Era da Opressão escrita por P B Souza


Capítulo 22
06; Jantar de negócios




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Alloggi Militari. 23/02/0165

O cordeiro assado exalava um odor que se misturava às ervas e especiarias, haviam costelas de veado, bacon marinado, filé de lagarto, avestruz cozido com mel e salmão imperial com molho oriental. A mesa ainda tinha saladas com cenouras, tomates, aspargos, pepinos e rúcula.

Para a garganta mais seca ainda haviam dezenas de bebidas diferentes, com um extenso catalogo de vinhos em uma adega móvel de inox, com temperatura controlada. Aquele jantar era apenas mais um exemplo da extravagância de Dama Diamante em seus negócios escusos. O salão era imenso, com pé-direito elevado, a sem colunas de sustentação, apenas uma grande área aberta, com a mesa no centro, além disso a pouca decoração dava aos convidados naquele lugar a sensação de pequenez, que a iluminação concentrada na mesa fazia questão de reforçar, criando a ilusão que as paredes e o chão eram um fundo infinito e escuro perdido como os limites do espaço.

Holofotes foram ao encontro da porta de bronze, que se abriu de forma automática enquanto a trombeta eletrônica soava, anunciando a chegada dela. Um emissário veio primeiro, vestido com trajes de gala vermelhos, ele se colocou a esquerda da porta.

— Dando a graça de sua presença; Dama Diamante, a primeira na cadeia de comando de Stato Cinque, apontada pelo próprio Fundador. Todos de pé.

Pela porta surgiu a mulher com cintura contornada em um vestido prateado, reluzente com mil cristais, o cabelo preso em um coque pomposo, com uma mecha caindo pela orelha, o tecido fino do vestido chegava a quase encostar no chão.

— Senhores. — Dama Diamante olhou para os homens ali presentes tentando ler cada um deles. Eles esperaram por Dama Diamante chegar em sua cadeira. Um deles se levantou e puxou a cadeira dela, para que esta pudesse se sentar. — Obrigado Coríndon.

Ela se sentou e Coríndon foi para a cadeira ao lado. Ali estavam os Cinque. Dama Diamante na ponta da mesa grande o bastante para trinta pessoas, a sua esquerda estavam Coríndon e Topázio, a direita estavam Quartzo e Feldspato.

Primeiro sentaram-se os Cinque, somente então os demais voltaram as suas cadeiras.

— Senhor Karl Von Marque, representante oficial da Capital, que prazer revê-lo. — Dama Diamante olhou para o homem ao lado de Feldspato e sorriu-lhe. — Senhor Napo II, primeiro ministro de Atlantropa. — Dama Diamante deixou o silêncio pairar por um momento, foi como se estivesse sozinha, sequer podia ouvir a respiração um do outro, ela encarou a mesa, e apenas a mesa, mas sabia que os olhos de todos estavam nela naquele instante, então entrelaçou os dedos na ponta da mesa e batendo um dedão contra o outro ergueu a cabeça e exalando completou sua frase; — Estamos aqui porque o Fundador em pessoa pediu. Todos sabemos o motivo, correto?

— Podemos cortar as voltas se focarmos em encontrar o Fruturus, senhora. — Karl Von Marque foi o primeiro a responder. Como representante dos interesses da Capital, e como amigo de infância do Fundador, o homem tinha a língua maior que a razão, uma liberdade que Dama Diamante não reconhecia, mas também não podia conter. — Com todo respeito, a reunião poderia ter sido feita tanto em um escritório qualquer como em um carro, tamanho banquete é desnecessário por um ponto de vista logístico como estratégico em um momento que velocidade é a palavra de ação.

— Desculpe senhor Marque se educação e um jantar para você é algo tão supérfluo, mas gosto de, na medida do possível, manter o conforto que nossa posição nos permite ter. E estando nós aonde estamos hoje, creio que um jantar não fará mal algum.

— Exceto caso liguem a maldita coisa.

