Amor de Estudante escrita por Joana Guerra


Capítulo 13
Moon River


Notas iniciais do capítulo

Obrigada à Cecília por seguir comentando! (Obrigada também à Priscilla por se ter manifestado via Twitter e à Daiana Caster por ter ressuscitado “Nós estamos juntos”). A música-tema é a icónica Moon River, na voz de Audrey Hepburn (tinha que colocar uma lua algures no meio desta história, não?)



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“Moon River, wider than a mile,

I'm crossing you in style some day.

Oh, dream maker, you heart breaker,

wherever you're going I'm going your way.

Two drifters off to see the world.

There's such a lot of world to see.

We're after the same rainbow's end--

waiting 'round the bend,

my huckleberry friend,

Moon River and me.”

(Audrey Hepburn, Moon River)

 

Coimbra, 20 de Agosto de 2016

Nem o melhor planejador do mundo, o ser humano mais organizado ou o maior estratega conseguem tudo prever. Mesmo quando estamos em silêncio conseguimos ouvir a confusão impregnada no dia, na noite, na manhã e na tarde. O caos reina entre os vivos, os mortos e os apáticos.

Da mesma forma que nem a mais moderna aparelhagem de meteorologia consegue prever com cem porcento de precisão e exatidão se vai chover ou fazer sol, também o ser humano não consegue adivinhar os pequenos momentos que alteram a sua trajetória de modo invisível.

Seja aquele café que cai sobre a camisa e nos obriga a voltar para trás, o pneu que fura inesperadamente, a bolsa cheia que rompe no meio da rua ou o ônibus que resolve passar um minuto antes da hora prevista, ninguém pode ter a certeza de conseguir escapar às pequenas grandes vicissitudes.

No silêncio do caos, Elano acabava um relatório a ser entregue no escritório, sozinho na sala do apartamento do centro da cidade que dividia com Danilo e Cida.

A residência do bom moço era agora incerta. Durante muito dias após o final de tarde fatídico no Porto, Elano se tinha escondido em casa da mãe, incapaz de confrontar Maria Aparecida por não se sentir habilitado a ler na expressão da garota o que era verdade e o que era mentira.

Cida se martirizava continuamente pelo erro cometido, mas não conseguia a expiação pelo que tinha feito. Tinha sido uma infantilidade, mas, naquele momento marcante, ela tinha sentido o ímpeto desenfreado de dar o troco em Conrado, mostrando ao canalha que tinha dado a volta por cima e encontrado um príncipe de verdade para chamar de seu.

O orgulho havia levado a melhor sem que a garota conseguisse reparar a falha cometida. A vingança é um prato que se serve frio, mas uma pessoa tem que ter muito cuidado para não entornar esse recipiente sobre si, sob pena de depois não conseguir tirar as nódoas resultantes.

Os ponteiros do relógio rodavam mais uma vez em sentidos desencontrados. Se Maria Aparecida já não tinha sequer uma sombra de dúvida de que era Elano quem ela realmente amava, o bom moço questionava seriamente não o seu amor pela morena, mas sim se esse amor tinha direito a resposta ou era perdido no caminho para a destinatária.

Com as discussões prolongadas, as desconfianças e as trocas de acusações, o garoto cada vez passava mais tempo no apartamento de Maria Neide.

A senhora oferecia o colo cheio de saudades do menino perdido, mas sofria pelas circunstâncias nada felizes que afetavam o filho e também a tocavam. Se lhe fosse possível, Neide puxaria a orelha de Maria Aparecida até fazer com que a garota se arrependesse amargamente de magoar a sua descendência.

O apartamento de Danilo também se tinha tornado no palco de uma reunião familiar. Os pais do Marra haviam chegado para uma longa temporada, sem o mínimo de pressa de regresso ao Brasil.

Sílvio e Marisa bem podiam emprestar o nome para o batismo de um furacão. Parecia que eles (e as suas discussões épicas por conta de problemas de fidelidade) se materializavam milagrosamente em cada cômodo da habitação, não falhando sequer a varanda. Espantoso o espaço que apenas duas pessoas conseguiam abarcar e as intrusões causadas.

Já começava a ser muita gente para pouco banheiro. O mesmo já tinha constatado Elano numa ocasião em que estava tomando o café da manhã e Danilo fez questão de lhe explicar que tinha visto acidentalmente uma Maria Aparecida seminua saindo do banho:

— Cara, nunca pensei que ia ver os seios da Cida antes de você.

