Era da Opressão escrita por P B Souza


Capítulo 13
12; O que a maré trouxe


Notas iniciais do capítulo

Voltando a postar a história, agora completa de vez! Espero que estejam gostando :)



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Rosa e Garofano. 17/02/0165

Com o capuz de Grino na sua cabeça, Alayza mantinha os olhos fechados, e o rosto apoiado contra o peito do homem que se intitulara Rider para ela. Ele era um estranho naquela terra, então era de se esperar que fizessem descaso para sua presença. Em momento algum foram parados por ninguém.

Ela não sabia aonde estavam, nem para onde iam. Vez ou outra Grino murmurava para ela não se mexer que havia guardas próximos, ou que estavam chegando, que faltava pouco. Alayza só queria sair daqueles braços estranhos que lhe seguravam há quase uma hora, sem cansar.

Quando Grino finalmente parou de andar, Alayza abriu os olhos, e só pode ver o queixo de Grino, ele abaixou a cabeça e encarou ela.

— Pode tirar o capuz. — Disse com calma, descendo as pernas primeiro e tentando segurar Alayza até ela retomar o equilíbrio. — As pernas estão dormentes?

— Não tanto quanto seus braços devem estar. — Ela respondeu olhando ao redor, tentando se encontrar. — Um beco?

— Por aqui. — Grino abriu uma portinhola da cor dos tijolinhos da parede. E com a mão no ombro de Alayza a conduziu para dentro quase que contra sua vontade. — Vamos subir.

Apontou para uma escada no fim do corredor. Era um armazém comum, fileiras de mercadoria empilhadas em prateleiras de metal. E um escritório suspenso no topo.

— Esse armazém… — Alayza estranhou olhando ao redor, mas continuou andando.

Usar as próprias pernas era bom, sentia o peso do corpo quase como uma dadiva, mesmo com os pés ainda formigando. Enquanto subiam os degraus, Grino prendia o capuz de volta em sua roupa. Alayza observava ao redor procurando se encontrar.

— O quê? — A voz familiar surgiu como uma trovoada. Alayza olhou para cima, para o escritório suspenso e na balaustrada de metal viu o homem pendurado olhando para ela com desdém. — Não, não, não, não, não. Não pode ser…

— Russo. — Alayza proferiu terminando de subir a escada enquanto Russel cruzava o escritório e ia até os dois balançando as mãos.

— Ela não pode ficar aqui.

— Ela não tem para onde ir. — Grino rebateu.

— Essa menina… Se ela ficar nós não teremos para onde ir. — Russel retorquiu apontando o dedo para Alayza. — Grino, isso eu não vou permitir.

— Russel…

O dono do armazém não esperou mais que isso. Se virou bufando e desceu as escadas balançando as mãos para cima e reclamando.

— Não vou. Isso é demais. Ela é demais!

Grino então olhou para Alayza tentando buscar uma forma de explicar que ela podia ficar, que ele iria conversar com Russel e resolver tudo, mas sequer entendia como ambos se conheciam, e aparentemente se odiavam.

— Grino, é? — Foi o que Alayza tinha a dizer. De braços cruzados, parecia inquerir ele sobre a mentira de seu nome.

— Eu queria…

— Quer que eu confie em você, mas não confia em mim. Como, Rider?

Grino percebeu que, apesar de todo seu treinamento e malicia com os caminhos da vida, não pode evitar de corar ao ser encurralado daquela forma.

— Eu não podia confiar em você, não posso. Ainda não. Mas decidi te ajudar da mesma forma. Não julgue minha confiança com uso de um pseudônimo, eu estava me protegendo, assim como protegi você. — Desarmou a tensão de forma rápida. Pensou em como aquilo era frio de se dizer, mas era real. Sempre assim, sempre a verdade acima da gentileza. Quando viu que Alayza não ia responder, ele continuou. — Minha cama é a com travesseiro verde e azul. Durma um pouco, até acharmos uma cama para você.

Abriu a porta do escritório, apenas para revelar o que parecia uma tenda militar enorme. O escritório estava resumido a móveis espremidos no fundo do cômodo, enquanto camas improvisadas ocupavam todos os lugares.

— Vocês são quantos? — As camas estavam vazias, mas Alayza imaginava que para ter tantas, deveriam eles ser muitos.

— Não o bastante. — Grino respondeu para ela.

— O Russel não me quer…

— Descanse um pouco, você mal dormiu depois do que aconteceu, e o que aconteceu… A cabeça precisa descansar mais que o corpo. Eu resolvo com o Russo, só descansa um pouco e não saia, não é seguro se eles sabem quem você é.

Alayza avançou dentro do escritório e olhou para as camas. Encontrou a de Grino com o travesseiro verde e azul, e então olhou para trás, para falar com Grino/Rider, mas encontrou apenas a porta aberta para escada. Ele já tinha ido.

Então se sentou na cama de Grino e olhou ao redor, desconfortável, sentindo-se fora de contexto, como se não devesse estar ali, mesmo estando sozinha, todas aquelas camas, pareciam criar uma sensação de muitos olhos lhe encarando. Deitou e apoiou a cabeça no travesseiro de Grino, olhando para o teto com telhas de barro na estrutura de madeira, ajeitou o cabelo com os dedos deslizando pelos fios e se virou de lado, sentindo o cheiro dele no travesseiro. Inspirou e sorriu colocando a mão embaixo do travesseiro, para encontrar um caderno dentro da fronha.

