O cara do apartamento ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 23
Capítulo 23




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/678992/chapter/23

— Conversar... O que? — Franzi a testa e me joguei no sofá, apoiando o queixo na mão.

— Primeiro, eu preciso te deixar mais sã. Vou fazer um café. — Partiu para a cozinha.

 

Tiro meus sapatos roçando os pés, um no outro, para evitar curvar o corpo com a certeza de que o enjôo viria nessa posição. Meus olhos seguem marejados e os fecho, sentindo o cheiro de água quente vindo da cozinha. Sorrio. Peter não tem motivos para ser legal e está sendo. Eu consigo empurrar a sensação do medo de James, agora. Na verdade, eu consigo empurrar tudo. 

Pareço estar sendo lançada em um mar em calma, que me move de um lado para o outro e eu vou balançando. Ou é como se eu ainda estivesse no bar, escutando alguma música. Peter corta minha distração e eu sinto, bem de longe, o cheiro do café.

 

— Era o casamento de um primo, hoje. Eu tinha decidido não aparecer, para não ter que lidar com o meu pai, até o dia do baile, mas acabei indo. — Um barulho de louça estava ao fundo.

— Hum... — Gemi, apoiando a cabeça no sofá. Meu corpo começou a pesar.

— Eu encontrei meu pai, lá. Não foi uma surpresa. Daí, eu disse...

 

•••

 

Acordo com lambidas no pé e me mexo com um espaço gigante ao meu lado. Abro os olhos, depressa e noto que estou na cama de Peter. Meu vestido se foi e eu estou vestindo minha camisa preferida de dormir — que por sinal, é a dele. Ao pé da cama, vejo minhas pantufas, também. O que aconteceu aqui?

Caminho até a sala, com Doc saindo na minha frente, me indicando onde seu dono está. Ele abaixa o volume da TV e me dá um sorriso receptivo, seguido de uma risadinha. Eu sei que estou um pouco descabelada, mas não é esse o problema. Estou perdida e com uma ressaca moral, em lembrar do que fiz o resto da noite de ontem.

 

— Quantas horas eu dormi? — Olhei em volta e o sol batia com força no chão do apartamento.

— Bem... Já é quase uma da tarde. — Se arrastou para o canto do sofá, pressionando a mão ao seu lado, me convidando para sentar.

— O que houve ontem? Quem me trocou? Você dormiu comigo, não é? — Descarreguei as palavras de uma vez, quando me sentei.

— Hey, devagar! — Gargalhou, levantando as mãos. — Uma por vez, Rach. Não houve nada entre nós ontem, está tudo bem. Aliás, quando eu cheguei com o café e as torradas, você já tinha dormido... — Tocou minha mão que repousava no joelho. — Te levei pro quarto e fui até sua casa, pegar algo para te vestir, já que roubou a melhor coisa que vestia você, por aqui.

— Desculpa. — Ri baixo, sentindo meu rosto queimar. — Anna deve ter se assustado e quase matado você.

— Quase isso. Conversamos por um tempo e contei que James te trouxe, que não gostei dele e te arrastei para minha casa. — Seu olhar estava fixo no meu. — Você lembra dessa parte da sua noite?

— Sim, não que eu quisesse lembrar... Foi tudo minha culpa. — Dei um sorriso derrotado e tentei me levantar, mas ele me manteve no lugar.

— Nunca é culpa da mulher ser assediada. Se você disse não, o que eu vi você dizer, era o dever dele parar. Eu não sei o que aconteceu antes, mas não foi sua culpa. Esqueça isso. — Tocou meu rosto. — Vamos comer.

 

Eu não tinha, exatamente, o que responder, mas me senti aliviada por ele pensar assim e também abrir meus olhos em relação à isso. Não foi minha culpa e nem tudo é. Foi algo que, infelizmente, não poderia esperar menos de James, mesmo ele nunca tendo feito nada semelhante, antes, seu comportamento nunca foi seguro. Já Pete, é uma surpresa agradável, porque mesmo sendo um playboy de carteirinha, sabe até onde ir com uma mulher. A proteção que ele me transmite é mesmo real.

