O cara do apartamento ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 24
Capítulo 24




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Termino de me arrumar para o baile e meu corpo gela de ansiedade. Não tenho um bom pressentimento sobre ir até lá, mas nunca recusaria um pedido tão importante de Peter. Essa decisão é um passo gigante em sua vida e sei que isso vai guiá-lo à, finalmente, ser quem ele aspira ser. E eu não posso estar mais feliz por ele!

Durante a última semana, ele foi, simplesmente, incrível comigo. Atencioso, carinhoso, bem-humorado e fascinante, como apenas ele sabe ser. Peter estava em tudo! Seja me buscar nos meus últimos dias de serviço — e me ver com lágrimas nos olhos pela despedida. Ou, cada noite, dividindo qualquer tipo de refeição comigo. Doc até já conheceu minha casa, nos dias em que seu dono dormiu por aqui, após escrever um pouco de suas histórias, de ver um filme ou me ter em seus braços e me amar quase até o dia seguinte. 

Sim, as coisas estão lindamente nesse nível...

Meus olhos estão fechados enquanto Stacey trabalha na minha maquiagem e sorrio, até mesmo sem perceber, para cada um desses pensamentos. Relembrar isso é o único antídoto para o que eu estava sentindo e me faz pensar duas vezes antes de desistir de comparecer ao baile.

Ela me pede para que eu me levante, para que possa analisar todo o processo das últimas horas. Meu rosto está bem vivo, graças à ela e meu cabelo bem escovado. Um vestido rosa claro e simples, na altura dos pés, mostra realmente quem sou e não o que o Senhor Clark espera que eu seja. Estou ansiosa para me apresentar assim, porque seu filho e eu vamos mostrar um mundo real, do qual ele parece ter se esquecido. 

Meu ventre se contrai sob o vestido e Stacey me faz algumas cócegas a fim de que meu foco mude e eu não fique tão tensa, pois ela já precisa ir. É um dia cheio no salão, ela explica. Fico muito feliz que ela tenha feito esse esforço por mim e a abraço apertado, prometendo pagar por todo o serviço assim que começar à trabalhar novamente. Ela não parece preocupada e nos despedimos. 

Me sento na cama e suspiro, as coisas estão mudando para mim, outra vez e desde que cheguei é assim que eu vivo. Reinventando. Renascendo. Redescobrindo. Evoluindo. Coro, quando penso que isso poderia fazer parte dos poemas de Peter e a campainha me distrai, provavelmente sendo ele mesmo.

Aperto o passo até a porta, sem pensar se estou sendo exagerada ou não, afinal, eu não preciso mais conter meu sentimento por esse homem ou conter o desastre de pessoa que sou — o que nunca funcionou tão bem.

 

— Oi! Nossa, você está linda. — Analisou todo meu corpo e deu um sorriso suave.

— Obrigada! Você até que está... Bonitinho. — Ri, piscando. Ele sabe o que eu quis dizer. Seu terno escuro e a gravata vermelha lhe caía bem. — Vamos?

— Espera. Antes eu tenho algo para te falar. — Estendeu a mão, indicando que queria entrar e eu deixei.

 

Estamos em silêncio, no meio da minha sala, agora. Suas mãos estão escondidas no bolso e acho que ele está nervoso, então espero que ele leve o tempo necessário para soltar suas palavras. 

Será que ele quer me alertar de algo ou será que ele desistiu e não quer que eu vá? Minhas mãos começam à suar e eu as passo nas laterais do vestido, quando ele retorna de onde parou.

 

— Rach, nosso começo de emoções limpas se deu há poucos dias, eu sei, mas você sabe que elas nos acompanham muito antes disso. Antes de eu ser esse cara que estou começando e gostando de ser. Desde o primeiro dia, mesmo com você parecendo irritada comigo, durante os sete lances de escada, eu senti algo especial por você e depois... Não parei mais de sentir! Eu cheguei à pensar que era afeto ou compaixão por alguém tão sozinho, por aqui, como eu, mas não. Nunca foi! Sempre senti algo diferente por você e tempos depois, eu tive certeza que era amor. Isso você sabe, porque agora eu não canso de repetir, mas tem algo que você não sabe. Algo que pensei esses dias e tenho ainda mais certeza, na minha vida. — Sorriu, me olhando nos olhos.

— O que, exatamente? — Franzi a testa, ansiosa e confusa, mas minha expressão suavizou, quando ele se ajoelhou, retirando uma caixinha do bolso.