Se virou na cama e tirou o caderno, estranhando o conteúdo guardado na fronha do travesseiro. Havia uma caneta presa na mola lateral. Alayza abriu a capa preta e fosca, a primeira página estava em branco, exceto por uma assinatura no rodapé “Rider”. Olhou para a porta, então se levantou e correu até a porta com o caderno na mão, fechando a maçaneta ela voltou para a cama abrindo o caderno em uma folha aleatória.

— Hoje decidi que o Rei deve morrer, mas não pelas minhas mãos, isso seria errado. Conversei com Ennie por horas e ela tentou me dissuadir novamente, desde que a conheci é assim. Me pergunto se um dia vou considerar ela como ela me considera. Amanhã será meu aniversário, Ennie me disse para não fazer nada amanhã, mas o conselheiro do rei vem de Vishesh Bhoomi exatamente amanhã, com informações que precisamos. Não posso deixar ele continuar torturando inocentes para conseguir o que quer, então decidi que amanhã não farei aniversário. — Alayza passou a língua nos lábios os umedecendo depois de ler o parágrafo e então olhou para a porta. Soube naquele instante que ali estavam todas as respostas que ela procurava sobre Grino, que ele não queria dizer, mas ali estavam, anotadas. Voltou as páginas até o primeiro relato anotado. — Primeiro de janeiro de cento e cinquenta e sete. O começo de tudo isso ocorreu na virada do ano passado, meu pai, o Rei das Terras Régias, disse para seu conselheiro, sem perceber que eu ouvia, que este homem chamado de Fundador vai enviar o Fruturus para nosso país. Não sei do que se trata, mas o conselheiro disse que nossa tecnologia poderia aperfeiçoar e fazer com que funcionasse. Tenho certeza que bom não é, caso contrário não seria segredo de estado.

Fruturus? Fundador? Terras Régias? Alayza estava tão confusa que sequer via sentido no que lia. Virou mais uma página ignorando aquele trecho.

— Hoje fiz o erro de perguntar ao meu pai sobre o Fruturus. Ele me castigou por horas, mas isso não doeu mais que a certeza de sua falta de confiança. E agora que o Rei sabe que seu filho conhece o projeto do Fundador, ficará mais difícil para eu conseguir qualquer coisa que seja.

O texto seguia com reclamações, e então sobre um jantar com amigos e bebedeira. Virou a página para ver um desenho de um rosto feminino feito pela metade, com olhos grandes e lábios finos, então virou mais uma página.

— Hoje houve um baile, em comemoração à chegada do Fruturus. Parece que não é mais um segredo assim tão grande. Eu coloquei calmante na taça do conselheiro, meu pai brigou com ele por estar muito bêbado, sequer desconfiou. Consegui assim invadir o escritório particular do conselheiro. Me arrependo disto, pois antes passei nos fundos da casa e rasguei um pedaço da roupa de um escravo, para deixar no escritório e me livrar da culpa. Mesmo assim, tive minhas respostas. O Fruturus é uma arma, e agora está aqui. Estamos brindando a chegada de uma arma que pode nos matar. Meu pai sempre disse que devemos proteger nosso povo, e ainda assim ele optou por trazer isso aqui. Mas nada disso importa, pois se for verdade o que li, e esses documentos forem precisos, eu devo destruir o Fruturus, antes que ele nos destrua.

Isso é como um diário. Alayza percebeu. Então a curiosidade lhe atacou. Virou até a última página escrita.

— Já não me lembro bem, talvez eu queria mesmo esquecer. Faz mais de sete anos que comecei isso e agora chegou ao fim. E mesmo assim, percebo que só comecei. Juntos sabotamos o laboratório do Fruturus, o trem chegou em Veneza, fomos atacados, sobrevivemos, a maioria pelo menos. Então nos tuneis tivemos mais baixas, alguns afogados com a maré. Somos vinte e oito agora. Esse homem estranho, porém gentil, nos acolheu, talvez porque tenha medo que falemos o que ele faz aqui, embora o armazém seja real, seu verdadeiro negócio é a sintetização de alguma droga que Sony em breve descobrirá o que é, mas adianto ser tóxica, pois a equipe em laboratório usa mascaras e luvas a todo tempo. Também vi uma criatura magnifica, Russel disse que seu nome é Alayza, uma linda garota que observei em segredo, mas Ennie percebeu e agora está me evitando. Tenho certeza que ela achou que aqui seria diferente, que eu a amaria, mas Ennie é como uma irmã, e ela sabe disso. E agora com essa menina, Alayza… Como poderia amar outra pessoa se não ela?

