Era da Opressão escrita por P B Souza
Rosa e Garofano. 22/02/0165
Grino estava apoiado na balaustrada há vinte minutos desde que tinha levantado da cama. Olhava para o armazém dali de cima da pequena sacada interna, podia ver todas as fileiras de corredores de carga empilhadas, podia ouvir o som dos homens trabalhando, as ordens, o cheiro da reciclagem e dos tecidos sem tratamento.
— Bom dia. — Sony disse atrás dele, saindo do quarto. — Finalmente voltou para a cama.
Grino se virou e deu um sorriso simpático, olhando em seguida para o armazém novamente. Lá em baixo Russel mandava e desmandava. Grino e sua equipe moravam naquele antigo escritório, desde o dia que haviam chegado ali pelos tuneis de drenagem da mare, o SEDEC. Fazia apenas seis dias, mas em seis dias Grino descobriu um mundo novo com pessoas novas cheias de expectativas e seu maior medo era falhar com elas. De alguma forma ele se sentia mais fraco ao invés de mais forte, mais inexperiente ao invés de sábio, como se Londres o tivesse fragilizado, lhe trincado, arrancado pedaços e o que estava ali era apenas o que sobrou do Rider de outrora.
— Estava pensando se não devíamos achar algum lugar melhor para ficarmos.
— Não sei… Somos vinte e nove com a Alayza. — Sony se apoiou na balaustrada junto de Grino, então com tom de piada completou; — Está pensando em alugar um hotel, ou pedir asilo político pro estado?
— Eu só não quero que Russel ou os trabalhadores se machuquem caso… O pior aconteça. — Grino respondeu sem o mesmo humor de Sony. — Ontem quando escrevia pensei sobre o guarda que Ennie matou, eles chegaram aqui, mais perto do que eu esperava, mais rápido que eu esperava.
— Não sabem ou imaginam de nada, foi uma coincidência, e Ennie moveu o corpo rápido o bastante para que não notassem uma parada misteriosa no histórico do rastreador. Você intimidou o outro também, estamos seguros, por enquanto pelo menos.
Grino olhou para ele, conhecia Sony bem o bastante para entender que ele queria algo, o seu tom de voz não estava normal, era o tom de voz de quem espera uma pergunta.
— Qual o plano agora? — Grino cedeu. Segurança era algo relativo e quase inexistente. Quando se mexia com aquele tipo de inimigo não havia algo como um lugar seguro, eles sempre iriam ser alvos, caso não fossem, não estavam fazendo o trabalho direito.
— Não vai sugerir que fiquemos na moita, deixar a poeira baixar…
— Eles estão com medo, eu tenho certeza que estão. Se agirmos agora, corremos risco, mas podemos ganhar muito também.
— Então vamos usar o que pegamos do trem. Vamos ao seu plano original.
— O plano original só vai funcionar se tivermos poder para isso. — Grino interveio na fala de Sony. — Mas ouvi falar de armas, pode ser um começo.
— Eu também já ouvi os rumores, perto do posto de troca de distritos, ouvi guardas falando. Inclusive ouvi um nome muito familiar seu. Tridal.
— O Rei tinha contratos com ela e uma outra companhia de transporte, além da transportadora do Fundador. — Grino falava de seu pai apenas como o monarca, nunca como de fato um relativo. — Ele mandava drogas de Vishesh Bhoomi para as Terras Régias aonde mantinha os distritos mais pobres afundados em vício, e em dívidas. Mas não vi problemas com drogas por aqui.
— O Rei usava a Tridal para drogas, mas não significa que a empresa só transporte narcóticos. — Sony respondeu. — É uma transportadora, não uma farmacêutica. Aqui em Veneza eles traficam armas e não drogas.
— O diretor ainda é Lorenzo?
— Sim, o próprio. — Sony pontuou.
Então os dois se viraram e começaram a descer a escada rumo ao armazém.
Grino conhecia Lorenzo Gonzáles apenas de vista, e apenas uma vez, quando o homem visitara o palácio nas Terras Régias, no geral ele ficava em Atlantropa.
— Estou pensando, a Tridal é corrupta, isso já sabemos, porque não a nosso favor? Um fornecimento pessoal de armas para a revolução.
— Porque não temos o dinheiro necessário para pagar pelas armas e é mais interessante ser aliado do estado que do revolucionário? — Sony então riu. — Nosso ramo não é exatamente bem visto pela sociedade até termos sucedido na missão.
— Mas precisamos de aliados para isso.
— Acho que a Tridal não é um desses aliados! — Sony exclamou. Grino concordou com ele, de certa forma era esperar demais uma aliança com uma empresa que apoiara por tanto tempo o Fundador.
— Então vamos roubar deles. — Chegaram no armazém e Russel aos os ver veio até os dois. — Descubra quando o carregamento chega, e então nos planejaremos de acordo.
— Vou descobrir. — Sony anuiu.
Russel chegou até eles e sorriu, cruzando os braços.
— Rapazes. — Balançou a cabeça. — Como foi dormir em uma cama novamente?
— Tão bom quanto derrubar o estado. — Grino respondeu. — E nosso prisioneiro no túnel?
