Era da Opressão escrita por P B Souza


Capítulo 10
09; Fazendo Protegidas


Notas iniciais do capítulo

Uma revelação importante, e um pouco de sentimentalismo pra humanizar né!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/679000/chapter/10

09; fazendo protegidas.

Alloggi Militari. 19/02/0165

A nordeste de Veneza, já além das fronteiras definidas pelo fundador, aonde nenhum habitante comum poderia ir, existia a antiga Murano, um conjunto de seis ilhas na Primeira Era, mas agora apenas um grande conglomerado de terra seca e aplainada, controlado pelo Exército da Fundação.

Era comum que o exército iniciasse assentamentos militares por diversos locais, vinha sendo assim desde a fundação há cento e sessenta e cinco anos. As tropas do fundador chegavam, montavam acampamento e analisavam o terreno, passava-se dois ou três anos até que alguma colônia enviasse colonos para colonizar a área assentada. Os requisitos para um assentamento civil eram simples; possibilidade de produção, pois toda colônia deve ser autossustentável, ser defensível, não possuir ameaças próximas, sejam nômades ou animais selvagens, e diversos detalhes menores.

O comum, porém, era que após o assentamento civil se instalar, os militares deixassem o local, indo procurar outro assentamento para iniciar uma nova colônia e assim expandir a Fundação no novo mundo. Isso não aconteceu em Veneza. A antiga Murano fora o local escolhido como assentamento militar após a colonização da antiga Veneza, e então ambas mudaram seus nomes. Veneza tornou-se Stato Cinque e Murano tornou-se Alloggi Militari della Formazione e la Esperimentazione, de onde os militares simplesmente não iam embora, e o povo de Stato Cinque embora imaginativos, nunca souberam os reais motivos.

Nem mesmo Dama Diamante  entendera os motivos reais, embora tivesse suas teorias. Mesmo com sua proximidade ao Fundador, ele nunca dizia sobre os assentamentos militares. Eram poderes distintos, governo e exército, o próprio marechal do exército era como um Fundador a seu modo.

Até mesmo ali, Stato Cinque estava ao lado de Alloggi Militari, e ambos os postos quase nunca se comunicavam, pois os assuntos de um em nada tinham a ver com o outro após a fundação da colônia. Exceto hoje, exceto por ela. Dama pensou. Por ser um espaço militar, não havia civis ali, ou sequer escravos. Havia apenas soldados, e até mesmo estes eram poucos, pois Alloggi era grande demais, e a pista de pouso e decolagens era deserta àquele horário.

Em outras fundações, como Bruxelas, Konya ou Hanói, ficavam a quilômetros de distância das cidades-estados do fundador, apenas ali, em Stato Cinque de Veneza, que o Alloggi Militari ficava assim tão próximo. Por culpa dos malditos selvagens. Dama acreditava ser a razão, mas, por fim, pensava que poderia usar o exército também contra os rebeldes.

—… Não importa os porquês, eu tenho meus motivos. — A Dama pontuou para o diretor Barkev Stevemson — Embora você os desconheça.

Ajeitou seus cabelos castanhos, hoje soltos. Os olhos mel pareciam cansados como nunca antes e ela não estava coberta de adornos como de costume. Não estava trabalhando, logo, embora exigisse respeito por seu posto, hoje ela não era Dama Diamante.

— Não tenho um helicóptero excedente aqui.

— Chame um, Barkev. — Instruiu ao diretor, que por razões pessoais não gostava dela. Dama Diamante sempre fora, para Barkev, uma pedra no sapato. A maior desvantagem de trabalhar ao lado de uma colônia era justamente ter de se conter em toda e qualquer ação militar, pois a cidade-estado não podia ver nada, e, portanto, cabia a Barkev ser sucinto e trabalhar em equipe com alguém que ele considerava inferior hierarquicamente. Se pudesse tomaria o poder de Stato Cinque a força. Ela temia.

Barkev então recuou alguns passos e fez uma ligação, tomando distância o bastante para não ser ouvido, mas de forma que também não tirasse os olhos das convidadas.