Alayza fechou o caderno abruptamente e olhou para a porta. Corou imensamente, sentiu o sangue pulsar pelo seu corpo e quis esconder o rosto de vergonha, quis ir embora dali ao ler aquelas linhas, pois sabia que ali teria que falar com Grino, e como o faria agora? Mas os pensamentos foram além, além do sentimento tosco que nascia em reciprocidade. Ele não estava lá por acaso, não me salvou por acaso, deixou minha mãe ser levada, me trouxe para cá, tudo de caso pensado. Nunca cogitou salvar ela, só a mim. Sentindo-se traída, desejada, e cansada, Alayza se levantou para descer e ir brigar. Mas lembrou-se da razão por trás dos interesses pessoais de Grino. Guardou o caderno na fronha e deitou para dormir um pouco.

Haveria tempo para confronta-lo, mas se aquela fosse a última vez com um teto sob sua cabeça, era melhor aproveitar o teto enquanto o tinha, pois brigar poderia a qualquer momento, mas dormir só dava agora. Penou para fechar os olhos, os pensamentos como metralhadoras, bombardeando sua mente com ideias e diálogos, e situações… E quando menos esperou as ideias eram sonhos que se tornavam pesadelos. Adormeceu.

*****

No dia seguinte Grino acordou em cima do fardo de tecidos planos de uma empresa de costura que armazena com Russel a sua matéria prima. Imaginando que a rotina do armazém não esperaria por ele, Grino se levantou para deixar que os trabalhadores pudessem fazer o que vinham ali fazer.

Russo já estava de pé, tinha sua própria casa, o que significava que para estar ali tão cedo, deveria ter acordado mais cedo ainda.

— Podemos conversar? — Grino pediu se encostando em uma coluna do armazém enquanto Russel entrava com uma garrafa térmica e copos descartáveis.

— Café? — Russel ergueu a garrafa, os copos estavam encaixados na boca da garrafa. Grino os pegou e soltou um para si enquanto eles iam até uma pilha de caixas aonde apoiaram a garrafa e os copos. Russel serviu dois copinhos. — Melhor conversarmos agora do que quando o armazém abrir e meu pessoal chegar e o seu acordar.

Grino concordou balançando a cabeça. Tomou um pequeno gole do café.

— Não usa açúcar? — Perguntou com uma careta.

— Não tem nenhum campo excedente aqui para isso. Nosso solo fértil é pra grãos, açúcar e outras especiarias são importadas, pelos ricos! — Russel rebateu um tanto cômico, um tanto ácido. — Vem, vamos para a cozinha. — Pegou a garrafa e levou Grino para o laboratório.

— Por que cozinha? — Grino perguntou olhando o laboratório de Russel.

— Lá em cima há câmeras de vídeo e áudio. Embora eu tenha controle sob as filmagens, a qualquer momento a guarda pode confiscar elas. Se por azar confiscarem algo que eu não deletei, ou perceberem que deletei algo especifico de algum dia…

— Não pode dizer que quebrou…

— Se o fizer eles vão mandar um técnico, não posso quebrar de fato, porque é propriedade do governo, e não posso desativar, porque é contra a lei. Então aprendi a driblar.

— Mas e nós, e os trabalhadores da cozinha?

— Pontos cegos. Se não ficou passeando de noite, nenhuma câmera lhe pegou. O mesmo pode ser dito do laboratório; assim como você veio pelos esgotos, eles também vem.

— Tem tomado todo o cuidado com esse laboratório. — Grino então cutucou, olhando para as mesas com os potes de vidro limpos de um dia que ainda sequer havia começado. Bebericou o café e olhou de canto para Russel.

— Faça logo.

— O quê?

— A pergunta. O que eu faço aqui.

Grino ao ouvir aquilo soltou uma risadinha, e então começou a andar pelo laboratório, pegando as ferramentas uma a uma e as observando.

— E então, o que você faz aqui?

— Não te interessa. — Russel respondeu prontamente. — O que você faz aqui? — Grino sorriu ao ouvir a resposta de Russel, apontou o dedo para o homem como se tivesse entendido o que ele fez.

— Meu grupo estava fraco, não aguentávamos mais andar, você ofereceu ajudar, por algum motivo.

— Foi?

— É. Acredito que depois de termos visto a cozinha, era imperativo que você nos mantivesse onde seus olhos alcançassem. Pelo menos até conseguir mais informação de mim, como essa. Mas para isso precisamos trocar informações. É uma vida mão dupla a confiança.

— Você é o estranho buscando asilo político. — Russel disse sem pestanejar. Grino podia até mesmo falar bem, mas Russel não estava ali para ouvir bons discursos. — Pode começar.

Os dois trocaram olhares por um instante. Foi como se o céu encarasse o mar, ambos misteriosos a seu modo, mas coexistentes.

— Tudo bem. — Grino puxou uma das banquetas do laboratório e se sentou, apoiando as mãos sob as coxas. — Primeiro pensei que você fosse uma espécie de traficante, mas tudo que você produz, você descarta. Então eu estava errado. Você não faz tráfico de drogas, talvez de carga porque percebi sacas inteiras de material de reciclagem de outros distritos vindo para cá, e indo embora depois que seu pessoal dá uma olhada nelas

— E quando começa a parte que você diz o que faz aqui?

Grino riu e rolou os olhos.

— Disse o pouco que sei sobre você porque quando cheguei aqui, não lhe conhecia mais do que conheço agora. Porém você sabia quem eu era, sabia meu nome. E provavelmente sabe de onde venho.