— Vivo e alimentado, como você faz questão que seja. — Russel disse com desdém. — Do que falavam, se não importam-se em dizer?
— Programas para conseguir armas. — Sony respondeu ao ver que Grino não se incomodaria, era uma rápida troca de Olhares e Sony podia dizer se Grino estava ou não de acordo com qualquer coisa.
— Vão tentar o trem ou carregamento? — Russel perguntou, apontando para os fundos do armazém. Eles começaram a andar juntos.
— Então você sabe das armas? — Sony inqueriu. — Me viu ontem quantas vezes tentando e fracassando em invadir o sistema do governo, por que não disse nada?
— Porque então não sabia o que estavam atrás. Agora sei. — Russel deu de ombros. — Vamos comer um pouco, tem um bar na esquina, muito bom. — Desconversou enquanto passavam por alguns trabalhadores. Então saíram do armazém pela porta dos fundos, direto no beco aonde Ennie matara um guarda. Dali foram para a via. — E é bom que saibam, porque a estação de trem real ficava nesse distrito, mas foi fechada e cercada, é parte integral de L’Armeria, o que significa fora dos limites.
Eles sequer cruzaram a via, apenas andaram um pouco e Russel apontou para que entrassem em uma espécie de casa, mas dentro o espaço era feito com balcões e mesas, estava quase vazio. Eles tomaram três banquetas no balcão.
— Então caso decidam tentar o carregamento em transporte para fora daqui, deviam saber que nenhuma carga passa por Rosa e Cravo, tudo é levado por Dito Grasso, e às vezes por Tutte Quartieri. De qualquer forma, longe daqui, de nós. Impossível chegar lá por terra, nem m
— E por baixo da terra. — Grino perguntou. — Pelos túneis?
O homem atrás do balcão veio até eles em seguida.
— Bom dia Samuca. Pode trazer três maças e café. — Russel disse pegando algumas moedas e as colocando no balcão. — Pra mim uma dose de Rum extra.
Russel olhou para Grino para lhe responder, mas antes que o fizesse, Sony respondeu.
— Não posso fazer nada sem invadir o sistema do governo e baixar as plantas da cidade, eu só tenho o que mapeamos, e é bem pouco. E não consigo invadir o sistema por tempo o bastante sem comprometer nossa localização.
— De qualquer jeito, você disse algo sobre trens para fora daqui. — Grino estreitou os olhos e enrugou a testa, pensativo. — O que Sony achou são carregamentos vindo, não saindo.
— E vocês querem sucata para quê? — Russel riu. Samuca trouxe o rum e os café, junto de uma maça para cada um deles. — O que volta, volta porque é lixo. São armas ruins, que não funcionam, além de metal para reciclagem de tudo quanto é tipo, de latinhas até pedaço de carros. Essas voltam mesmo para Rosa e Cravo, porque são recicladas aqui, e as barras de ferro fundido são devolvidas para o setor industrial para serem manufaturadas novamente. Eu sei, é um saco ver seu plano inteiro ir por água abaixo, mas admito que você é rápido com ideias, só precisa de algo que eu tenho; experiência!
Riu, e virou o rum.
— Engraçadinho. — Sony mordeu a maça, e rolou os olhos.
— E então vamos pular essa parte. — Grino pareceu se frustrar, bufou enquanto jogava colheres de açúcar no seu café. — Russo, eu ainda tenho os planos de ir atrás do diretor ou dono da Tridal, Gonzáles, Lorenzo…
— Impossível. — Russel interrompeu ele de uma só vez. — A Tridal é… Patriota demais para ser convertida à sua causa. Acredite.
— Então como conseguiremos armas? Roubando guarda por guarda? — Grino se estressou e deu um soco no balcão. O pessoal em uma mesa olhou para eles. Russel ergueu a mão para eles sinalizando que não fora nada e riu, desviando o olhar até Grino.
— É bom que seja discreto, ou não precisara de armas, pois vai acabar preso, e pela Nova Lei; morto.
Grino pensou em responder, mas não valeria a pena, pois Russel estava certo. Respirou fundo, não podia se perder nos pontos que desfavoreciam suas ações, precisava saber focar no que lhe impulsionaria para frente e lhe traria os resultados que todos mereciam; a liberdade.
— Bem, se um dia conseguirem as armas, tenho alguém que precisa de uma lição, um homem muito malvado. — Russel pegou sua maça, jogou para o alto e a agarrou com a outra mão. Então sorriu para os dois e saiu dali deixando as moedas no balcão.
— De quem ele estava falando?
— Não importa agora. — Grino disse para Sony. — É isso que importa…
Grino colocou a mão no bolso e tirou o pedaço de pano com o cubo de bordas arredondas, branco-esverdeado. Sony olhou aquilo com calma e então olhou para Grino;
— É o que eu penso que é?
— Preciso que descubra o que realmente é. Tenho a impressão que Russo tentará algo, com ou sem armas contra alguém muito malvado. — Grino imitou a voz de Russel no final.
— Acha que ele vai tentar nos usar para uma vingança pessoal? — Sony ponderou no final.
— Acho que podemos usar isso como oportunidade, e todos saem ganhando.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!