Silver escrita por Isabelle


Capítulo 5
Capítulo 4 - Wade


Notas iniciais do capítulo

"Talvez se você quiser ir para casa
Diga-me se eu estou de volta por conta própria
Devolvendo um coração que está em empréstimo
Apenas me diga se você quer ir para casa"
— Keira Knightley



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/679926/chapter/5

Verifiquei a cerveja na caixa de isopor, e abri a porta do apartamento. Encontrei Charlie agachada na porta com as pernas bem próximas ao peito, enquanto olhava reto para a minha porta. Ela estava usando um vestido preto tomara que caia que parecia mostrar uma boa parte do seu corpo, mesmo assim, ela não parecia se importar muito. O cabelo prateado estava solto caindo por entre seus ombros levemente em ondas leves, enquanto seu rosto não parecia estar muito carregado de maquiagem, apenas um batom vermelho. Aparentava que ela havia acabado de chorar, mas eu não tinha muita certeza por conta da luz que não estava pegando em seu rosto.

Deslizei pela porta até o chão, coloquei a caixa de cerveja ao meu lado e dobrei as pernas da mesma forma que ela estava fazendo, e a fiquei encarando. Conseguia ver no seu rosto que ela não queria conversar agora, então apenas iria esperar até que ela estivesse pronta para me contar o que ela estava fazendo, ou pelo menos se ela não me contasse, queria poder tirá-la daquele corredor imundo na qual estávamos sentados.

Olhei para ela sério, e após isso troquei olhar com o teto. Ela parecia estar bem concentrada naquela posição, e pensativa em várias coisas, mas eu apenas tentava achar algum assunto que pudesse falar com ela, que não teria nada a ver com o fato dela estar totalmente encolhida naquele chão.

— Consegui um emprego. — disse, e sorri. — Aquele que falei que não tinha conseguido. Eles me ligaram, e falaram que uma pessoa desistiu, então a vaga era minha.

Isso fez com que ela tirasse o olhar atento focado ao nada, e trouxesse ele até mim. Eu tinha total certeza agora que ela havia chorado, e aquilo realmente deixou uma parte de mim preocupado. Eu mal havia conhecido a menina, mas mesmo sim, ela parecia estar completamente perdida dentro de toda a confusão que a vida podia ser.

— Eu estou com medo, sabe? — Eu sorri, desabafando realmente. — Eu já trabalhei um ano lá uma vez, mas acabou dando tudo errado, e eu tive que sair. Espero não estragar tudo essa vez.

Ela levantou a mão e coçou o olho direito.

— Eu não quero ir nessa festa. — Ela me olhou como se eu pudesse salvá-la.

— Festa da republica? — Eu perguntei. — Para a calourada?

— Sim, esta mesmo. — Os olhos dela me olharam confuso tentando entender como eu sabia daquela festa.

— Eu estou indo para lá agora, por que não quer ir?

— Porque… — Ela não conseguiu me fitar.

— Ei, vai ter bebidas, música boa, eu acho, não tenho muita certeza, suas amigas, e principalmente, a alegria da sua noite.— Sorri de canto de boca para ela. — Eu.

Ela revirou os olhos, e não conseguiu ficar sem esboçar um sorriso.

— Não perca um final de semana ótimo por causa de um idiota que quebrou seu coração. — Disse um tanto confiante. Tinha segurança em falar essas palavras, já que já havia as escutado milhões de vezes.

Me levantei e estendi a mão para ela. Os olhos dela percorreram todo o meu corpo até chegar nos meus olhos. Ela parecia uma pintura de tão linda que ela estava. Eu não conseguia compreender como um garoto poderia dispensar uma garota como aquela. Não que qualquer garota no mundo mereça ser dispensada, contudo, Charlie era o tipo de garota que eu me interessava a querer conhecer cada vez mais toda vez que ela abria a boca.

— Você vem? — Perguntei, ainda com a mão estendida.

Ela afirmou lentamente com a cabeça, antes de me entregar sua mão para puxá-la. Seu corpo ficou bem perto do meu naquela instante, tão próximo que conseguia sentir sua respiração pesada em meu peito, contudo, ela logo se afastou dando um leve passo para trás, me fazendo encarar aqueles olhos verdes gigantes.

— Bem, meu poder de persuasão novamente fazendo efeito.

— Você é ridículo. — Ela disse, e saiu andando. — Alias, qual é a desse emprego seu?

— Bem, é um emprego ótimo, e tem um salário bom também. — Peguei a caixa e andei até ela. — Mas acho que não precisa, já que estou vendo que essa bolsinha na sua cintura deve ter alguma utilidade. — Brinquei, mas levei um olhar me fuzilando.

