Era da Opressão escrita por P B Souza


Capítulo 14
13; Saindo das sombras




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Rosa e Garofano. 19/02/0165

Sony bateu na porta do escritório transformado em quarto. Era começo de dia, então todos estavam andando pelo distrito, seguindo as ordens de Ennie, reconhecer e entender. Todos, exceto Alayza.

A garota sardenta olhou para Sony entrando no quarto. Ele fechou a porta e sorriu para ela, isolando os dois naquele mundo à parte que se tornara o cômodo.

— Imagino que a essa altura já tenha lido o diário, pelo menos a metade dele.

Alayza abaixou o rosto se sentindo subitamente pressionada por Sony, que nada tinha feito além de lhe ser gentil até agora, porém vinha com aquela acusação agora.

— O quê… não, eu…

— Não mente, pirralha. — Sony sentou no pé da cama. Alayza se encolheu, abraçando os joelhos com os braços, olhando para ele com cautela. — Se soubesse da missa um terço…

— Como…

— Esqueço que vocês não são muito ligados a cultura antiga. — Sony rolou os olhos. — Enfim, você é até bonitinha, mas não dá para o Grino se apaixonar assim, ele é burro demais. — Sony dizia como se falasse com outra pessoa e não com a própria Alayza. Ela mesma não estava entendo nada. — De qualquer forma, você mente muito mal, o diário do travesseiro é como uma versão de bolso, eu escrevi a pedido dele, só com o que importava pra ocasião, tirei os trechos dos originais, que ficam comigo. E ficam trancados, sabe. Três chaves, uma comigo, uma com o Grino e outra com a Ennie. Porque tanto segredo, você deve pensar… Bem, o diário é aonde está as ideias para a revolução, os planos, tudo.

— Por que está me contando isso?

— Para você entender, isso é uma isca. — Sony apontou para o travesseiro. — É pra quem quiser conhecer ele, entender ele. Mas não é a verdade completa, sabe? Ele disse uma vez “A dor que eu senti não desejo ao meu inimigo, senti minha alma ser estraçalhada, enquanto meu corpo queimava e embora soubesse que toda aquela dor passaria, sua demora foi eterna. Eu desejei a morte várias vezes, mas meu inimigo vivo me impedia de morrer e eu preciso viver, mesmo sabendo sempre que não vou conseguir terminar meu dever. Eu acredito na minha mentira e talvez isso que me mantenha vivo, mas no final eu não vou conseguir e sei disso. No final isso me matará, e mesmo com toda essa dor, a maior dor possível seria conseguir completar meu mais sórdido objetivo”. Eu lembro quando li, letra por letra.

— Ele tem problemas…

— Você tem problemas, eu tenho problemas. Ele tentou se matar por causa do que precisava fazer, para fugir da responsabilidade do que começou. Eu impedi sete vezes, a Ennie já perdeu as contas. Mas ele nunca deixou transparecer, nunca deixou as pessoas saberem. Para todos ele é Rider, e sua missão era clara. Derrotar o Rei.

— O pai.

— Grino não possuí pai. Possuí um inimigo, o Rei. Ele mentia para si mesmo dizendo que seu pai havia morrido naquela discussão que você deve ter lido, mas não leu a parte que ele enterra a memória do próprio pai. Os momentos felizes dele são raridade, dá pra contar nos dedos, e a memória de seu pai é a única coisa que fazia ele ser bom. O Rei antes parecia alguém bom, eram mentiras, Grino via apenas o que seu pai lhe mostrava, mas para uma criança era o suficiente.

— Ele criou uma imagem que não era real.

— Mas era para ele. — Sony completou. — Ele falava para si mesmo que o pai era um monstro, mas suas lembranças diziam o contrário, e a cabeça… Mesmo quando sabemos a verdade a memória gosta de criar truques conosco. Como odiar a única coisa boa que você conhece? O irônico é que os ideais de bondade, justiça, igualdade, honestidade… Todas as coisas boas que Grino prega, vieram de seu pai, das mentiras dele. E todas as coisas ruins também vieram dele, de quem o Rei realmente era. É difícil se espelhar na falsa impressão de um homem cruel para criar um mundo aonde as mentiras sejam feitas verdades e a verdade seja apagada.

— Por que está me contando essas coisas?