— Se o fizerem pelo menos não teríamos de ouvir suas reclamações. — Dama Diamante então sorriu erguendo uma taça ainda vazia, mas em seguida a encheu com o decanter.

— Senhores e senhora, não vamos discutir à mesa. — Quartzo interrompeu aos dois. — Vamos aproveitar o jantar, pois todos temos de comer de um jeito ou de outro, e usar a ocasião para também resolver os problemas da nação, tal como devemos fazer.

— Exatamente. — Dama Diamante anuiu para Quartzo, que de forma educada apenas reforçou a ideia dela. — O caso Fruturus, dinheiro o bastante para comprar tudo que há para se vender e o falecido Rei deixou que isso acontecesse. Eu há muitos anos sugeri que o projeto fosse sediado em Atlantropa ou em Port Said, imaginem minha frustração ou ouvir a notícia.

— Atlantropa teria, de fato, sido uma escolha de muito bom gosto. — Napo II disse com um orgulho em sua fala.

— Exceto pelo fato da cidade flutuante ser um banco e não um laboratório. — Karl retorquiu cortando o homem.

— Dinheiro, senhor Marque, é o que se precisa para tudo. Inclusive para construir laboratórios, ou devo lhe lembrar que apesar da existência da estrutura, foi o dinheiro de Atlantropa que financiou a viabilidade do projeto em Londres. Dinheiro esse perdido ao que parece!

— Não vamos nos prolongar debatendo possibilidades passadas, isso não levará a lugar nenhum, se não criar animosidade aonde não há. Então porque não criarmos uma base para daí partirmos em um plano de ação frutífero. — Coríndon propôs enquanto cortava um pedaço de avestruz. — Sabemos como perdemos sabemos quem foram os responsáveis por cada erro ao longo do caminho. Vamos agora encontrar uma forma de recuperar.

— Isso se eles não o tiverem destruído. — Napo sugeriu rolando os olhos.

— Os localizadores internos e externos estão desativados, o controle automático também está desativado o que significa que seja quem for que o têm, sabe lidar com sua tecnologia, e o abriu até a segunda camada desativando a fonte de alimentação, ou seja; é impossível de rastreá-lo pelos meios convencionais. — Feldspato emendou no gancho de Coríndon para trazer toda a informação que tinham sobre o caso antes que mais alguém soltasse mais alguma farpa e a discussão reacendesse.

Dama Diamante, no dia em que soube do furto, deu o dever a Feldspato, junto com o dever ela entregou os planos, mapas de montagem, diário de controle e tudo que conseguiu pôr as mãos através dos acordos internacionais, mas a maioria desses dados estavam sob posse dos laboratórios nas Terras Régias, e quando o governo caiu, não havia alguém para fazer o envio desses documentos. Feldspato então tomou a dianteira do serviço, assim seu irmão Ortoclásio quem fazia boa parte das aparições públicas, já que ele estava sempre ocupado tentando desvendar o funcionamento e paradeiro do maior investimento já feito na Nova Era.

Porém ele ter conhecimento dessas informações era algo sensitivo demais para Karl Von Marque e Napo II, o projeto Fruturus era considerado como o mais secreto em toda a Fundação, alguns líderes de nações conheciam, mas poucos sabiam o que o projeto fazia, menos ainda tinham conhecimento sobre sua estrutura. Ao ouvir a fala de Feldspato, Karl eriçou as sobrancelhas olhando para o homem.

— Como sabe...

— Ele é meu encarregado para cuidar dessas questões, como bem sabem tenho uma nação para gerir, uma invasão para conter e o Fruturus para recuperar. Certas tarefas devem ser delegadas, não somos Cinque à toa. — Dama Diamante retorquiu antes que Karl pudesse terminar e Feldspato pudesse tentar responder.

— Ótimo, então senhor; O que sugere que façamos? — Karl perguntou olhando para Feldspato com desdém.

