Divided escrita por Pat Black


Capítulo 20
Try


Notas iniciais do capítulo

Música - Breathe me - Sia



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“Deus!” Rick soprou ao notar o rosto de Linn e as marcas em seu pescoço.

Ela vestia uma camisa comprida, suja, cheirando a errante e nenhuma das peças com as quais saíra mais cedo.

“Como vocês nos encontraram?” Glenn perguntou.

“Vocês podem colocar o papinho em dia quando estivermos longe daqui.” Merle declarou, após dar um meio abraço no irmão.

“Não vou a lugar nenhum com você seu bastardo.” Linn se afastou de Rick e avançou em Merle lhe dando um soco inesperado.

“Sua vadia.” Ele tentou revidar, mas Daryl lhe deu um empurrão, os olhos vagando de Linn e sua figura estropiada para seu irmão.

“Linn?” Rick chamou tocando no braço dela e a garota se afastou como se o toque lhe machucasse, encolhendo-se e abraçando o próprio corpo.

Sam deu um passo na direção dela, parando quando notou que Linn não receberia bem sua ajuda, não nesse momento, não quando Sam podia notar todos os sinais de que algo muito ruim tinha acontecido a amiga e não só levar uma surra.

Chase foi quem conseguiu se aproximar o bastante para puxá-la pela mão, conduzindo-a a saída, enquanto Daryl e Rick ajudavam Glenn que mal conseguia se manter em pé.

No caminho se bateram com outros guardas e os tiros atraíram mais deles. Sair de Woodbury exigiu uma batalha em que tiveram que matar alguns de seus habitantes, mas sem nenhuma perda de seu lado.

Michonne, que havia sumido em algum momento antes de encontrarem os amigos, surgiu quando o grupo chegou a orla da floresta. A samurai avançou em direção a Merle com sua espada e só não o acertou por que Daryl a derrubou em um movimento que levou os dois ao chão.

“Michonne, pare.” Rick ordenou se colocando entre os dois.

“Então, minha deusa núbia, você está com o grupinho do xerife, heim?” Merle cuspiu e coçou o queixo encostando-se a uma árvore.

“Ele tentou me matar.” Michonne se aproximou e Rick lhe apontou a python.

“Chega!”

Chase tinha se afastado do grupo levando Linn, preocupando-se muito mais com a amiga do que com os problemas entre o irmão reencontrado de Daryl e a mulher com a espada.

Abrindo a porta de trás de um dos veículos, colocou Linn sentada e se agachou a sua frente.

“Como está?” Chase questionou e tentou tocar nos braços de Linn, em busca de algum ferimento mais grave.

Ela se encolheu e tremeu, se abraçou e baixou a cabeça começando a chorar baixinho, movendo-se com a embalar-se.

“Linn, por favor.” Ele pediu sem saber o que fazer com as mãos, temendo tocá-la novamente, ainda que seu maior desejo fosse lhe abraçar e dizer que tudo ficaria bem.

Um olho dela estava roxo e a marca de uma mão se desenhava com clareza em seu pescoço, mas aqueles ferimentos pareciam ser o que menos lhe preocupava. Ela lhe lembrava de Kelly. Do modo como a amiga, agora morta, se comportava quando se viram livres de B.J. e do galpão de armazenamento.

Ao perceber como ela se encolhia, correu para o porta malas do veículo, procurou algum cobertor ou roupa, encontrando o poncho de Daryl, voltando, enrolando a ruiva nele e apenas ficando ao seu lado, sem perguntas, sem tentar lhe tocar novamente.

“Ele não vai conosco.” Glenn rosnou à distância.

O grupo agora estava no meio da estrada, com exceção do tal do Merle que tinha ficado afastado, ainda encostado à árvore.

“Ele é meu irmão.” Daryl explicou. “Sangue é sangue.”

“Ele pode ser seu irmão, mas é um miserável.” Glenn continuou. “Olhe o que fez comigo.”

O rapaz se aproximou de Daryl e este ficou encarando todo o estrago que o irmão fez em seu rosto.

“Não estou desculpando o que ele fez.” Daryl falou dando um passo para trás, enojado.

“Acha que foi tudo que ele fez?” Glenn tremia. “Ele nos levou lá e um desgraçado machucou Linn.”

Daryl mexeu a cabeça sem entender, assim como todos, menos Sam e Rick.

“Machucaram ela, Daryl.” Glenn tentou explicar. “E eu não pude fazer nada.”

Glenn não queria dizer a palavra, não queria tornar o que acontecera mais real do que tinha sido, quando ainda podia ouvir Linn gritando não e saber que um maldito a estava forçando.

Nenhuma das palavras que disse pareceu esclarecer o que acontecera, mas havia tanta dor e desespero no modo como as pronunciou, e em seu rosto contrito, que os demais compreenderam exatamente o que ele queria dizer.

“Merle não é estuprador.” Daryl pronunciou muito baixo, o rosto pálido.

