O cara do apartamento ao lado escrita por choosefeelpeace


Capítulo 21
Capítulo 21




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Tudo o que posso dizer é que fracassei. Sei que foram alguns meses depois que eu cheguei na cidade, mas a missão dada não foi exatamente cumprida. Primeiro, porque eu vim decidida à me curtir e logo namorei Josh — meu Deus, Josh! E me apaixonei, como nunca, pelo primeiro cara que eu cruzei por aqui. Segundo, não consegui me manter no emprego. É. Não deu.

Eu não devia ter largado tudo aqui e sei que muitos, por aí ou no meu lugar teriam feito diferente, mas não foi assim para mim. Minha resistência estava tão baixa que, sem perceber, fiz da minha família meus dois vizinhos e quando um falhou, eu me perdi. Só precisava esquecer a loucura toda que fiz, vindo morar longe de tudo e lembrar que ainda tinha alguém por mim. Que tinha um passado, como Peter.

Era de se esperar que eu fosse mandada embora, mas aquela pontinha de esperança no próximo ainda estava — e sempre está em mim. Mark me explicou que as ordens vinham de superiores e que faz parte das regras da empresa. Você não pode, simplesmente, largar seu emprego por dois dias só porque sua cunhada está grávida ou porque seu namorado quebrou seu coração, sem ter um laudo médico que isso te causou algum dano físico. A vida adulta não é tão fácil como faltar na escola. Ela tem normas. 

Fugi, como faria em um dia qualquer na faculdade, quando saía para tomar uma cerveja com os amigos ou para ver um dos shows da banda de James. Fui mimada e mereci ser repreendida. O castigo? O olho da rua e eu tendo que manter um aviso prévio por mais uns dias e treinar a garota nova, que iam selecionar. Tenho contas a pagar e preciso, no meio dessa bagunça toda, procurar um emprego. 

Gosto do trabalho que fiz por lá e dos dois que me suportaram esse tempo todo. Meu jeito desajeitado rendeu boas risadas e até aprendi algumas palavras em espanhol com Daya. É bem chato para nós tudo isso que aconteceu, mas eu nunca vou me esquecer deles e que aqui foi o primeiro lugar que eu trabalhei de verdade na vida. 

Penso em Peter. Não existe uma idade para começar a vida adulta. Uns, por necessidade ou desejo, começam bem cedo. Outros, por medos e comodismos, bem tarde. O fato é, a vida adulta chega pra você. De uma vez, como foi para mim ou gradualmente, como ele pretende fazer. Eu realmente espero que faça. Não sei se ele é do tipo que apenas promete, mas sinto que algo nele amadureceu e se decidiu. 

Meu celular não toca nenhuma música, hoje, sequer as tristes. Eu preciso ficar em silêncio, um pouco e sentir tudo em minha volta. Talvez eu não veja isso por muito mais tempo, depois que eu sair, oficialmente, do emprego. Talvez eu precise alugar um apartamento muito menor, dependendo do salário. Ou talvez... Eu precise voltar para trás. 

Anna me mandou uma mensagem, pouco antes de eu chegar, dizendo que haverá um jogo do campeonato de futebol estadual e Stacey nos convidou, a mando de Paul, para assistirmos na casa dele, comendo algumas besteirinhas — que estou precisando muito, aliás. Ainda não contei para ela o que aconteceu e isso pode esperar, preciso me divertir e distrair. 

A casa está vazia. Stacey cuidou da minha hóspede linda e eu agradeço, pois deve ser péssimo passar o dia trancada aqui. Caminho até o banheiro e me livro das minhas roupas cheirando café, como sempre. Um bom banho alivia parte da agonia que estou sentindo. Tento me livrar do sentimento de culpa, raiva e fracasso que senti o dia todo. Meus amigos não merecem ver isso. Eu não mereço continuar assim. É o meu primeiro emprego. Será que não posso simplesmente errar?

Visto algo confortável e simples. Um macacão jeans e uma camiseta preta, mas mantenho o cabelo preso e coloco minhas pantufas, afinal, é apenas três andares abaixo e é o Paul! Não preciso brincar de impressionar quem já me viu com a cara amassada e de sono, na viagem até a praia. 