Pelo ouro lado, a própria Dama Diamante achava Barkev inferior a ela, achava os militares superestimados, preferindo por si só sua própria guarda.

— Mãe… eles não tem um helicóptero, eu não preciso ir…

— Minha pequena princesa. — Dama Diamante se virou de lado, olhando para a criança um tanto escondida atrás dela. Segurou sua filha pelos ombros olhando em seus olhos, eram iguais aos do pai em formato, em expressão, mas tinha a cor dos seus. — Viajará para um lugar especial, cheio de novas descobertas, lembra como adorava explorar os tuneis da basílica? Vai amar o palácio!

— Eu não quero ir, não sem você. Sabe que não gosto dele.

— É seu pai, Rhaina. Não precisa gostar dele, desde que o respeite e aprenda com ele.

— Posso aprender com você — A menina insistiu, terminando assim com a paciência da Dama Diamante.

— Irá, querendo ou não. — deslizou a mão pela franja da filha ajeitando os cabelos que balançavam ao vento, se aproximou de seu ouvido e sussurrou. — Não vá como se obrigada, apenas dificultará as coisas.

— Lady Tenard. — Barkev chamou retornando às duas. — Um helicóptero já está vindo do posto de Altino, deve chegar em minutos.

— Agradeço, diretor. — Dama Diamante anuiu para o homem, que então se retirou novamente, deixando as duas sozinhas no campo aberto frente a pista de pouso. À esquerda deles havia uma construção, a torre de comando do aeroporto de Alloggi, foi para lá que Barkev se dirigiu, ao abrigo do vento.

Dama diamante então voltou a olhar para a filha.

— Você vem? Pelo menos uma semana…

— Sabe que não posso deixar Stato Cinque agora, minha princesa. — Explicou para a criança. Rhaina precisava entender. Todos temos de crescer uma hora. — Mas um dia, quem sabe….

— Vira me visitar então?

— E você a mim. — Completou. — Todo mês tentarei lhe visitar, mas você também poderá vir, só precisará se lembrar, sua casa agora é lá, com seu pai!

Rhaina apertou os lábios, o queixo redondinho e vermelho tremia, se enrugando.

— Ele é um homem ruim, não quero ficar com ele.

— Ele é um homem. — Dama Diamante completou. — Um dia você terá um marido, e entenderá. Até lá, respeite seu pai, aprenda com ele, herde dele está bela Fundação. Minha princesa.

Dama Diamante suspirou vendo a filha chorar em silêncio, de cabeça baixa, enquanto o som do helicóptero se tornava cada vez mais forte. Barkev retornava da construção.

— É por causa dos rebeldes? É por isso que está me mandando embora? Você corre perigo?

— Não. — Mentiu, mentiu duas vezes. Mandava Rhaina embora por medo de perdê-la como o Rei perdeu seu filho em Londres, e mentia quando dizia não correr perigo, afinal, o Rei estava morto em Londres, e seus assassinos estavam ali, atrás dela desta vez. — Você está indo aprender. Não acredite em tolices. Nada pode destruir a Fundação!

Então o helicóptero se aproximou, começando a pousar no meio da pista.

— Está na hora. — Barkev disse então, se entrepondo na despedida.

Rhaina explodiu em emoções e pulou contra a mãe em um abraço.

— Não me deixe… não me mande embora, Aprenderei com você… Serei boa…

— Um dia… um dia vai entender! — Dama Diamante disse apertando a filha contra seus braços e sentindo o perfume dela, sentiria falta das risadas pelos corredores, das perguntas irritantes pela manhã, sentiria falta de pentear seus cabelos e colocá-la de castigo. Mas não podia recuar agora, precisava ser diamante até mesmo com Rhaina, especialmente agora.

— Eu não quero ir.

— Não é sobre o que queremos, princesa. — Dama Diamante choramingou. — Nunca é sobre nós! — Mentiu. — E é isso que aprenderá.

