Divided escrita por Pat Black


Capítulo 6
Frankness




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Rick estava no alto da torre e observava o amplo espaço ao redor. Não havia melhor lugar para estarem instalados que naquela prisão. Abaixo, seu grupo cuidava em limpar a área dos errantes abatidos, amontoando-os para que fossem descartados para fora do muro, assim que possível.

Na cerca, vários errantes se agrupavam, mas aquele era um problema que poderiam lidar depois.

Com o rifle pendendo às suas costas, se aproximou da murada, em uma parte iluminada pela luz da Lua e observou a escuridão que os cercava.

Fechando os olhos se sentiu feliz, ainda que apenas um pouco, pela pouca paz do precioso refúgio que encontrara para seu pessoal, seu povo.

Abrindo os olhos, os deixou vagar pelas pessoas abaixo, até que os fixou em Lori e sua alegria se foi.

A esposa deveria estar com quase oito meses agora, talvez nove, ela mesma não sabia, e isso a martirizava, mas não a ele. Não lhe importava em nada fosse o filho seu ou não. Em breve o bebê faria parte de sua família e zelaria pelo seu bem estar como o fazia com qualquer um dos que estavam ali embaixo.

A fogueira que Hershel acendera brilhava como um ponto de esperança em meio à desolação ao redor. Mesmo longe pareceu aquecer seu coração ver cada um deles começar a se achegar e sentar, animados por estarem a céu aberto, sem medos imediatos. Aquela prisão, Rick pensava, era o porto seguro que buscavam e faria o possível para mantê-la.

Bem, nem todos. Rick pensou deixando que o olhar repousasse no trio um pouco afastado, que se separou em direções distintas.

Linn, Sam e Chase estavam com seu grupo contavam três semanas e ainda não faziam parte de sua família. Eram convidados que precisaram permanecer sem previsão de partida e não faziam nada para mudar aquele status para algo mais intimo e achegado.

Ajudavam quando preciso, zelavam por todos, obedeciam as suas ordens, mas Rick percebia um olhar a Sam, em busca de sua anuência, a cada vez que estas ordens pareciam exigir colocarem-se em perigo imediato, como se ele pudesse pedir ao trio algo que nenhum dos outros ou ele mesmo não faria.

Acompanhou os três se deslocarem em direções distintas, depois que Sam lhes dissera e apontara algo. Seguiu com o olhar em Linn e percebeu que ela se aproximara da cerca e a avaliava com minúcia, com certeza procurando falhas ou buracos. Bufou, por que aquilo era algo que já fizera.

Preocupado desceu da torre para avaliar novamente as cercas. Não por que não confiasse em si ou nos demais, mas precisava estar sempre seguro de que nada iria pegá-los desprevenidos.

Alguns minutos depois ouviu Beth cantar, algo sobre despedidas sem arrependimentos, e se aproximou dos demais ao largo da fogueira. Como se fosse um sinal Daryl e Carol, bem como o trio, se acercou, felizes em partilhar o pouco que tinham, algo que Daryl caçara, depois de quase uma semana sem nada encontrarem e suas minguadas reservas terem se esgotado.

Seu olhar vagou em todos, depois experimentou um pouco da ave e passou a maior parte para Lori. Ela recusou a princípio, até que capitulou ante a sua muda insistência. Não pode deixar de notar que Sam lhe encarava com um brilho, que entendeu como de repreensão, nos olhos, algo que possivelmente não encontraria nos demais, pelo menos não abertamente.

Sam não sabia sobre a confusão que era aquela gravidez, as razões para suas reservas, para forma velada, fria e distante que tratava a sua esposa. Mas nenhum de seus amigos lhe contaria sobre aquilo. Sendo assim, sempre encontraria nela aquela censura e se sentia desconfortável com isso.

Mais de uma vez sentiu vontade de confrontá-la, mas preferiu evitar um conflito, não pelos demais, muito menos em razão de Chase, que quase nunca abria a boca, ou por que Sam evitava se aproximar de qualquer um deles, de uma forma que até lhe surpreendia por encontrar tal frieza em alguém tão jovem.