Caminhamos para a cozinha e Peter descongelou uma pizza de calabresa, com direito à copos com vários cubos de gelo e uma Coca-Cola. Eu estou com mais fome do que imaginava e não faço cerimônia em dividir esse almoço improvisado com ele. Pete me conta, detalhadamente, o que ele e Anna conversaram, inclusive que Jon estava de visita, para desfrutar da cidade e levá-la para casa, na manhã seguinte. Já estou sentindo falta da minha garota, confesso, mas ela precisa voltar...

O assunto vai mudando e minha memória voltando, em partes. Estávamos falando do seu pai, noite passada. Algo aconteceu, entre eles, mas eu dormi antes que pudesse saber a situação. Ele foi tão gentil comigo, me trazendo para cá e se preocupando com meu pijama e eu o compensei dormindo no meio do que ele queria me contar. Ingrata!

 

— O que você disse para o seu pai? — Ele estava terminando de lavar a louça e eu estava secando, quando perguntei.

— É mesmo, você não ouviu nada, ontem. — Riu debochando de mim e eu o acertei, de leve, com o pano de prato. — Eu disse à ele que não vou levar Nicole e que já tenho companhia.

— Ah. — Estreitei os olhos tentando entender o recado. Ele queria dizer o que eu acho que queria? — E ele?

— Disse pra eu pensar bem. Que talvez isso me trouxesse consequências. — Apoiou uma de suas mãos, ainda molhada, na pia e me olhou.

— Peter... — Fechei os olhos. Não posso encará-lo. Por instantes sinto que estou colocando filho contra o pai e isso não me soa bem.

— Rachel, por favor! — Sua voz se excedeu, como se soubesse o que eu ia dizer, mas agarrou minha mão, logo depois. — Vá ao baile comigo.

 

Ficamos nos olhando e eu pressiono meus lábios. Não sei se isso vai dar certo, mas conheço esse tipo de pessoa e se ele disse que Peter vai sofrer pela sua escolha, é porque vai. 

Suas mãos, agora, acariciam meus braços, tentando me confortar e me mostrando que também se sentia desprotegido por estar fazendo o que nunca fez, além de estar esperando a minha resposta. Eu o abraço com tanta força que estou quase saindo do chão, tentando protegê-lo por inteiro.

 

— Nós vamos dar um jeito em tudo, Pete. Eu prometo. — Suspirei.

 

•••

 

Tenho um dia livre e não quero fazer nada além de ficar presa no apartamento do meu vizinho. Há algo diferente em Peter, hoje. Ele está empolgado, animado e ansioso. Acho que ele está nervoso pelo que vai acontecer em alguns dias, com seu pai. Eu notei que ele não vem dormindo durante o dia, como quando eu o conheci, mas não sei se ele está fazendo algo importante ou que tire seu sono. 

Minhas perguntas são respondidas quando Peter me puxa, de maneira agitada, para a sala, com a explicação de que tinha que me mostrar algo. Há um caderno, conhecido, em suas mãos, mas um pouco estufado por folhas soltas em seu interior.

 

— Eu venho escrevendo mais, muito mais. — Ele se sentou ao meu lado, colocando seus papéis sobre a mesa de centro.

— Peter, isso é ótimo! — Comemorei.

— As palavras parecem estar brotando, Rach. Palavras boas, menos doloridas! — Exclamou.

— O que?

 

Meus olhos se abriram mais, em espanto e ele me entregou um de seus rascunhos com a letra que aquece meu coração e que já conheço bem.

 

"Liberdade.

 

Existem amarras mentais e corporais.

Algemas que te privam ou unem à alguém.

Vendas que te proíbem de enxergar o que é tão óbvio.

Você sentiu que algo tirou sua respiração?

 

pessoas, por todos os lados, tentando te reprogramar.

Reajustar, refazer, transformar, enquadrar.

Algumas, para o seu bem e outras, bem poucas, de forma altruísta.

Você se decidiu de qual lado está?

 

Nem sempre a pessoa que te prende, irá te soltar.

É preciso lutar por si próprio, se mover, reagir.

E, ainda que seu corpo esteja solto, isso não é liberdade.

Você liberou sua mente?

 

A pior prisão está dentro de nós mesmos.

No surreal ou nos sentimentos.

E quando você encontra a chave certa, respira liberdade.