— O que você disse, Wade? — Apertou o botão do elevador que se abriu instantemente, uma coisa bem incomum.

— Que essa bolsinha na sua cintura é uma gracinha, onde você comprou, talvez eu possa encontrar uma para mim também… — Disse enquanto entravamos no elevador.

Ela me encarou exasperada e poucos segundos depois seu celular rompeu o vazio do elevador e com uma música extremamente familiar e alegre. Charlie trocou um olhar envergonhado comigo, e sorriu levemente, antes de enfiar a mão na bolsinha e pegá-lo de lá. Ela escutou algumas palavras, e ficou afirmando com a cabeça, enquanto o seu olhar ficou em um loop eterno de revirar os olhos.

— O que? — Sua voz se tornou mais exasperada do que quando ela falava comigo. — Então eu não preciso ir te buscar? — Ela escutou mais algumas palavras. — Tudo bem. — Mais algumas palavras saíram da linha. — Não, Dani, sério, tá tudo bem, daqui a pouco a gente se encontra lá. — Continuou com as afirmações até que o elevador parasse no térreo.

— Está tudo bem? — Perguntei.

— Eu não vou mais nessa festa. — Ela fechou o rosto em uma cara exasperada.

— Como assim?

— Bem, aparentemente minha amiga que era o único motivo para eu ir nessa festa, vai com outras pessoas, então eu posso muito bem voltar para o meu apartamento, colocar um pijama e assistir os episódios que faltam para acabar a última temporada de Downton Abbey.

— Ainda não acabou? — Sorri de um jeito perverso. — Você sabe que…

— Se você me contar alguma coisa eu te mato? — O sorriso dela se tornou tão diabólico quanto o meu. — Sim, eu sei.

Ela poderia parecer feliz, mas ela não estava e eu podia ver isso em seus olhos. Estava tudo ali, a bomba de tristeza estava prestes a estourar, sabia que assim que eu saísse e a deixasse ali, ela voltaria seu apartamento e ficaria espremida em seu sofá chorando, infelizmente eu tinha que garantir que isso não acontecesse.

— Você vai comigo e pronto acabou. — Disse e me virei caminhando, contudo ela não parecia me seguir, então parei e virei para olhá-la. — Vamos lá, Charlie, não colocou esse vestido lindo para ficar a noite toda no seu apartamento chorando por causa de um menino, certo?

— Você é um chato. — Ela me seguiu, e eu sorri de lado vitorioso.

Na maior parte do caminho Charlie ficou em silencio, mas em alguns momentos ela entrava nas minhas brincadeiras. Ela estava realmente muito magoada por causa de seu idiota, e mesmo que eu mal soubesse quem era ela, queria poder ajudar. Sabia muito bem o saco que ela se apaixonar por uma pessoa e ver ela indo embora sem poder fazer nada.

— Você não acha que esse vestido está muito curto, não? — Queria provocá-la, não sabia como, mas iria logo descobrir.

— Como é? — O seu maxilar pareceu duro.

— SEU VESTIDO, CHAR-LO-TE, — eu gritei, — NÃO ACHA QUE ELE ESTÁ MUITO CURTO?

— EU NÃO SOU SURDA, WA-DE, SÓ NÃO TINHA ENTENDIDO!

— Ah, — eu assenti com a cabeça — mas então, não acha que ele está muito curto?

— Claro que não.

— Sabe algumas menina… — Eu comecei fazer um discurso que eu sabia que ela iria implicar.

— Por favor, nem termine essa sua sentença machista. — Ela virou o rosto não achando graça, mas sim, ficando totalmente brava comigo.

— Tudo bem, eu só queria falar que… — Não vi o buraco a frente, e tive que desviar de repente, amassando alguma coisa. — Charlie... — Disse em uma voz falhada.

O olhar dela que estava concentrado na paisagem da cidade se moveu lentamente até mim, estava com ódio no olhar, misturado com tristeza e decepção, não achava que seria legal brincar com ele naquele momento, contudo..

— Acho que passei em cima de um cachorro. — Disse, novamente com uma voz falhada.

— VOCÊ O QUE? — Ela gritou.

— EI PARE DE GRITAR COMIGO NÃO FOI MINHA CULPA

— CLARO, NUNCA É CULPA DE VOCÊS HOMENS NA DIREÇÃO…

— O QUE? NÃO TEM NADA A VER. — Eu olhei para o céu entendendo a burrada que eu havia feito. — EU SÓ ESTAVA BRINCANDO, VOCÊ NÃO SABE BRINCAR?

— Tudo bem, Wade, eu não vou discutir com você por conta disso. — Ela ficou quieta virando o rosto para o outro lado.