— Eu te amo e você é a única mulher na minha vida, agora. Rach, minha princesa... Quer namorar comigo? — Seu polegar abriu a caixa, revelando duas alianças, incomuns, porém lindas, em um degradê de arco-íris. — Você quer continuar pintando suas cores em mim?

— Ah, meu Deus! Peter! — Levei as mãos até a boca, soltando um gritinho animado e abafado. — É claro que sim. Sempre! Talvez eu seja as cores, mas você é o meu arco-íris. Eu não sou nada sem as minhas cores, todas juntas e sem você. 

— Então em nome disso tudo... — Dizia, enquanto trocávamos alianças. — Você, agora, é minha. 

— Eu sempre fui, mas agora eu posso dizer em voz alta, meu amor. — Sorri, olhando em seus olhos brilhantes e satisfeitos.— Eu sou sua.

 

Ele me beijou e nossas cores se misturaram como precisavam, para se recarregar e encarar a noite em preto e branco, cheia de pessoas cinzas.

Eu me sinto pronta para enfrentar o que vier. Não vou deixar que as asas de Peter parem de voar, outra vez.

 

•••

 

— Sim, Rach, tenho certeza que quero usar essa aliança e não ligo para o que meus amigos vão dizer! Ela nos representa. — Ajeitou o terno e me deu um selinho antes de cruzarmos o portão.

 

Sorri para o meu destemido namorado e andamos, um pouco, por um tapete vermelho que seguia até as escadas de uma mansão — que eu não faço ideia de quem seja. Fotógrafos e flashes anunciam nossa chegada, como se fôssemos estrelas do rock. Posamos para as fotos e, antes das luzes queimarem nossos olhos, subimos a extensa escada, adentrando o local. O mesmo tinha um grande hall e estava repleto de pessoas entre os 30 e 50 anos. 

Logo que chegamos, fomos recebidos por uma senhora de olhos doces que abraçou o meu garoto, sussurrando algo em sua orelha, do qual ele apenas exclamou "Bom!" e me puxou para um abraço em seguida. É a sua mãe, é claro e eu nunca estive mais sem jeito porque não esperava essa recepção, apesar de essa excitação ser a palavra chave da família Clark. Como eu pude me esquecer?

 

— E você é a Rachel, suponho. Seja bem-vinda. Eu sou Isabel, mãe desse bebê. — Apertou a bochecha de Pete e eu corei, rindo baixo.

— Muito prazer, senhora Clark! Será que poderia saber como sabe meu nome? Se não for pedir muito... — Eu estava curiosa demais para me aguentar. Será que Jessie ou ele falaram sobre mim?

— Digamos que alguém vem me falando maravilhas sobre você. Por favor, faça esse teimoso feliz e puxe a orelha dele se ele parar de escrever! — Peter a abraçou, com vergonha. Ela é bem menor que ele, mas se parecem muito.

— Prometo que vou cuidar disso! — Bati continência e nós três rimos, divertidamente.

 

Isabel nos pediu licença e nos servimos de um champagne rosé que o garçom nos ofereceu e continuamos circulando pela sala imensa. Alguns sorrisos, aqui e ali, mas nenhuma conversa. Acenam e dizem o nome de Peter, parece que ele é bem conhecido entre essas pessoas. Deve ser complicado ter uma vida traçada e maçante, mas aos poucos ele irá seguir seu próprio traço. Estou certa disso.

Seguimos caminhando e avistamos Paul, com um punhado de outros homens. Paul? Aqui? Ele é mesmo um mistério! O loiro nos olha de volta e nos chama com a mão livre do whisky. Seus amigos abriram um pouco a roda para que nos encaixássemos e Paul nos introduziu.

 

— Essa é Rachel Reed, a economista que eu comentei e Rachel, esses são os advogados da DS Lawyers. Eles estavam ansiosos para te conhecer!

 

Fico nervosa, mas Peter continua do meu lado, me tranquilizando. Paul também o apresenta e conversamos durante um tempo. Eles parecem animados em ouvir as ideias que tenho para a empresa. Parece que algo bom vai sair desse encontro...

Pedimos licença, tempo depois e andamos mais alguns passos, quando uma mão firme toca meu ombro, me mantendo no lugar e eu assusto, olhando para trás. Meu Deus, é Josh, acompanhado de Jessie! Meu queixo cai um pouco enquanto percebo as mãos dadas do casal. Peter parece familiarizado com isso ao abraçá-la e Josh me puxa para a realidade.

