Amor de Estudante escrita por Joana Guerra


Capítulo 12
João e Maria


Notas iniciais do capítulo

Muito obrigada a todos quantos continuam comentando! Infelizmente, as postagens vão ficar um pouco mais irregulares, mas não tenho outra hipótese : (. A boa notícia é a de que vou tentar acabar a fic no 16º capítulo. A música-tema é a maravilhosa João e Maria, do Chico Buarque.



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“Vem, me dê a mão

A gente agora já não tinha medo

No tempo da maldade acho que a gente nem tinha nascido

Agora era fatal

Que o faz-de-conta terminasse assim

Pra lá deste quintal

Era uma noite que não tem mais fim

Pois você sumiu no mundo sem me avisar

E agora eu era um louco a perguntar

O que é que a vida vai fazer de mim?”

(Chico Buarque, João e Maria)

Coimbra, 30 de Julho de 2016

Tal como o despertador que naquele momento tocava um tema de um conhecido cartoon, o relógio da vida também marcava uma hora importante.

Algures no limbo de um sono semiconsciente, Maria Aparecida se virou na cama, afastando os lençóis de cima de si.

Nas semanas anteriores, Elano e Cida tinham passado a dividir o leito, ocupando um ponto da linha imaginária que separa a castidade de irmãos do desejo de amantes.

Era sempre o bom moço a iniciar os beijos, os toques, os abraços apertados. Certo era que Cida se deixava levar e ele sentia que o seu carinho era sincero, mas a sua entrega não era total.

Se ele conseguia dizer que a amava sem medo ou mácula, ela não conseguia proferir aquelas palavras mágicas.

A maior parte das vezes, Cida dormia um sono agitado, sendo acordada nas altas horas da madrugada por demónios pessoais que não a deixavam descansar.

Do lado dela, Elano dormia o sono dos justos, leve, mas com um braço em volta do corpo dela, como uma âncora de um barco que não quer largar o cais.

Na penumbra resultante da luta entre a luz e as sombras que entravam no quarto, ela o estudava sem alcançar a lição.

Até dormindo, Elano sorria. Ele se sabia feliz. Os contos de fada eram verdadeiros e ele tinha sido sugado para dentro de um. Tinha a mãe de volta, tinha Cida e tinha a certeza simples de que ela um dia iria deixar cair a última barreira que os separava e o convidaria a entrar.

Uma angústia pesada se infiltrava nela através dos lençóis, penetrando pele, músculo e osso. Elano tinha já tantos planos para o futuro dos dois, um caminho traçado, uma rota definida. O que ele tinha em certeza, sobrava em Maria Aparecida em dúvidas.

Ela resumia o futuro aos dois meses seguintes. Tendo terminado o semestre com boas notas, dedicava o tempo a um estágio de verão num jornal de pequena tiragem. Quando a certeza do momento terminasse, o mundo seria estrada aberta com um destino incerto.

Com a exceção da madrinha, nada mais a obrigava a voltar ao Brasil. Dona Valda representava as únicas raízes que a prendiam à terra que a viu nascer, mas Maria Aparecida queria ter asas para voar. Não lhe parecia possível ter as duas coisas ao mesmo tempo.

 Também Elano havia terminado o seu último semestre no topo da sua classe e se aplicava com energia num estágio num escritório de advocacia no centro da cidade, mas o modo como ele encarava o futuro era muito mais planejado do que o dela.

Com um calendário mental bem assente, o bom moço caminhava sempre em frente com a certeza de conhecer bem o terreno que calcava.

Findado o estágio, regressaria a casa com Cida. Ele não tinha dúvida de que a sua família e todo o Borralho acolheriam Maria Aparecida de braços abertos e de que ela se encaixaria no local como se tivesse lá nascido.

Um pouco mais à frente, Elano conseguiria trazer a mãe de volta ao Brasil e a família estaria completa, debaixo do mesmo teto.