— Há alguns anos eu trabalhava com política. Na verdade eu era um proeminente político. Concorri ao cargo de superintendente penal, um bom cargo nesse estado, mas não ganhei. — A voz de Russel se tornou mais séria, se era possível, um tanto cheia de angustia e ressentimento até. — Mas no percurso fiquei sabendo das colônias do Fundador. E que uma delas estava sendo destroçada de dentro para fora pelas forças da União Rebelde Anarquista, coordenada e dirigida pelo filho revoltado do Rei, Grino Joyel II. Uma história horrível para o governo. Histórias assim o vento leva para todos os lados…

— Chega. — Grino pontuou. Não gostava de ser lembrado de sua verdade, a tinha vivido uma vez e bastava. — Então todos aqui sabem? Os nobres, digo.

— Não todos. Na verdade hoje eu estou aqui neste distrito fazendo o que faço porque eu soube disso e de outras coisas, um conteúdo altamente confidencial. Parte das diretrizes de Stato Cinque é que seus habitantes acreditem que a única coisa lá fora são os selvagens canibais.

— Isso ainda não explica porque você está aqui e não preso ou morto.

— Tirar um homem de uma mansão com suítes, salões de festa, bibliotecas, servos, conforto e riqueza… jogá-lo em Rosa e Cravo, sem dinheiro ou honra, sem nada, vivendo para separar roupa e lixo. Joyel, eu estou em uma prisão, na pior que poderia existir. Todos aqui estão em uma prisão.

Grino abaixou a cabeça e ponderou se deveria, mas seu coração lhe dizia que mesmo sem dever, era hora.

— Eu sei bem como é isso. — Disse. E de repente se viu de volta nas Terras Régias.

*****

Era uma noite chuvosa e fria em um inverno rigoroso. O povo estava sendo castigado com aquela escassez de recursos e as ordens de fracionamento. Grino Joyel I, o Rei, olhou para seu filho

— Essas pessoas vão morrer se fizer isso. — O rei tentou parlar com o filho.

— E vão morrer se eu não fizer. — Grino já cansado sentiu-se explodir. — Você se acha superior a elas, diferente delas. Mas se esquece que sangra como todos nós.

— Dobre sua língua para falar comigo. Sou seu pai, e seu Rei!

Grino encarou seu pai com o asco crescente. Aquele não era o homem que conheceu conforme crescia. O Rei havia se transformado naquela figura nefasta e cruel que ia contra tudo que Grino havia aprendido em sua infância. Por que? Por que se tornou isso?

Grino confiava em seu pai, eles passeavam pelos distritos e Grino via como era bom o Rei daquele reino, como seu pai era bom. Mas tudo fora cortinas de fumaça, na sua infância nunca visitou outros distritos se não os mais nobres, nunca conheceu um mendigo, ou viu uma fábrica. Para Grino, o menino, as Terras Régias eram lar de casas floridas e praças arborizadas, aonde carros sustentáveis levavam crianças para as escolas comunitárias e de noite todos iam para teatros ver espetáculos culturais sobre o velho mundo. Aquilo não era a verdade. Foi quando conheceu o outro lado, os distritos fabris, a agricultura forçada, os escravos acorrentados, trabalhando dezoito horas por dia, com pausas para comer e dormir apenas, foi quando abriu os olhos para o que realmente acontecia ali, para o que realmente seu pai era. Ainda é rei, mas um péssimo rei.

— Não pode me adestrar como a um cachorro. — Grino respondera aos berros à fúria de seu pai, estavam no saguão de Westminster. — Não pode adestrar o povo, você os amedrontou e amordaçou, mas não os adestrou. Os esqueceu, ignora as necessidades deles para pensar nos seus privilégios.

— Nem todos podem ser nobres, o Reino…

— É doente.

— Você herdara a coroa um dia…

— Não. — Grino berrou, sua voz ecoou pelas colunas de mogno e ferro do saguão aonde dezenas de Reis e Rainhas pisaram antes deles. — Não haverá coroa, não haverá reinado.

— Isso é uma ameaça garoto? — O Rei mudou de tom. — Você sempre teve o bom e o melhor, e agora se compadece de uma realidade que desconhece? Fingi revolta quando nunca passou necessidade, se pavoneou toda vida com os luxos que agora crítica, mas não vive sem. Sua hipocrisia denota o fracasso de seu discurso. Te dei a vida que todos gostariam de ter…

— Exatamente, todos gostariam, mas só eu tive. Todos mereciam. — Grino girava nos calcanhares, olhava ao redor e se frustrava, sentia-se incapaz e privilegiado demais para poder falar, mas mesmo assim sabia que se não fosse ele, ninguém o faria, todos eram fracos demais para fazer o necessário. — O homem que você era, eu respeitava porque não via. Não via a verdade… O que se tornou, pai… Pode se lavar com toda a água do mundo, mas essa sujeira não vai deixar sua pele. Você é sujo.

Grino apontou o dedo para o Rei. E então se virou indo para a grande porta do palácio.

— E o que vai fazer!? — O Rei gritou para o filho enquanto Grino caminhava a passos largos. A voz do Rei retumbou no saguão, ecoando uma única vez.

