O cara do apartamento ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 20
Capítulo 20




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Carter entrou e sumiu pelo corredor, onde ficava seu quarto e um mini escritório que está em começo de reforma para o quarto do bebê — já que é pequeno demais para um adulto. Tenho certeza que estava contando à Kate sobre o que aconteceu. 

Ficamos Stacey, Peter e eu na sala, enquanto Anna se dirigiu ao banheiro, atrás de algo para fazer o curativo. Eu estava tratando do lábio cortado e ressecado — ressecado até demais para quem possa ter beijado nos últimos dias, quando meu irmão jogou alguns edredoms e travesseiros no sofá.

 

— O garanhão dorme aqui na sala. Cuidem de instalar a garota. — Anna separou a bagunça de coisas enroladas que ele trouxe, junto com Stacey.

— Onde você dorme? — Peter sussurrou, tocando minha cintura. Eu estava concentrada em fazer o sangramento parar, mas o olhei como se pudesse matá-lo.

— Nem pense em dormir com a minha irmã! Eu vou te vigiar lá da minha cama. — Carter soava mais ciumento do que bravo, agora.

— Você e sua irmã se parecem bastante, mas eu preferiria a vigília dela... — Segurou o riso, colocando as mãos para frente, quando Carter simulou que daria outro soco nele. Eu ri baixo.

— Boa noite, meninas. E boa noite, babacão. — Carter deu passos longos pelo corredor.

— É Peter! — Ele riu e eu pressionei o algodão no seu lábio, para que ficasse quieto. Ele gemeu.

 

As meninas cochichavam atrás de nós e quando eu estava quase acabando de estancar aquilo, elas disseram que iam até a garagem para que Stacey se instalasse. Mentira, elas queriam nos deixar sozinhos e agora eu era a que queria bater em alguém. A sala ficou em silêncio e eu estava arrumando a pequena sujeira que fiz na mesa, quando Peter me puxou para o seu colo.

 

— Você não acredita em nada do que eu disse, não é? — Abaixou as sobrancelhas, parecendo se lamentar.

— Talvez. — Dei de ombros.

— Rachel, eu não estaria aqui se fosse o contrário. Qual seria o propósito? — Riu baixo.

— Qual seria o propósito de você ter quase 30 anos, ser saudável e preferir ser triste para viver as custas de alguém tão mesquinho? — Estava de lado em seu colo e levantei meu olhar até o dele. Tinha indignação e dúvida no meu, mas nenhuma resposta no dele.

 

Ele está em silêncio e não foi inesperado por mim, então me levanto. É a escolha dele ser assim e o primeiro passo para mudar depende dele, não de mim, mas enquanto ele aceitar esse jogo de manipulações, Nicole estará entre nós, indo e vindo quando o lindo papai precisar. 

Ele segura minha mão, me impedindo de ir e me juntar as minhas garotas. Minha respiração pesa e a dele parece estar presa, como se ele estivesse pronto para falar algo e eu espero.

 

— Você me odeia? — Tinha dor em cada palavra. Tal como nos seus poemas.

— Eu nunca odiaria você, Pete. — Suspirei. Eu disse uma verdade meio arriscada, mas eu estava certa disso.

— Então? — Inclinou o rosto para ver o meu. 

— Eu só... — Fiz uma pausa, olhando partes da sala, me decidindo se continuaria a frase. — Estou sem cores e preciso de um tempo para me recuperar disso. Sei o que elas representam para você, mas... Eu perdi tudo.

— Você sabe quando o arco-íris nasce, Rach? — Acariciou as costas da minha mão com seu polegar. — Quando há chuva. Depois da sua tristeza, elas vão voltar.

— Elas nunca voltaram para você! — Meu Deus! Eu me tornei ele?

— Quando eu finalmente parei de sofrer por ela, você apareceu e trouxe todo um mundo bom de volta! — Nossas vozes estavam altas e Carter não demoraria aparecer.

— Peter... Agora não. — Fechei os olhos e sacudi a cabeça relutante.

— Podemos tentar? Como amigos, pelo menos. — Bufou.

— Amigos. Como sempre. — Assenti e andei rápido para me livrar daquela cena.

 

Eu não tinha mais ar para a atmosfera pesada daquele ambiente e quando me vi na cozinha, soltei o ar preso. Encostei na parede, para que ele não me visse e uma lágrima teimosa rolou.

Era demais estar perto dele e aceitar essa condição pela centésima vez. Ele sabia que ia doer e essa regra também se aplicava à mim, mas não conseguíamos nos afastar inteiramente. Peter caminhou até a cozinha, sem que eu me desse conta, antes de vê-lo parado na minha frente e me abraçando, em seguida. Eu tentei me desfazer dele, mas seus braços me apertavam mais contra seu corpo e sentir aquele cheiro conhecido e necessário estava me tranquilizando. É engraçado como, algumas vezes, a coisa que nos faz mal seja a mesma que nos faz bem.