 

— Rachel! Quanto tempo. — Abriu os braços, animado.

— É mesmo, faz tempo... — Sorri, confirmando levemente com a cabeça. Sim, Josh, desde que você foi um idiota, eu quis dizer, mas parece que ele ouviu meus pensamentos.

— Eu queria me desculpar com você. Eu fui um idiota total. Que bom que vocês deram certo, pelo menos. Muita coisa aconteceu, desde aquele dia e... — Coçou a nuca.

— Jessie aconteceu? — Ri, estreitando os olhos, tentando entender.

— Eu aconteci, cunhada! — Me abracou, de repente. — Meu pai e o pai dele se conhecem e você já pode imaginar...

— E já nos conhecíamos, de algumas maratonas, na faculdade. Fomos nos aproximando e funcionou. — Interrompeu, dando de ombros. 

— Bem, eu espero que sejam felizes! Vocês fazem um casal lindo. — Olhei os dois, sorrindo e depois lancei o olhar para Peter, que escutava a conversa, atento.

 

O casal agradeceu e Jessie me abraçou a última vez, antes de saírem e se perderem no meio do amontoado de gente que estava caminhando para o mesmo lugar. Suspiro e olho meu namorado, buscando respostas em seu olhar e ele encolhe os ombros, me confirmando que já sabia e que não podia fazer muito. Se sua irmã está feliz, ele também, mas que sempre e irá vigiar Josh. É claro, eu não esperaria menos.

Tudo acontece por um destino. Às vezes estranho e em outras, mais fácil de se conformar. O único fato essencial aqui é que se algumas coisas, que pareciam erradas no caminho não tivessem acontecido, talvez nós e eles não estivéssemos tão completos e com a sensação de lugar certo.

A mamãe Clark passou em nossa frente, seguindo os convidados e indicando para que também acompanhássemos o fluxo. Relutei, por um instante.

 

— Onde ela quer que nós vamos? — Perguntei baixo, tocando minha franja.

— É um baile, Rach. Hora de dançar. — Parecia animado. Será que ele dança? Será que ele esqueceu onde estamos?

— Pode ir, se quiser, eu espero. — Fingi um sorriso e terminei minha taça.

— Você é a minha namorada e acompanhante. Só você. — Deixou minha taça em uma pequena mesa.

— Mas e se Nicole aparecer? Eu não quero mais conflitos do que os que já estamos procurando, Pete.

— Eu estava com o convite dela, portanto ela não está por aqui. Agora vamos.

— E o pai dela? Meu Deus!

— Vamos, Rachel!

 

Eu estava um pouco abalada com a confissão enquanto seguia seus passos. Provavelmente sua mãe lhe disse isso quando nos recebeu, por isso ele me contou com naturalidade. Ele está calmo e posso ficar calma também, eu espero. A música já se iniciara antes de encontrarmos um lugar e apesar de não termos ensaiado, eu já fiz isso, algumas vezes na vida e estou segura de que ele idem. Não entendo de música clássica, mas presumo que seja uma valsa de Johann Strauss. Eu dancei na minha formatura algo desse tipo. Bons tempos. 

Olhando para os lados, noto que há algumas pessoas da nossa idade e também da faixa de Jessie — ou seja, filhos e filhas de gente da classe alta. Eles alternam os pares e sei que devemos fazer o mesmo. Meu primeiro par é um senhor muito respeitoso, mas não duramos muito tempo. Josh vem até mim e eu não nego. Já não é desconfortável a sua presença e sei que o perdoei totalmente, como ele o fez. Tento não pensar que dançávamos, sensualmente, meses atrás e tudo se sai bem. 

Tempo depois, uma mão fria tocou meu ombro à mostra e Josh se afastou, cedendo com um sorriso tenso. Viro de costas e dou de cara com o pai de Peter. De onde ele saiu? E por que quer dançar comigo? Aceno com a cabeça e ele toca minha cintura, iniciando os passos.

 

— Eu quero conversar com você, Senhorita Reed e precisa ser agora. — Disse, próximo à minha orelha.

— Estou escutando perfeitamente, Senhor Clark. Do que se trata?

— Aqui não. Me acompanhe.

 

Levantei o queixo, parecendo demonstrar superioridade, mas o que queria mesmo era encontrar Peter antes de ir, o que não aconteceu. Segurei a barra do vestido e acompanhei o homem até o andar debaixo, onde fazia menos barulho.