Ele tinha a certeza de conseguir passar à primeira na prova da OAB, começando o trabalho no gabinete jurídico da Marra dentro do tempo previsto. Tinha sido uma sorte que Danilo lhe tivesse oferecido o cargo, mas Elano faria por mostrar que a confiança era merecida. O bom moço se via já subindo de posto na organização, criando uma carreira tão sólida quanto a família que ele queria construir do lado de Maria Aparecida.

Com tantos pontos já decididos, não seria de se admirar que Elano tivesse já pensado no que ele e Cida iriam estar fazendo na aposentadoria.

Tanto planejamento antecipado angustiava a garota que tinha passado por tantas mudanças em poucos meses. Estaria ela realmente preparada para assumir aquele compromisso ou se estaria jogando naquela história só para apagar os rastros do seu trajeto até então? Elano tinha direito a ser mais do que apenas um pequeno desvio na estrada da vida.

Da primeira vez que, inadvertidamente, Maria Aparecida ouviu Elano se referindo a ela como namorada, numa conversa casual com Maria da Penha, a estudante gelou.

Elano viajava a alta velocidade numa via expressa, mas ela estava presa em trânsito embarrilado.

Não que não se sentissem felizes nos momentos em que esqueciam as complicações das implicações.

Danilo fechava os olhos às marcas arroxeadas, presença agora habitual no pescoço de Maria Aparecida, mas não resistia à vontade comichosa de brincar com a cara do amigo:

— Olha que a Cida é moça de família. Se chegar nos finalmentes com ela, vai ter que casar.

Elano ria, com a certeza de que aquele seria o melhor castigo do mundo:

— Eu caso!

A celebração daquele dia não se prendia com uma boda, mas com um aniversário. O primeiro aniversário de Maria Aparecida que era passado longe do seu passado e perto do seu futuro.

Ainda de olhos fechados, deitada da cama, ela tateou, caminhando com os dedos pelo leito, mas já não achou Elano do seu lado. Ele não se podia ter levantado muito antes porque o lado dele da cama ainda estava quente.

 A garota rolou pelo colchão, se aninhando abraçada à almofada do bom moço, enfiando o nariz na fronha ao tentar voltar novamente ao mundo dos sonhos.

Poucos minutos depois, o sentido olfativo de Maria Aparecida voltou a ser despertado quando um cheiro a café fresco e croissant francês acabado de sair do forno entrou no quarto.

Ela regressou ao mundo dos vivos ao sentir um murmúrio grave que saía de um par de lábios encostados na sua orelha:

Buongiorno, principessa….

Era o melhor despertar que ela podia pedir para aquele dia em particular. Elano tinha feito questão disso.

Ao contrário das novelas, em que todo o mundo acorda impecavelmente maquiado e penteado, Cida tinha a consciência de ter a cara amassada e possivelmente remelenta.

Elano não se importou minimamente com isso, nem com o possível bafo matinal, quando lhe desejou os parabéns, fazendo de um beijo o primeiro ato daquele dia.

Foi o suficiente para a acordar definitivamente, mas o café da manhã na bandeja que os dois partilharam na cama ajudou a fixar o estado de consciência no mundo físico.

Como uma criança travessa, Elano desapareceu por instantes para regressar ao quarto aos pulos carregando caixas de marcas de grife, embrulhadas amorosamente, e que depositou aos pés de uma Maria Aparecida que ainda não tinha coragem de se levantar, esperando ansiosamente a reação dela.

Ela abriu a caixa com o vestido vindo expressamente de Paris, a embalagem com os sapatos tem-que-ter daquele ano e a sacola com uma bolsa de uma coleção ainda não lançada da conhecida marca Megan Parker Marra. Milhares de mulheres pelo mundo fora se roeriam de inveja por lançar mão àquele objeto de desejo, fruto da imaginação da conhecida americana.

— São os meus presentes para você. Meus e do Danilo. Bem, mais do Danilo do que meus, mas isso já você percebeu.