Você se libertou hoje?"

 

No verso dessa folha, havia outro, escrito mais rápido.

 

"Medo.

 

Quando somos crianças, temos medo de se machucar o tempo todo.

Andar de bicicleta, medo.

Ir ao primeiro dia de escola, medo.

E falar com estranhos, idem.

 

Quando somos adultos, esse medo continua .

Se declarar para quem amamos, nos enlouquece.

Começar à escolher qual carreira seguir, nos apavora.

E o primeiro dia no emprego, também.

 

Nas duas fases, não deixamos de viver.

Não deixamos de crescer, por medo.

O novo assusta, amedronta, mas algo maior atrás disso.

Evolução.

 

A criança feliz por aprender a andar.

Um adulto vivendo do que gosta.

Novos sabores. Novas cores.

O medo sempre vai estar . Acostume e arriscar."

 

São lindos. Cada pedaço das suas escritas tem valor, para mim. São um pedaço do coração de Peter. São seu próprio diário. E isso apenas podia significar uma coisa — ele quer ser livre do que está lhe prendendo.

Estou feliz. A máscara séria daquele homem está caindo bem à minha frente e ele já não tem problemas em me mostrar o que se passa em seu interior. Ele quer dividir coisas comigo, finalmente!

 

— Eu concordo tanto com eles, Pete. Sinto que... Eles me convidam a abrir a janela e voar. — Ri, com vergonha, sem saber se ele encararia isso como uma crítica. — É um convite para sermos quem somos, de verdade. 

— É uma bagunça tudo o que venho sentindo, Rach e apesar de ainda ser estranho sair dessa caixa, quando eu me vejo fora dela, esses pensamentos passam pela minha cabeça. — Ele movia as mãos no ar, fazendo mímicas e eu olhava, concentrada.

— Mais pessoas merecem ler e sentir o que eu senti lendo ou o que você sentiu, escrevendo. Você poderia viver disso! — Bati o papel de leve nos meus joelhos e suspirei. — Eu sei, já tivemos essa conversa antes, mas...

— Mas eu quero aceitar, dessa vez, Rach. Quero trabalhar com isso ou pelo menos tentar. Quero muito! — Agarrou minhas mãos e deu um sorriso que durou pouco, continuando. — Você me sugeriu isso e foi no primeiro que pensei quando ele ameaçou me tirar tudo.

— Então nós vamos lutar pelo seu sonho, Pete! Ele não pode mais te segurar, você mesmo disse isso, ali, no papel. — Apontei o mesmo e sorri, desajeitada. 

— Nós? Você disse nós vamos lutar? — Sorriu, sacudindo a cabeça enquanto me olhava nos olhos. — Meu Deus, Rachel... Eu te amo.

— Eu te amo, Peter. Eu te amo! — Deixei a folha cair e o abracei, apertado.

 

Ele devolveu o abraço e correu sua mão pelo meu braço, subindo e encontrando meu queixo. Nossos olhares estão sinceros e profundos, agora. Não preciso esconder que eu o quero e o amo com cada parte de mim. Meu corpo treme e vibra com seu toque certo em meu rosto, como se esperasse o beijo que ele me dá, logo depois.

Não existe mais um mundo ao nosso redor. Palavras, medos, certo e errado. Nada existe. Apenas Peter e eu. Apenas... Pechel. Lidar com isso já não precisa ser sozinha, porque dividimos esse sentimento. Dividimos algo que cresceu sem pedir permissão. Que nos fez sair de órbita e nos comportar inúmeras vezes como se não fossemos nós mesmos, mas éramos — nós sendo loucos, um pelo outro.

A loucura não passou porque nós nos declaramos. Nada disso. Estamos piores. Sua mão desliza pelo meu corpo e tira minha camisa preferida. Não posso fazer o mesmo, porque ele já tirou a dele antes, mas agarro nas laterais de sua calça, indicando que quero que ele a tire. Peter me deita no sofá e se desfaz da mesma, quase que sem parar nossos beijos. 

Eu toco seu corpo quente com toda a atenção e desejo que tenho e sei que também queimo sob seus dedos. Tudo em mim o quer. Agora. Dentro. Em cada parte do que sou e quero ser com ele. Não ligo sobre quantas vezes ele deve ter feito o mesmo nesse sofá. Eu só ligo para o meu coração dizendo que essa será a primeira aqui, comigo. 