Elano cuspiu o café que borrifou uma grande área em seu redor com a eficiência de um aspersor topo de gama. Limpando com mão o líquido que lhe tinha cabido em sorte, Danilo considerou que, de fato, tinha merecido aquele banho involuntário.

O próprio milionário já tinha tido a sua dose de infortúnio com a convivência paterna e materna. Nem as tarefas do quotidiano de funcionamento da casa eram isentas de provações:

— Eu tirei a roupa da máquina pensando que aquela lingerie risqué era da Cida. Era da minha mãe, Elano. Da minha mãe! E eu toquei naquilo! – gemeu um dia o Marra.

Elano primeiro estranhou a dinâmica da família Marra, mas depois a abraçou, quando Danilo lhe explicou o que sempre tinha sido o pilar do clã:

— A gente discute muito, xinga mesmo, mas a gente se ama. Acho que já está escrito que um dia eu vou acabar tendo que viver com eles.

Era justo. Afinal também o eram todas as formas de amor.

O que continuava não parecendo muito adequado era o flirt completamente impróprio de Marisa Pinto Marra com qualquer um dos colegas e amigos do filho.

Alguém necessitava explicar com urgência à senhora que existiriam lembranças de viagem bem mais adequadas do que os enfeites na testa do marido que ela pretendia colocar o quanto antes.

Sem perder tempo, Marisa tinha por hábito passar ao ataque tentando arrancar a roupa da vítima com a mesma eficiência com que, anos antes, se dedicava a fazer depilação brasileira de olhos fechados.

Elano arregalou os olhos no momento em que, enquanto aguardava que terminasse a impressão do relatório semanal da firma, sentiu uma mão finamente manicurada apertando o seu ombro ao mesmo tempo que a sua irmã gémea desapertava sem esforço a camisa do garoto.

Impossível escapar dos Marra da Taquara sem ter a agilidade de um atleta profissional, mas naquela época Elano já estava bem treinado.

Não era a primeira vez que Marisa Marra se oferecia daquela forma, mas ela pedia algo que o bom moço nunca, em sã consciência, lhe daria.

Antes que Sílvio ou pior, Danilo, surgissem e os pegassem no flagra, Elano saiu correndo do apartamento, reabotoando a peça de roupa amassada.  

Algures entre o quarto e o terceiro andar, sentada nas escadas vazias, Cida tocava guitarra e cantava como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. Ela tinha mesmo uma voz de rouxinol e Elano não conseguiu evitar sorrir, hipnotizado pelo som.

A garota tinha encontrado o instrumento perdido no apartamento, escondido depois de Danilo o ter comprado para tentar impressionar uma certa loira, mas quando o Marra percebeu que aquilo seria um esforço inglório, acabou desistindo da ideia após nem sequer aprender a tocar uma escala.

A mão esquerda de Maria Aparecida corria pelo braço do instrumento com leveza de uma atração magnética controlada e o bom moço acabou descendo o lanço que os separava e se sentou do lado da mais recente sensação da música local.

A garota tinha cortado o cabelo uns dias antes, o que lhe retirava um pouco da aparência de menina, mas não bastava para a fazer mulher.

— Você gosta? – perguntou ela, deixando de tocar e alisando as novas mechas.

Elano não percebeu o sentido de aprovação que ela buscava, mas foi verdadeiro no veredito:

— Você fica linda de qualquer jeito. De cabelo curto, comprido, loira ou morena; você é sempre a mesma.

Ela ficou feliz com o elogio. Elano era a única pessoa de quem ela conseguia aceitar enaltecimentos. O garoto também tinha as suas dúvidas no quesito capilar:

— E eu? Você gostava que eu deixasse crescer o cabelo, assim no género daqueles músicos cabeludos que você gosta?

— Gosto de você exatamente como você é, Elano.

O bom moço não tinha a completa certeza disso. A sua memória o relembrou das várias ocasiões, multiplicadas nas semanas anteriores, em que teve que presenciar a via-crúcis de um Conrado decidido a reaver o coração que tinha jogado no lixo.

Com o arrependimento de uma Maria Madalena, Conrado Werneck queria de volta a sua Cida. O amor transforma e se transfigura de formas incalculáveis. Até um vilão se conseguia descobrir verdadeiramente apaixonado.

O ataque nuclear não deu hipótese de defesa à garota, minando o seu relacionamento com Elano com uma chuva de morteiros.

Numa ocasião, ela tinha saído correndo pelo shopping feito louca, para não ter que ouvir mais uma vez os pedidos de desculpa do playboy, mas a velocidade de fuga havia sido tão acelerada que nem daria tempo para tirar uma foto como evidência para mostrar a Elano.