Ela riu e agradeceu a surpresa. Aqueles garotos conheciam bem tanto o caminho para agradar uma mulher, como as medidas precisas da garota. Era impossível que tudo aquilo não lhe assentasse impecavelmente.

O sentimento de culpa de alguém rico era uma coisa maravilhosa.

Danilo Marra tinha viajado no dia anterior para a Alemanha. No ano anterior, a empresa dos primos tinha sido o grande fenômeno de uma feira internacional de tecnologia em Hamburgo.

Em 2016, seria a vez de Danilo representar os interesses da Marra e da Brazuca perante uma plateia exigente na segunda maior cidade alemã.

Contudo, o precavido milionário não se tinha esquecido de ajudar Elano a preparar um dia em cheio para Maria Aparecida.

— Agora a senhorita tem que se apressar porque a gente sai de casa em vinte minutos.

Se, alguns meses antes, aquilo lhe causaria confusão, naquele momento partir sem saber bem para onde agradou a garota que ficou pronta ainda antes do tempo programado.

Ela quase nem franziu a testa quando desceram para a rua e viu que uma limusine os aguardava, mas abriu a boca quando chegaram no aeródromo e a avioneta já os esperava, pronta para levantar voo:

— Uau, fino! Isso é algum tipo de pegadinha? Porque, se for, eu não estou achando graça.

 A universidade era famosa pelos seus trotes, colocando os caloiros em situações inarráveis, mas aquilo era demasiado elaborado para não ser verdade.

— Como o Danilo diz: “quem tem um Marra, tem tudo”. – explicou Elano quando já se encontravam sentados dentro do aparelho.

— Não sei qual dos dois é o pior. – comentou ela em tom de recriminação brincalhona enquanto apertava o cinto.

O trajeto de voo seria muito curto, mas permitiu que aproveitassem a vista por entre as nuvens. Era ainda uma das primeiras vezes que Maria Aparecida e Elano tiravam os pés do chão, mas quanto mais passavam pela experiência de ter a cabeça a muitos metros de altitude, menos aquilo lhes causava medo.

Antes de aterrarem, o bom moço tirou do bolso um embrulho dourado que colocou no colo da garota. O bolso do casaco de Elano devia ser primo do saco do Papai Noel porque era impressionante o tamanho dos objetos que ele conseguia lá guardar:

— Esse presente é o meu para você.

Cida se apressou a rasgar o embrulho, revelando um pequeno volume de uma obra de uma escritora que lhe era cara:

— Persuasão, da Jane Austen! 

— É um livro muito bom. Nele, a autora escreveu sobre segundas oportunidades.

A encadernação era antiga, mas o couro vermelho e as letras douradas estavam imaculadamente preservadas. Elano tinha um verdadeiro talento para encontrar tesouros escondidos em pequenos alfarrabistas, mas daquela vez o milagre tinha sido operado pela paciência de Job do estudante, que não desistiu até encontrar o exemplar perfeito para presentear Cida no seu vigésimo aniversário.

 A garota se inclinou no assento para abraçar Elano, extremamente entusiasmada, praticamente se jogando em cima dele.

— É o melhor presente que eu poderia ganhar! Eu só não sei como é que você adivinhou que eu adoro Jane Austen, quer dizer... acho que nunca comentei com você sobre isso. Como é que você poderia ter acertado no presente desse jeito?

Ele não lhe quis explicar o truque de mágica que na realidade era até bastante simples. Numa ocasião, ainda eles não viviam juntos, Elano tinha ficado sozinho no quarto de Cida e, emocionado, tinha passado em revista os pertences da morena. Tinha sido o suficiente para passar a conhecer mais a fundo os gostos e preferências dela.

Ambrósio, o motorista privado contratado para aquele dia já os esperava quando saíram da avioneta.

Elano desistiu de vendar a garota para preservar a surpresa quanto ao destino. Seria supérfluo já que, apenas pelo sotaque do cavalheiro que os iria conduzir, Cida inferiu corretamente que se encontravam na cidade do Porto.