A casa não era dele, pois havia quadros de outro senhor na parede. Entretanto ele estava usando como se fosse a própria. Não pediu para que eu me sentasse e eu não o faria, de qualquer forma. Estou apreensiva demais.

 

— Nós não vamos ter muito tempo, então serei claro. Você está atrapalhando a vida do meu filho.

— Estou? Por que? Por que digo à ele para seguir seus sonhos? — Ironizei.

— Você acha que eu cheguei onde estou por sonhar? — Sua voz ficou alta.

— E o Senhor acha que Peter quer chegar no mesmo lugar? Se sua resposta for sim, repense, porque não conhece seu filho. — Dobrei o tom.

— Então avise ao Peter que eu não quero que ele me procure mais! E que eu farei todo o possível para tirar tudo o que lhe dei!

— Não é necessário mandar recados pela minha garota, papai.

 

O silêncio se tornou grande na sala, deixando a música preencher o vazio. A mãe de Peter entrou logo depois, repreendendo o marido. Por fim descobri que ele se chama Robert. 

Robert Clark, que nome de cretino.

Caminho rumo as escadas e não me permito olhar para trás, para saber como deixei a situação, mas meu corpo começa à tremer e Peter agarra meus braços quando já chegamos no andar principal. Ele fica diante de mim e eu tento disfarçar uma lágrima que aparece, limpando-a rapidamente.

 

— Ele te fez alguma coisa antes de eu chegar? — Suas sobrancelhas estavam arqueadas em muita preocupação. Ah, eu amo esse jeitinho dele.

— Não, Pete, mas eu sinto tanto que ele faça isso com você e por minha causa! — Ele me abraçou e caminhamos até a porta.

— Não é por sua causa, ele só quer culpar alguém. Meu pai não sabe de nada que acontece comigo! — Estava enfurecido.

— Pete... — Suspirei, derrotada.  

— Nós vamos sair daqui juntos, permanecer juntos e lutar juntos. Rach. — Fechou a grande porta atrás de nós e segurou meu rosto. — Você tem razão, o que ele tem, não é o meu sonho. Você, é. Escrever, é. Viver como eu decidir ser e tudo isso. Eu passei anos submisso à alguém porque tinha dor demais para me rebelar e porque ser um playboy é muito mais fácil! Só que também nunca foi meu sonho... É hora de eu viver de verdade.

 

Ele sela meus lábios com um beijo leve e cheio de ternura quando termina de falar e eu correspondo, sem nem ao menos notar se há câmeras, como quando chegamos. Nada importa.

Tudo o que eu vejo é o meu amor fazendo suas asas se abrirem.

E, finalmente, Peter vai voar.

 

•••

 

Peter estacionou o carro na porta do nosso prédio e me emprestou seu terno para que eu saísse do mesmo. Ainda que não esteja tarde, a noite começa à congelar e ele sabe ser cuidadoso, quando quer. É a sua qualidade mais bonita. A mais especial e que sempre dividiu comigo.

Entramos e Bob está saltitante pelo corredor, sacudindo um bilhete. Bruce está com ele e, seguramente, estão comemorando algo. Nunca os vi tão alegres e me pego sorrindo antes mesmo de saber o motivo. Meus "meninos" merecem essa alegria.

 

— O que houve aqui? Estão comemorando duas semanas sem o elevador quebrado? — Peter não controla suas brincadeiras!

— Venham comemorar comigo. Vocês serão os primeiros à saber. — Bob nos abraçou e formamos um círculo, os quatro. 

— O vovô ganhou na loteria! Trinta milhões! — Disse Bruce, empolgado.

— O quê? — Gritei.

 

Estamos pulando, gritando e comemorando. Ainda me lembro de quando pedi dinheiro emprestado, para pagar a conta de luz e ele sequer tinha, pois havia investido na poupança e no futuro de seu neto. Lembro de como ele juntou os trocados para me pagar um sanduíche quando eu cheguei na cidade e mesmo que eu tenha retribuído, algumas vezes, esse nobre coração merece o mundo. Sua vida vai mudar!

Pete brinca que ele vai gastar com mulheres e que vai quebrar o elevador no lugar de Paul, mas Bob nos explica o plano que tem para investir uma parcela do dinheiro e parece incrível. Ele pede a minha ajuda e estou ansiosa para colocar a mão na massa! Isso irá mudar a sua vida e também a do edifício todo.

Estou tão feliz e é oficial — a vida de todos está mudando para a melhor.

Nosso mundo está cheio de cor por todas as partes.

 

 

 


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