— Pra você entender, Alayza. — Sony então perdeu qualquer resquício daquele cara jovial e brincalhão. Se levantou e olhou para a saída, então encarou Alayza uma última vez. — Grino é meu amigo, do tipo que ninguém consegue duas vezes na vida. E ele de alguma forma viu algo em você, eu não vou julgar ou questionar, porque acredito que todos temos potencial para grandiosidade, mas eu te disse; ele sofreu demais para os pouquíssimos momentos de felicidade. E eu não vou permitir que ele se machuque mais, então pense duas vezes no que está fazendo aqui, e no que nós estamos fazendo aqui. — Sony olhou para o chão, e então pensando em tudo o que estava acontecendo, olhou para Alayza mais uma vez. — E eu provavelmente não devia falar isso, mas já temos um plano para tirar sua mãe da prisão. Se Ennie concordar, seguiremos em frente. Então se eu fosse você iria falar com ela e pedir por ajuda. Eu provavelmente também não devia falar isso, mas inevitavelmente você faz do trio um quarteto e Russel junto vira um quinteto. Então é bom que saiba, Ennie sempre amou e ama o Grino, você pode usar isso ao seu favor, ou contra você, basta ser esperta.

Piscou para Alayza com um olho só, e então deixou a menina no quarto, sozinha com aquelas informações. Ela olhou para a porta, inerte nos pensamentos por mais alguns momentos, então afundou a cabeça no travesseiro com vontade de berrar, de lutar, de chorar… Bancava a durona, mas o que estava fazendo ali? De verdade? Sequer sabia!

*****

Russo voltou para o laboratório aonde encontrou Grino e seu prêmio tão esperado. Russel viu que o capitão estava bem melhor que outrora, embora ainda estivesse abatido, e agora algemado.

— Dei de comer e água para ele. Está desidratado.

— Esse é Tanoos Henlook, Rider. — Tanoos olhou para os dois ao ouvir o próprio nome. Grino olhou para Tanoos e depois para Russel. — Capitão da Strike Sete, a força tarefa que os recepcionou na estação de L’Armeria. A mesma que vai começar uma revista de rotina daqui há pouco, que provavelmente vai acabar com mais mortos e casas em chamas.

Russel havia saído em busca de informações, e pelo visto as havia encontrado.

— Você ordenou isso? — Grino passou de um tratador educado para um algoz perigoso. Se abaixou olhando para Tanoos.

— Calma, Rider. O Senhor Henlook aqui foi expulso do seu grupinho, aparentemente por ter fracassado em lhe deter. Estava hospitalizado, com a perna quebrada, e fugiu do hospital. Não sei como foi parar nos esgotos, mas tem uma recompensa na cabeça dele, por, olhe só isso; homicídio, traição, agressão contra oficial, roubo de propriedade do estado, e outras coisas mais. Estão até dizendo que ele facilitou para você, Rider.

— Não está pensando em entrega-lo…

— Me tem em tão baixa estima. — Russel olhou para Grino com uma expressão de choque. — Este aqui vivo tem muito mais valor para mim.

— Eu não… Não trabalho mais para eles. — Tanoos gaguejou as palavras

— Sim, o porquê é um mistério. — Russel rebateu, de braços cruzados. — Se recomponha, Tanoos. Voltaremos em breve.

Russel puxou Grino para o laboratório, e fechou a porta do túnel de drenagem da SEDEC, deixando Tanoos na escuridão completa. No laboratório meia dúzia de homens desmontavam e encaixotavam o restante dos equipamentos de laboratório, enquanto colocavam panelas e talheres por todos os lados.

No laboratório, Russel olhou para Grino e ponderou;

— Só de ver seu rosto já sei o que está pensando. Ele pode pôr tudo a perder, se abrir a boca… Você meu caro, é um desconhecido com um apelido fofo. Eu não! Meu nome é lembrado nesse distrito e em outros. E nesse exato momento uma patrulha está vindo para cá, revistar o armazém. O que vamos fazer? Entregar Henlook como moeda de troca para me deixarem esconder rebeldes e produzir substâncias químicas ilícitas?

— Eu vou fazer. Você vai manter a calma. — Grino respondeu. Não era sua ideia original, mas poderia dar certo. — Tanoos, assim como Alayza, ficam sob minha responsabilidade. Eu vou atrás desses guardas fazendo essas vistorias, vou garantir que não passem aqui, nem hoje nem nunca.

— Você não tem esse tipo de poder. Não aqui.

— Vai ver em primeira mão o quanto de poder eu tenho. — Grino respondeu. — O que tem a perder? Meus rebeldes já estão dispersos, seu laboratório praticamente desmontado. Mantendo o capitão calado no túnel, mesmo que eu não consiga impedir a revista, o que eles encontraram?