Ela continuou rindo quando já se encontravam dentro do carro em marcha, brincando com o bom moço sobre o plano furado:

— Essa não foi difícil de adivinhar. Eu devo ter comentado aí umas mil vezes que queria visitar o Porto.

Atenta às placas informativas, Cida notou que eles se afastavam do percurso em direção ao centro da cidade.

— A gente vai fazer um pequeno desvio primeiro. – explicou Elano, feliz por conseguir manter o mistério quanto ao destino inicial.

Ambrósio acabou detendo a viatura a poucos metros da entrada da Casa do Paço, não no Porto, mas do outro lado do rio Douro, em Gaia.

A propriedade era de pertença privada, mas Elano já tinha tratado de tudo para que os deixassem entrar.

— Porquê aqui? – perguntou uma Cida apreensiva, quando os deixaram a sós para percorrer os terrenos anexos à casa senhorial.

— Você sabe porquê. – respondeu Elano.

De formas diferentes, ambos davam conta das analogias aludidas, das histórias da História que se tinham entrelaçados com as deles.

No século XIV, antes de fugirem para Coimbra para aí viverem um amor proibido que iria perdurar pelos tempos, Pedro e Inês se tinham refugiado no que era então a Casa do Paço, em Gaia.

A passagem do tempo tinha sido cruel naquele chão. Era como se um vento do deserto tivesse passado por aquele lugar, apagando as marcas de quem o habitou.

Enquanto Elano e Cida caminhavam devagar pelos campos de ervas aromáticas que brotavam naquela terra, ela pensava na barbaridade de se terem destruído todas as evidências físicas do amor que lá tinha sido vivido.

Na casa, já quase nada sobrava dos tempos em que tinha sido habitada por um príncipe e pela sua eleita. No terreno em volta, muito menos havia sido preservado, pela sujeição à mãe natureza e pela necessidade de se modernizarem as culturas.

Pensativa, Maria Aparecida se deteve quando eles se encontravam entre plantas com flores arroxeadas que ela não sabia nomear, mas que atingiam a altura da sua cintura, ao avistar ao longe uma construção em pedra, um moinho do século XIV.

A garota tinha encontrado a única peça cuja teimosia tinha contrariado a passagem dos séculos, a única prova palpável de que não lhe tinham contado uma mentira.

Elano ficou sério, aflito ao constatar que Cida continuava olhando para o que não conseguia alcançar, distraída pelo que realmente estava à sua volta.

A abraçando, o estudante guiou a aniversariante para que ela entendesse a razão da visita:

— Cida, o moinho ainda vai existir durante muito tempo, mas está morto. A pedra é fria e nada mais. Olha em volta. Em volta floresce o que está vivo. Tudo isso vai desaparecer em breve, mas é real agora.

Só ali ela percebeu que também era parte de um ecossistema. Entre as plantas viajavam os insetos, as abelhas trabalhadoras e as borboletas esvoaçantes. O sol que a todos iluminava abria as pétalas das flores e mostrava todo o colorido que se estendia até onde a vista alcançava.

Não importava que aquilo não durasse muito mais do que alguns minutos. O momento tinha a força do agora e a memória o eco do para sempre.

Maria Aparecida nunca mais se esqueceria do dia do seu vigésimo aniversário, particularmente do momento em que Elano a envergou no meio de um campo de perpétuas roxas, iluminado pelo sol forte do meio da manhã e pelos sons de pássaros correndo livres, e a beijou como se o mundo fosse acabar naquele preciso segundo.

Ambrósio era um motorista maravilhoso, antecipando os desejos do casal ao longo do dia aproveitado para conhecer melhor a segunda maior cidade de Portugal.

 A cidade habitualmente cinzenta aproveitava um dos raros dias de verdadeiro céu limpo em tons de azul que combinavam na perfeição com a palete de várias cores dos edifícios que desciam até ao rio Douro.