O telefone toca e isso indica apenas uma coisa: são meus pais. Qual deles? Eu não sei, mas se fosse meu pai provavelmente ele já estaria deixando mensagens na adorada secretária eletrônica, como vem fazendo. Engulo em seco e tento raciocinar antes de pegar o telefone. Será que pais possuem sexto sentido e sabem quando o filho fez algo errado? Será que eu devo encobrir isso por mais uns dias? Ou será que estão ligando para conversar sobre o bebê?

Atendo e é a minha mãe. Eu não escuto a voz dela há vários dias e só isso já me dá vontade de deitar no seu colo e chorar, mas sigo firme. Conversamos sobre o novo membro da família e ela me diz o quanto está ansiosa para se tornar avó tendo a criança no colo. Ela não me cobra um filho, é claro, porque eu sou esse desastre e estou há vários passos antes disso acontecer. 

Ela me conta como estão as coisas em casa e sobre os vizinhos e eu apenas rebato com algumas palavras, saboreando sua empolgação. É claro que, diferente do meu pai, é ela quem puxa minha orelha e mesmo que sua felicidade estivesse alcançando o céu, não seria diferente, agora.

 

— Você não tem planos de outro emprego melhor, querida?

— Mãe... — Rolei os olhos e sei que ela podia perceber isso de longe. — Por que?

— Rachel, eu entendo que você tenha aceitado o primeiro emprego que lhe apareceu e eu faria o mesmo, mas o seu diploma não merece ser enquadrado apenas para ficar de enfeite aqui na sala.

— Eu sei. — Ela tinha razão. Eu só não tenho certeza de que eu saiba exercer bem a minha profissão, mas não disse isso em voz alta.

— Quando eu a mandei para New York, eu esperava um trabalho na Wall Street! Janelas enormes, escritório apenas seu, reconhecimento... Você está fazendo pouco por si mesma e nós sabemos que você pode mais. 

— Vou distribuir uns currículos por lá. — Cocei os olhos, olhando no relógio de parede. Estava quase atrasada. 

— Então pensa em sair do emprego? Eu convenci você ou você está saindo por conta própria? Rachel, há algo errado por aí?

— Não, mãe, está tudo bem... — Puxei o ar mais profundo que pude depois de mentir e o soltei. — Anna está aqui e estamos atrasadas para um jantar com amigos.

— Oh, é isso? Podia ter me dito antes! Vá aproveitar sua amiga. Diga que estou com saudades. Amo vocês!

— Amamos você...

 

•••

 

A casa está mais cheia do que eu imaginei. Paul é realmente popular. Para a minha surpresa, Peter e seus amigos da praia também estão aqui. Não fazia ideia que Paul e Peter eram amigos. Acho que eu preciso me aprofundar um pouco mais na vida deles... 

Há outros caras aqui, e juntos, totalizamos três garotas contra sete caras. Por que todos decidiram vir até aqui, hoje? Olho em volta e a casa é mesmo bem legal com um design em vermelho, branco e preto e adesivos em japonês na parede. A luz é baixa, reduzida por um lustre, também em aspecto oriental. Não sei se ele alugou esse lugar ou se ele realmente gosta disso. Parece mais um restaurante do que uma casa, mas... Preciso ter em mente que exótico é o nome do meio desse loiro. 

Duas caixas abertas de pizza já esperavam por mim e parecia quase obrigatório uma garrafa de cerveja na mão de cada um. Almofadas estão espalhadas pelo chão para que todos consigam um lugar frente à TV, mas os garotos se ajeitam nas cadeiras próximas ao balcão revestido por um cintilante granito preto. Eles se divertem jogando amendoins para cima e os agarrando com a boca, no intervalo das pizzas. 

O jogo começa e o silêncio aparece como um furacão. Sento em uma das almofadas e encosto na perna de Anna, que está no canto do sofá, dividindo espaço com Stacey, Paul e dois amigos de Peter, que se eu bem me lembro, chamam Doug e Nick. Ela acaricia meu cabelo de modo distraído e lanço o olhar até ela, que está olhando em direção à cozinha, curiosa. Um dos novos caras está olhando atentamente para ela. Confesso que ele é muito bonito. Alto, cabelo e olhos escuros e uma barba que parece desenhada em seu rosto. Ele ri baixo, depois de ouvir seu amigo lhe confidenciar alguma coisa e revela um sorriso muito agradável. Nós desviamos o olhar assim que ele nos olha.