 

— Rach, eu sei, é difícil nesses termos. — Fazia cafuné ao me abraçar. — Talvez, se você aceitasse, nós...

— Não propõe! Não faz isso comigo. — Bati as mãos no seu peito com raiva, mas meus olhos marejados entregavam outro tipo de sentimento. — Não me pede para aceitar. Não me pede para entender. Não me pede... Para eu ver você com ela outra vez, nem por brincadeira, porque eu não vou conseguir. Se essa é sua vida, eu entendo, mas entre nós dois... — Balancei a cabeça.

— Me dê mais um tempo, por favor. — Encostou sua testa na minha. — Por favor, não desista!

— Não vai funcionar, Pete... — Sorri com toda a dor. — Eu nunca vou desistir de estar perto de você, mas do jeito que você quer... Não vai funcionar. — Me afastei e dessa vez ele deixou. Andei alguns passos, soltando sua mão, gentilmente.

— Já disse que aceito sua amizade. Volta para casa comigo, amanhã. — Respirou fundo e tocou o rosto, alisando a pequena barba do queixo. — Sei que não estou em posição de pedir, mas volta, Rach.

— É a minha casa. Eu não posso ficar aqui para sempre... — Pisquei. — Boa noite, Pete.

— Boa noite, princesa.

 

•••

 

O dia está ensolarado e já acordamos há um tempo. O café foi um pouco quieto, como era de se esperar. Carter fitou Peter durante toda a estadia na mesa. Como comia, como bebia, como se mexia... Parecia uma garota apaixonada e parece que não só eu notei, mas Kate que fez esse comentário alto e as garotas e eu caímos na risada. Peter mandou um beijo para ele, que devolveu fazendo uma careta infantil, mas adorável.

As meninas não pararam de conversar à mesa. Mostraram fotos de Jon e Paul no celular, super apaixonadas. Eu sou a amiga solteira entre um bando de garotas namorando e fico olhando o carinha que eu gosto o tempo todo. Que incrível essa casa, hoje, pareço estar na sexta série!

Apesar do meu ciúme em ver minhas garotas falando dos namoradinhos, não posso negar que elas estão cuidando bem de mim e que Anna se certificou de que Stacey vá cuidar de mim tal como ela cuidou enquanto estive aqui chorando, assim como Stacey quis todos os detalhes do que ela fez comigo nos dias anteriores. Suspiro. É bom vê-las se dando bem... 

Termino de ajudá-las na cozinha e seco as mãos enquanto olho meu irmão e Pete na sala, sentados, assistindo algum campeonato de baseball. Eles parecem concentrados e sem tentar se matar, dessa vez. Estava sorrindo sem perceber, até que Kate me notou.

 

— Eles são lindos juntos, não é? — Dei um pulinho de susto quando o ombro dela tocou no meu, mas ri, confirmando.

 

E eles são mesmo. Minha mente me trai um pouco, imaginando que seria assim, se casássemos e viéssemos passar o fim de semana aqui. Sem socos, ciúmes, disputa de egos. Só o meu bom e velho irmão, junto ao amor da minha vida. 

Talvez o bebê já estivesse correndo pela casa e meus pais estivessem por aqui. Todos rindo, se divertindo e eu feliz, verdadeiramente feliz.

Uma das equipes marcam ponto e Carter comemora, mas Peter discute a pontuação e os dois começam a divergir mais uma vez. Rio baixo. Acho que as coisas não vão ser mesmo com eu penso que seriam...

O sol abaixou um pouco enquanto terminávamos de guardar toda a louça do almoço. A hora de viajar de volta se aproxima e meu peito pesa um pouco, sabendo que não vou ter todos esses guardiões em casa e voltarei à ser apenas eu mesma. Eu e Peter, do outro lado da parede e todo meu esforço de não correr até ele.

 

— O que houve? — Anna tocou meu ombro, sussurrando.

— Estou pensando demais... — Sorri.

— Como sempre... — Sorriu e colocou o cabelo atrás da orelha. — Conversaram ontem?

— Decidimos ser bons amigos. — Olhei para ele de longe que pareceu sentir meu olhar e me encarou. Desviei rapidamente.

— Eu vou com vocês. Para New York, digo. — Gaguejou, mas parecia certa.

— Você diz... Sério? — Arregalei os olhos e ri.

— Só por uns dias. Até você dar seus passinhos de novo... É seu primeiro coração partido, Frozen. — Me abraçou apertado e fez bico. Dei uma gargalhada. Eu entendi bem a piadinha, eu era mesmo bem gelada. 