D.Pedro podia ter sido o primeiro imperador do Brasil, mas tinha pedido que o seu coração tivesse como local de repouso final o Porto. Afinal, a cidade sempre tinha sido uma terra com mais coração do que cabeça.

Elano e Maria Aparecida se misturaram entre os casais que faziam programas turísticos românticos pela terra nunca vencida.

Muitos anos antes, a cidade havia recebido o epiteto de Invicta, por nunca ter sido conquistada por quem o tentou. Também o bom moço e a sua dama se renderam aos encantos de um passeio de barco no rio calmo, passando debaixo de pontes que ligavam o passado ao futuro.

Debruçada sobre as grades de proteção enquanto o casco do tradicional barco rabelo sulcava a água que trocava de cor sob o capricho de um sol também ele temperamental, Maria Aparecida tinha o mais apaixonado guia turístico do lado dela.

 Foi aquele o momento em que Cida percebeu que o seu coração também seria entregue naquele chão.

Foi natural e não ensaiado, sentido e não inventado; quando a garota se virou e deixou encaixar num abraço, sussurrando ao ouvido do bom moço aquilo que o vento que impelia as velas já lhe tinha dito antes:

— Eu te amo, Elano.

O garoto sentiu vontade de imitar os adolescentes aventureiros que saltavam do tabuleiro inferior da ponte D. Luís, a uns bons metros acima do nível do rio Douro, a troco da adrenalina e fama:

— Diz de novo.

Ela riu, subindo o tom de voz para que todos os passageiros da embarcação conseguissem também ouvir:

— Eu te amo, Elano!

Os coletes salva-vidas estavam a postos, mas foi uma sorte que, com o entusiamo, o casal não tivesse inadvertidamente caído borda fora.

Os restantes passageiros podiam estar batendo palmas, mas não seriam muitos a pular no rio para os resgatar.

Cida estava tão leve quanto as esguias gaivotas que planavam pelo céu, ao sabor de correntes alheias. Elano era de verdade. Era do lado dele que era queria continuar. Não importava o que viesse a acontecer desde que estivessem juntos.

Como ela tinha sido cega. O príncipe que ela tinha imaginado num cavalo branco era real, mas andava de ônibus; o mesmo príncipe que lutava pela justiça não com uma espada, mas com a lei; o guerreiro que a tinha salvado e a tinha ensinado a se salvar por si mesma.

O “e viveram felizes para sempre” seria o começo e não o fim daquela história. Entre pequenas e grandes decisões, eles encontrariam um caminho comum, servindo de apoio um do outro na estrada da vida.

Maria Aparecida já não conseguiu soltar mais Elano, nem quando subiram à Torre dos Clérigos para uma vista panorâmica da cidade, nem quando regressaram às caves do vinho do Porto para uma visita guiada.

Seria um crime terem feito a viagem sem provar o verdadeiro vinho do Porto, mas, após alguns cálices, Cida já estava mais alegre do que o usual. Foi mais uma pequena surpresa perceber que ela gostava tanto daquela bebida.

Elano quase teve que se oferecer para a levar montada nas costas quando subiram à Serra do Pilar, do lado de Gaia, para apreciar a cidade do Porto do outro lado do rio.

Ambrósio podia ser um motorista fantástico, mas não tinha conseguido permissão para os levar ao topo e o casal acabou subindo pelos seus próprios meios.

Registando o momento, Cida acabava de descobrir que tinha um talento inato para a fotografia. Parecia legado de uma outra encarnação.

Descendo para o jardim do Morro, quase em cima da ponte D.Luís, Maria Aparecida praticamente se atirou sobre um dos bancos, suspirando de alívio ao tirar as sandálias novas:

— Adorei o presente, mas foi uma péssima ideia ter trazido esses saltos.