Grino olhou para o pai mais uma vez. O saguão parecia engolir aos dois, mesmo distantes era como se estivessem lado a lado. A tensão deixava o ar palpável, como se pairasse ali a animosidade de toda uma vida de mentiras.

— Eu vou derrubar você. — Grino não mediu as palavras, fez uma reverências. — Meu Rei!

— Boa sorte. — O Rei disse enquanto seu único filho e herdeiro deixava o palácio de Westminster abrindo a grande porta do Saguão. Os pés de Grino iam para fora, mas a fina neve adentrava o palácio depressa com o vento a empurrando pela porta, trazendo o lembrete que no raiar daquele dia mais escravos teriam morrido congelados, e, talvez, o próprio Grino.

Naquela noite o Herdeiro deixou o palácio para nunca mais voltar.

E assim Grino se tornou o filho traidor, mas não tão simples encontraria os rebeldes.

Com suas roupas finas e trejeitos herdados de uma vida de espólios, não foi bem aceito quando cruzou o linear aonde viviam os nobres e os pobres.

Grino conheceu a fome, o frio, a dor. Foi espancado mais de uma dezena de vezes por valentões que o achavam nobre e metido demais para estar ali. Precisou aprender a se defender, e mais importante, evitar aquela brigas, pois eram aquelas pessoas que ele precisava ter ao seu lado agora. Não apenas, quando os guardas reais vinham fazer suas patrulhas, buscar impostos, ou tentar leva-lo de volta, ele os matava e expunha seus corpos, ganhando a moral dos habitantes mais simples, em pouco tempo tinha o apoio deles. E em seguida veio a admiração. Se tornou rígido e cruel com os que vinham do alto, e manteve-se bom e caridoso com aqueles que nada tinham. Em mais um ano Grino passou de um completo forasteiro, despido de privilégios para o Rei das Ruas. Era o temor de todos que não fossem plebe, quando um nobre precisava passar por ali, não havia suborno que impedisse Grino e seus capangas de assaltarem seus transportes e levarem tudo de valor. Até mesmo incursões noturnas nos bairros mais nobres eram feitas, saques constantes buscavam retomar o que pertencia legitimamente aos trabalhadores das Terras Régis.

Foi quando consumido por aquele ódio que nunca cessava com Grino cruzava lineares morais que nem ele mesmo fazia mais distinção, que conheceu Ennie. E deste encontro um grande afeto surgiu, todo o ódio se tornou em algo melhor, e Ennie fez dele humano novamente, trouxe para Grino perspectiva, que não apenas mazela havia naquela vida, e assim os dias se tornaram mais suportáveis.

Haviam se passado três anos, e seu pai já não mandava mais patrulhas para buscar seu filho rebelde. Grino sentia-se de fato livre. Suas ações não eram mais desmedidas ou brutais demais, e Grino conheceu o pai de Ennie, um homem que estava naquela luta há muito mais tempo que Grino. Foi quando ele também conheceu Sony, o especialista capaz de fazer milagre com qualquer tecnologia que tivesse disponível. Grino passou mais dois anos treinando e aperfeiçoando suas ideias e técnicas com o pai de Ennie.

Eles tinham um plano, e juntos criaram objetivos, metas, caminhos e marcos para conseguirem o que queriam, e todos queriam a mesma coisa. Ennie salvou Grino de ser um revoltado sem fim, e lhe deu propósito. E Grino salvou a revolução, trazendo seu conhecimento para a causa.

Seis anos após sair do castelo, em uma espiral de vingança e justiça contra os ricos e famigerados desgraçados que sugavam a vida daqueles menos favorecidos, Grino havia conseguido desestabilizar o sistema não tão perfeito de seu pai. O reino estava caindo, nível por nível ele enfraqueceu o governo tão bem estruturado. Cada setor exposto, cada corrupto destituído da própria vida, cada moeda retomada, era um passo para derrubar a tirania.

No oitavo ano de justiça, Grino falhou. Soube que não conseguira matar seu pai e terminar o que começara, descobriu que independente do que fizera até ali, não conseguiria ir além. Então sem sequer sabem quem, apenas deixou que a missão fosse concluída, seu objetivo de longa data, o que lhe manteve naquele caminho, de repente era nada além de uma vingança pessoal e irrelevante. Ter a cabeça do Rei era um ato simbólico e que Grino já não fazia questão. Ele ainda é meu pai. Então deixou as Terras Régias sem se dar o trabalho de saber o que acontecera com o Rei. O governo havia caído, e isso que importava, o povo tinha o poder, e eles iriam reestruturar a sociedade da forma mais justa possível, foi para isso que lutaram, e foi isso que planejaram.

Todos chamaram Grino de vitorioso, mas em seu peito sentia-se derrotado. Há oito anos o que havia começado no saguão real, para o qual ele nunca mais retornou, terminara sem ele sequer ver o rosto do homem por trás de tudo. A amargura que carregaria o resto da vida só se comparava com o orgulho de saber que não fora em vão.

Mas ainda assim, sonhava algumas noites com seu pai, com o homem que era antes, e os sonhos se amarguravam, voltava sempre ao Saguão, via sempre o desgosto que nunca retificaria, nem mesmo ao saguão poderia retornar, pois o sonho acabava sempre da mesma forma, com a explosão.