Nossos corpos se misturam e se chocam por horas. Eu clamo seu nome e ele o meu. Nos amamos muito e dizemos isso várias vezes enquanto ele me toma para si. E me ama.

Acho que foi isso o que aconteceu. Peter e eu fizemos amor.

 

•••

 

Não há mais sol em nossa janela e a única luz que entra é a artificial. Está tarde, mas não posso calcular a hora. Pete me abraça por trás e estamos deitados de conchinha, com Doc reivindicando um pequeno espaço aos nossos pés. 

Beijos em meu cabelo e carinho em sua mão são o que mais temos, no momento. Eu apenas me movi nos últimos instantes para pegar e vestir sua camiseta preta com um cartoon do Charlie Brown. Não sabia que ele gostava de desenhos, mas essa camiseta é bastante fofa. Acho que ele usa para dormir...

Tudo está ótimo, mas a vida precisa girar um pouco. É a última noite de Anna na cidade e eu preciso ver se ela está bem, independente de Jonathan estar ou não por aqui. E claro, eu também preciso de um banho. Peter ri quando eu digo isso, mas é a verdade do ser humano. 

É difícil deixar meus dois homenzinhos à sós nessa casa, então prometo que se possível volto mais tarde. 

Mais beijos e logo estou para fora da casa dele, caminhando um pequeno espaço, quando Paul sai da casa de Stacey com o cabelo molhado e roupas na mão. Acho que, hoje, esse andar está meio... Pornô.

 

— Meu chuveiro quebrou, sabe como é... — Piscou para mim.

— Sei. — Ri e peguei a chave, que estava entre as roupas em minha mão.

— O seu chuveiro também quebrou? — Apontou as roupas, sorrindo com o jeito cretino, como se compartilhássemos um segredo.

— Sim. Digo, não. Digo... Eu dormi lá. — Apontei a outra casa.

— Que bom... Melhor do que com o cara estranho.— Fez uma pausa, como se não devesse dizer aquilo e retomou o assunto. — Soube que perdeu o emprego. Poderia vir trabalhar comigo.

— Ah, não. Não! Obrigada. — Balancei a mão livre, rindo. Eu não pretendo quebrar elevadores ou tomar banho com pessoas que não sejam Peter.

— Não, Rachel. Não é do que está pensando, meu Deus! — Soltou uma gargalhada e pegou sua carteira, retirando um cartão. — Eu fui chamado para trabalhar aí e sei que estão procurando alguém para as finanças. Você faz isso, não é?

— DS Lawyers, na Wall Street? Uau, uma empresa de advocacia? O que vai fazer lá? — Estreitei os olhos, confusa.

— O que acha? Eu sou um advogado. Estou tomando jeito! — Ergueu as sobrancelhas e riu, orgulhoso de si mesmo.

— Estou tão feliz por você, Paul! Obrigada pelo cartão... — Abracei-o e abri a porta, em seguida.

— Obrigado, Rachel. E boa sorte! — Acenou, se dirigindo ao elevador.

— Obrigada. E diga a Stacey que ela parece ter um chuveiro ótimo! — Entrei em casa.

 

Paul deu uma risada que iluminou o corredor e me contagiou. É bom ver que eles estão se acertando e ela não está mais sofrendo pelo estilo de vida incomum, dele. É tão bonito ver que uma pessoa evolui não para outro ser, mas para si próprio. Stacey e eu não forçamos esses garotos a mudar e nem nunca o faríamos. Tudo o que aconteceu, foi que mostramos que eles podem ser melhores a cada dia e podem demonstrar ao mundo as pessoas capazes, eficientes e maravilhosas que eles podem ser. 

Não sei o que está acontecendo nesse prédio, mas estamos evoluindo todos juntos, de uma só vez. E agora eu tenho um cartão em mãos que pode significar um bom futuro para mim. Um recomeço. Sinto que poderei ajudar Peter, se ele precisar e minha estadia em New York estaria garantida com um salário melhor.

Eu preciso conseguir esse emprego. É hora de se libertar.

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!