“Não sabia que ele ia fazer aquilo.” Merle se aproximou dos demais, ainda que afastado e de costas para os veículos. “Libertei vocês, não foi?”

“A culpa foi sua para começar.” Glenn acusou tentando avançar nele, mas cambaleando e necessitando da ajuda de Maggie.

Todos se sobressaltaram quando alguém colidiu com Merle, o jogou ao chão e começou a socá-lo. O Dixon mais velho ainda tentou se defender, mas a garota parecia possuída, o atingindo, com o cabo a coronha da arma e o punho.

“Sam!” Rick chamou no mesmo instante que Merle ergueu a mão mutilada e tentou lhe acertar um soco de esquerda.

Sam jogou o corpo para o lado contrário e o golpe passou longe do seu rosto. Na queda, Merle tinha batido a cabeça no chão, desorientado e zonzo não conseguia se livrar da garota que continuaria a lhe acertar se Rick não a tivesse puxado, com Daryl se ocupando em tentar controlar o irmão quando este se pôs de pé.

“Sua pu...” Tentou xingá-la, mas no mesmo instante, Sam já tinha se livrado de Rick e voltava a lhe dar um soco.

Daryl jogou Merle para trás, e este caiu sentado. Antes que Sam se aproximasse dele novamente, o caçador a segurou pelos braços.

“Sam, por favor.” Pediu.

 Daryl nunca havia lhe pedido nada desde que se conheciam. Aquela era a primeira vez que ele lhe tocava, e estava tão próximo, que ela pode ver seus olhos vermelhos e as lágrimas que custava conter. 

Sam tentou controlar a fúria.

“Ele é meu irmão.” Daryl disse baixo, depois olhou para Rick. “É meu irmão.”

Todos entenderam o que Daryl queria dizer. O que ele lhes pedia.

Mesmo sendo um maldito idiota, Merle era toda a família que lhe restava. Era seu irmão e não importava as burradas que este fizesse Daryl sempre o amaria. Tinha acabado de encontrá-lo e não poderia perdê-lo novamente.

Mas não era Sam que tinha que permitir nada, não era ela quem os liderava e não fora a ela que o maldito tinha capturado e lavado ao abatedouro. Mesmo assim, não podiam perder Daryl.

“Pense em Sofia e em Carol.” Rick lembrou, entendendo muito do que o amigo não dissera.

“Ele não é...” Daryl não conseguiu pronunciar a palavra novamente.

“Mas também não é confiável.” Rick explicou.

“Vivemos em uma prisão.” Daryl tentou.

Sam olhou para Merle, naquele homem estranho com um sorriso ridículo nos lábios, sacudiu-se das mãos de Daryl e se afastou em direção a Linn e Chase, percebendo as intenções assassinas no olhar do amigo, que se mantinha a distância para não fazer uma loucura.

Sam abanou a cabeça como a lhe explicar que não valia à pena.

Deu uma olhada em Linn que, já dentro do carro, olhava para o outro lado, alheia a toda a situação, no rosto uma expressão perdida e vazia. Depois flexionou a mão, os dedos doendo, ciente de que tinha quebrado um deles.

“Deixe-me ver.” Chase pediu segurando seu pulso, analisando o dedo anelar e o puxando antes de avisá-la que o faria.

Sam segurou seu braço e encostou a cabeça em seu peito contendo um grito de dor. Chase enfaixou a mão com um lenço e se afastou dela voltando a observar Linn.

“Deveria ter insistido para que ela ficasse.” Sam sussurrou contendo as lágrimas. “Devia...” Mexeu a mão boa e fez um esgar pela fisgada do ferimento antigo ainda não completamente curado no braço.

“Teria sido você então, ou Maggie.” Chase suspirou, sem saber em qual situação o que tinha acontecido teria sido pior. Descobrindo que nunca seria pior para ele do que estava sendo agora, mesmo que amasse Sam também. “Ela vai precisar de você.” Chase disse lhe encarando.

Sam balançou a cabeça em negativa e se afastou.

Linn não a queria por perto. Linn mal a olhara. Linn precisava de Chase e de Rick, mesmo que o xerife não entendesse isso. Linn a odiava e Sam se odiava por tê-la irritando tanto, que suas ações a levaram para os braços do perigo.

“Sam.” Rick chamou se aproximando. “Daryl...”

“Eu sei. Eu também não seguiria sem Chase ou Linn."

Rick a encarou fixo, observou sua mão enfaixada, lembrando da expressão selvagem de seu rosto quando atacou Merle.

“Ás vezes precisamos tomar decisões que não desejamos, pelo bem de todos.” Rick explicou e Sam soube que Merle os acompanharia à prisão. “Ele tem informações sobre o tal Governador.”

“Glenn e Linn não disseram sobre onde estamos.”

“Mas, cedo ou tarde, ele vai descobrir.” Rick pontuou. “Preciso que convença Chase.”

“Linn não vai gostar disso.” Sam foi realista. “Mas é você quem manda. O que podemos dizer em contrário?”