*****

— Que história. — Russel estava sem palavras. Sequer sabia como encarar o garoto, que agora via como um homem. Grino carregava consigo um peso que Russel não podia começar a entender. — Eu…

— É por isso que estou aqui. Eu não terminei ainda, você mesmo disse, as colônias do fundador. Falta ditaduras para derrubar, déspotas para matar.

— E porque Stato Cinque?

Grino olhou para ele e riu dando de ombros.

— O trem que usamos para fugir tinha destino traçado via satélite, se alterássemos, eles saberiam e o trem seria destruído no caminho. Como o destino era uma das colônias… Não me importei com qual, a opção era pular no meio do caminho e ser morto pelas tribos selvagens. Além do que, se não pude matar meu pai, talvez cinco governantes sirva de consolação.

— Talvez.

Os dois continuaram em silencio por um momento, então Grino fez um gesto com a mão chamando a atenção de Russel.

— E quanto à garota?

— Eu repensei. — Russel respondeu. — Ela pode ficar, mas será sua responsabilidade, no primeiro deslize saíram todos daqui.

— Que ela já te fez? — Grino cruzou os braços. Não entendia a implicância com uma garota.

— Eu era amigo dos Rothschild antes disso tudo. Quando o pai de Alayza morreu em uma ronda como essas, me aproximei da mãe dela, mas Alayza afasta todos e destrói tudo, por isso não tem amigos e vive solitária, tudo que chega perto ela arruma um jeito de afastar. É o que ela faz.

— Não. — Grino disse balançando a cabeça, ponderando o que ouviu e o que sentia pela garota. — Ela não é assim.

— Tudo bem, então vamos trocar de assunto, nosso tempo é escasso e eu preciso abrir o armazém em breve.

— E o que você quer falar agora?

— Talvez todos vocês tenham que sair daqui depois de amanhã, no dia vinte.

— Como?

— Recebi um aviso, mais uma ronda e vão pesquisar fundo dessa vez, então quero que vocês saiam no final do dia dezenove, podem voltar quando tudo acabar. Vou desmobilizar o laboratório também. Pelo que entendi serão outros oficiais, os que eu não consigo subornar.

— Vai nos aceitar de volta?

— Só vai saber de um jeito. — Russel quem sorriu dessa vez. Grino quase nunca o via com aquela expressão, o rosto do homem era sempre um misto de tortuosa seriedade e constante preocupação. — Se não sair todos nós morremos, no fim das contas não é muito uma escolha.

— Na verdade você já fez o bastante. Vamos voltar, claro… Porém acho que está na hora de começarmos a procurar um lugar real para nos estabelecermos. — Grino disse e esticou a mão para Russel.

Ambos apertaram as mãos e souberam que a parceria chegava ao fim, mas nunca realmente terminaria a cumplicidade. Grino deixou o armazém para pensar melhor no que faria a seguir.

Andou pelo distrito, conhecendo os lugares que agora teria de chamar de casa. Nas Terras Régias, Grino conhecia cada beco e bueiro, podia correr de olhos vendados que não se perderia, mas ali não, Stato Cinque era ainda um labirinto para ele, um quebra cabeça com poucas peças encaixadas, e muitas peças trocadas. A antiga Veneza era um emaranhado de ruas estreitas, becos sem saídas, trilhas para canoas e corredores feito por casas de dois ou três andares, eram poucas as ruas largas ou vias mais abertas, até mesmo praças eram escassas ali. Um verdadeiro labirinto.

O distrito ainda sofria com os impactos da última raide que deixara além de cinzas e escombros, mortos e feridos. Grino escondeu-se dos eventuais guardas que surgiam lá ou cá, mas o povo não se escondia, pelo contrário, tratava-os com descaso, continuando suas rotinas como se os guardas sequer ali estivessem. Eles tem coragem acima de tudo pela necessidade, mas ainda assim corajosos. Isso era bom, pois Grino podia usar um bocado de coragem pela parte do povo.

No armazém, Alayza tentava deixar o escritório suspenso, mas toda vez que cruzava a porta esbarrava com um homem de cabelos enrolados e olhos azuis, que sorrindo um riso malicioso balançava o dedo dizendo que não, e a empurrava de volta para o escritório. Alayza ficava no quarto, na cama de Grino, olhando o movimento ao longo do dia. Um rebelde ou outro ia e vinha, sempre tinha mais alguém junto dela no quarto, então ela não podia ficar realmente sozinha, mesmo assim tirava alguns momentos para ler o diário de Grino. Ennie estava ali também, passou um tempo no quarto mas não falou com Alayza, nem vice-versa.

A noite chegou e o homem de olhos azuis trouxe um prato para Alayza jantar

— Não é muito bom, mas vai te manter de pé. — Ele disse enquanto ela pegava o prato e agradecia. — Vou voltar para a porta pra garantir que você não vai fugir. — Disse com ar brincalhão e saiu andando.

Alayza estava morta de fome, porque esqueceram do almoço e ela não querendo incomodar ou sequer falar com eles, também não se pronunciou. Mas estava realmente grata que tinham lembrado de lhe trazer o jantar. Era arroz e ervilhas com uma com molho por cima.