— O projeto possuí muitas travas de segurança que talvez não saibam, por isso vamos ter um pouco de história. Agora que estamos no mesmo barco e não vamos sair dele até encontrarmos o baú do tesouro, é bom estarmos todos juntos no que sabemos e no que não sabemos. — Feldspato se ajeitou em sua cadeira e pigarrou limpando a garganta para começar. — O Fruturus foi um projeto caro, o mais caro até então. Atlantropa era a única que possuía dinheiro o bastante para fazer esse investimento, mesmo assim não foi a única a investir. O projeto em si não nasceu em nenhuma colônia, foi incorporado por nossos cientistas mais brilhantes ao que já existia, um rascunho inacabado, uma possibilidade sem fim. Devido a comodidade de existir um laboratório da Primeira Era em Londres aonde as Terras Régias se situavam que possuíam a tecnologia que precisaríamos, escolhemos sediar lá o projeto para cortar os gastos que já seriam enormes. Fizemos o necessário então, o Fruturus começou a ser desenvolvido lá, com o investimento de 60% sendo feito por Atlantropa e os demais dividido nas outras colônias. Devido a taxa de investimento o Fruturus, quando pronto, ficaria em Atlantropa, mas disponível para uso em todas as colônias, caso os líderes destas assim quisessem. O início oficial do projeto é em 157, quando chegou os materiais necessários para a construção da... Arma. E também por volta dessa época que as Terras Régias começaram a enfrentar problemas. Quando o projeto já estava em andamento, os relatórios de progresso eram enviados periodicamente para as nações investidoras, isso é; todas. O Fruturus era dividido em três níveis, o primeiro e externo uma crosta de proteção com um localizador, fácil de achar e desligar, também possuí uma interface de controle codificada. A segunda camada possuí o segundo rastreados e a peça de controle automática para que o Fruturus seja controlado remotamente a partir do laboratório credenciado, o que àquela altura era apenas o laboratório das Terras Régias. E a terceira camada possuí o Fruturus em si, mas o que nos importa são os recursos de segurança, após o primeiro rastreador ser desativado o Fruturus só pode ser usado remotamente pois a interface também é desligada, o segundo rastreador então só pode ser desativado remotamente pelo laboratório credenciado, uma vez que é impossível acessar o segundo nível sem quebrar o primeiro, e os três níveis foram construídos de forma interconectada, se quebrar o primeiro nível os três quebram e o Fruturus perde sua utilidade.

— O laboratório nas Terras Régias foi destruído na guerra civil, não? — Karl perguntou.

— Destruído ou sitiado. De qualquer forma o laboratório possuía uma backdoor no sistema, quando descobrimos o que acontecera, a partir da Fortaleza de Saint-Michel o próprio Fundador desativou o laboratório garantindo que os rebeldes não pudessem ativar o mecanismo remotamente e usar sua capacidade contra nós.

— Então os rebeldes têm a arma, mas não podem utilizá-la? — Napo pareceu respirar aliviado com a possibilidade.

— Não sem reativar os mecanismos, o que é impossível com o laboratório credenciado desativado, e eles simplesmente não possuem meios de tomar Saint-Michel, para reativar o laboratório, o que torna o Fruturus um brinquedo quebrado na mão deles. — Dama Diamante respondeu com ar de superioridade, como se a situação estivesse sob controle.

— Porém... Existe uma forma. — Feldspato disse com cuidado. — O Fruturus em si não são suas camadas externas, estas são controladores. O que importa é o núcleo. Se eles abrirem...

— Mas você disse que se tentarem forçar o Fruturus, as camadas se autodestroem. — Karl interrompeu, subitamente preocupado.

— Sim, eu disse. E sim, é o que elas fazem, mas devido à natureza secreta do projeto nem mesmo os relatórios mais completos continham informações completas. Dessa forma não sei muito a respeito do núcleo, apenas que, ao que tudo indica, não pode ser destruído. Então, caso os rebeldes tenham também essa informação, eles poderiam quebrar as camadas externas para acessar o núcleo e religar o Fruturus direto da fonte, mas vale lembrar que a fonte de energia não possuí o mesmo efeito que o Fruturus em si, portanto se eles acessarem o núcleo terão de reconstruir a camada interna que cria o efeito desejado, ou o Fruturus é apenas uma bateria sem fim. O ponto é; Eles podem destruir as camadas controladoras, mas se o fizerem não terão como utilizar o Fruturus, e o único lugar com tecnologia o bastante para criar um novo controlador é nas Terras Régias.