O azar voltou a bater à porta na noite em que Elano se encontrava ausente e Conrado Werneck resolveu voltar a jogar a carta da serenata na porta do prédio.

Certo foi que Cida não lhe deu hipótese, atirando sobre ele uma bacia de água fria da janela do quarto andar, mas a única (e divertida) testemunha ocular do fato foi Danilo Marra.

Elano presenciou sim, em várias ocasiões, Conrado e Cida sozinhos em vários pontos da cidade. O bom moço poderia ser um brilhante advogado, mas nunca poderia depor num tribunal como testemunha. Traído pelos próprios olhos, Elano Fragoso confundiu discussões com conversas de amantes.

Não que lhe fosse possível abandonar Maria Aparecida à sua sorte. Elano nunca lhe poderia negar ajuda. O bom moço exerceu a sua profissão quando chegou a hora de evitar que os Sarmento tentassem chantagear Cida pelo valor do bilhete de avião que a tinha trazido à cidade. Melhor ainda, ainda conseguiu negociar uma indemnização pelos anos de trabalho infantil, que constituía a única segurança financeira do futuro da garota.

Maria Aparecida também tinha uma boa notícia a anunciar. Ela pousou a guitarra, encostando cuidadosamente o braço do instrumento contra a parede.

— O Danilo me ofereceu um emprego para quando eu voltar para o Brasil. Vou trabalhar como rececionista na Marra.

— Fico feliz por você.

Algumas peças se encaixavam à medida que outras se soltavam.

— Porque é que você deixou de escrever, Cida? Antes, cê andava pela casa com um caderno na mão e agora…

— Eu escrevia porque eu me sentia sozinha, sentia falta da minha mãe, mas já não me sinto assim. Antes, eu só escrevia por tristeza. Agora, eu só quero escrever quando estiver alegre.

De um clique, o impossível tinha acontecido. Haviam acabado os pequenos assuntos entre eles, os inocentes pontos em que se podiam refugiar para não se magoarem com o que realmente os preocupava.

O silêncio tomou conta daquelas escadas e a resolução de não prolongar aquele sofrimento se apossou de Elano:

— Não dá para continuar fazendo de conta. Eu te liberto, Cida.

Ela se sentiu morrendo quando percebeu que ele estava falando sério, desistindo de, mais uma vez, tentar consertar o desencontro entre eles, de acertar agulhas para conseguirem seguir juntos na mesma direção.

Elano estava indo embora de vez arrancando um pedaço dela, talvez o mais importante pedaço que ainda lhe sobrava.

— Não, Elano! Você entendeu tudo errado. Eu te amo de verdade. Não me deixa.

Cida não podia deixar que, depois de conseguir quebrar o feitiço que a fazia ter um dedo completamente podre para homens, deixasse escapar o único com quem tinha descoberto o que era amor de verdade.

Aflita, a garota agarrou o bom moço pelo braço, quase cravando as unhas para o impedir de partir para longe dela.

Haja coração para se entenderem as pequenas interferências indesejadas.

Tão concentrado estava o casal naquele momento, que mal se apercebeu da figura que subia apressadamente as escadas do prédio.

O homem-moleque abriu um sorriso quando se aproximou deles, sendo recebido de forma pouco diplomática por Cida, que se levantou de um salto:

— O que é que você está fazendo aqui?

Elano examinou de relance a figura diante deles. Um boné desgastado, os jeans largueirões completamente rasgados e uns tênis que pareciam ter sobrevivido por pouco à segunda guerra mundial. Todos os itens anteriormente analisados cobertos por manchas de tinta seca.

 O finalista de direito não tinha dúvida de que o man child se chamava Rodinei e de que a fila tinha andado de novo. Elano se sentiu um mané da pior espécie enquanto o visitante abraçava Maria Aparecida com o entusiamo de um herói que regressa da guerra.


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Notas finais do capítulo

Se, em GB, os homens não corriam atrás de Megan, Cida tem todos os “machos” lutando por ela. Parece-me justo. Quem leu “Nós estamos juntos” sabe que os receios de Danilo se tornaram realidade e que, em 2024, ele vai estar vivendo com os pais em São Francisco. Não lamentem a sua sorte. Afinal, eles vão estar vivendo numa mansão : ). No próximo capítulo: o moleque Pedro…oops Maurício…oops Rodinei fecha a sua participação nesse universo : ). (P.S.- brincadeira, gente. Eu gosto do Jayme).