— Além de vinte camas vazias no que deveria ser um escritório? Nada!

— Isso é um armazém, você armazena camas. Aprenda a usar suas desculpas de forma mais convincente. — Grino disse para o homem, indo para fora do laboratório, rumo ao armazém.

— Aonde você vai?

— Resolver o seu problema.

Grino passou pelo que estava usando de cama improvisada, em uma mochila puxou seu capuz e pegou os dois bastões retrateis, guardando-os nas costas, entre sua calça e o corpo.

Assim que passou pelas estantes rumo a saída, encontrou Ennie e Sony conversando baixinho enquanto olhavam para a via quase deserta. Era horário de almoço, porém graças a revista do Strike7, não se via ninguém nas ruas.

— Ennie, vou precisar do Sony.

— Vai?

— Uma questão de urgência. — Grino respondeu. Então Ennie deu de ombros e deixou que Sony fosse com Grino.

— O que foi agora?

— Um homem apareceu, capitão da guarda que nos atacou na estação, parece que ter falhado lhe custou quase a vida. Ele fugiu e está sendo procurado, Russo está mantendo ele como prisioneiro nos tuneis de drenagem por onde viemos. Mas uma nova raide vai acontecer, e se pegarem nós, ou o próprio capitão expulso da força, as coisas podem desandar bem depressa. Eu acredito que conseguimos inverter o jogo se nos juntarmos ao capitão expulso, mas é preciso agir rápido. — Grino e Sony andavam pela via circundando o armazém de Russel. — Está acompanhando?

— O que pretende fazer? — Sony rebateu, sempre acompanha qualquer linha de raciocínio, as demais pessoas que não conseguiam acompanhar o raciocínio dele, não o contrário.

— Preciso impedir que a guarda faça uma vistoria no armazém, mas que pareça que fez. Preciso de um oficial corrupto.

— Entendi, e pra que precisa de mim?

— Rastreio. Uma vez você me disse que o Fundador lançou um foguete para as estações espaciais, na tentativa de reativar satélites, consegue invadir algum deles?

— Não sem uma mesa potente para isso, meu tablet não aguenta o processo sozinho.

— Então arrume outro jeito. Vou estar com o comunicador o tempo todo, codinomes, apenas. Não me deixe cego por ai. Posso contar com isso?

Grino olhou ao redor e colocou o seu capuz, prendendo-o na gola da camisa, ativando o comunicador no próprio capuz.

— Vai sozinho?

— É uma missão simples, quanto menos atenção melhor.

— Sabe que depois disso vou ter que destruir mais um tablet né?

— Temos muitos ainda? — Grino perguntou. Quando deixaram Londres, deixaram também todo o estoque que tinham, trazido o mínimo para sobreviver ali, apenas o vital.

— Mais quatro só. Isso é realmente necessário, não quero perder um tablet à toa.

— É! — Grino disse por fim. E então saiu andando.

Toda vez que Sony precisava invadir qualquer coisa sem tempo para se preparar, ele era rastreado, e então precisava se desfazer de sua tecnologia, preparar outra. Toda vez que Grino se precipitava eles perdiam um tablet. Sendo assim, Sony começou a criar o backup dos arquivos, e se distanciar do armazém.

“Rider, estou conseguindo acesso em breve. Faça varreduras visuais e me passe o que ver”.

Grino abriu um sorriso enquanto andava. Adora a mudança no tipo de conversa que tinham quando em ação. Era como se a máscara realmente fossem parte deles, e as personas criadas tomassem conta.

— Entendido Arachnid.

Grino olhou para trás, estava tudo tranquilo demais. Poucas ameaças possíveis, poucas testemunhas, e, consequentemente, poucas formas de despistar atenção indesejada. Ajeitou o capuz de tecido preto, agora ele era Rider, uma antiga palavra dos tempos da Primeira Era, significa cavaleiro, não usada há muito tempo um inglês antigo até mesmo na primeira era.

“Consegui invadir uma central deles. Os uniformes são rastreados, podemos localizar os ativos neste distrito. A encriptação deles é boa, logo vou ser desconectado, precisa ser rápido”

— Temos quanto tempo?

“Impossível estimar. Nunca vi esse tipo de firewall antes” — Sony disse do outro lado, parecia alarmado. “Sequer sei dizer se eles podem me rastrear ou não, vou ter que reescrever… Contato eminente. Patrulha solitária vindo do sudoeste. Dois quarteirões”

Rider olhou para trás, estava agora em uma via, mas caminhou até um beco.