Apesar de calado Chase fora de grande ajuda àquela tarde, indo além do que sempre fazia e lhe surpreendeu de forma positiva.

Rick se lembrou da forma como se embrenharam pelas cercas intermediárias e no plano para tomar o pátio gramado. Deveria ter ido sozinho, mas Chase se propusera a acompanhá-lo.

“Não.” Rick lhe dissera balançando a cabeça e olhando para a multidão de errantes. “Não posso me preocupar com você.”

“Não vou precisar que se preocupe.” Chase pronunciara sentindo-se insultado.

“Chase é rápido.” Linn dissera.

“Fui o halfback do meu time por três anos seguidos.” Chase pontuou com um brilho de desafio nos olhos.

Rick considerara por um momento e resolveu que não poderia fazer tudo sozinho. Pouco depois descobrira que Chase não mentira, o cara era rápido, ele já estava no portão do pátio, após derrubar errantes com o machado e os empurrando como um quarterback, enquanto o xerife tinha apenas passado da metade do caminho.

Agora, ali estavam eles, o campo tomado e no dia seguinte tentariam limpar o pátio e quem sabe um bloco de celas. Expôs seus planos e notou o temor em todos, mas também a esperança. E esperança era o que todos eles precisavam.

Afastando-se da fogueira Rick foi seguido por Lori e Linn sentiu uma pontada de ciúmes, com sempre. Ao redor todos se prepararam para dormir, mas Linn se afastou e procurou por Sam perto da cerca, do lado oposto ao que Rick e Lori tomaram.

“O que acha?” Perguntou a Sam quando se aproximou e se postou ao seu lado na grama.

“Podemos fazer isso.” Esta respondeu dando uma olhada para o grupo perto da fogueira e lembrando a forma como derrubaram os errantes no campo mais cedo.

“No mano a mano?” Linn parecia um pouco cética. “Não sei, têm uns quarenta errantes naquele pátio, talvez mais.”

“Tenho confiança em Rick.” Sam deixou escapar e se arrependeu em seguida.

“Levou três meses para você confiar em Chase.” Linn pontuou sorrindo levemente.

Sam balançou os ombros como se dissesse: E daí?

Depois lhe olhou fundo.

Linn viu em seus olhos que chegara o momento de conversarem. Algo adiado por falta de privacidade nas últimas semanas.

“Linn...” Começou e a ruiva lhe interrompeu.

“Sei o que vai falar.”

“Sabe mesmo?” Sam questionou.

“Você me conhece mais do que qualquer pessoa que já cruzou meu caminho, isso em toda a minha vida.” Linn explicou. “Sabe o que eu sentia há sete meses e não é boba para imaginar que isso mudou.”

Sam apenas esperou, o olhar melancólico, triste por Linn e por si mesma.

“Não deixei de pensar nele nenhuma vez durante todo esse tempo.” Linn sussurrou para a amiga. “De todas as pessoas que conheci, foi o único que me importava saber se estava vivo ou morto.” Declarou com franqueza, recolhendo-se após em um silêncio necessário ao expor pela primeira seus sentimentos com tanta clareza.

Linn colocou as mãos para trás e se apoiou nelas olhando para o céu estrelado, tentando encontrar algum indício da estação espacial onde estava antes de cair nesse mundo caótico.

Lembrou-se de todos os demais astronautas que pereceram lá em cima, até que só ela e um russo restaram. Recordou dela e de Yagudin, tirando a sorte para saber qual país escolheriam para retornar a Terra quando a Soyuz1 dera problemas e só restava um bote salva vidas. E ela, num golpe da sorte, vencera.

Fechou os olhos e recordou, vagamente, do corpo do astronauta russo sobre o seu, invadindo-lhe sem pressa e sem promessas, de suas mãos passeando por todas as suas protuberâncias e reentrâncias, de sentir prazer de forma completa pela primeira vez em sua vida, quando o amigo se tornara seu amante, um mês após ser abrigada no acampamento do Xerife Holloway, pai de Sam.