 

— O que você tanto olha, Anna? — Dei um sorriso travesso. É claro que ela estava olhando aquela belezinha e não é proibido olhar. É?

— Ele me olhou primeiro! Desde que cheguei, não para de me olhar. — Cruzou os braços e se encolheu, tentando ficar séria, mas parecia mais incomodada com a minha percepção do que nervosa.

— Acho que ele está apaixonadinho por você! — Cutuquei sua perna com o cotovelo e ri baixo. 

— Eu disse o mesmo para ela! — Stacey se virou para nós, se soltando do braço de Paul, com empolgação. 

— Oi? Vocês lembram que eu estou noiva? — Anna riu e lançou um olhar sobre os ombros, fitando-o, outra vez.

— Você lembra? — Stacey perguntou e eu gargalhei. 

— Eu lembro! — Arregalou os olhos e riu, dando um tapinha nos nossos braços. — Ele só é muito bonito. 

— Muito mesmo... — Apoiei o cotovelo no sofá e o chequei a última vez. Ele piscou para nós e nos viramos rapidamente para frente. 

 

Parecemos adolescentes, olhando o carinha do último ano da escola, mas isso foi muito engraçado. Posso escutar a risada de cada uma, enquanto coloco a mão na boca, tentando abafar a minha própria e tentar entender algo do que está acontecendo na tela. Escuto alguns palavrões de fundo e táticas  de jogo, quando alguém se senta ao meu lado e toca minha perna. 

 

— Curiosa sobre Ryan? — A voz grossa indaga e meus olhos cruzam os dele. Peter não está rindo, parece esperar minha resposta.

— Não. Está tudo bem. É sobre Anna, não sobre mim. — Dei de ombros e desviei o olhar, analisando seu corpo, sentindo meu rosto queimar. 

— Menos mal. — Assentiu e seu abdômen se contraiu, como se respirasse aliviado. — Como foi seu dia? — A ponta dos seus dedos tocou meu joelho e subiu até minha mão, agarrando-a.

— Péssimo. — Falei baixo e curvei o corpo, sussurrando próximo à sua orelha. — Fui demitida. 

— Você... O quê? — Arregalou os olhos e olhou ao redor, sussurrando de volta. — Por que? Ninguém sabe?

— Porque tirei uns dias "de folga". — Sorri fraco e ele fechou os olhos, em culpa. — Não sabem, ainda. Só você. 

— Meu Deus, Rach. Eu sinto muito. — Suspirou, beijando minha mão. — Se eu puder fazer algo, qualquer coisa... 

— Talvez, se cortarem minha luz, eu peça velas para você. — Sorri e beijei sua bochecha. — E seu dia, como foi?

— Bem, na verdade. — Confirmou com a cabeça, dando um sorriso curto. — Recebi duas amigas ao longo do dia. Não dormi muito. 

— Ah! — Sorri, colocando uma mecha curta atrás da orelha. — O velho Peter Clark... 

— E terminei com elas. Uma por vez, é claro. — Estreitou os olhos e levantou uma mão, como se estivesse em busca de uma frase não tão ruim, dessa vez. 

— Eu sinto muito. Por elas, por terem um meio namorado. — Fiz careta. Ele não consegue fazer uma boa frase, mas sei que ele está tentando.

— Pula essa parte, Rach, elas não eram namoradas. A questão aqui é por que eu fiz. — Deu toda ênfase na última frase. 

— Ok, por que? — Cruzei os braços e permaneci encarando-o, com ciúmes.

 

Marcam um gol e a casa toda vibra com gritos, batidas de pés no chão, braços levantados e amendoins no ar. Eu não consegui ouvi-lo, sinceramente, mas pela leitura labial, tinha algo a ver com "Por você". Não tenho certeza que tenha sido isso, então apenas confirmei e mordi o lábio, tentando lidar com o ciúmes. Não quero pensar demais no que ele disse, hoje, mas sim pensar que ele começou à dar os passinhos que prometeu e como uma boa amiga, preciso apoiar, sem julgar.

O assunto se foi, completamente e pegamos pedaços da pizza para comer, que já estavam para acabar. Nossas mãos continuaram unidas durante o resto da noite, mesmo que ele estivesse falando com os amigos e comentando o jogo como se eu não estivesse lá enquanto eu fazia o mesmo, com as garotas, comentando sobre Ryan e Anna, provocando-a e conversando sobre assuntos aleatórios. 