— Caminho alternativo?

“Segue o beco, tem uma fresta entre casas. Você deve passar”. Seguiu o que Sony dizia.

Se viu, na verdade, em uma casa incendiada, a fresta nada mais era que o lugar aonde antes deveria havia uma parede que ruirá.

— Alvo?

“Quinze segundos para contato”.

Rider se embrenhou pelos destroços até se esconder na fachada da casa incinerada, respirou fundo.

“Cinco, quatro, três, dois, um”. O guarda então passou por Rider.

O homem usava o colete acinzentado do Stato Cinque passou pela parede aonde Grino estava encostado do lado interno, não o viu. Mas então Grino assoviou.

Recuou dois passos, fazendo seu corpo ser visto. O guarda parou e olhou para trás, vendo o homem encapuzado dentro da residência destruída.

— Senhor, tenho que pedir que venha para fora, e tire o capuz.

“Acho que os comunicadores estão desativados, os outros não podem ouvir o que ele diz”. Rider sorriu ao ouvir Arachnid dizer aquilo.

— Vem tirar você mesmo!

Disse, então se virou e correu para o interior da casa, subindo uma pilha de destroços aonde ficava a escada. O guarda apressou-se atrás de Rider.

— Parado, agora mesmo!

O guarda subiu a pilha de escombros também, e quando chegou no segundo andar da casa, encontrou Rider com seu capuz, as mãos na costas. O guarda puxou o revolver de munição não letal. Grino cruzou seus braços na frente do corpo, na mão os bastões retrateis, um estralo e os bastões se armaram, triplicando de tamanho, eram de titânio, mas os cabos isolantes eram feitos com borracha anti-incêndio. O guarda disparou, e Rider apertou os bastões ativando o imã de suas bases, a corrente dissipou-se por toda a extensão dos braços de titânio dos bastões.

O disparo não letal era contra o peito de Rider, mas a descarga elétrica chegou a desviar do alvo, atraída pela tração magnética dos bastões, o disparo foi absorvido pelo titânio, a corrente elétrica dissipou-se, sem encostar nas mãos de Rider, que seguravam na borracha isolante. No outro segundo Rider jogou o bastão para cima, segurando-o pela ponta de titânio, e jogou contra o guarda. A pancada fez o guarda se curvar, tentando se defender, mas falhando. Rider o agarrou, girou seu braço até torcer o bastante para a arma cair no chão, então os dois rolaram pelo chão quando o guarda jogou o próprio corpo, mas Rider ainda assim o manteve rendido, agora ambos sentados no chão.

— Tanoos? — O guarda perguntou.

— Não. Meu nome é Rider — Rider respondeu do outro lado do Capuz, guardou o segundo bastão e soltou o guarda, chutando a arma para a escada, a pistola caiu para o primeiro andar e Grino se levantou guardando o bastão retrátil. — O seu é Samwell Parzani. — Leu no colete do homem, abaixo da insígnia do Stato Cinque.

“Já estou buscando” Arachnid respondeu no comunicador na orelha de Rider.

— O armazém de Russel, você não vai entrar nele, não vai falar sobre ele. E não vai falar sobre mim. — Grino dizia andando em círculos ao redor do guarda que se punha de pé.

A superioridade ali estava nítida. O guarda sequer parecia querer revidar.

— Se o fizer teremos uma segunda conversa.  — Rider disse e então esperou um segundo, Arachnid completou em sua orelha; “Helena, mãe. Tutte Quartieri”. — Ou talvez eu converse com Helena em Tutte Quartieri

O guarda pareceu subitamente entender o recado.

— Eu não posso, trair…

— Pense na sua mãe agente Parzani. Eu odiaria fazer com ela o que vocês pretender fazer com os meus. Então porque não chamamos isso de autopreservação? Nem você nem eu precisamos perder ninguém.

“Droga, Rider… É bom você voltar logo”

— Sabe o que fazer, Agente Parzani. E sabe o que não fazer. Escolha logo entre vida e morte mutua.

Rider ameaçou a última vez, então virou-se e deixou o guarda ali com seus pensamentos, enquanto ele corria com os próprios.

*****

Cinco minutos antes Alayza descia do quarto, a pedido do próprio Russel, que queria o armazém vazio caso Grino não conseguisse cumprir sua parte do acordo.

Ela chegava até Ennie, na calçada da vida aonde ficava o armazém.