— Tudo bem. — Disse, e deixei o silencio se penetrar entre nós dois.

— Eu só acho engraçado que… — Disse, mas começou a rir instante depois e eu tive que a acompanhar. Nós ficamos rindo por um tempos juntos, até que eu parasse em frente a republica, nesse momento a risada de Charlie desapareceu.

— Você está bem? — Perguntei, e ela afirmou com a cabeça, só preciso de um tempo para respirar fundo.

Ela abriu a porta e firmou os pés no cão, respirou profundamente e saiu do carro encarando um vulto de um garoto ao fundo de uma das casas. Ele não estava longe, mas também não estava tão perto. Estava no ponto perfeito para conseguir distinguir que aquela era Charlie. O garoto estava cercado por uma rodinha de meninos que estavam rindo e gritando, mas que se viraram quando um deles apontou para Charlie. O olhar de Charlie desviou rapidamente deles para mim, e eu vi que sua expressão estava próxima de chorar.

— Ei, tá tudo bem? — Eu perguntei, enquanto ela apenas olhava para baixo.

— Sim. — Ela mentiu.

— Por que eles estão te encarando naquela forma? — Perguntei já imaginando a resposta. — Só porque um deles já foi seu namorado?

Ela olhou firme para mim, e em poucos minutos eu entendi. Eles não estavam olhando para Charlie só por ela ser Charlie descendo do carro, o fato foi Charlie estar descendo do carro com um homem a acompanhando sendo que ela havia terminado o relacionamento em poucos dias. Sabia que na minha adolescência ridícula, eu seria um dos caras a estar zoando o ex namorado dela, contudo naquele eu simplesmente bufei, fechei a porta do motorista, e abri a porta traseira para pegar a caixa de isopor com a cervejas.

— Quer ajuda? — Charlie se virou para mim, sabendo que ela ainda era vitima de olhares.

— Eles são ridículos. — Eu disse, enfim, e ela assentiu sorrindo, enquanto me acompanhou para dentro da tenda gigante.

A festa tinha sido decorada com o que poderíamos afirmar de mesas de bar e cadeiras tão vagabundas que eu tinha medo de me sentar e desabar. Charlie e eu observamos o local e percebemos que as mesas e cadeiras, não se adaptavam ao fundo decorativo em branco e azul, todo bem organizado, com uma mesa de doces e uma faixa de “Bem-vindo, Calouros”. Provavelmente as duas pessoas que ficaram encarregadas de arrumar aquela festa realmente deviam ter brigado.

Levei a cerveja até um canto da tenda onde vi alguns freezers perto de uma piscina que estava cheia de balões, e sorri para Alex que estava encostado com Leandro e Gabriel. Charlie me seguia como se fosse o primeiro dia de aula dela em um filme americano, e que a qualquer momento ela pudesse encontrar as garotas malvadas que tiraram sarro com ela.

— Ei, achamos que você não ia vir. — Disse Gabriel, ele estava usando uma gravatinha roxa com bolinhas verdes daquelas compradas em 1,99 para usar em festa.

— Achamos uma virgula, eu tinha certeza que ele vinha. — Alex rebateu, sabendo da promessa que eu havia feito.

— Pessoal, essa é a Charlie, ela é a minha vizinha. — Ela estava encolhida com um olhar de terror no rosto. — Charlie, este são o Gabriel, Leandro e o Alex.

— Muito prazer. — Charlie disse, sem graça.

— O prazer é todo nosso. — Alex pegou a mão dela e a beijou lentamente, fazendo com que ela lançasse um olhar assustado para ele. — Você namora?

— Não se aproxime dela, cara. — Eu empurrei ele para longe dela, que sorriu agradecida, mas também com um pouco mais de alegria do que antes.

— Nunca disse que tinha uma vizinha gata. — Ele reclamou.

— Fique quieto, Alex. — Disse, e ele levantou a mão para chamar um dos garçons.

— Eu vou ali conversar com a Dani, o.k? — Ela me disse, e eu afirmei com a cabeça, vendo ela se afastar, indo até uma garota usando um vestido brilhante que se destacava entre todos.

— Sério, Alex, ela é uma belezinha.

— Sim, eu sei, mas ela está longe do limite de qualquer um de vocês. — Disse sério. — Até mesmo do meu.

— O que?

— O idiota do namorado dela acabou de terminar com ela, você sabe que ela está frágil e qualquer um de vocês pode piorar o estado dela, então, ela é uma das nossas agora, ninguém fica com ela.

— OK, ninguém fica com ela. — Todo mundo repetiu, e eu dei um sorriso de glória.