Quando Grino voltou para o Armazém, foi como se ele e Ennie fossem desconhecidos. Não se falaram além do necessário, e ele foi juntar um fardo de tecido para ter onde dormir, já que Alayza ainda estava na sua cama, e Russel não havia providenciado uma cama a mais.

— Ei cara. — Sony chamou Grino, descendo as escadas do escritório.

O armazém vazio de noite era como um ninho de monstros, todas as carcaças de lixo para reciclagem faziam sombras lá e cá e Grino se sentia estranhamente confortável com isso. Sony ajeitou seus cachos atrás da orelha e suspirou, odiava ter aquelas conversas, mas sabia que com Grino às vezes era necessário.

— Sony, tudo bem?

— Já passa da meia-noite, então faz dois dias que você não me pergunta sobre nosso plano, sobre nosso futuro. Então eu acho que tenho que te perguntar se ainda estamos trabalhando em cima de alguma missão, ou é só vagar a esmo mesmo.

— Ennie quem te mandou, não foi?

— Não…

— Isso tem cheiro de Ennie.

— É a garota, Alayza. — Sony desembuchou. — Eu sei que ela…

— Ainda estamos seguindo o plano, Sony. Eu só acrescentei algo na mistura. Um objetivo mais imediato.

— E seria? — Sony olhou para Grino com preocupação, então se sentou no fardo de tecidos que iriam para pigmentação. — Você nunca manteve segredos, Grino. Não de mim…

— Não, você está certo. Eu tomei algumas escolhas, acho justo que saibam. — Grino respirou fundo e bateu no ombro de Sony. — Vocês sempre estiveram lá por mim né. E eu vou pedir demais de vocês, de novo.

Grino olhou ao redor procurou rostos curiosos, olhos abertos, sombras que se mexiam.

— Estão todos dormindo, pode baixar a paranoia para níveis aceitáveis.

— A mãe da menina foi levada. O plano original era ajudar as pessoas como fizemos nas Terras Régias, criar uma imagem para os rebeldes e aumentar a popularidade, ter apoio do povo para ter reconhecimento de causa, e para isso precisamos de um alvo popular, que apele às massas. Eu acho que a mãe dela serve bem.

— Você quer resgatar a mãe dela. Tudo bem. Mas por qual motivo? A Causa, ou por Ela?

— As duas coisas. — Grino retorquiu.

— Não é verdade. Sim, podemos fazer isso virar a favor da Causa, mas não está propondo isso pela causa.

— Que seja, unir o útil ao agradável…

— O problema é que está fazendo o útil ser seus desejos pessoais e o agradável ser a causa. Está invertendo as prioridades e usando desculpas para fazer parecer que não, mas eu te conheço melhor que isso. A Ennie conhece.

— Não fala besteira…

— Ela é bonita, mas está te distraindo. Logo você, cara.

Grino percebeu que não conseguiria esconder aquilo de Sony. Eles me conhecem bem demais para cortinas de fumaça.

— Logo eu. — Concordou soltando o ar que prendia no pulmão. — Sabe, você tá certo. Ela foi um choque pra mim, eu não sei, realmente não sei, quando eu a vi pela primeira vez foi como se eu explodisse, e depois ver o contentamento dela, aquele rosto de gratidão por estar viva, e a oportunidade de salvar a mãe dela, de ter aquele sorriso de que fiz o certo… Eu quero ajudar ela, mas porque acredito que isso também vai nos ajudar, jamais esqueceria de nós, do nosso objetivo.

— Eu tenho certeza disso. — Sony disse para Grino e pegou as mãos do amigo, olhando ele nos olhos, sorriu. — Mas também tenho certeza que está apaixonado.

— Não seja abusado. — Grino puxou as mãos e riu. — Eu não me apaixono, só quero completa a missão… Alayza… É só…

— Não consegue sequer negar. — Sony se levantou e segurou a risada. — Já comprou as alianças?

— Nem sei se aqui usam alianças. — Grino rebateu, então rolou os olhos. — Mas tenho um plano, hoje eu andei pelo distrito e pensei no que podemos fazer. Eu prometi para Alayza ajudar salvar sua mãe, e vou, mas não apenas ela. A prisão está cheia de presos injustos nesse raide sem sentido da nova lei.

— A lei da execução pra quem tem comida guardada?

— Essa mesma. — Grino pontuou. — Como eu disse, vou unir o útil ao agradável. A família de Alayza não é a única, mas é uma das muitas, imagina o tanto que não vamos ajudar o povo com isso, assim teremos…

— Tá, tá, tá… Já ouvir muito esse seu discurso. — Sony interrompeu ele e personificou a voz de Grino. — Eu vou salvar os oprimidos das garras tirânicas do Rei… Digo, dos Cinque.

Grino deu um soco no ombro de Sony e riu.

— Idiota, eu não falo assim.

— Só de vez em quando né? — Sony devolveu o soco em Grino e massageou o ombro. — Vamos ao ponto, como onde e quando.