— Oi. — Acenando, se aproximou de Ennie, que a olhou com uma indiferença que facilmente se confundia com desprezo, então desviou o olhar para a via e as pessoas que iam e vinham.

— O que foi?

Se aproximou um pouco, não muito. Não queria parece uma pessoa necessitada, embora fosse. Mesmo precisando, ainda se prendia ao orgulho.

— Eu não sou boa com conversas — Começou, já se enrolando nas palavras. — Mas… Eu pra ser sincera vim pedir algo.

— Nossa, você realmente não é boa com conversas. — Ennie olhou para Alayza e jogou o cabelo para o lado. — Eu não sou como o burro apaixonado do Grino ou o simpático e alarmado Sony. Não vou ficar simpatizando com você e por um bom motivo; eu não gosto de você. Mas podemos tornar isso mais fácil para as duas, não é porque eu não gosto de você que somos inimigas, eu só não te conheço e sinceramente não estou exatamente com vontade de te conhecer agora.

— Tudo bem. Eu… agradeço a honestidade.

— Enfim, o pedido?

— Sony me disse que eu sou como um obstáculo para você e Grino, eu não… Não foi minha escolha, mas ele, o Sony, disse que as missões dependem dos três concordarem, então eu pensei…

— Não. — Ennie respondeu seca. Então se aproximou de Alayza e pegou uma mecha de cabelo dela. — Sony te fez pensar e eu tenho algumas coisas para te falar Alayza; o Sony é ótimo nisso, fazer a cabeça das pessoas, ele te fez imaginar que se não viesse e se desculpasse por ter aparecido eu não diria sim, você acreditou, você foi ingênua quanto a isso. Sua mãe não tem nada a ver com isso e eu a salvaria mesmo que fosse uma estranha desconhecida ou fosse minha inimiga porque eu acredito em julgamento e não em execução, faz parte do meu dever ajudar, e mais uma coisa; Você não é um tipo de obstáculo porque entre mim e Grino nunca houve ou haverá algo, ele me considera mais que uma amiga, uma irmã. E isso é recíproco, se eu não gosto de você existe outro motivo. E última coisa, aprenda a falar e conversar, você mantém essa voz doente de menina frágil quando eu sei que isso não é você e embora eu admire sua coragem de vir aqui e pedir isso sem delongas eu tenho nojo dessa sua faceta de menina fraca para ver se consegue me fragilizar, então da próxima vez que vier falar comigo. Venha como você é não como uma coitadinha indefesa que precisa de ajuda, vai ser bem mais fácil, pra ambas.

Alayza engoliu em seco, encarando Ennie, estupefata. A mulher parecia um monstro muito mais assustador agora, sendo que ela apenas havia pedido para Alayza ser ela mesma. E ela está certa, eu deveria ser eu mesma, sempre. De certa forma Ennie era como ela, porém com poder que Alayza nunca teve.

— E então? Vai dizer sim?

— Ai está ela. — Ennie abriu um sorriso. — Sony esteve aqui antes, então Grino passou e saiu com ele. Sony falou sobre você, não vou perder meu tempo fazendo a ameaça que ele já fez então sim, eu concordo com isso. E se não podemos ser amigas, sejamos colegas já que você não vai pra lugar nenhum mesmo.

— Acho que pode funcionar.

Então Ennie fez um gesto para Alayza fazer silêncio. Ela se agaichou e saiu andando de mansinho como se tivesse visto algo.

— O quê foi? — Alayza olhou ao redor, mas não viu nada.

Ennie contornou o armazém até o beco dos fundos aonde ficava a saída de emergência e lixeiras.

Alayza foi atrás dela, mas Ennie fez a curva primeiro. Ela ouviu uma pancada, e então correu. Alayza viu Ennie recuando enquanto o guarda, que provavelmente lhe desferira um golpe, sacava a arma não-letal.

— Ennie…

O guarda apontou a arma, mas Ennie, mais rápida, se esquivou e depressa ergueu seu braço para contra-atacar o homem. O disparo foi contra Alayza, que estava atrás de Ennie.

Ennie empurrou o braço do homem para a lateral quando o disparo eletromagnético saiu pelo cano. O impacto foi no ombro de Alayza, que girou nos calcanhares caindo de joelho, em um barro de dor. Ela tremia sentindo a corrente no corpo, enquanto os braços buscavam aonde se segurar, caiu de costas no chão os olhos arregalados, incapaz de fechar, incapaz de controlar os dedos esticados, os músculos tracionados travados, era como se ela estivesse congelada, mesmo tendo consciência do próprio corpo, era incapaz de controla-lo.