A festa não foi muito o que eu esperava. Alex e Gabriel ficaram em cima de alguma das amigas de Charlie que ela se arrependeu mortalmente de ter apresentado, Leandro também teria o feito se no meio da festa ele não tivesse que sair pois estava resolvendo algumas coisas com sua ex. Dani parecia ser a mais próxima de Charlie, as duas riam e conversavam o tempo inteiro, contudo, ela desapareceu no meio da festa, e Charlie não a viu mais. As outras eram Helen, Carol e Amanda, e para o sofrimento dela, Amanda era a vitima que Gabriel e Alex decidiram cair em cima.

O ex namorado de Charlie foi visto diversas vezes nos observando por entre o seu grupinho de amigos, enquanto Charlie fazia de tudo para apenas ignorá-lo e parecer extremamente interessada no que eu e os meninos estávamos falando. Alex conseguiu ficar com a amiga de Charlie no fim das contas, e eu sabia que ele seria um total e completo idiota com Charlie para o resto da vida. Bem, o erro tinha sido meu de tê-la introduzido para eles. Gabriel também conseguiu ficar com uma garota. Ela não era tão amiga de Charlie, pois fazia publicidade, mas as duas eram conhecidas por um projeto que haviam feito no grupo feminista da faculdade.

No final da festa tinha apenas sobrado eu e Charlie sentados em uma das cadeiras instáveis tomando uma cerveja juntos. Fazia realmente um bom tempo desde que eu me divertia somente assim, conversando, sem precisar encher a cara ficar louco e ir atras de garotas.

— Quer que eu te arrume uma também? — Ela ergueu uma sobrancelha enquanto olhava de soslaio para a garota a sua esquerda. — Ela é da turma de jornalismo do segundo ano.

— Não, eu estou de boa. — Disse encarando a garota. Eu não deveria estar desprezando uma chance como aquela, mas eu realmente aquela noite, apenas queria ficar de boa, além de saber que eu não poderia fazer aquilo. — E ai? Ideias para seu TCC?

Ela me olhou confusa pela troca de assunto, mas apenas deu de ombros e bebeu um pouco da sua cerveja antes de começar a me contar sobre suas ideias maravilhosas.

— Eu queria focar em algumas coisas da literatura brasileira e ter uma abrangência também da literatura inglesa. — Ela sorriu para mim. — Quero falar sobre os clássicos romanticos da nossa literatura, e trazer também Jane Austen que tinha um pensamento irônico para a época que ela vivia. — E assim ela não parou mais.

Eu simplesmente não podia acreditar que estava passando minha noite sábado em uma festa escutando minha vizinha me contar sobre clássicos da literatura que ela iria usar em seu TCC.

— Não sei. — Ela disse em fim, enquanto eu via um garoto se aproximar de nossa mesa. — Falta algum tempo ainda.

— Sim, claro. — Disse, sem prestar atenção.

— Charlie? — O garoto era alto com cabelos ruivos e sardas pelo rosto.

— Ei, Gui, tudo bem? — Ela sorriu para ele, e ele sorriu de volta.

— Eu vou pegar outra cerveja, vocês aceitam? — Disse, e Charlie tanto quanto Gui negaram com a cabeça.

Me virei para ir até o freezer no canto da tenda, e vi o que parecia ser o namorado de Charlie fechando as cortinas de um quarto na casa acima. A festa ainda tinha bastante cerveja no freezer, o que me fez duvidar que ele tinha ido embora porque ele simplesmente havia ficado com sono. Havia alguma coisa a mais, porém não pretendia contar aquilo para Charlie. Não queria que ela ficasse mais chateada do que ela já estava.

Charlie estava me esperando na mesa com um olhar súbito de sede de sangue, e Gui não estava com ela dessa vez. Aquilo não parecia ser uma boa coisa. Não parecia mesmo.

— Charlie, você está bem?

— Vamos embora, agora. — Ela se virou rudemente, e foi dançando por entre as pessoas, fazendo com que eu largasse a cerveja que eu havia acabado de pegar e a seguisse por entre a multidão.

— O que? — Eu gritei, mas ela não me ouviu. — O que está acontecendo?

Ela segurou a maçaneta da porta e a abriu no mesmo instante em que eu destravei o carro. Não parecia estar muito no animo para conversar naquele exato momento, e eu nem ao menos sabia o que estava acontecendo. A única coisa que se sucedeu foi Charlie soltar um soluço alto acompanhado por lagrimas espessas que dançavam em seu rosto, assim que ela fechou a porta do carro. Eu fechei a minha porta, deixei que ela viesse até mim e chorasse contra o meu peito. Eu não sabia como fazer as coisas melhorarem, só sabia que naquele instante, era somente aquilo que eu poderia oferecer.




Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Silver" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.