Então soltou-se do abraço, agarrou a mão da filha e apontou para frente, quando o helicóptero terminou de pousar.

Dama Diamante começou a andar junto da filha e Barkev. Do helicóptero desceu dois homens, o piloto e co-piloto continuavam na cabine.

— Para onde, senhora?

— Base militar zero! — Dama Diamante informou o soldado que anuiu. — Sem escalas.

— Sim senhora. — O soldado então se abaixou e esticou a mão para Rhaina, que apertou a de sua mãe sem sinal de soltar.

— Estou com medo. — Gritou por cima do som das hélices. O helicóptero tinha grandes hélices e turbinas laterais para impulso, era equipado até mesmo com uma metralhadora, claramente para guerra e não para viagens. Mas há de servir.

— É completamente compreensível. — Dama Diamante disse então. Olhou para a sua filha uma última vez. — Eu também estou. Medo de te perder, de perder essa guerra, de perder tudo que amo. E com medo nós perdemos, não posso ser forte se você não for! Somos uma família, Rhaina. E eu só posso ser forte se você for. Só posso ganhar se souber que você está bem. E se eu perder, nunca mais vou te ver. Seja forte, por nós. Me prometa que será forte!

— Eu… prometo! — Rhaina fungou, aos prantos.

Dama Diamante fez que sim com a cabeça para o soldado, se endireitou, e então Rhaina aprumou-se também e caminhou para dentro do helicóptero, cheia de pavor, suas pernas tremiam e Dama Diamante podia ver, mas nada fez, embora quisesse puxar a filha de volta e correr todos os riscos. Nada fez, pois sabia que aquela despedida era o melhor.

Então a porta do helicóptero se fechou, as hélices aumentaram sua rotação e o vendaval se intensificou com o decolar, os cabelos soltos esvoaçando para todos os lados esconderam as próprias lágrimas, que Dama Diamante limpou fingindo prender mechas do cabelo.

Ela não ficou olhando por muito tempo, se virou imediatamente, e deparou-se com Barkev Stevemson lhe encarando.

— Nunca pensei que diamantes choravam. — Ele disse olhando uma única e solitária lágrima no rosto da Dama.

— Mãos descuidadas podem se ferir com diamantes. — Ela informou. — Conte para alguém, qualquer um dos seus cachorros de uniforme, e perderá muito!

— Não é porque pode vir aqui, Cataryn, que pode fazer o que quiser. — Barkev disse, ousado. E isto despertou a fúria na mulher.

— Sim, você está certo, Barkev. Mas se lembre que este lugar existe porque eu deixo existir.

— O que pernas abertas não conquistam…

Cataryn desferiu um imediato tapa contra o rosto de Barkev, que virou de lado, ficando vermelho imediatamente, um fino risco surgiu também, aonde o anel arranhara no impacto, deixando um filete de sangue pulsar para fora da carne. Ele a encarou com raiva e Cataryn em momento algum recuou, continuou o encarando com frivolidade de quem não se importava, mesmo com Barkev tendo a expressão de um leão prestes a atacar. Vamos, me bata. Um dedo e será o bastante para que eu tenha sua cabeça no fim do dia. Ela pensou, furiosa, desejando pelo caos, mas apenas pelo caos que pudesse controlar.

Só de imaginar o Caos em Stato Cinque, caos este que fugia de seu controle…

— Olhe para o horizonte, uma cidade se ergue esplendorosa sob meu comando. Você comanda ratos que exploram nada além de ruínas. É isso que pernas abertas conquistam! Poder, poder real que você nunca vai ter!

Esbarrou contra o ombro de Barkev e saiu andando rumo à cidade, àquela que se despedaçava naquele exato instante. Esplendorosa era uma palavra que jamais descreverá as ruínas de Veneza.

Pensou olhando para sua frente, a linha de trem com o vagão pronto para levá-la de volta a Stato Cinque, para o maldito jogo do poder do qual ela sabia, não havia como fugir, e agora tinha medo de perder.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Pobre dama, ou bem-feito?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Era da Opressão" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.