As mãos, involuntariamente, se apertavam, às vezes e nós rendíamos um ao outro um pouco de carinho com o polegar. Estamos em uma fase calma e boa. Depois do meu dia, estar assim com ele e com as minhas garotas era tudo que eu precisava. 

 

•••

 

Está um pouco tarde e eu preciso trabalhar amanhã do mesmo jeito. Despeço de cada um, brevemente, já que os garotos estão entretidos demais com o programa pós-jogo e Anna decide me acompanhar. Estivemos separadas o dia todo e eu não posso deixar a minha visita na mão deles. Fora que há Ryan... E ela precisa fugir dele. 

Saímos do apartamento, abraçadas e rindo, sentindo o olhar dele em nossas costas. Se Jonathan não existisse, talvez algo interessante começasse à acontecer, hoje. Ela ama o namorado e isso é tão óbvio. Eles estão juntos há tanto tempo e vão até se casar. Eu só não sei se ele é o cara certo para ela. Não sei mesmo. Jon é bom e compreensivo, mas passa tanto tempo metido em seu consultório que meu coração aperta em pensar que ela vai ter um bom momento sozinha. Certo, talvez seja apenas ciúme meu, querendo que ela venha morar comigo, então é melhor não pensar tanto. 

Aperto o botão do elevador e ele parece preso no meu andar. Estranho. Tecnicamente o dono do mesmo está tendo um dia comum em sua casa e não pode ter quebrado nada, então, realmente, tem alguém o prendendo lá em cima. Anna e eu nos olhamos desconfiadas, mas decidimos subir as escadas, mesmo assim. Talvez seja o dono do 701, finalmente. 

Vou pensando nas alternativas enquanto subimos os lances de escada. Na pior das hipóteses, uma das garotas que Peter dispensou voltou bêbada e está sofrendo em nossa porta. Meu coração congela e lá está meu ciúme de volta. Nicole. Ela pode ter voltado. Menos mal que tenho companhia, essa noite, porque não me sinto pronta para enfrentar aquela garota tão cedo. Olhe pra mim e minhas pantufas, eu não estou mesmo preparada para o glamour e descontração dela.

Chegamos no andar e um segurança nos indica para parar onde estamos e um homem de terno bate na porta de Peter, incansavelmente. Anna está com o cenho franzido, mas meu rosto se torna sério. Eu imagino quem seja. Indico meu apartamento e passo pelo segurança, caminhando até minha porta. 

 

— Peter não está. — Retirei a chave do bolso e Anna destrancou nossa porta, sem abrir.

— E você, quem é? — Virou seu rosto para mim, em uma expressão desconfiada.   

— A vizinha! — Apontei a porta. — E amiga dele. 

— Amiga... — Analisou minha roupa e me olhou nos olhos. — Eu vejo. 

— Boa noite. — Apertei a mão na maçaneta.

— Antes, me faça um favor, senhorita. — Sacou um envelope cinza do sobretudo preto e me entregou. — Entregue isso ao meu filho. É do baile anual do partido. E relembre-o de ligar para Nicole. O convite dela está anexado ao dele.

— Sim... Senhor Clark. — Minha voz saiu trêmula. — Boa noite.

— Boa noite... Como é o seu nome? — Indagou.

— Rachel. — Desviei o olhar, entrando no apartamento.

— Rachel!

 

Bato a porta como se minha casa tivesse me engolido por completo. Anna retirou o convite da minha mão e jogou para cima, me abraçando. Não sei como me sinto agora, mas sei que a parte ruim vai recomeçar, agora que eu estava ficando melhor. Fecho os olhos e me aperto na minha pequena garota. 

O pai de Peter é bastante intimidador, é compreensível que ele seja persuadido por alguém assim. Eu queria ter dito poucas e boas para esse senhor, mas não sou eu quem tenho que fazer isso. Talvez se ele não tivesse dito o nome que me faz tremer, eu pudesse tê-lo encarado melhor. 

Só queria que ele entendesse o quanto atrasa a vida de alguém por egoísmo e um motivo barato. Só queria que Peter o deixasse saber. Eu só queria que fosse diferente. 

Eu quero que Peter se esforce dessa vez. Sei que ele pode! 

E se ele não puder... Eu vou superar de uma vez.  


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