 

Ela foi arrumar sua mala, depressa e se despedir do namorado e eu fui me despedir de Kate e do meu irmão. Abraços, sorrisos e promessas de visitas, como sempre. Stacey nos esperava animada, na porta do carro e Peter ajudava Anna com a mala.

 

— Me avisa quando chegar em casa. — Carter me abraçou e falou baixo. — E me avisa se o babacão mexer com você.

— É Peter! — Ri. — Ele não vai mexer com ninguém, Pete não é assim. Vai ficar tudo bem, Carter.

— Eu só não quero te ver daquele jeito de novo. Promete que não vai chorar. — Segurou meu rosto.

— Não vou chorar! — Dei mais um abraço e um beijo em sua bochecha e caminhei até o carro.

— Carro legal, garota! É modelo do ano, novinho. — Carter gritou para Stacey, acenando.

— Não é meu. É do babacão! — Apontou Peter e todos riram, menos eu.

 

Desde quando ele tem um carro? Bom, eu nunca perguntei isso à ele antes, mas todas as vezes que eu o vi na rua, era andando ou pegando carona. O carro está tão novo que parece que ele o ganhou depois do favor ao seu pai. 

Lanço um olhar para ele, demonstrando que eu entendi sobre o carro e abro a porta de trás, me ajeitando no canto do banco. Stacey entra no banco do motorista e pede para Anna ser sua co-pilota. Óbvio, ela deve conhecer esse caminho bem melhor que eu, mas será que o mimadinho não dirige? Ele se senta ao meu lado e a viagem começa. Não tenho certeza se estou irritada com ele, mas parece que sim, então tento não manter um contato visual.

Ela estaciona no posto de gasolina e as duas saem para comprar guloseimas. Eu sinto Peter se aproximar e sentar-se colado à mim, mas não me movo. Estou distraída assistindo as duas comprando meus doces favoritos. Nada melhor para alguém que está sofrendo do que doces! Clichê, porém honesto e real.

 

— Não. Nicole não esteve aqui. — Ele se referia ao carro e parecia que estava lendo meus pensamentos.

— Eu não perguntei sobre isso, afinal é o seu carro e você faz o que quer dele. — Dei de ombros. Às vezes eu pareço mais grossa do que realmente sou. Será que isso é ciúmes?

— Não precisa, depois do olhar que me deu, na frente da casa do seu irmão. — Sorriu bem leve.

— Eu só não sabia que tinha um carro. — Franzi um pouco o cenho e olhei para ele. — E isso só me lembrou que não sei tanto sobre você.

— Bem. — Passou a mão no cabelo. — Eu nasci há muitos anos, estudei em escola pública, daí cresci, me mudei e blá-blá-blá... Ganhei esse carro essa semana e só o usei por você.

— Pelo favor que você fez? — Falei baixo. Não queria perguntar, mas precisava.

— Sim... Não teve um sabor bom, então eu o deixei lá, parado, sem uso. Quando ela disse que encontrou você, eu estava com a chave no bolso porque realmente iria te procurar, mas estava bêbado e esperando o efeito abaixar. — Ele nunca conta nada, mas quando o faz, dá detalhes de escritor. Será que só ele ainda não percebeu que é bom nisso?

 

Eu assinto logo que elas entram no carro, me entregando chocolates e balas. Peter rouba a metade e coloca uma bala na boca. Eu, por minha vez, abro o maior chocolate e dou uma mordida tão cheia de desejo que meu maxilar dói. Ele me observa e ri, passando um braço por trás de mim.

 

— Somos amigos, certo? — Pete sorri e pisca. Sua bala estala na boca. Não posso evitar olhar por um tempo aqueles lábios fortes e macios.

— Sim... — Faço uma pausa e tento voltar ao mundo real. — Você tem mãe?

— É claro que sim, Rach! — Riu. — De onde surgiu essa pergunta?

— Eu... Penso demais. — Sorri, sentindo meu rosto queimar e balancei a cabeça.

 

Pete sorriu tanto que parecia uma pequena risada brincava em sua garganta após minha pequena confissão. Ele estava feliz, de algum jeito e eu também. Ter sua presença e estar com esse bom humor inigualável é tudo o que sempre prezei. Esse humor é o que me anima, desde o primeiro dia. E pensando bem, ele sempre foi enérgico demais para carregar tanta dor. Ele tem cores. Peter tem cores por si mesmo. Pode superar essas pessoas cinzas em sua vida. 

Acho que ele começou à notar isso também, mas precisa de um tempo para se entender e agir. Até lá, eu aproveito a companhia do melhor amigo que alguém pode ter.

Encosto em seu ombro e nos olhamos quando Stacey entra na entrada em alta velocidade. Tudo corre ao nosso redor, mas nós não temos pressa alguma de chegar...


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