O que sentira pelo russo, agora morto, lhe fizera se entregar sem receios e disposta, no entanto, aquele sentimento não se comparava em nada ao que experimentara pelo xerife há oito meses, e já nem podia mesurar o que lhe ia ao coração agora.

Importava a Linn um errante carcomido que fosse casado, ou que sua mulher seguisse grávida, ainda que tal fato a mantivesse a distância, guardando os seus sentimentos para si mesma o melhor que podia.

Olhou para Sam e ela também olhava para o céu, mas tinha se deitado e mantinhas os braços dobrados sobre a cabeça.

“Sou má por isso?” Perguntou sabendo que a opinião de Sam lhe era importante.

“Amar nunca será algo ruim.” Sam sussurrou na sabedoria de seus vinte e um anos. “Amar realmente.”

“Sem egoísmos?” Linn se deitou também.

“Se não for sem egoísmos nunca será amor.” A morena declarou fechando os olhos um momento.

“Não acredito nisso.” Linn declarou olhando na direção em que Rick estava e parecia discutir com Lori. “Nesse instante sinto-me a mais egoísta das mulheres, por que o quero para mim, e não me importo à mínima com o como possa conseguir isso.”

“Sabe que não é verdade.” Sam falou balançando a cabeça levemente.

“Acho que estava errada. Você não me conhece tão bem.” Linn desafiou voltando a cabeça para o lado de Sam. “Agora mesmo, tenho vontade de ir ao encontro dele e me oferecer como a mulher mais devassa do mundo.”

“Você está frustrada.” Sam meneou a cabeça e sorriu. “Por que sabe que ela não o merece.” Expôs. “Eu também acho que não.” Confidenciou.

Sam, sua condenada! Linn pensou e colocou as mãos sobre o rosto para conter uma gargalhada.

Lori não o merecia? Não mesmo.

Não por que não fosse bonita ou tivesse qualquer outra falha de caráter conhecida por elas, que não fosse a sua personalidade tão rasa quanto um pires, enquanto Rick era tão profundo quanto um rio caudaloso ou o um oceano. Mesmo assim e apesar de todo o problema que eles pareciam possuir, que Linn ainda não descobrira qual poderia ser, Rick amava aquela mosca morta.

A ruiva pensou em sua interação com Lori até aquele momento e se deu conta que não deviam ter trocado mais do que três palavras. A grávida não lhe suportava e todos estavam cientes disso. Não que ela tivesse alguma consideração por Sam ou Chase, mas com ela a guerra seguia declarada. Algo silencioso e sem motivos palpáveis, ainda que reais.

Lori sabia de seu interesse por Rick, e sabia que Linn sabia que ela sabia, por mais complicado que isso fosse.

Mas quem ali não sabia?

Talvez Rick. Linn pensou se erguendo.

“Se soubesse o que é amar assim...” Linn começou quando percebeu que Sam lhe encarava com uma nota de aviso no olhar.

“Acha que não sei?” Sam lhe perguntou levemente surpresa.

“Doug?” Linn soprou sem parecer convencida.

“O amei de alguma forma.” Sam deixou escapar se erguendo também.

“Se o tivesse amado, teria se metido no saco de dormir dele à primeira oportunidade.” Linn informou de modo cru.

“Deveria ter feito?” A morena respondeu. “Acho que sim.”

Linn pensou no grupo que se unira ao deles uma semana antes da horda atacar o acampamento e sentiu o coração falhar uma batida. Lembrou-se do rosto de Sam tão maltratado, da carnificina que encontraram na barraca dos dois miseráveis, das roupas da amiga rasgadas e em sua incapacidade de falar sobre o que ocorrera, ou não, antes que ela os matasse.

“Desculpe.” Linn tocou o ombro de Sam e ela estremeceu se afastando, como sempre, quando se lembrava, ou falava, daquele incidente.

Sam meneou a cabeça, como se não se importasse, quando Linn sabia que se importava imenso.

“Só não seja impulsiva.” Sam pediu. “Não faça nada, ou diga nada, que possa se arrepender depois.”

“Não vou.” Linn a abraçou e se ergueu para voltar ao calor da fogueira. “Prometo.”


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Notas finais do capítulo

Frankness - Franqueza



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