que respirar fundo, e deixar algumas coisas sair da nossa vida, para deixar outras entrarem. — Dei uma risada ouvindo essas palavras tão clichês. — A verdade é que eu tenho certeza que você tá cansada de ouvir como tempo vai passar e tudo vai ficar melhor, mas infelizmente, você vai ter que acreditar nisso, e uma hora ou outra vai ter que aceitar que acabou, porque você tem que se colocar na frente, tem que se amar mais.

Sua mão apertou a minha e a outra que estava segurando o volante, foi em encontro com seu rosto para enxugar as lágrimas. Ela sorriu para mim e deixou a cabeça cair em meu ombro, com esse toque eu posso jurar que consegui sentir a tristeza de seu coração pesar em mim.

— Ele foi uma parte muito importante da minha vida, Wade, foram dois anos. Ele simplesmente foi embora e nem ao menos parece estar realmente triste com isso. Na verdade ele está lá fodendo minha amiga. — A voz dela saiu esganiçada na palavra amiga. — Dois anos com ele sempre ao meu lado, e agora eu tenho que matar essa parte dele que ele deixou em mim e não teve a decência de levar embora.

— Talvez ele tenha deixado pra ir buscar do nada. — Disse, e ela abriu um sorriso entre todas aquelas lágrimas.

— Você está citando cicero para mim enquanto estou desabafando? — Ela chorou e sorriu ao mesmo tempo. — Obrigada, Wade, de verdade, obrigada por estar aqui comigo.

— O que isso? — Eu levantei um pouco o ombro onde sua cabeça estava repousada. — Pra que servem os vizinhos? — Disse, e escutei uma risada viva dos seus lábios. — Ei, se você consegue colocar seu vizinho bêbado para dentro seu apartamento, eu sei que você consegue limpar essas lágrimas e jogar aquelas porcarias do porta-malas na cara dele.

— Isso — soltou o ar que estava em seus pulmões lentamente — Eu consigo. Vou lá, com toda a classe do mundo, vou entregar aquelas porcarias e sair andando como se estivesse tudo ótimo

— Você consegue. — Disse. — Seria muito horrível se eu quisesse escutar?

— O que?

— Sabe, você me ligar pelo celular e deixar ele no bolso para que eu escute o que está acontecendo, e ter certeza que você não vai baixar a guarda por algumas palavras quaisquer, e voltar para cá falando que ele é o amor da sua vida.

— As vezes a gente tem vários amores na vida, não é? — Ela disse, e saiu do carro, pegando a chave e indo direto para o porta-malas.

Ela pegou o celular e me ligou, e não consegui de deixar de sorri com esse gesto. Acho que sorrir havia virado um habito desde que Charlie havia entrado em minha vida. Ela virou e deu uma piscadinha carregando a caixa cheia de objetos. Conseguia escutar o barulho que o seu celular fazia quando roçava o jeans da calça, e apenas me contentei em esperar, e torcer para que ela conseguisse. Escutei ela apertando a campainha, e após isso o barulho da porta se abrindo.

— Ei, Charlie. — Uma voz animada disse, eu conseguia visualizar de longe que era um garoto loiro. — Tudo na boa? Faz tempo que não te vejo aqui, você e André brigaram?

— Ei, Vini, na verdade, não, eu só quero que você o chame para mim, por favor. — A voz saiu dura e seca.

— Claro. — Escutei passos, mas eles pararam de repente. — Dani também está aqui, quer que eu a chame também?

Tinha certeza que o maxilar de Charlie havia trincado naquele momento para não gritar com o garoto, mas no fim, ela apenas falou que não, e que queria somente ver o André. Minutos de total silencio depois eu consegui escutar novamente passos vindos, e vi alguém parando na porta sem camiseta, com um cabelo despenteado, como quem acaba de acordar.

— Ei, meu amor, como você está? — a voz soava sonolenta.

— Eu só vim aqui… — ela foi interrompida

— Também acho que nós devemos conversar, Char, as coisas terminaram muito ruins entre nós aquele dia no carro. Acho que devíamos sair para jantar e entender toda essas coisas, porque, a gente teve um namoro tão longo e bonito… — a voz dele fora cortada pela dela, desta vez.

— Na verdade, André, eu estou aqui para te entregar essas coisas. — Eu a vi empurrando a caixa contra ele, o obrigando a segurar.

— O que é isso?