— Está dizendo que não temos porque nos preocuparmos com isso então? — Napo questionou. Ninguém mais comia, a discussão tomara a atenção de todos.

— Estou dizendo que, se de alguma forma, e sugiro até mesmo que permitamos a eles acesso remoto ao laboratório, o Fruturus for ativado; Nós teríamos meios de rastreá-lo imediatamente. — Feldspato pontuou. — E assim chegaríamos também aos rebeldes em si.

— Sugere que entreguemos a maior criação nas mãos dos rebeldes que destruíram uma nação apenas com armas? Consegue imaginar o que eles poderiam fazer com o Fruturus?

— Esqueceram que aqui é Stato Cinque, não as Terras Régias. — Dama Diamante cortou Karl novamente e o olhou com rudeza. — Se pudéssemos rastrear a localização desses rebeldes eu os teria executado antes do fim do dia.

— Palavras bonitas, mas não as escreve como as diz. — Karl retorquiu. — A verdade é que o Fruturus na mão dos rebeldes causa tanto terror em seu coração que até mesmo tirou sua filha daqui, temendo pela segurança dela. Se confiasse realmente em seu governo teria feito tamanho sacrifício pessoal?

— Rhaina é a herdeira da Fundação, não confunda uma medida preventiva com fraqueza. — Dama Diamante respondeu com a voz falhando, subitamente tomada por tola por aquele homem.

— Supondo que eles desativem os rastreadores de alguma forma, ainda teríamos como rastrear? — Napo II cortou o caminho da discussão entre Karl e Diamante, voltando-se para Feldspato.

— Então usaríamos a energia. — Feldspato respondeu prontamente, tentando manter a linha da conversa ali, sem mais brigas. — O Fruturus é móvel, não precisa estar ligado à energia, ele mesmo é uma fonte de energia, mas precisa de ignição. Acredito que agora esteja “descarregado”, para dar partida na ferramenta a quantidade de energia necessária é descomunal, podendo ser rastreada na rede elétrica, o que revelaria o local aonde o Fruturus se encontra, agindo depressa antes que eles movam a peça, poderíamos deter rebeldes e recuperar a tecnologia. Temos um General controlando a ação em busca dos rebeldes e a estação de energia está de sobreaviso para qualquer desvio, também temos um contingente militar pronto para ação caso encontremos os rebeldes e o Fruturus.

Então alguém bateu à porta. Abrindo-a em seguida. Um guarda entrou marchando até Dama Diamante, se ajoelhou ao lado da cadeira e cochichou algo em sua orelha. Todos observaram o homem que em seguida se levantou e foi embora dali fechando a porta atrás de si.

— Nossa prioridade então é deter os rebeldes. Se conseguirmos, por extensão recuperamos o Fruturus, correto? — Dama Diamante propôs. Todos anuíram. — Napo e Marque, vou lhes falar o que tenho em mente, mas vou precisar usar vocês para isso!

— Fora de cogitação. — Karl riu em deboche.

— Em troca assinarei o repasse da minha parte do Fruturus para vocês, assim essa ferramenta jamais poderá ser usada em Stato Cinque, e Atlantropa e a Capital terão mais poder de decisão no uso do Fruturus.

— Eu sou um representante, não tenho autonomia para tomar essas decisões.

— Eu aceito. — Napo II respondeu para ela sem titubear, diferente de Marque. — Qual o plano?

— Na hora certa vocês saberão. — Dama Diamante sorriu, mesmo sem Marque, apenas Napo II deveria ser suficiente, apenas um já seria o bastante para acabar com aquilo de uma vez por todas.


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