— Tudo bem, eu vou precisar…

— Planta da prisão, registro de prisioneiro, transferências, nomes dos guardas e histórico… Já separei isso tudo de Rosa e Cravo. Estamos aqui há dois dias né, estava sem o que fazer.

— Por isso eu adoro você, rapaz. — Grino sorriu.

— Eu sou mais velho que você, rapaz. — Sony rebateu se esticando e deitando na cama improvisada de Grino, percebendo como era desconfortável. — Enfim, já achei tudo que precisávamos, e algumas coisinhas mais… Pelo que vi vai ser mais fácil que o sistema presidiário das Terras Régias.

— Tomará.

E então a conversa seguiu o rumo de planejamento por toda a noite. Passaram parte da madrugada ajustando detalhes, quando Sony finalmente decidiu dormir. Grino agradeceu, embora a noite tivesse rendo todo o plano intrincado, faltava ainda o consentimento de Ennie para aprovarem a medida. Tudo que eles faziam, sempre faziam em conjunto, ou os três concordavam, ou debatiam até os três concordarem.

Na manhã seguinte novamente Grino acordou mais cedo que o de costume. Percebeu que desta vez Russel ainda não estava ali, então aproveitou para ir até o laboratório que o homem chamava de Cozinha. Olhou as paredes, uma dela tinha um quadro com formulas químicas escritas e desenhos de moléculas e suas ligações. As mesas estavam cheias de frascos de vidro transparentes, já vazios. Russel já preparava a mudança da cozinha para a inspeção da guarda. Grino caminhou até uma das mesas, embaixo do tampo de alumínio havia as gavetas para guarda ferramentas, mas algumas estavam trancadas, ele as puxou para observar o conteúdo de cada uma delas.

Em uma das gavetas achou um cubo de bordas arredondadas, era branco com manchas esverdeadas, não maior que uma projetil de revolver.

Grino pegou um pedaço de papel e enrolou o cubo nele, guardando-a em seu bolso. Deu a volta na mesa e ouviu o som da água corrente como em um rio. Já havia esquecido que ali do lado passava a corrente d’água da maré. Ele foi até o beira e desceu a escada lateral com as barras de ferro enferrujadas. O laboratório tornou-se um túnel sujo e fétido feito de tijolinhos apodrecidos e cobertos de limo.

Continuou olhando por um instante a água deslizando pelo túnel, quando um corpo passou pela sua visão.

— Deus…

Exclamou pulando para a água, seus pés afundaram até o meio da canela, correu na direção da maré, a água deslizando mais depressa que ele, Grino ainda assim conseguiu agarrar o braço do homem, o segurando enquanto a água batia contra os dois, repleta de pedaços de lixo que vinham das ruas.

Puxou o homem para que sua cabeça saísse da água a fim de não o deixar afogar-se. Estava inconsciente.

O levou até a escada de onde a luz do laboratório jogava sombras contra a água escura correndo para sabe-se lá onde. O homem desacordado ainda tinha pulso, mas seu corpo estava frio e ele quase não sentia a já fraca pulsação.

— Quem está ai? — Do outro lado do laboratório Russel inqueriu com a voz grossa, ao ver que a porta do túnel do SEDEC estava aberta, escancarada. Puxou sua calça para cima, e da perna puxou o revolver no coldre escondido.

— Russo, sou eu. Sou eu! — Grino gritou de volta para o dono do armazém.

Russel guardou a arma na cintura e correu até a escada do túnel, parando na metade do caminho quando viu o corpo.

— O que é isso?

— Ele veio com a corrente, provavelmente…

— Não. — Russel não controlou seus sentimento ou os impulsos, somente de imaginar aquele homem ali, aquilo era perfeito demais para ser desperdiçado. — Isso é ótimo!

— O quê? — Grino levantou a cabeça e olhou para o homem novamente, massageando seu peito. O homem cuspiu água e se virou de lado, engasgando enquanto a saliva esticava de sua boca, ele balbuciava algo.

— Esse homem é um capitão de guarda. — Russel respondeu enquanto Tanoos Henlook acordava lentamente recobrando sua consciência. — Posso realmente confiar em você, Grino?

— Confiança é parte do nosso acordo. — Grino olhou para o homem pensando em quem tinha nas mãos. Um capitão… As chances se tornavam, subitamente, enormes.

— Ótimo. Prenda-o ai, não o deixe fugir. Eu vou coletar informações

— Vou levar ele para o escritório…

— Não. — Russel apontou para as barras enferrujadas. — Algeme-o ai mesmo, e aguarde meu retorno. Estou confiando em você!

Grino olhou para Russel, que sumiu deixando os dois ali. Então o capitão se virou com olhos perdidos, quase consciente novamente.

— Quem é você…

— Se senta. — Grino puxou o homem para a parede, apoiando suas costas nos tijolos e olhou para o rosto, percebendo cada traço daquela feição. Foi como ver uma foto. A voz recobrou sua memória “Quem é você?” Ouviu nas lembranças encarando o homem.

— Você engoliu muita água, precisa ficar parado, eu vou buscar primeiros socorros, não saia daí.

Grino então deixou o homem ali, indo contra o que havia dito para Russel, mas precisava salvá-lo, ou não adiantaria manter guarda e no fim do dia ter apenas um cadáver para contar história.


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