O guarda pareceu se preocupar com o fato de ter atingido uma civil, e então, nesse um segundo de preocupação, Ennie saltou para cima do homem, agarrou-o pela cabeça e com uma única pancada na parede, o soltou e o corpo caiu no chão, mole.

Ennie foi até Alayza, cabeça de lado tentando evitar olhar para a via, pois uma ou outra pessoa olhavam para elas.

— Consegue levantar?

Os espasmos, a dor, a eletricidade, a cada segundo se tornava mais fraca. Ela anuiu, e engatinhando rastejou para dentro.

Ennie abriu a porta dos fundos e puxou o corpo do guarda para dentro.

O grito de Alayza chamara atenção do armazém inteiro. Os trabalhadores amontoavam-se observando o que acontecera. Russel fechava as portas depressa antes que mais atenção indesejada fosse chamada.

Russo voltou das portas que baixara na entrada principal, e viu Alayza, roxa, com dificuldade para respirar. Como se fosse normal, ele se abaixou até ela, a deitou no chão, Alayza tentou relutar, mas ele a venceu, Ennie segurou seus braços. Então Russel apoiou as duas mãos no peito de Alayza e pressionou com força, uma, duas, três… Na quarta vez a menina expeliu todo o ar que não passava pela sua traqueia, inchada pela eletricidade. Ela conseguiu respirar, como uma criança com ataque de asma. Chorando lágrimas silenciosas com olhos vermelhos.

— Está bem?

— Arde. — Alayza respondeu, se encostando na parede, torta como se tivesse saído de uma árdua briga.

Sony surgiu, do nada, olhando o que havia acontecido, olhos arregalados, parecia incrédulo.

— Por favor, senhorita Ennie, poderia se livrar do corpo? — Russel disse se levantando e olhando para seus trabalhadores. — Dia de folga para todos. Ninguém diz nada sobre isso, entendido?

Todos concordaram, e com os bochichos em todos os cantos, os trabalhadores do armazém foram se dispersando.

— A cozinha? — Sony perguntou para Russel.

— Desmontada. — Russel confirmou, então olhou para Alayza que se punha de pé. — Eu disse que só causaria problemas.

— A culpa não foi minha. — Alayza rebateu com pressa.

— Nunca é. — Russel retorquiu e saiu andando sem dar mais atenção para a garota.

Então a porta dos fundos abriu novamente. Grino entrou, depressa, tirando seu capuz e olhando para todos concentrados ali.

— O que é o sangue na parede?

— É a marca de onde Ennie bateu a cabeça de um guarda. — Alayza respondeu.

Grino olhou para Russel.

— Eu… Eles não iriam vir, não sei o que aconteceu.

— Um lobo solitário. — Russel respondeu. — Se não já teríamos dezenas aqui. Torçamos para que Ennie seja criativa em se livrar do corpo. — Com isso Russel se virou e deixou eles, indo para a “cozinha”.

Grino foi até Sony, com ar frustrado.

— Não viu que um guarda estava chegando?

— Eu estava…

— Me vendo lutar quando deveria ter avisado Ennie. Uma morte aqui, se alguém tiver visto…

— Viram, duas pessoas na rua. — Alayza respondeu imediatamente. — Estavam assustadas.

— É bom que estejam. — Grino olhou para ela, então para Sony. — Mande Olivia ir limpar a bagunça e garantir que ninguém abra a boca. E você está bem?

Perguntou olhando para Alayza. Ela ainda estava vermelha, por conta do disparo, mas bem melhor que há alguns minutos atrás.

As pessoas já haviam se dispersado, cada um indo cuidar de alguma coisa.

— Acabei de ver mais um homem morrer, levei um tiro. E agora pelo visto alguém vai ir torturar as pessoas que viram, para que ninguém diga nada sobre o que aconteceu. É, estou ótimo. — Alayza disse, irônica.

— Eu queria dizer que isso não vai acontecer de novo. — Grino respondeu, então abriu os braços, o bastante para caber Alayza entre eles, se aproximou lentamente e a envolveu aos poucos.

— Mas vai, não via?

— Vai. — Grino respondeu, fechando os braços com ela entre eles, apoiou seu queixo na cabeça de Alayza e fechou os olhos. Ele percebia que Alayza não havia nascido para aquilo, porém agora fazia parte, assim como a maioria dos que se juntavam a eles, ninguém nasceu para guerra, mesmo assim aprendemos a guerrear. — Vai sim.


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