— São as coisas que você deixou no meu apartamento, sabe? Algumas fotos, CDs, camisetas, este tipo de coisa... — Ela estava de costas para mim, mas tinha certeza que ela fizera o sorriso cínico que tinha sido meu melhor amigo na manhã seguinte quando acordei em seu apartamento.

— Não acredito que é assim que quer terminar as coisas entre a gente, Char.

— Para de me chamar de Char. — Ela foi grossa ao extremo. — Se eu encontrar mais alguma coisa eu mando por sedex, é melhor do que essa conversa aqui. — Ela se virou, o celular fez um barulho estranho e seu olhar encontrou rapidamente o meu. Ela estava quase sedendo a ele, conseguia ver o pedido de socorro em seus olhos.

— Amor, ei. — André entrou na frente dela. — Não podemos fazer isso, eu não quero que seja isso. Vamos sair para jantar, por favor? Eu pago, podemos ir no cinema..

— André, eu não quero sair, eu só quero devolver suas coisas. — Ela tentou passar na sua frente, mas ele segurou seu braço.

Coloquei a mão na maçaneta da porta prestes a ir ao encontro dos dois, mas vi que ela puxou o braço fazendo com que ele cedesse e deixasse com que ela se libertasse. O olhar dela não pareceu nada amigável após esse gesto.

— Me desculpe. — André disse sutilmente. — Quem é o cara dentro do carro, Charlote?

— O que, nada de Char agora? — Pode sentir o sarcasmo em sua voz.

— Quem é? — André não soava mais tão amoroso quanto antes.

— Eu não te devo nenhuma satisfação sobre a minha vida. — A voz estava tão ácida quanto soda cáustica.

— É o cara que você estava na festa, não é?

— Isso não é da sua conta, André. — Ela aumentou a voz.

— Você está transando com esse cara, Charlie? — André passou a mão nos cabelos em um gesto aborrecido. — Porque se tiver feito isso por minha causa, você sabe que é melhor do que isso, e não precisa…

— O que? — ela o cortou com raiva. — Não preciso o que? Fazer isso por você? Acha que minha vida gira em torno de você?

— Então está trepando com ele. — André afirmou.

— Não sei, defina trepando. — Ela jogou a cabeça para o lado, e ficou o encarando. — Trepando com ele como você está fazendo com a Dani? — Por essa nem eu esperava, mas meu corpo todo se arrepiou, era como escutar um seriado americano.

— O que? — Parecia atordoado. — Como você…

— Como eu sei? — Ela riu. — Bem, eu não sabia até ontem quando eu vi você e ela se arrastando para dentro da casa na festa, depois disso todas as suas mentiras mal elaboradas começaram a fazer mais sentido, e ai eu finalmente percebi que você estava fodendo com a sua melhor amiga, enquanto eu pensava que você me amava e abria as pernas para você. — Eu queria abrir a porta do carro e aplaudi-la. — Eu fico imaginando o que você devia falar para ela… O quanto você a amava? Que nosso relacionamento estava péssimo e que logo logo iriamos terminar e vocês dois poderiam a ficar juntos igual no ensino médio?

— Char...

— André? — Dani apareceu na porta usando apenas uma camiseta masculina com o cabelo todo bagunçado, parecia que havia acabado de acordar, e se assustou quando viu Charlie.

— Oh, meu Deus. — Charlie disse, e se virou vindo até carro, com André a seguindo.

— Char, ei eu posso explicar... — André corria atrás dela, mas Charlie apenas vinha até o carro com fúria nos olhos. — Charlie, qual é? Por favor, fale comigo.

— Vá se ferrar, André. — Ela apenas se jogou dentro do carro, e deixou André atordoado parado ao lado.

Ele olhou para mim, e eu acenei com a mão para provocá-lo, enquanto Charlie acelerou o carro e saiu sem direção. Ela estava respirando muito rápido e seu coração parecia também estar disparado. Pensei que a qualquer momento ela começaria a chorar, mas ela fez totalmente o contrário. Um sorriso gigante começou a brotar em seu rosto, enquanto ela apenas olhava para frente.

— Charlie, você está bem? — Perguntei, apreensivo.

— Eu nunca estive melhor. — Ela me olhou e lançou um sorriso. Seu cabelo prata estava brilhante, enquanto a confiança domava os olhos verdes. As maças do rosto estavam rosadas e a covinha ressaltada por conta do sorriso. Meu coração naquele momento com ela fizera exatamente o que ela estava fazendo com aquele carro. Acelerando cada vez mais perigosamente.

 

 


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