Dizendo isso se afastou, falou com Chase, depois acercou-se de Glenn e Maggie, conversando baixo com eles, buscando mais informações a respeito do ocorrido, sobre o que havia acontecido a Linn, mesmo que Glenn tivesse escrúpulos em contar muito mais do que já sabiam.

“Mas ele ia ajudar vocês a escapar.” Maggie disse em certo ponto da conversa. “Pelo Daryl, podemos levar isso em conta.”

“Contanto que ele fique longe de mim.” Glenn capitulou.

Sam se afastou deles e seguiu para a borda da floresta onde dois errantes se aproximavam, retirou o facão e derrubou o primeiro, depois acertou o segundo, errando a cabeça e atingindo o pescoço. O errante foi ao chão e ela o atacou novamente, de novo e de novo, o sangue espirrando e sujando seu rosto, só se afastando quando a cabeça da coisa se tornara uma massa disforme.

Recuando ela olhou para Merle, com o desgraçado tendo o bom senso de evitar sorrir ou soltar qualquer uma de suas piadas sem graça.

“Vamos.”  Rick chamou a todos.

Com Chase, Linn, Glenn e Michonne seguindo com Rick em um veículo e Sam, Merle e Maggie com Daryl em outro, não foi um retorno feliz, mesmo que todos estivessem vivos.

Vez ou outra Rick olhava pelo retrovisor e observava Linn, que enrolada no poncho de Daryl se mantinha encolhida e olhando pela janela, tão alheia e calada que, para Rick, foi como ter encontrado uma nova pessoa.

A Linn que o olhava com interesse, que lhe dizia frases dúbias, que sempre estava rindo e era tão expansiva com todos, tanto quanto Sam seguia fechada, não havia retornado daquela experiência.

Ao seu lado Chase não parava de observar a amiga, algumas lágrimas silenciosas banhando seu rosto em um momento, que ele logo enxugou, olhando para frente e encontrando com o olhar de Rick pelo retrovisor.

Linn não via nada da paisagem, com tudo lhe parecendo um grande borrão. Ouvira muito da conversa dos demais antes de se abrigar no veículo e se enrolar com o poncho, como se este fosse um escudo que poderia protegê-la de tudo, de todos e, principalmente, das lembranças de seu encarceramento.

Muitas vezes tinha se perguntado o porquê de Sam nunca conversar com ela sobre os fatos a respeito do que aqueles dois homens lhe fizera, antes que ela pudesse matá-los. Mas agora compreendia com clareza seu silêncio.

Não queria falar sobre aquilo. Não desejava pensar sobre o assunto. Mas as lembranças eram como seus ferimentos, recentes e doloridos, de forma que não podia não senti-los. Assim, não conseguia esquecer, e passava cada momento, fechando ou não os olhos, querendo ou não, a relembrar o que tinha lhe acontecido.

Ainda podia sentir a carne do bastardo lhe invadir, seu fôlego junto ao ouvido e seu maldito cheiro. Aquele odor de sexo ainda tão impregnado em seu corpo, que podia percebê-lo a empestear todo o carro. Aconchegou o nariz ao poncho de Daryl apenas para saturar seu olfato com algo novo.

Conseguiu distinguir tabaco e couro, terra e grama, algo tão peculiar no caçador que a imagem dele bailou em seu cérebro.

O que foi uma benção.

Por alguns segundos abstraiu-se de si mesma, de sua dor, até que o cheiro a tomou novamente e Linn explodiu, se sacudiu e gritou sem perceber, registrando que Rick parava o carro, quando a viu tentar abrir a porta, com ela saindo e vomitando antes mesmo que o veículo freasse completamente.

Sentiu os joelhos e as palmas esfolando no cascalho do acostamento. As pedrinhas afiadas lhe machucando quando se afastou um pouco mais e vomitou novamente. O corpo se sacudindo com os soluços que não mais conseguia conter.

Saiu do veículo tão agoniada que não conseguia se preocupar com os errantes, nem perceber que o carro que vinha atrás tinha dado uma guinada, fugindo de bater neles, com Sam disparando em sua direção e derrubando um errante com um gole certeiro do facão, jogando este longe, até chegar nela, se ajoelhando ao seu lado e lhe abraçando.

“Sam.” Ela gemeu estrangulado. “Ele... Ele me...”

A morena lhe abraçou forte e Linn se agarrou ao seu corpo chorando, se sacudindo em espasmos, alheia a todos os que tinham saído dos veículos para protegê-las, não conseguindo dizer muito mais que aquelas palavras.

“Estou aqui.” Sam lhe disse algumas vezes. “Estamos com você e ninguém mais vai te machucar assim novamente, prometo.”

O maldito cheiro estava em tudo, Linn podia senti-lo até mesmo em Sam. Queria se livrar dele, queria esquecer, queria apenas esquecer tudo.

“Sam.” Linn falou olhando para o seu rosto, puxando a beretta do coldre da amiga e empurrando a garota para longe.

Apontou a arma para a própria cabeça e apertou o gatilho.


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