Elano riu, mas sabiamente não teve coragem para brincar com as dores de uma mulher que se produz para ser apreciada pelo namorado e, colocando as sandálias no bolso, massageou os pés delicados do seu amor:

— Cê sabia que aquela autora de novela que você adora nasceu e cresceu aqui bem perto, ali naquela direção? – perguntou ele, apontando com o dedo.

— Lógico que sabia, Elano. Só que é na outra direção. – explicou ela, rindo enquanto apontava no sentido correto.

Aqui se fazem, aqui se pagam. O bom moço colocou a garota no ombro e a depositou sentada num muro, se recusando por momentos a devolver o calçado sequestrado.

— Vai ser sempre assim entre a gente?- comentou ele minutos depois, enquanto colocava nos pés da garota as sandálias devolvidas, segurando delicadamente na barriga da perna enquanto atava amorosamente as tiras.

— Vai ser melhor ainda, Elano. – explicou ela, abraçada a ele quando voltou a por os pés no chão, enquanto fazia um vídeo.

Elano era  um príncipe de carne e osso que ela conseguia tocar. Onde Cida tinha procurado o literal, a garota tinha encontrado o figurativo.

Ao contrário das histórias que tinha lido em criança, nem todas as princesas eram encerradas em torres contra a sua vontade, nem existiam dragões malvados, mas as pessoas se viam confrontadas por dificuldades fruto do acaso ou do destino.

Algumas almas tinham simplesmente a boa sorte de encontrar a sua metade.

Maria Aparecida passou em revista os pequenos momentos vividos do lado de Elano, as horas passadas cozinhando juntos, os compassos de espera aguardando ansiosamente a chegada do garoto, as noites dançando nos bares apinhados, as maratonas de estudo em conjunto, as terras conhecidas a dois, os momentos de choro e os momentos de riso.

Quando menos se espera, são esses os momentos que criam laços indestrutíveis. Eles tinham estado juntos nos melhores e nos piores momentos e era assim que ela tinha vontade de continuar.

Se não fosse para sempre, pelo menos pelo tempo que ela conseguisse juntar. Se não fosse perfeito para o mundo, pelo menos para eles o seria.

— Eu não queria ir embora, mas tá na hora da gente voltar. Tem uma festa nada surpresa nos aguardando em Coimbra.

Se o fato de ter passado um dia perfeito com Cida dava vontade a Elano de adiar a volta, levantando a possibilidade de estenderem a noite mesmo por ali, Maria Aparecida não parecia querer saber de celebrações, subitamente séria, assustada com a paisagem na sua frente.

Foi com um sentimento de urgência, ânsia desmesurada, que ela agarrou Elano pelo colarinho, o apertando como se com receio de que ele fugisse, e o beijou.

Era a primeira vez que era Cida a iniciar um beijo entre eles. Uma felicidade tamanha cabia num gesto pequeno. Elano se deixou levar. Também lhe tinha custado estar tão perto, mas não ainda dentro do coração da garota. Tudo finalmente estava certo.

Tudo acabou ficando errado quando Elano os rodou e abriu os olhos, encarando um Conrado Werneck que se encontrava diante deles com cara de trouxa, apertando nervosamente entre as mãos um buquê de rosas vermelhas.

O primeiro pensamento de Elano foi o de que Cida devia achar que ele era um otário para, na frente do ex-namorado, ficar com o primeiro que lhe aparecia.

Que mal é que ele tinha feito noutra encarnação para ser boicotado daquela forma?

Aquilo precisava acontecer justamente naquele minuto, sob aquelas condições? A lei de Murphy estava, como sempre, implacavelmente certa.


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Notas finais do capítulo

Neste universo, Megan é uma empresária de sucesso em nome próprio porque a bichinha merece ;). Se, em GB, ninguém chegou a Hamburgo, aqui foi a família toda kkk. Não vamos crucificar já a Maria Aparecida, porque a autora foi má e não explicou a fundo aos leitores o que lhe passou pela cabeça para ela ter feito o que fez. Beijo para todos!